Capítulo quatro - Shinigami no Minako Tennosha
Duo estava parado à frente do enorme espelho avaliando o visual e tentando decidir se deveria ou não trocar de roupa. Tudo bem que ele tivesse um jantar importante, mas as roupas eram vigorosamente brancas e ele não tinha certeza do que a criada que as havia enviado para ele e Heero tinha em mente. "A Prima é ótima, confie nela." A voz feminina disse claramente de algum lugar atrás dele.
Ele virou nos calcanhares, "Heero," ele gritou em direção ao outro quarto, "você falou comigo?"
Recebeu em resposta um suave hn do cômodo privativo que eles dividiam.
"Bobinho," a mulher o repreendeu, "fui eu." Ela estava parada à janela, não mais alta que o próprio Duo, com longos cabelos louro-mel presos em uma trança exatamente igual à dele, com as mesmas mechinhas caídas sobre o rosto, mas aquela garota era absolutamente linda. Ela vestia calças de couro como ele e um gibão parecido, mas à exceção dos detalhes externos a garota não se parecia em nada com ele. Ela era linda de parar o trânsito, bonita como as primeiras neves sobre a Terra com profundos olhos escuros que pareciam sufocá-lo e uma boca que merecia ser beijada. "Só queria que você desse um recado para mim." Sua risada era como o tilintar de sinos no quarto. "Quero que peça a Mina que diga a ele que está tudo bem. Preciso que você peça à Mina que a Avili falou para dizer a ele que tudo estava bem."
"Então você é a Avili." Ele perguntou, cauteloso.
Ela sorriu e ele se maravilhou. "Sim, Duo, sou Avili, sou Avili Angharad Verif se formos ser específicos, e você é Duo Maxwell." Ela andou até ele, e ela mais flutuava que andava de fato, era uma movimento suave, quase meticuloso, ela se movia com fluidez e silêncio que ele na verdade invejava. Ela calçava suaves chinelas de couro enquanto ele usava botas pesadas. "Estão falando de você por todo o castelo mas por favor dê o recado à Mina por mim."
"E por que não diz você mesma?" Duo perguntou.
"Ela não pode me ouvir." Avili disse e se virou novamente para a janela, "está gelado lá fora, peça ao seu Senshisha para se juntar a você esta noite ou ele pode pegar um resfriado." Ela sorriu, "acho que não nos veremos novamente, Duo, então você deve dar meu recado a ela, você deve se certificar de que ela diga a ele que eu disse que estava tudo bem."
"E por que a gente não vai mais se ver?" Duo pressionou.
"Os corredores de Halcyon já estão suficientemente lotados, e este não é meu lugar, preciso voltar para lá. Seja forte, Duo," ela correu a mão pela trança, "eu acredito em você."
A porta do quarto particular se abrindo o distraiu e ele tirou os olhos dela, "com quem você estava falando?" Heero perguntou.
"Avili," ele disse se virando para a janela a fim de apresentá-la, mas ela havia sumido. "Ela tava aqui há um minuto, eu juro ela faz menos barulho pra andar que eu no meu modo furtivo, e ela passou desapercebida por mim, duas vezes." Ele sacudiu a cabeça, "aquele kir¹ deles deve ter mexido com a minha mente."
Heero respondeu apenas com um hn.
Alguém bateu na porta mais externa, "com licença," uma voz feminina se fez ouvir quando ela enfiou sua cabeça pelo vão da porta, "meu nome é Primaverra, a rainha Minako mandou-me ajudar o Shinigami a vestir-se." Ela usava um vestido preto em um modelo parecido ao que a governanta, Dieina, estava usando, mas por cima dele ela usava um novíssimo avental branco, seu cabelo estava preso para cima com um véu¹ mas tinha um sorriso de vitória de e bochechas avermelhadas. "Ela ia mandar minha irmã, Otonna, mas ele teve um ataque dos nervos, nós três costumávamos servir a nossa senhora rainha de Cadarn, Avili, mas desde," ela parou por um momento, "bem, agora nós servimos a rainha Minako e com a Hivara arrumando seus cabelos coube a mim vir ajudar," ela colocou sobre a cama um traje muito parecido com o que o homem que os havia interrompido mais cedo estava usando, "este é para o senhor, e para o Shinigami." De trás do traje ela tirou um longo robe que se fechava logo abaixo do osso do peito e depois o segurou aberto revelando as calças de pregas que estavam por baixo dele. Era um estilo de roupa que teria ficado muito bom em uma pessoa muito mais alta, o tecido era cinza claro nas duas roupas, e enquanto a de Heero parecia saída de um livro de História Japonesa havia algo de exótico na de Duo. "Bem, olhem só para mim, falando sem parar sobre nada, gostariam de um pouco de Kir, ou vinho, há conhaques muito finos nas adegas, eu poderia correr lá embaixo e pegar, ou mandar trazer um chocolate quente."
