Capítulo Quinze: Memórias

Draco materializou-se num quarto grande, com uma larga cama de dossel no centro. O quarto tinha uma janela que mostrava um jardim enorme mas abandonado durante anos. A decoração com estilo gótico, em tons de preto e prateado.

Draco odiava aquele quarto, no entanto acabava sempre voltando ali. Talvez porque por ser demasiado obvio, nunca o iam procurar ali. Talvez porque aquele quarto o fazia lembrar-se do que o transformara no que ele era naquele momento e sempre que sentia suas barreiras fraquejarem ali estava ele para as fortalecer.

Olhou em volta para os móveis poeirentos. Estava tudo como ele tinha deixado. Os livros de Hogwarts ainda estavam sobre a secretária, o seu manto também, a sua vassoura, a sua antiga varinha, os seus livros de Artes Negras...

Draco deambulou pelo quarto. Tantos dias ele passara ali sozinho, afogando-se na sua própria sombra, deixando que a solidão tomasse conta das suas forças. Ele abriu a porta e dirigiu-se ao quarto dos seus pais. Só lá tinha entrado uma vez e tinha sido no dia antes de sua mãe morrer. Quando era criança o pai não o deixava aceder a certos quartos da Mansão. Draco agora já os tinha visitado a todos, descoberto as fraquezas do pai e se fortalecido com todas elas.

Abriu a porta do quarto e diigiu-se ao guarda-roupa. Retirou umas roupas antigas do seu pai e vestiu um manto negro. Sentou-se na cama. E olhou para a janela que mostrava a floresta perto da Mansão. Tantas vezes ele tinha se embrenhado pelo meio das árvores querendo desaparecer. Tinha descoberto muitas coisas ali a meio, tinha testado muita da sua magia lá. Depois aquela maldita memória voltou. Draco fechou os olhos tentando afastá-la da sua menta mas o que conseguiu foi pô-la mais nítida. A noite, os passos,o sangue, a culpa, o castigo. Tudo passava-lhe pela mente num turbilhão de imagens fazendo-o querer gritar. Aquela noite, aquela maldita noite quando ele tinha apenas sete anos mas que ele lembrava como se fosse no dia anterior pois Draco tinha uma memória excepcional. Lembrava-se de tudo e de todos os momentos, pessoas e locais da sua vida. Ás vezes achava que era uma maldição que alguém lhe tinha lançado porque as suas memórias nunca foram boas. Depois percebia que essas mesmas memórias, depois de o deitarem abaixo davam-lhe força para se levantar e tornavam-no mais poderoso. Muitas vezes achava que todo o seu poder provinha do que mais existia dentro dele: ódio.

Deambulando pela mansão Draco reconhecia a escuridão e solidão daquela casa como a que ele tinha dentro dele também. Os quadros dos antepassados que ele tanto tinha admirado estavam dispostos por vários corredores. Entrou na biblioteca, onde tinha mergulhado em livros de artes negras durante dias inteiros. Em cima da secretária, abandonada estava uma varinha negra. Draco fixou os olhos nela e aproximou-se. Tinha sido ele que a tinha colocado lá. Estava pousada ao lado de um anel de ouro que ele reconheceu como sendo o anel que passára por todas as gerações de Malfoys. Era suposto ele estar usando esse anel naquele momento, devia o ter usado nos últimos anos mas não o fez.

Na noite da morte de Lucius Malfoy, Draco voltara á Mansão. Sabia que seu pai lá estava. Draco entrou sem bater à porta, subiu as escadas que conduziam ao primeiro andar, atravessou corredores negros, ouviu murmurios dos quadros, até alguns insultos mas nada o pararia. Se mexendo como um morcego através dos corredores, com o seu manto negro esvoaçando atrás dele, Draco percorreu quase toda a Mansão, até encontrar a porta da biblioteca. Esperou durante uns segundos antes de abrir a porta. Durante anos admirara o homem que estava para além daquela porta, durante anos temera aquele homem e durante toda a sua vida o odiara. Sem pensar duas vezes, Draco inrrompeu pela biblioteca dentro. Lucius estava sentado na secretária. Levantou-se bruscamente logo que ouviu alguém entrar na biblioteca.

-Que fazes aqui? Sabes que não és benvindo nesta casa! Por tua causa tua mãe está morta. Mataste-a de vergonha pelo fraco que te tornaste, seu incompetente!

-Quem matou Narcissa foi o Senhor e o fraco aqui nunca fui eu! Utilizou-me para descarregar as suas frustrações quando eu era apenas uma criança indefesa. Se alguma vez fui fraco só estava seguindo os seus passos!

-Seu fedelho insolente! Como te atreves!- tinha dito Lucius Malfoy.

