Capítulo 3 - A Capela dos Serafim
Dathyl era uma cidade de bairros pobres e torres de igreja, de extrema pobreza e grande riqueza, de fervor religioso e dos mais sombrios pecados. Se estendia das docas da Baía de Pots ao grande palácio de Halcyon, ligados pela Rua Well, a artéria que alimentava os subúrbios da cidade. Também era maior do que aparentava ser. Heero estava completamente perdido.
Casas empilhando-se umas sobre as outras bloqueando ruas que, normalmente, o levariam pelo caminho desejado. Ele foi forçado a dar meia-volta e rumar por becos diferentes que o levavam mais para dentro do coração da cidade, para longe da Rua Well, na qual seu guia o aconselhara a manter-se, e mais e mais em direção à grande igreja negra que se elevava, com as estranhas colunas projetando-se de suas torres. Quando ele a alcançou, surpreendeu-se com as gravuras que rodeavam a grande porta dupla; lá eram mostradas belas mulheres, que obviamente eram anjos, erguendo homens vestindo armaduras e lhes concedendo asas, sobre onde mulheres sem-cabeça e com seus peitos abertos estavam deitadas. Arquivando a imagem em sua memória para futura referência ele bateu forte na porta, esperando poder pedir informações sobre como voltar ao palácio.
O homem que abriu a porta era baixo e magro e vestia pesada proteção, ele cheirava a ferrugem e seu cabelo parecia não ser lavado há muitas semanas. "Esta é a Capela do Serafim, como podemos ser de sua serventia?" Heero reconheceu o nome, Terenz havia dito a ele e Duo que tivessem cuidado com os Serafim, ele havia dito que os Serafim matavam demônios, e a julgar pelas gravuras ao redor das portas eles cortavam fora suas cabeças e arrancavam seus corações.
"Desejo retornar ao palácio de Halcyon." Heero respondeu grosseiro. "Estou perdido."
"Certamente, senhor," o soldado disse abrindo mais a porta, "por favor entre até que encontremos um Encantado para guiá-lo de volta, o senhor talvez tenha ouvido falar de nossa ordem, seu sotaque é estranho, o senhor é de terras distantes?"
"Sou de L1." Heero respondeu de modo grosseiro. "Ouvi dizer que vocês matam demônios." Ele respondeu o que pensou ser politicamente correto.
O homem deu um sorriso forçado. "Então palavras sobre nossa majestade alcançaram terras tão distantes quanto as de onde vem. Fique conosco por um tempo, deixe-nos contar-lhe sobre nosso manifesto."
"Hn." Heero rosnou. "Eu só quero saber como voltar."
"Certamente, senhor," o homem disse, ele mais se esgueirava que andava. "Deixe-me pegar minha capa e eu o guiarei de volta. Meu nome é Aethylwyd."
"É o bastante, Lorde Ajudante¹," uma mulher disse; ela era encantadora, tinha um rosto jovem de pele da cor do mel e longa cabeleira negra, que usava trançada em uma coroa em sua cabeça. As únicas evidências indicando se ela era pobre ou rica eram um rubi que caía sobre sua testa, preso a uma corrente de prata que acompanhava a linha do cabelo, e um outro pendurado em sua gargantilha. Ela vestia uma jaqueta sem mangas, calça de couro e botas com travas², em seu braço havia tatuado um par de asas abertas, suas pontas mergulhadas, pelo visto, em tinta. "Irei ver sua Majestade a Rainha, esta tarde, eu o guiarei de volta."
"Minha senhora," o ajudante¹, Aethylwyd disse. "a senhora honra a nós dois com sua presença. Por favor, dê meus parabéns ao meu senhor o Bispo, seu marido." Havia uma espécie de malícia nas palavras dele mas a mulher sorriu, era um sorriso duro e de alguma forma combinava com ela.
"Certamente, Aethylwyd, ele tem os Serafim em tão alta conta, afinal. Jovem Mestre, eu sou Grace D'Allaro, Rainha de Amitre, poderia saber seu nome."
"Heero Yuy." Ele respondeu, essa mulher era páreo para Sally Po, a quem ele imediatamente pensou em compará-la, estava mais que à altura de Lady Une, essa mulher talvez fosse páreo até para o Doutor J, não havia maleabilidade nenhuma nela. Ela esfregou a tatuagem em seu braço ao perceber que Heero a encarava. "Esse desenho." Ele disse, "onde você o conseguiu?"
"É o desenho dos Serafim." Aethylwyd respondeu, levantando as costas de seu gibão exibindo um símbolo idêntico de asas abertas, embora ele tivesse dois pares. "Todo Serafim o usa."
Heero se virou e repetiu o gesto de levantar a camisa para exibir as asas abertas em suas próprias costas. Os dois olharam-no em choque. "As asas de um Encantado." Grace disse, "e você diz que vem de um lugar sem nenhum Serafim."
"Coincidência." Heero resmungou. "Agora eu gostaria de fazer meu caminho de volta."
