Capítulo Quatro: Tic Tac
Uma semana depois
Ginny estava sentada num canto da masmorra, com o queixo pousado sobre os joelhos. Brincava com uma pequena pedrinha. Ela nem sabia há quanto tempo estava ali. Parecia uma eternidade. Encostou-se á parede, suspirou, olhou para cima e como já havia feito nos dias anteriores lembrou-se dos doces momentos do passado. As brincadeiras com o George e o Fred, as brigas parvas com o Ron, as lições de moral do Percy em que ela tentava controlar-se para não rir e parecer que estava muito atenta, os segredos entre ela e o Bill, até mesmo as cócegas que o Charlie costumava lhe fazer que ela não gostava mas acabava sempre o perdoando, depois as memórias do Harry, da Hermione, dos seus amigos, de Hogwarts. E era assim que ela passava os dias, recordando e ouvindo o mar.
Duas semanas depois
As memórias já não eram doces, eram amargas como o fel. Era o Professor Snape que conseguia sempre encontrar defeitos nas suas poções mesmo quando elas estavam perfeitas, eram os Slytherin implicando com ela por ser pobre, era o Ron que não a deixava viver, era o Harry que parecia não a ver e a memória mais dolorosa, o Tom. O Tom, a quem ela tinha confiado a sua inocência, a quem ela tinha confidênciado todos os seus segredos, o Tom que ela achava tão bonito e parecido com o Harry, ela desejou que o Harry fosse como o Tom, tão gentil e atencioso. O Tom com uns olhos azuis tão calorosos. O Tom era o seu melhor amigo. Mas depois os olhos tornaram-se frios, ele já não ouvia, ele sugava palavras dela e sugava-lhe a vida com cada palavra, tomava conta do corpo dela. Ela já não tinha forças para o afastar, ele tornara-se uma parte dela, uma voz no interior da sua mente, uns olhos que a seguiam onde quer que ela estivesse, ninguém o via mas ela sabia que ele estava lá, esperando o momento certo para sair das sombras.
E um pingo de água irritante caía no chão da masmorra, parecia o tic tac de um relógio. Ginny queria gritar, tinha tanta coisa na sua cabeça, eram tantas as vozes más dentro da sua mente que a faziam quase entrar em delírio. Ela levantou-se do canto onde se habituara a sentar-se e começou a deambular pela masmorra. O som do mar parecia ter-se silênciado, só aquele ping ping da água penetrava nos seus ouvidos, quase como uma tortura estridente.
Um Mês
Ginny andava de um lado para outro sem parar. Falava sozinha, dizia coisas nem nexo depois parava e gritava., dava murros na parede, depois sentava-se e balançava para a frente e para trás vezes sem conta até se levantar e deambular rapidamente, falando sozinha, parando e gritando, dando murros na parede, sentando-se e balançando para a frente e para trás, levantar, deambular, falar,parar, gritar, dar murros na parede, sentar, balançar... num ciclo vicioso e agonizante.
Dois Meses
Ginny mergulhou as unhas na pele e gritou com todos os seus pulmões não pela dor física mas sim numa tentativa de fugir daquela dor interior, daquele vazio e daquele silêncio que a estava sufocando.
A masmorra já cheirava mal, havia manchas de sangue, restos de comida e pedaços de roupa de Ginny por todo o lado.
Ginny parou de gritar. O seu corpo estava mutilado, cheio de arranhões tão profundos que deixavam o sangue sair sem dificuldade alguma. Mas que importava? As memórias tornavam tudo ainda pior. O Tom tomava mais uma vez conta dela, aquela sombra que tinha ficado escondida no fundo do seu ser, nas entranhas da sua alma revelava-se mais uma vez. Os olhos azuis crueis, o cabelo escuro, as mãos pálidas e fortes agarrando-a, sugando-lhe a vida. Tudo se passava na mente dela mas era como se estivesse acontecendo mesmo. Ela tinha chegado a um ponto em que realidade e imaginação se misturavam.
-Estás só, Ginny, sou teu único companheiro!- ele sussurrava no ouvido dela. Depois olhava-a nos olhos quase a congelando e apertava com tanta força que parecia que a ia partir. E os olhos mudavam, ficavam de um cinzento igualmente gelado, o cabelo tornava-se louro platinado a face amadurecia um pouco, de rapaz para homem mas a palidez era a mesma e a força com que aquele homem a agarrava também. Ela tentava libertar-se mas aquele olhar enfraquecia-a com a sua maldade.
-Estás só, Weasley, sou teu único companheiro!- desta vez a voz não era de Tom ,era uma voz mais forte, mais masculina, não o sibilo do rapaz de cabelos escuros. Ginny gritava e chorava. Ele acariciou a sua cara limpando uma lágrima com o seu dedo frio. Ginny parou de gritar e abriu os olhos que nem sabia que tinha fechado.
-Solidão, Weasley, consegue matar-nos, não é?- Draco Malfoy disse olhando-a fixamente. Ginny não falou e afastou-se dele. Encostou-se á parede, no canto habitual, em baixo da janela. Tentou cobrir-se, não queria vê-lo nem queria que ele a visse.
-Não podes fugir de mim Weasley!
Ginny não falou. Ficou no seu canto, encolhida esperando que ele fosse embora mas ele não foi. Ele sentou-se ao lado dela e ficou olhando-a friamente e ela podia jurar que ele tinha o seu tão característico sorriso escarninho nos lábios.
Do outro lado da masmorra, no canto mais escuro, uns olhos igualmente cinzentos e frios examinavam-na e uma sorriso diabólico surgiu nos lábios do homem que lá se encostava á parede.
"Estás a três passos do limite Weasley e ainda ninguém apareceu para te apanhar!" Draco Malfoy pensou sorrindo.