-Não me atevo só a isso. O Senhor é tudo o que não quero ser, esconde-se atrás do dinheiro e das fraquezas dos outros para ocultar as suas fraquezas, eu pe-lo contrario não quero ter fraquezas. Eliminei-as quase todas, só me falta uma! Avada Kedavra!- Draco viu o corpo do homem que um dia chamou de pai cair sem vida no chão, a varinha que Lucius havia segurado uns segundos antes rolou no chão e parou quando embateu contra os sapatos de Draco. Este levantou-a e olhou para ela. Aquela mesma varinha já o tinha feito passar por várias torturas, ele tinha temido aquele pedaço de madeira quando era mais pequeno e agora, era só um objecto na mão dele, simbolo da fraqueza de seu pai. Agora ela já nada significava. Colocou-a sobre a secretária, depois abaixou-se e virou seu pai para cima. Lucius tinha os olhos abertos e vazios. Ainda estava quente. Draco agarrou na mão dele e retirou o anle dos Malfoy. Por momentos pensou em usá-lo, mas não queria ter nada a ver com seu pai. Levantou-se e colocou o anel ao lado da varinha. Antes de sair da biblioteca olhou novamente para seu pai.

-E assim acabaste Lucius Malfoy, desprovido dos teus bens mais preciosos! Vais voltar a pó sem a tua sagrada varinha e sem o motivo de teu orgulho, porque foi o teu próprio sangue Malfoy que te matou!

E sem esperar mais Draco percorreu o caminho de volta até a porta da rua. Saiu para a noite chuvosa e fechou a porta. A chuva fria batia-lhe na cara. Draco olhou para trás, para a mansão escura antes de se embrenhar na floresta. Desmaterializar-se seria o mesmo que admitir que tinha sido ele que tinha morto o próprio pai. Aquele segredo era só dele e mais ninguém.

Draco olhou para o local onde há alguns anos atrás tinha deixado o corpo morto de Lucius Malfoy. Ainda conseguia sentir o cheiro da morte ali. Levantou o anel da secretária. Aquele anel significava muita coisa para muitas pessoas. Havia quem considerasse aquele anel simbolo de poder, até mesmo quem considerasse aquele anel possuidor de magia. Para ele aquele anel já não significava nada. Quando era criança temia aquele anel por ser de seu pai, depois venerava o anel, era o anel dos seus antepassados e Draco queria ser merecedor dele, agora já nada era. Largou-o no chão. O som do metal embatendo na madeira quebrou o silêncio doentio da noite. Draco respirou fundo e saiu da biblioteca. Havia um único quarto na mansão que ele não entrava fazia mais de dez anos mas naquele momento sentia a necessidade de ir visitá-lo. Andou devagar pelos corredores sombrios e silenciosos. Não sabia o que o esperava quando entrasse naquele quarto. Era a salinha de chá de Narcissa. Quando era criança e fazia alguma asneira era ali que ele se refugiava, Narcissa tentava sempre defênde-lo de Lucius. Mas aquela maldita noite...

Draco finalmente encontrou a porta. Colocou a mão na maçaneta de prata, sentio o frio do metal arrefecer a sua mão, ou seria a antecipação?Draco abriu lentamente a porta, revelando aos poucos um quarto poeirento devido aos anos que passara abandonado. No meio do quarto estava uma pequena mesa rodeada de pequenas cadeiras. Na parede do lado esquerdo estava um armário com as mais variadas formas de chavenas, todas de porcelana da melhor qualidade. Do lado direito uma grande janela que dava para o jardim e á sua frente um quadro de um bébe louro sorrindo no colo de uma mulher igualmente loura. Era ele e Narcissa. Sobre a mesa redonda no centro do quarto estava um caderno aberto com uma pena em cima e um frasco de tinta ao lado. Draco reconheceu-o como o diário de sua mãe. Vi-a escrever nele muitas vezes mas nunca lhe havia perguntado o que lá escrevia. Draco andou até a mesa e sentou-se numa das cadeiras, um pouco pequena para ele, e afastou a pena.

Ainda consigo ouvir os gritos dele. Para onde terá Lucius o levado? É tudo culpa minha. Draco está pagando pelo que eu fiz.

Draco está algures sendo torturado pelo pai por um erro que não foi ele que cometeu e eu nada posso fazer. Vi o pavor nos olhos do meu filho e vi a raiva nos olhos de Lucius. Doi-me tanto ver Draco sofrer, queria estar eu no lugar dele mas não posso. Daria tudo para que meu filho não sofresse, mas não me arrependo do que fiz. Prefiro poder ver o sorriso dele algumas vezes do que nem sequer o ver.

Draco olhou para a data daquela passagem. Ela tinha escrito aquilo na pior noite da vida de Draco. Ele tinha apenas sete anos, tinha ido brincar para a floresta durante a tarde, sabia que Lucius não queria que ele fosse para lá mas ele só queria brincar com os gnomos que se escondiam lá. Gostava de agarrá-los pelas pernas, jogá-los contra as árvores e ouvi-los a murmurar de raiva e confusão. Estava tão divertido que nem viu a noite cair. Só se apercebeu que era tarde quando ouviu passos atrás de si. Virou-se subitamente e deu de caras com uma mulher morena. Tinha a visto uma vez a falar com seu pai no Beco Knockturn. Que fazia ela ali. A mulher olhou para ele com raiva e agarrou-o no braço.

-Olha quem eu apanhei aqui! Não achas que está tarde para cá estares? A tua mãe deve estar preocupada!