"Não precisa, obrigado." Heero disse levantando as vestes que ela havia deixado para ele, estava tudo amarrado e havia uma placa muito fina de madeira mantendo as roupas firmes e sem amassar. "Se você quiser começar com o Shinigami eu fico mais que feliz de me retirar para o quarto ao lado e me vestir." Duo teve a nítida impressão de que Heero estava rindo dele.
"Olhe para você," Primaverra disse fazendo Duo se sentar para olhar seu cabelo, desfazendo a trança, antes que ele tivesse chance de protestar, com mãos hábeis e depois batendo a escova em sua mão, "apesar desses olhos você é a imagem perfeita da rainha Avili, o mestre Tobin virá derrubar sua porta pensando que ela voltou para ele, é ótimo que você tenha seu Senshisha, e ele tão bonito e tudo mais, talvez o mestre Tobin perceba que você não é ela e te deixe em paz, ele pode ser tão possessivo. Mas ele realmente a amava." Ela começou a escovar os cabelos de Duo. A empolgação da mulher era estranhamente hipnótica, conforme ela passava a escova pelos cabelos de Duo e continuasse a falar, fazendo fofocas de pessoas sobre as quais ele nunca ouvira falar, ele apenas se deixou levar pelas mãos dela.
"Você está muito bonito, Duo." Heero disse quando Primaverra se afastou. Duo piscou por um momento ao ouvir o elogio de Heero. Heero simplesmente não fazia elogios.
Duo deu uma olhada dupla no espelho, a casaca mais externa que ela havia trazido era de uma fina seda que estava elegantemente pragueada para esconder qualquer coisa que de qualquer outro modo apareceria, mas as frestas eram de uma seda grossa cujo farfalhar soava como centelhas explodindo. Ela havia dado a ele meias de seda fina e chinelas de couro, e trançou seus cabelos bem apertado, muito mais forte que ele havia conseguido sozinho, mas foi só quando se virou que percebeu que ela havia trançado um laço prateado, um laço quase da mesma cor que sua casaca, por seus cabelos, e a ele ela havia grudado presilhas brilhantes de diamantes. Olhando-se no espelhoele percebeu que estava vestido como uma garota.
"Que horas são?" Ele ralhou.
"Quase sete do relógio, vou levá-los ao salão amarelo, a rainha Minako estará esperando, seu tempo é precioso, não é bom deixá-la esperando muito." Primaverra disse.
O salão amarelo era exatamente o que prometia, as paredes eram cobertas por uma seda amarelo claro, as as venezianas nas janelas haviam sido pintadas de bronze metálico que combinava com o estofamento e todos os detalhes eram dourados. Era viçoso e rico, mas bastante amarelo.
O homem, Mamoru, que havia se apresentado anteriormente estava em pé atrás de um dos sofás completamente em alerta, e nesse estava sentada uma mulher usando um vestido de gala cinza escuro que fazia quase par perfeito com a roupa de Duo, exceto que enquanto a dele o fazia parecer masculino, a dela de algum modo a fazia parecer ainda mais feminina. "Boa noite," ela disse, e a voz dela era ligeiramente diferenciada e seus cabelos eram louro-claros e pareciam luz de lampião em cachos em volta de seu rosto e pescoço. Seu vestido era bordado com fios prateados em delicadas formas que se assemelhavam a explosões de fogos de artifício. Ela não era nada como qualquer das outras mulheres, não havia dureza nela, mas era como se ela fosse feita de mármore, ela parecia algo permanente. Ela era, Duo percebeu, a mulher mais bela que ele já havia visto. Ela quase arrogantemente bonita na perfeição de suas feições. Ela não usava jóias ou cosméticos, pelo menos ao que ele podia ver, mas seus cabelos e olhos, que eram da cor do granito, e sua pele era da cor de creme gelado. "Eu sou Shinigami no Minako Tennosha," ela curvou a cabeça, "e eu espero há muito tempo por você, Shinigami Duo Maxwell, e você, Heero Yuy." Ela sorriu mas era uma coisa quebrável. Ao contrário de muitas lindas mulheres que perdiam sua beleza com o tempo, a dela havia aumentado. Havia certa tensão entre Minako e o homem que havia se apresentado como marido dela, era quase desconfortável. "Por favor," com um daqueles estranhos e lentos sorrisos, "sentem-se, imagino que tenham muitas perguntas."