"Ainda sim você as considera importantes." A mulher pressionou, ela não caminhava, ela andava a passos largos e as pessoas saíam de seu caminho conforme eles adentravam as vias públicas abarrotadas, não por ela ser quem era, embora Heero achasse que esse devia ser um dos motivos, mas por ela ser como era. Ela o lembrava
de Lady Une. "Eu as tenho há quase toda minha vida." Ele respondeu calmamente. "Não me lembro de não tê-las."
"Aqui, um Encantado ou Serafim em treinamento deve ter no mínimo catorze anos, depois de um ano ele pode se tornar Devoto e o resto das asas é tingido. É um sacrilégio marcar alguém abaixo dessa idade. Quem foi que o marcou?"
"Eu não sei." Ele respondeu honestamente, "suponho que tenha sido Odin Lowe." Ela não fez outras perguntas depois daquela, sua curiosidade se abrandou e ela apenas caminhou com ele de volta em silêncio até a monumental estrutura que era ao palácio de Halcyon. Era tão grande quanto uma cidade em seu direito.
Duo estava deitado na cama, os braços em V com as mãos nos quadris enquanto cantava a estranha canção que os guardas haviam ensinado a ele. "São atraentes e alegres as mulheres Tanis
E não se pode acreditar no que dizem as mulheres Sidin
E acima de tudo eu aceito o que puder
Mas ninguém pode uma mulher de Dathyl vencer."
"Você é de Dathyl?" Ele perguntou a Aeka, que era rainha de Halcyon, e ela riu-se e disse, "Não, sou de Honeybourne, e você não vai acreditar no que eu disse." Lembrando-se, Duo deu um risinho; sentou-se para tomar outro gole generoso do apimentado chá vermelho que estava adoçado com mel, ele tinha que pegar a receita para Quatre, porque era delicioso e proporcionava um zumbido ligeiramente agradável.
"Há uma mulher de olhos profundos em Daney
E uma garota em Caelum que sem mim não dorme
E as mulheres de Muchine elas são de se manter
Mas ninguém pode uma mulher de Dathyl vencer." Ele queria saber o que as mulheres de Dathyl possuíam de tão especial.
"Precisa ser sempre essa canção?" Uma voz masculina perguntou do vão da porta. Duo sentou-se direito, preocupado por alguém ter chegado tão perto e não ter acionado seus alarmes internos. O intruso era atraente, cabelo curto e bem cuidado, de um castanho tão rico quanto o de Heero, e embora seus olhos estivessem assombreados possuíam uma cor agradável, mas seu rosto seria bonito se não fosse pela carranca. Ele era alto e de ombros largos mas cintura fina. Ele vestia finos mantos, bem bordados, e se portava bem. Não parecia ter mais de quarenta anos, com muito pouco grisalho em suas têmporas, e as únicas rugas que possuía eram por ter o cenho franzido e não pela idade.
"Quem é você?" Duo perguntou, espalmando a faca que roubara da cozinha mais cedo. Eles haviam tratado a ele e Heero como hóspedes bem-vindos mas isso não significava que este homem não poderia atacá-los. Ambos Alister e Aeka haviam alertado-o sobre os Serafim, e embora este homem estivesse vestido como se saído de um filme de samurais isso não queria dizer que ele não fosse um desses Serafim.
O homem revirou os olhos. "Meu nome é Takehito no Mamoru Senshisha." Ele disse de forma rigidamente formal. "Vim por aquele que os autodenomina³ Shinigami."
"Por quê?" Duo perguntou.
"Trago saudações de minha esposa, a Rainha de Meirin."
A palavra fez Duo lembrar-se de algo, a canção falava de Meirin, "E uma dama de Meirin fala com os mortos." "Por quê?" Ele perguntou.
"Ela faz um convite àquele que os autodenomina Shinigami, de um lorde da morte para outro, ela deseja encontrar-se com eles para o jantar, ela pede que eles também leve o guerreiro que os acompanhava. Ela disse que eles teriam perguntas e ela estaria mais que à disposição para dar respostas." O homem segurava uma katana muito parecida com a de Wufei, e como Wufei ele parecia mais que mortal com ela. De fato o homem lembrava, não pela aparência mas em autoconfiança, Heero quando ele estava no modo missão. Este homem era um assassino impiedoso, e Duo não se sentia à vontade.
"E o que ela ganha com isso?" Ele perguntou. Duo havia apenas ouvido falar que a Rainha de Meirin falava com os mortos, e este homem que a protegia parecia mais perigoso que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido na vida, com a possível exceção de Heero.
"Paz." O homem respondeu. "Ela espera por Shinigami há 20 anos. Imagino que acalmará sua alma saber que eles vieram. Minha senhora Shinigami no Minako Tennosha os encontrará no salão amarelo às sete do relógio. Precisarão de instruções de como chegar até lá."
"Quem é você?" Heero perguntou de trás do homem, ele havia sacado a arma da calça na qual o haviam vestido e a apontou para as costas do homem.
