Capítulo Dezanove: Confusão

Harry esperou que Snape abrisse a porta. Sabia que já estava acordado, a luz da sala estava acesa. Será que estava com alguém?

Snape abriu a porta e olhou para Harry, nada surpreendido de o ver.

-Entra Potter!

-Desculpe incomodá-lo tão cedo mas preciso falar consigo!- disse Harry entrando na sala.

-Fala então!

-Eu...- Harry parou antes mesmo de dizer o que queria. Ali, no meio do sofá estava um manto preto, de tecido caro e corte italiano. Harry só conhecia uma pessoa que usava mantos assim.- O Malfoy esteve cá!- Harry olhou para Snape, sem conseguir acreditar- Que é que ele esteve cá fazendo? Está colaborando com ele? De que lado está afinal?

-Não entres em paranoia Potter! Draco esteve aqui sim, talvez pela mesma razão que tu estiveste. Ele quer saber mais sobre o seu passado e só eu o posso ajudar!

-E Ginny? Ele falou dela? Como é que ela está? E onde ele foi?

-Calma Potter! Draco disse-me que ela estava bem, mas não sei de mais nada!

-Mas eu sei! Já sei os segredos de Malfoy, Snape! Sei que ele matou a amante de Lucius quando tinha seis anos, sei que Lucius castigou-o severamente por isso e sei o seu segredo mais bem escondido, aquele que nem ele deveria saber mas que provavelmente já sabe! Sei que Narcissa Malfoy utilizou um horcruxe de Slytherin para salvar a vida dele e sei que você ajudou-a!

Snape ficou olhando para o rapaz-que-sobreviveu surpreendido. Harry Potter era mais esperto do que ele imaginava, nunca julgou que um Griffyndor conseguisse descobrir o que ele descobrira em tão pouco tempo quando tamanho segredo estava bem escondido.

-Parabéns Potter, nunca te julguei possuidor de tanta esperteza! Mas como descobriste?

-Mansão Malfoy! Draco conduziu-me ao segredo. Ele próprio teve o segredo nas mãos: o diário de Narcissa. Ela tem tudo lá e antes de eu chegar, Draco esteve lá, encontrei as suas pegadas no chão poeirento!

-Mas ele não sabe... quero dizer, ele disse que não sabia!- disse Snape, pensando alto.

-Pode não ter lido. E Voldemort? Ele sabe do segredo?

-Julgo que sim, o Lorde Negro é muito poderoso e julgo que ele já sentiu algo diferente em Draco! Após a morte de Dumbledore, Voldemort isolou Draco numa quarto, dizia que era o castigo de Draco mas não me pareceu! Voldemort tem maneiras piores para castigar, a mim pareceu-me que o que Voldemort queria era enfraquecer Draco, para que a parte da alma de Slytherin pudesse se revelar. E julgo que conseguiu. Não completamente, no entanto, Draco ainda conserva uma boa parte dele dentro de si. Nos poucos momentos que falei com ele aqui, antes de chegares, reparei que talvez haja algo nele que...- mas Snape não continuou. Ficou olhando para Harry. Já havia falado demais.

Harry notou que Snape não lhe queria contar o que acabára notando e sabia porquê. Snape tinha o dever de proteger Draco por isso o rapaz de cicatriz na testa não perguntou mais nada. Já havia satisfeito muitas das suas curiosidades, agora era só enredar um plano para apanhar Malfoy e encontrar Ginny.

Ginny estava há algumas horas só. Olhava para a janela, sentada no chão a meio da masmorra. Será que ia ficar mais alguns meses sem ver ninguém? Será que iria voltar áquele sentimento de vazio e morte dentro dela? O seu passado já parecia tão longe. Nem parecia que tinha mesmo acontecido. Aqueles meses ali pareciam já ser a única coisa da sua vida. As memórias de Harry estavam cada vez mais longe. Ás vezes já tinha dificuldade em se lembrar da face dele. Aqueles olhos verdes estavam se esfumando na cabeça dela. No entanto jamais esquecia o que sentia quando ele a abraçava e agarrava-se a essa lembrança com unhas e dentes. Ela não podia se deixar cair, não podia fraquejar. Aquela memória era a única coisa que lhe restava. Já nem as más memórias pareciam atormentá-la mais. Apenas uma longa escuridão na sua mente e no seu passado. Ela levantou-se e começou a cantarolar:

Meu coração
Sem direção
Voando só por voar
Sem saber onde chegar
Sonhando em te encontrar
E as estrelas
Que hoje eu descobri
No seu olhar
As estrelas vão me guiar...

Draco materializou-se num penhasco ao pé do mar. O mar estava violento, embatendo contra as rochas numa fúria quase desesperada, como se quisesse fundir-se com a terra ou invadi-la. O céu da manhã, ali, estava negro, não tardava e as primeiras gotas de chuva iriam começar a cair. Um vento suficientemente forte para fazer o manto de Draco se mexer rodeava-o, murmurando palavras no seu ouvido, contado-lhe segredos ocultos: É tudo culpa minha. Draco está pagando pelo que eu fiz... Prefiro poder ver o sorriso dele algumas vezes do que nem sequer o ver...