"Na verdade não," Duo disse, "A senhora provavelmente sabe nossos nomes porque alguém os disse a você, mas essa garota que pediu pra te dar um recado, ela pediu pra dizer que a Avili falou pra dizer a ele que estava tudo bem."
Minako se assustou, um quase gesto mal percebido e depois ela sorriu. "Obrigada, Duo, vou me certificar que ele receba o recado, ela estava bem? Faz meses que não a vejo."
"Ela parecia ótima, estava muito bonita," ele respondeu, embora ele estivesse desconfortável com essa mulher, que era mais que um pouco estranha na opinião dele, ela estava escutando e se ele continuasse a conversa amena ele poderia controlá-la. Heero apenas escutava, "os cabelos dela eram tão longos quanto os meus, e os olhos eram bem escuros, ela ficava repetindo o recado como se eu fosse me esquecer, mas eu disse que eu não esqueceria e eu posso ser um monte de coisas, mas mentiroso não é uma delas, então eu ia mesmo te contar. Ela o tipo de garota pela qual um cara poderia se apaixonar, se ela não achasse que ele é um idiota."
Minako parecia um pouco assustada no começo do monólogo de Duo, e depois aliviada, e então ela riu. "Você não consegue mentir?" Ela perguntou.
"Bem," Duo começou, "eu nunca tentei de verdade, porque a Irmã Helen dizia que era a pior coisa que se pode fazer, cê sabe, e não importava o quão mal eu ficasse eu podia controlar algo, cê sabe. Isso impedia que eu me sentisse completamente mau."
"Eu também não minto." Ela respondeu. "O que vocês sabem sobre mim?" Ela perguntou.
"Que você é a rainha de Meirin," Heero respondeu.
"E a canção dizia que tem uma mulher em Meirin que fala com os mortos." Duo acrescentou, "mas eu não curto essas coias de diabo e tudo mais, então se você pretende usar a gente como sacrifício humano, dona, não é tão fácil encarar a gente."
Fez-se um ruído sombrio e Duo levou alguns instantes para perceber que o frio soldado estava rindo dele. "Mina," ele disse, "a garota é inestimável."
"GArota?" Duo perguntou, sua voz subindo uma oitava de nota. "Garota, eu sou tão garota quanto você."
"Ele está certo," Minako disse levantando o rosto para encarar Mamoru com um fraco sorriso que de alguma forma pareceu zombeteiro. "Ele é macho, todos dizem que é."
"Quem?" Heero perguntou.
"Ainda é muito cedo para expolicar." Minako respondeu, "Duo, você precisa me contar, Avili disse algo mais?" Duo balançou a cabeça, "o quee sla estava vestindo?"
"Calças de couro e uma casaca," ele respondeu, "e havia um laço verde nos cabelos dela, pensando nisso," ele tentava se lembrar, "e argolas," ele tocou os lóbulos de suas orelhas, "aqui. Por quê?"
"Porque eu queria me certificar," Minako respondeu, "sente-se, Duo, isto pode ser um pouco chocante." Duo se sentou mas Heero postou-se de pé a seu lado. "Era o que Avili vestia quando morreu, quatro meses atrás."
Duo desmaiou.
Capítulo cinco - Não entendo
Duo aos poucos voltava a si, ele estava deitado no sofá e Heero estava curvado sobre ele; quando viu que ele estava acordado murmurou, "baka", bem claramente.
"Não seja duro com ele," uma mulher disse, "a primeira vez é sempre um choque se você não está acostumado." Ela se curvou sobre ele, "bem-vindo de volta à terra dos vivos." Ela disse sorrindo, embora a mulher fosse bela havia algo estranhamente severo em seu sorriso, embora fosse genuíno.
"Saiam de cima dele." Uma grave voz masculina ordenou. "Ele acabou de passar por uma situação de choque e a última coisa da qual precisa é todo mundo se amontoando em cima dele." Duo foi subitamente erguido e um travesseiro posto sob suas costas para colocá-lo em uma posição quase sentada. As coisas voltavam a fazer sentido, ele havia sido convocado a se encontrar com a rainha Minako e seu marido, e o nome dela era Shinigami. Eles estavam conversando e ela perguntou algo sobre Avili, e então disse que Avili estava, ele pensou por um momento que fosse desmaiar novamente. Ele havia conversado com uma garota morta. Mas se alegrou ao pensar que Minako poderia estar mentindo, ela disse que não estava, mas Duo não sabia que era verdade. Ela podia estar armando alguma para ele, e podia ser que Avili não tivesse desaparecido, talvez ela fosse apenas muito boa em ser furtiva. "Se sente melhor?"
