Capítulo cinco - Não entendo

Duo aos poucos voltava a si, ele estava deitado no sofá e Heero estava curvado sobre ele; quando viu que ele estava acordado murmurou, "baka", bem claramente.

"Não seja duro com ele," uma mulher disse, "a primeira vez é sempre um choque se você não está acostumado." Ela se curvou sobre ele, "bem-vindo de volta à terra dos vivos." Ela disse sorrindo, embora a mulher fosse bela havia algo estranhamente severo em seu sorriso, embora fosse genuíno.

"Saiam de cima dele." Uma grave voz masculina ordenou. "Ele acabou de passar por uma situação de choque e a última coisa da qual precisa é todo mundo se amontoando em cima dele." Duo foi subitamente erguido e um travesseiro posto sob suas costas para colocá-lo em uma posição quase sentada. As coisas voltavam a fazer sentido, ele havia sido convocado a se encontrar com a rainha Minako e seu marido, e o nome dela era Shinigami. Eles estavam conversando e ela perguntou algo sobre Avili, e então disse que Avili estava, ele pensou por um momento que fosse desmaiar novamente. Ele havia conversado com uma garota morta. Mas se alegrou ao pensar que Minako poderia estar mentindo, ela disse que não estava, mas Duo não sabia que era verdade. Ela podia estar armando alguma para ele, e podia ser que Avili não tivesse desaparecido, talvez ela fosse apenas muito boa em ser furtiva. "Se sente melhor?"

"Sai de perto," Duo disse colocando-se sentado, usando o travesseiro como apoio quando hesitou, quase desmaiando pela falta de sangue na cabeça. "Eu tô bem agora, ha ha, muito engraçado, vocês me fizeram desmaiar."

O homem moreno ofereceu a ele um copo de conhaque do qual ele bebeu agradecido. "Mina não pode mentir." Ele disse, "ela é a rainha de Meirin, ela consegue falar com os mortos."

"Então prove." Heero disse cruzando os braços sobre o peito, "me conte algo que só minha falecida mãe saberia."

Minako se sentou no sofá em frente àquele antes de cruzar os braços, "tudo bem, lembre-se apenas de que você pediu por isso. Sua mãe não queria que seu nome fosse Heero, ela diz que o nome possuía conotações demais, mas ele insistiu. Ela te ama muito." Heero parecia não ter se impressionado, qualquer um poderia ter adivinhado aquilo. "Afinal, Heero Yuy foi um herói para as colônias, mas Odin era persuasivo. Ele disse para seguir seu coração, para ouvir suas emoções mas o Dr." ela fez uma pausa, "J?" ela imaginou que fosse aquilo mesmo, "parece J, ele tentou tirar essas idéias da sua cabeça com os treinos exaustivos, mas sua mãe costumava se curvar sobre sua cama enquanro você estava dormindo e cantava para você, algumas vezes você a via, mas se convencia de que era apenas um sonho."

Heero permaneceu calado, se Dathyl fosse real ela nunca poderia saber aquilo, mas se fosse alguma elaborada artimanha da Oz qualquer uma dessas informações poderia ter sido pesquisada. "Ela morreu no parto, estava muito doente, ela te ama muito, e está orgulhosa de você. Ela quer que você saiba disso."

"Nada disso é muito incrível." Ele respondeu.

Ela sorriu novamente, "Mamoru era igual a você. No começo ele não acreditava. Sua mãe era muito bonita, consigo vê-la em você, e seu pai, embora ele também seja bastante calado, você nunca os conheceu. Odin o levou embora quando ela faleceu." Não havia tristeza alguma na voz dela, era como se ela estivesse contando uma memória boa, "ele costumava fazer tortas para você, do mesmo modo que ela fazia para ele." Ela sorriu para si mesma, "tortas de maçã doce e ruibarbo, e havia folhinhas na massa, e elas estavam sempre queimadinhas nas beiradas." Heero embasbacou-se, de jeito algum ela poderia saber daquilo, nenhum mesmo.

"E você, Duo, Irmã Helen está orgulhosa por você não mentir, mas sente muito que você não possa escutá-la, e diz que seu cabelo está muito bonito, e feliz que você o usa para se lembrar dela." Uma lágrima solitária brotou no olho de Duo enquanto ele agarrava a trança. "E sua mãe, ela era tão efervescente quanto você, e riu muito quando você colou Wufei," ela arriscou um palpite do nome, "ao assento do," ela fez uma pausa, "não reconheço a palavra, mas parece algo como o gumdam dele."

"Gundam." Heero corrigiu friamente.

"E por que eu não consigo?" Duo começou, "por que elas não aparecem para mim?"

"Você não pode ver seus próprios mortos, Duo." Ela respondeu calmamente. "Não é nossa função reconfortar nós mesmos, e sim os mortos. Eu lhe ensinarei, assim como não posso ver Avili então você não vê sua mãe, embora você deva ser a imagem de seu pai, exceto pelos olhos e a compleição física ninguém nunca pensaria que vocês eram parentes, e Padre Maxwell, que se orgulhou muito de você ter aprendido a ler tão bem." Ela abaixou a cabeça. "Eles estão sempre conosco, os mortos, de um jeito ou de outro, logo Halcyon parecerá superlotada, é um lugar tão antigo e tantas coisas aconteceram aqui. Ou talvez você tenha motivo para viajar a Danev, onde os mortos são em maior quantidade que os vivos. Pedirei a Sua Majestade Imperial em Dramathen se posso ser dispensada para levá-lo a Meirin."