"Eu acabei de explicar para o seu companheiro, Shinigami," ele olhou para Duo, e em um momento de notável fluidez de movimento se virou até ter sua espada na garganta de Heero. "Eu estava convidando ambos a jantar com minha senhora às sete." Ele abaixou a espada e a guardou na bainha em um gesto final. "Eu os verei depois. Mandarei Dieina vesti-los em roupas mais adequadas a um encontro com o embaixador de Darin. Bom dia," ele curvou-se para Duo e ignorou Heero ao passar por eles.
"O que diabos foi isso?" Duo perguntou a Heero.
"Bem que eu gostaria de saber." Heero respondeu.
x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x
Esta é a música que Duo estava cantando, se chama As Mulheres de Dathyl, e é meio grosseira. Há uma versão alternativa que é realmente grosseira. Eu fiquei imaginando, de todas as músicas escritas para Dathyl, qual seria a que mais provavelmente Duo cantaria, seria esta aqui.
(Nota de tradução 1: a letra em sua totalidade, abaixo apresentada, será mantida em seu idioma original por motivos poéticos. Letras de música e poemas muitas vezes perdem parte de sua essência se traduzidos. Mas caso alguém queira uma versão extra-oficial da letra em Português, é só enviar um e-mail para um dos endereços indicados no cabeçalho e gentilmente solicitar a versão, terei prazer em tentar fazê-la!
Atenciosamente,
Kuu-chan.)
The
women of Tanis are bonny and gay
And you can't trust a word a
Sidin woman says
And overall I'll take what I may,
But you
can't beat a woman of Dathyl
There's
a woman in Danev who has eyes that are deep
And a girl in Caelum
who without me won't sleep
And the women of Muchine well they play
for keeps,
But you can't beat a woman of Dathyl.
The
women of Amitre have lovely eyes
And the ladies of Zhentra are
cunning and sly
And the maids of javik, oh me oh my
But you
can't beat a woman of Dathyl
The
women of romaine will tell you they can
And there's a girl in
Shiro who I think is a man
And the women of Jiono carry beautiful
fans
but you can't beat a woman of Dathyl
The
women of Amon mar well they are aloof
And the Neyasuma girls only
love youth
And Hoshi Ji maids tell only the truth
But you can't
beat a woman of Dathyl
The
women of Ioto are easily led
And a lady in Meirin talks to the
dead
And this girl in Honeybourne you won't believe what she
said
but you can't beat a woman of Dathyl
The
women of Atsan are a sight to see
and the girls in Coresc, oh gosh
golly gee
and the ladies of Dramathen, well they charge a fee
but
you can't beat a woman of Dathyl
Kinmokusei
girls are lovely and sweet
And the Saida girls are the best you
can meet
And the girls of Cadarn have hair like buckwheat
but
you can't beat a woman of Dathyl
There's
a woman in E'berta in whose eyes I could drown
And the women of
Medoc'Ne well they never frown
and the hearts of Aviemore are a
long way down
but you can't beat a woman of Dathyl.
There's
a woman in B'thesda who has lips that can shine
and a girl in
J'dan whose kisses are mine
and the girls of Lavomer dress very
fine
but you can't beat a woman of Dathyl
the
women of Nanao you should hear them sing
and the girls of Muso
could make you a king
And the ladies of Jimpachi could teach you
something
but you can't beat a woman of Dathyl
The
women of Okame have skin that can glimmer
And the teeth of Tarin
have a lovely shimmer
And Meryem of Aran made me a sinner
But
you can't beat a woman of Dathyl
There's
a girl in Orgoch whose words they are clear
And the dresses of
Minith are pleated and sheer
And there's a maid in Kaga who holds
me quite dear
But you can't beat a woman of Dathyl
There's
a woman in Erona who's up with the lark
And another in Kitsune
with a deep dark heart
And a lady in Chichinyza as sharp as a
dart
But you can't beat a woman of Dathyl
The
ladies of Parone are brilliant and new
And the girls of Hinton are
like pigeons who coo
And the maidens of Babra say they won't but
they do
But you can't beat a woman of Dathyl
"the
Dathyl maids have skin that is white;
They bathe by day, and they
bathe by night;
Their laughter says they possibly might
So you
can't beat a woman of Dathyl
And
the women of Ashton do prettily glow
And the maidens of well
street dance in the snow
And there's a girl in Cinderton whom
everyone knows
So you can't beat a woman from Dathyl."
Nota de tradução 2:
¹ Adjutant ajudante, ajudante de campo: (militar) oficial do exército responsável pela administração geral e disciplina em um batalhão. Definição retirada e traduzida de Oxford Advanced Learner's Dictionary of Current English - AS Hornby, 1974
² Como as travas no solado das chuteiras de futebol.
³ Em vários momentos o personagem Takehito no Mamoru Senshisha mistura singular e plural ao se dirigir ao Duo. Essa construção não é comum, e ainda nos soa estranha, mas acabei por decidir traduzir como estava no texto, mais por não entender as intenções da autora com isso que qualquer outra coisa.