"Sai de perto," Duo disse colocando-se sentado, usando o travesseiro como apoio quando hesitou, quase desmaiando pela falta de sangue na cabeça. "Eu tô bem agora, ha ha, muito engraçado, vocês me fizeram desmaiar."
O homem moreno ofereceu a ele um copo de conhaque do qual ele bebeu agradecido. "Mina não pode mentir." Ele disse, "ela é a rainha de Meirin, ela consegue falar com os mortos."
"Então prove." Heero disse cruzando os braços sobre o peito, "me conte algo que só minha falecida mãe saberia."
Minako se sentou no sofá em frente àquele antes de cruzar os braços, "tudo bem, lembre-se apenas de que você pediu por isso. Sua mãe não queria que seu nome fosse Heero, ela diz que o nome possuía conotações demais, mas ele insistiu. Ela te ama muito." Heero parecia não ter se impressionado, qualquer um poderia ter adivinhado aquilo. "Afinal, Heero Yuy foi um herói para as colônias, mas Odin era persuasivo. Ele disse para seguir seu coração, para ouvir suas emoções mas o Dr." ela fez uma pausa, "J?" ela imaginou que fosse aquilo mesmo, "parece J, ele tentou tirar essas idéias da sua cabeça com os treinos exaustivos, mas sua mãe costumava se curvar sobre sua cama enquanro você estava dormindo e cantava para você, algumas vezes você a via, mas se convencia de que era apenas um sonho."
Heero permaneceu calado, se Dathyl fosse real ela nunca poderia saber aquilo, mas se fosse alguma elaborada artimanha da Oz qualquer uma dessas informações poderia ter sido pesquisada. "Ela morreu no parto, estava muito doente, ela te ama muito, e está orgulhosa de você. Ela quer que você saiba disso."
"Nada disso é muito incrível." Ele respondeu.
Ela sorriu novamente, "Mamoru era igual a você. No começo ele não acreditava. Sua mãe era muito bonita, consigo vê-la em você, e seu pai, embora ele também seja bastante calado, você nunca os conheceu. Odin o levou embora quando ela faleceu." Não havia tristeza alguma na voz dela, era como se ela estivesse contando uma memória boa, "ele costumava fazer tortas para você, do mesmo modo que ela fazia para ele." Ela sorriu para si mesma, "tortas de maçã doce e ruibarbo, e havia folhinhas na massa, e elas estavam sempre queimadinhas nas beiradas." Heero embasbacou-se, de jeito algum ela poderia saber daquilo, nenhum mesmo.
"E você, Duo, Irmã Helen está orgulhosa por você não mentir, mas sente muito que você não possa escutá-la, e diz que seu cabelo está muito bonito, e feliz que você o usa para se lembrar dela." Uma lágrima solitária brotou no olho de Duo enquanto ele agarrava a trança. "E sua mãe, ela era tão efervescente quanto você, e riu muito quando você colou Wufei," ela arriscou um palpite do nome, "ao assento do," ela fez uma pausa, "não reconheço a palavra, mas parece algo como o gumdam dele."
"Gundam." Heero corrigiu friamente.
"E por que eu não consigo?" Duo começou, "por que elas não aparecem para mim?"
"Você não pode ver seus próprios mortos, Duo." Ela respondeu calmamente. "Não é nossa função reconfortar nós mesmos, e sim os mortos. Eu lhe ensinarei, assim como não posso ver Avili então você não vê sua mãe, embora você deva ser a imagem de seu pai, exceto pelos olhos e a compleição física ninguém nunca pensaria que vocês eram parentes, e Padre Maxwell, que se orgulhou muito de você ter aprendido a ler tão bem." Ela abaixou a cabeça. "Eles estão sempre conosco, os mortos, de um jeito ou de outro, logo Halcyon parecerá superlotada, é um lugar tão antigo e tantas coisas aconteceram aqui. Ou talvez você tenha motivo para viajar a Danev, onde os mortos são em maior quantidade que os vivos. Pedirei a Sua Majestade Imperial em Dramathen se posso ser dispensada para levá-lo a Meirin."
"Por que eu?" Duo perguntou.
"Você é Shinigami." Ela respondeu. "Você nasceu para isso. Há outros fatores, todos os que você ama morrem, exceto o Senshisha, que será seu escudo, é difícil se aproximar de alguém sabendo que se eles morrerem você não será capaz de conhecê-los." Ela parecia resignada e cansada ao falar. "Sempre houve uma rainha de Meirin," ela disse, "nós somos descendentes do próprio Shinigami, e carregamos sua magia em nossas veias, e seu fardo também."