Como ele imaginara, as primeiras gotas da chuva começaram a cair mas isso não o demoveu. Precisava decidir o que ia fazer. Era a primeira vez em muito tempo que não tinha um plano, não sabia como era o seu futuro, tudo estava tão confuso... mais uma vez ele voltava a experimentar um sentimento há muito esquecido: a confusão, a dúvida... Estava se tornando demasiado perigoso, ele estava regredindo e não podia deixar que isso acontecesse, conhecia aquele caminho e os espinhos voltariam a feri-lo, as pedras iriram voltar a cansá-lo e ele cairia novamente. Não se podia deixar levar, tinha que parar ali. Mas como voltara para aquele estado, qual a falha nas muralhas que construira, o que estava diferente de antes?

Uma gota de chuva embateu contra o seu nariz. Aquela gota tirou-o dos seus pensamentos. A chuva caia furiosamente do céu. Ele estava completamente encharcado. Tinha a roupa colada ao corpo, o cabelo colado á cara. Inspirou profundamente e sentiu a pureza do ar, a chuva estava como se o limpando e quase como uma luz ele viu a resposta ás suas perguntas. A chuva também lhe estava limpando por dentro. Ginny apareceu-lhe na mente. Era ela, ela o tinha visto fraco, ela tinha visto além das muralhas num momento de fraqueza, ela tinha ouvido coisas que ele tinha escondido durante tanto tempo, era ela a sua fraqueza pois ela tinha o lembrado do que ele uma vez sentira. Era ela que ele tinha que fazer desaparecer.

Draco olhou para o seu lado esquerdo. Ao longe, num outro penhasco, Draco conseguia ver uma torre antiga com uma única janela no cimo.

A vingança de Potter já não importava, ele tinha primeiro que erguer as muralhas para depois poder lutar contra Potter e só havia uma maneira de levantar as suas defesas: eliminar a sua fraqueza. Tinha que matar Ginny. Fechou os olhos e desmaterializou-se.

Tinha começado a chover lá fora. Ginny conseguia ouvir o mar lutando contra as rochas. Será que seria aquele mar, que se separava dela por paredes de pedra, o seu único companheiro por mais dois, três, dez meses?

Mas algo respondeu á sua pergunta. Draco apareceu á sua frente, completamente molhado. Tinha alguns cabelos colados á cara, o manto pesado fazia-o curvar-se ligeiramente. Mas nada disso Ginny reparou. Ela fixou-se nos olhos azuis acizentados dele. Estavam negros como o céu que ela conseguia ver pela janela. Algo neles brilhava, um brilho assustador, uma determinação demoníaca. Ela deu um passo atrás, e depois outro, e novamente outro, e assim até sentir a parede fria contra as suas costas através da sua camisola esfarrapada.

Draco levantou a mão. Dentro da sua cabeça uma voz forte e maquiavélica dizia vezes sem conta: "são só duas palavras e tudo estará acabado!" Draco abriu a sua boca para falar mas não saiu qualquer som. Que se passava com ele? Eram duas palavras que ele já dissera muitas vezes e que sairam sempre tão facilmente e agora nem se lembrava ao certo delas. Como se ele próprio se recusasse a matá-la. Mas tinha que o fazer. E se não conseguia fazê-lo com magia teria que fazê-lo de outra maneira.

Ginny sabia o que ele queria fazer e quando ele ergueu a mão, ela não teve dúvidas. No entanto também percebeu a hesitação dele, por isso, quando ele deu um passo na direcção dela, ela fez a única coisa que a sua mente lhe disse para fazer e tentou fugir dele para o outro lado da masmorra. Só que Draco foi mais rápido e usou a mão que já estava levantada, para a agarrar fortemente pelo braço esquerdo e empurrá-la novamente contra a parede, sem a largar. Durante vários minutos fixou-lhe os olhos. Ginny não conseguiu enfrentar o olhar dele. Era como se o olhar dele a gelasse por dentro, um gelo que a fazia quase parar de respirar, como se só a presença dele ali tornasse o ar gélido. Mais uma vez ela só conseguiu o comparar com um Dementor. Ela fechou os olhos tentando evitar o frio. Sentiu ele levantar a mão livre. Era agora, morreria ali e não veria mais Harry. Os olhos azuis de Harry surgiram-lhe na mente. Era a última coisa que se lembraria antes de morrer. Sentiu os dedos de Draco se aproximarem do seu pescoço. Os olhos de Harry estavam cada vez mais perto. Sentiu os dedos de Draco tocarem-lhe no pescoço. E aqueles olhos azuis estavam tão perto. E os dedos de Draco fecharam-se á volta do seu pescoço. Mas os olhos de Harry eram verdes!

Draco tentou exercer força sobre o pescoço pálido de Ginny mas era como se a força dele o tivesse abandonado. Quando Ginny abriu os olhos surpreendida, Draco fez a única coisa que a sua mente lhe disse para fazer.

Ginny abriu os olhos e viu os mesmos olhos que acabava de ver na sua mente. Não sabia se estava surpreendida por estar ainda viva ou por ter percebido que vira os olhos de Draco na sua memória tão claramente como os via agora. Uma sombra que ela já conhecia mas não sabia o que significava assombrava-lhe novamente o olhar. Ginny preparou-se para uma tortura mas não para o que ele fez.

N/A: Espero que tenham gostado do capítulo. Só quero deixar claro que a música não me pertence de maneira nenhuma como já devem ter percebido. Decidi colocar uma música brasileira, a minha preferida, como uma forma de agradecer a todos os leitores brasileiros que me deixam reviews magnificas. Obrigadão. Ah e a música, para quem não sabe é "Se eu não te amasse tanto assim" da Ivete Sangalo.