Draco não falou. A mulher tinha razão, Narcissa devia estar preocupada. Tentou libertar o seu braço da mão da mulher mas não conseguiu. Pediu para ela o largar mas ela só riu. Draco sentiu lágrimas subirem-lhe aos olhos mas não ia chorar, nunca o tinha feito e aquela não iria ser a primeira vez.

-Por favor, deixe-me ir, a minha mãe deve estar preocupada!

-Que fique, deixa-a sofrer um pouco como ela me faz sofrer! Sabes que a tua mãe é uma pessoa cruel e também parva? O teu pai odeia-a e eu odeio-a e odeio-te a ti também!

Draco sentiu qualquer coisa dentro dele acordar, como um fogo estranho, uma raiva assassina por ela estar a dizer mal da sua mãe.

-Tão parva ela é...- a mulher continuava a falar. Draco só conseguiu fechar os olhos para tentar calar as vozes que haviam surgido na sua cabeça. De repente as vozes pararam, tudo ficou escuro, sentia seu corpo se mexer mas não sabia o que estava fazendo, era como se alguém tivesse tomado contra do seu corpo. E uns segundos depois tudo voltou, o som da noite voltou, a sua visão voltou e ele olhou para a frente. Estava deitado no chão, levantou-se e olhou para as suas pequenas mãos. Tinha um líquido vermelho nas mãos. Quando olhou para o lado começou a gritar. A mulher estava morta, com furos no pescoço como se alguém tivesse ferrado os dedos nele. Draco começou a correr, nem via bem por onde ia, só queria voltar para a mansão, estava com medo. Ele não sabia o que tinha acontecido. Estava quase chegando ao fim da floresta e entrando no jardim quando embateu contra alguém. Olhou para a pessoa á sua frente e ficou apavorado. Era Lucius. O seu pai olhou para ele depois para a floresta e novamente para Draco fixando as mãos da criança.

-O que fizeste Draco?

-Eu... não fiz nada juro pai!

Lucius nem ligou, correu para o interior da floresta. Draco começou a chorar e correu para a mansão. Subiu as escadas a correr, só queria encontrar a mãe. Sabia que o pai o ia castigar. Entrou na sala onde sua mãe costumava estar de rompante e agarrou-se a ela. Narcissa ao ver o estado do filho deu um grito de surpresa. Draco estava coberto de sangue e estava assustado.

-Não o deixes magoar-me mãe! Ele vai magoar-me, eu sei, mas eu não fiz aquilo, não fiz!- Draco sussurrava entre soluços.

Narcissa não teve tempo de acalmar o filho. Lucius materializou-se na sala e olhou para Draco. A criança apertou a mão da mãe com força e olhou para Lucius completamente petrificado.

-Tu mataste-a!

-Não, eu não...

-Foste tu, tens sangue nas mãos Draco!

-Nãooo! Não! Por favor perdoe-me, eu juro que não fiz por mal...- disse a criança tentando esconder-se atrás de sua mãe. Narcissa escondeu o filho.

Lucius empurrou a mulher para o chão e agarrou na face de Draco, aproximando ameaçadoramente a sua cara da dele. Mas Draco não olhava para o pai. Narcissa tinha caido e se magoado e estava assustada. Draco não queria ver a mãe assim. Lucius forçou Draco a olhar para ele mas Draco fechou os olhos. O homem louro empurrou o filho para o chão e levantou a varinha, Narcissa tentou impedir o marido mas só conseguiu que Lucius ficasse ainda mais zangado. Draco olhava para o pai apavorado. Sentiu uma sensação estranha no corpo e quando deu por si estava numa masmorra sem portas e só com uma janela bem alta. Ele conseguia ouvir o barulho de uma tempestade e das ondas batendo contra a parede. No entanto, a furia da tempestade não se aproximava sequer na raiva que ele via nos olhos de Lucius.

O pai de Draco levantou a varinha e apontou-a para a criança.

-Não, pai, por favor, eu não...

-Crucio!- Lucius gritou.

Draco sentiu que ia morrer. A dor era tanta, sentia que alguém estava esticando o seu corpo, que lhe estavam batendo e queimando também. Esteve assim durante muito tempo e depois parou. Sentiu o gosto a sangue na boca.

-És uma aberração e aberrações devem ficar fechadas por isso ficas aqui até que eu decida o que fazer contigo!- e depois de dizer isto Lucius Malfoy desapareceu.

Draco ficou chorando naquela masmorra sozinho. Naquela noite jurou que nunca mais ia se zangar com nada, que ia controlar aquela estranha força que aparecera dentro dele e que nunca mais se ia esconder atrás da mãe porque a magoaria se o fizesse.

E ali ficou remoendo a memória dessa noite, dias e noites, semanas e meses aé que Lucius voltou e o levou para casa.

Draco levantou-se de repente, deitando a cadeira ao chão e jogando o livro contra a parede. Fechou os olhos e desmaterializou-se tentando arranjar uma maneira de fugir ás memórias.

N/A: Bem maior capítulo que já fiz, gostei de o escrever. Desculpem os erros ortográficos mas foi escrito entre as revisões de biologia e de matemática para os exames... espero que gostem...beijos e obrigado pelas Reviews.