"Eu não faço parte disso." Duo gritou ficando em pé e com as mãos enterradas nos cabelos, "ou eu sou um demônio conjurado pelos experimentos malucos do Adam ou..." sem palavras restantes ele se retirou do recinto, apressado.
"Vá atrás dele, Heero." Minako disse, "você é o Seshisha dele, só você consegue entendê-lo."
"Senshi sha," ele disse antes de sair, "significa o soldado morto no meu idioma."
"No nosso," Mamoru disse, "significa o guardião da morte. Agora vá."
Encontrou Duo sentado com as pernas sobre as ameias¹de um dos muros mais externos que davam para o mar, suas pernas dependuradas sobre o abismo abaixo aparentando nenhuma preocupação na mente, mas Heero o conhecia bem. Algumas vezes, quando estavam na Terra, Duo sentava-se a olhar o mar desse jeito e lembrava-se de todas as memórias sombrias que possuía e de ter esperança em quaisquer sonhos que fossem de fato seus. "Acordo mais idiota, né Heero." Ele disse, Heero sabia que não havia feito barulho algum, mas Duo sempre o ouvia. "Quer dizer, qual é a graça em falar com os mortos se não dá pra falar com os nossos."
"Você acredita neles?" Heero disse sentando-se a seu lado, Duo tremia por causa do frio do inverno e o calor do corpo de Heero o aqueceria um pouco, Duo era seu parceiro e seria péssimo se ele não estivesse bem. As coisas não aconteceriam como havia sido planejado se Duo não estivesse funcionando direito, mesmo que os planos estivessem adiados por enquanto.
"Sei lá." Duo respondeu. "Eu achava que bruxaria fosse só degolar galinhas e dançar pelado."
"Parece um dos churrascos do Quatre." Heero disse.
Duo o encarou, "se meus ouvidos não me enganam o todo-poderoso Heero Yuy acabou de fazer uma piada." Ele sorriu, "e uma bem engraçada." Ele sabia o porquê de Heero ter feito aquilo, claro, para mudar de assunto. "Deus do céu, Heero, eu sei lá. Quer dizer, eu falo com essa garota à tarde e ela passa por mim sem eu perceber, pensei que fosse por causa daquele chá, sabe, e daí vem essa mulher que sabe de coisas que não teria como ela saber, e me diz que a garota com quem eu falei tinha morrido, e agora eu não sei se acredito nela ou não."
"Pergunte." Heero respondeu, "pergunte a outra pessoa se essa garota morreu mesmo e como ela era." Aquela era uma sugestão muito prática e bem a cara de Heero. "Verifique se o que ela disse é verdade. Ela disse que eu sou seu Senshisha e que eu vou te proteger e te dar abrigo."
"Talvez porque eu não vejo seus mortos." Ele disse. "Eu só quero dizer pra eles que os amo, sabe, que eu não esqueci deles e que continuo tentando."
"Você não precisa de necromancia para dizer isso a eles, baka, se o que ela diz é verdade eles podem te ouvir, só que você não pode ouvi-los." Duo olhou para Heero, era esquisito ouvir qualquer tipo de admissão de fraqueza dele, mas para ele reconfortar alguém também era.
"O Padre Maxwell costumava contar uma história," Duo começou, "sobre um homem que rezava todos os dias e era muito devoto mas Deus nunca falou com ele, mas ele continuava a rezar todos os dias e sempre fazia a coisa certa. Mas um dia ele praguejou, blasfemou, não lembro por quê, mas ele quebrou um dos mandamentos e usou o nome de Deus em vão e Deus finalmente respondeu pra ele, e o homem ficou tão chocado que teve um ataque do coração e caiu morto." Heero sabia onde isso ia dar. "É mais ou menos assim que eu me sinto. Quer dizer, eu rezei e rezei e agora Deus me responde, mas esse não é o meu deus, é o deles." Ele mirou o horizonte, estava muito frio agora e seu hálito criava pequenas nuvens no ar. "E, eu sei lá Heero, sei lá."
"Vamos." Heero disse levantando-se e oferecendo a Duo uma mão para ajudá-lo a se levantar, "podemos continuar isso lá dentro antes que os dois morram por exposição ao frio, e vamos continuar enquanto comemos o ganso assado que a Rachel nos prometeu e tomando vinho, porque aqui nós temos idade suficiente para beber, e podemos conversar e descobrir se isso tudo faz algum sentido."
"Pois você é meu guardião e meu escudo." Duo murmurou baixinho, e Heero fingiu não ter escutado.
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Nota de tradução:
¹Ameias são aqueles recortes nas torres dos castelos medievais, aqueles que fazem suas extremidades mais altas parecerem coroas.