"Por que eu?" Duo perguntou.

"Você é Shinigami." Ela respondeu. "Você nasceu para isso. Há outros fatores, todos os que você ama morrem, exceto o Senshisha, que será seu escudo, é difícil se aproximar de alguém sabendo que se eles morrerem você não será capaz de conhecê-los." Ela parecia resignada e cansada ao falar. "Sempre houve uma rainha de Meirin," ela disse, "nós somos descendentes do próprio Shinigami, e carregamos sua magia em nossas veias, e seu fardo também."

"Eu não faço parte disso." Duo gritou ficando em pé e com as mãos enterradas nos cabelos, "ou eu sou um demônio conjurado pelos experimentos malucos do Adam ou..." sem palavras restantes ele se retirou do recinto, apressado.

"Vá atrás dele, Heero." Minako disse, "você é o Seshisha dele, só você consegue entendê-lo."

"Senshi sha," ele disse antes de sair, "significa o soldado morto no meu idioma."

"No nosso," Mamoru disse, "significa o guardião da morte. Agora vá."

Encontrou Duo sentado com as pernas sobre as ameias¹de um dos muros mais externos que davam para o mar, suas pernas dependuradas sobre o abismo abaixo aparentando nenhuma preocupação na mente, mas Heero o conhecia bem. Algumas vezes, quando estavam na Terra, Duo sentava-se a olhar o mar desse jeito e lembrava-se de todas as memórias sombrias que possuía e de ter esperança em quaisquer sonhos que fossem de fato seus. "Acordo mais idiota, né Heero." Ele disse, Heero sabia que não havia feito barulho algum, mas Duo sempre o ouvia. "Quer dizer, qual é a graça em falar com os mortos se não dá pra falar com os nossos."

"Você acredita neles?" Heero disse sentando-se a seu lado, Duo tremia por causa do frio do inverno e o calor do corpo de Heero o aqueceria um pouco, Duo era seu parceiro e seria péssimo se ele não estivesse bem. As coisas não aconteceriam como havia sido planejado se Duo não estivesse funcionando direito, mesmo que os planos estivessem adiados por enquanto.

"Sei lá." Duo respondeu. "Eu achava que bruxaria fosse só degolar galinhas e dançar pelado."

"Parece um dos churrascos do Quatre." Heero disse.

Duo o encarou, "se meus ouvidos não me enganam o todo-poderoso Heero Yuy acabou de fazer uma piada." Ele sorriu, "e uma bem engraçada." Ele sabia o porquê de Heero ter feito aquilo, claro, para mudar de assunto. "Deus do céu, Heero, eu sei lá. Quer dizer, eu falo com essa garota à tarde e ela passa por mim sem eu perceber, pensei que fosse por causa daquele chá, sabe, e daí vem essa mulher que sabe de coisas que não teria como ela saber, e me diz que a garota com quem eu falei tinha morrido, e agora eu não sei se acredito nela ou não."

"Pergunte." Heero respondeu, "pergunte a outra pessoa se essa garota morreu mesmo e como ela era." Aquela era uma sugestão muito prática e bem a cara de Heero. "Verifique se o que ela disse é verdade. Ela disse que eu sou seu Senshisha e que eu vou te proteger e te dar abrigo."

"Talvez porque eu não vejo seus mortos." Ele disse. "Eu só quero dizer pra eles que os amo, sabe, que eu não esqueci deles e que continuo tentando."

"Você não precisa de necromancia para dizer isso a eles, baka, se o que ela diz é verdade eles podem te ouvir, só que você não pode ouvi-los." Duo olhou para Heero, era esquisito ouvir qualquer tipo de admissão de fraqueza dele, mas para ele reconfortar alguém também era.

"O Padre Maxwell costumava contar uma história," Duo começou, "sobre um homem que rezava todos os dias e era muito devoto mas Deus nunca falou com ele, mas ele continuava a rezar todos os dias e sempre fazia a coisa certa. Mas um dia ele praguejou, blasfemou, não lembro por quê, mas ele quebrou um dos mandamentos e usou o nome de Deus em vão e Deus finalmente respondeu pra ele, e o homem ficou tão chocado que teve um ataque do coração e caiu morto." Heero sabia onde isso ia dar. "É mais ou menos assim que eu me sinto. Quer dizer, eu rezei e rezei e agora Deus me responde, mas esse não é o meu deus, é o deles." Ele mirou o horizonte, estava muito frio agora e seu hálito criava pequenas nuvens no ar. "E, eu sei lá Heero, sei lá."

"Vamos." Heero disse levantando-se e oferecendo a Duo uma mão para ajudá-lo a se levantar, "podemos continuar isso lá dentro antes que os dois morram por exposição ao frio, e vamos continuar enquanto comemos o ganso assado que a Rachel nos prometeu e tomando vinho, porque aqui nós temos idade suficiente para beber, e podemos conversar e descobrir se isso tudo faz algum sentido."

"Pois você é meu guardião e meu escudo." Duo murmurou baixinho, e Heero fingiu não ter escutado.

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Nota de tradução:

¹Ameias são aqueles recortes nas torres dos castelos medievais, aqueles que fazem suas extremidades mais altas parecerem coroas.