Capitulo 7- O Adeus e a Chegada do Perigo

Subindo as escadas de madeira, o senhor de forma robusta, se arrastava pelas paredes, apoiado em uma bela concubina.

- Cuidado, meu senhor! Estas escadas estão velhas, assim irá se machucar! – fala a jovem de forma sedutora.

- Deixe de bobagem, minha bela felina! – fala de maneira afobada e alegre. O homem desprende-se dela e caminha depressa na direção do quarto escolhido. Adentra o lugar, que se encontrava desprovido de iluminação.

- Felina? – pergunta curiosa, arqueando a sobrancelha e parando na porta do quarto.

- Oras, menina... – fala bêbado, jogando-se na cama – ... Feches essa porta e venha deitar-se comigo! Vais me dizer que nunca te chamaram de nomes como estes?

- Para falar a verdade, meu senhor... – ela fecha a porta e vira a chave, virando-se para ele - ... É a primeira vez que me chamam de felina.

O homem apenas soltou uma risadinha.

- Do que estas rindo? – pergunta em um ronronar sedutor, aproximando-se calmamente.

- Estou pensando que devido à bebedeira, estou a confundir as imagens. Agora, venhas e me mostre teu belo corpo!

A cara da jovem se contorceu de nojo e ela sentiu um leve enjôo lhe atacar o estômago.

- Creio que será difícil me enxergar nesse escuro... E, me digas, com quem me confundistes?

- Estou bêbado, não cego. A luz da lua está a adentrar este quarto e tenho certeza de que serei capaz de te enxergar.

- Se é o que dizes... – ela abre de leve o quimono azulado – Mas, responda minha outra pergunta, senhor...

- Oras, mas estás a me sair uma bela de uma curiosa! Está bem... – diz coçando a barba mal feita. – Acho que te chamei daquela forma, porque...

- Por quê...?

- Ah, claro! Tu me pareces com uma mulher que conheci há dezessete anos atrás. Ela era muito bonita, parecida com você!

- Ah, é? E como a conheceste? – pergunta mexendo no interior de seu quimono. – Ela era chinesa? Chegaram a ter algum romance?

- Não, para falar a verdade, ela era uma prisioneira de guerra. Sabe, ela era... Hã... Parece que era uma princesa mongol. Sim, era isso mesmo! – fala de forma afobada. – Bom, não tive nada demais com aquela vagabunda, só a fiz abrir as pernas para mim! – disse o desprezível homem, rindo com gosto de sua própria piada.

A menina avança contra o homem, pondo-se acima deste e lhe comprimindo um punhal contra a garganta.

- Pois a vagabunda com quem transou, seu porco, era minha mãe!!! – grita contra cara do homem apavorado.

- Ma... Mas... É impossível...! Ela era... Era virgem! A não ser que você... Você...

- Isso mesmo, seu verme... – ela se aproxima do ouvido dele. - ... Sou sua filha! – sussurra de forma maliciosa.

- Não pode ser...

- Desde meu nascimento pago caro por ser filha bastarda e impura de minha família! Por tua culpa, que violou minha mãe sem piedade, fui criada por olhares acusadores e indiferentes, sendo vista como o esterco de minha geração!

- E... Eu...

- Cala-te, animal nojento! Tu vais pagar com a vida por todo meu sofrimento e pela desgraça de minha falecida mãe!

- Ela morreu?

- Suicidou-se. Não agüentou o fato de ter sido desgraçada. Mas como tinha um coração bondoso, não achou certo levar minha vida junto com a dela. Tola, devia ter me matado junto! Mas agora entendo seus propósitos: ela queria que eu fizesse justiça perante seu nome! Ela queria a tua morte!

- E-espere, por favor, não me mate!

- E por quais motivos pouparia tua vida?

- Te-teu povo! – fala engolindo seco e gaguejando, covarde.

- Meu povo?

- Ve-veja bem, faço parte do conselho do Imperador. Sei que revoltosos mongóis têm tentado recuperar a glória de seu povo. Acontece que se o Imperador for morto, posso facilmente controlar o filho dele, e assim beneficiar estes rebeldes!

- E quem mataria o Imperador, homem tolo? Ninguém de sua nação trairia seu senhor, a não ser um verme como tu, e não creio que seja capaz disso, seu porco imundo e covarde!

- Mas, se eu conseguir fazer com que se passe por minha filha, posso colocá-la em meio as esposas do imperador e assim, você mesma poderá fazê-lo, da forma que preferir!

- Tua idéia não é ruim... – fala pensativa - ... mas, logo te aviso: se tentares me passar para trás, juro-te que te corto a garganta e a de teus filhos!

- Não! Por favor, não machuques minha família! Além disso, não ousarei traí-la de forma alguma!

- Está bem, vamos selar nosso acordo! – fala impondo seu punhal e cravando-o no ombro do homem – Não ouses me trair!!!!

O homem soltou um grito estridente ao sentir o metal frio perfurar e rasgar sua pele, enquanto seu sangue, pouco a pouco, manchava o quimono que usava.

- Meu senhor! Meu senhor! Está bem?! – pergunta uma jovem preocupada.

- O quê? – pergunta suando frio – Ah, foi tudo um sonho... – suspira aliviado, passando a mão nos cabelos.

- O que aconteceu, meu senhor? Já faz cinco dias que tens acordado assim! – pergunta preocupada.

- Não é nada, Subaru! Não é nada... – ele levanta-se de sua poltrona – O que aconteceu?

- Disse que queria descansar um pouco e acabou adormecendo.

- Ah, está bem. Pode se retirar...

- Tem certeza de que se sente bem?

- Sim! Sim! Agora me dê licença, Subaru!

- Sim, meu esposo! – faz uma reverência e sai da saleta, fechando as portas logo em seguida.

O homem levantou-se vagarosamente de sua cadeira e se pôs a caminhar pelo escritório. Levou sua mão até o ombro machucado, sentindo o local dolorido. Aquela vagabunda era perigosa, ele devia tomar muito cuidado. Parecia mentira, mas aquela menina era a filha de Ilhanna, a princesa mais nova do extinto império mongol. Aquele rosto era idêntico ao de sua suposta mãe. Aqueles cabelos negros, aquele rosto comprido e delicado, combinando perfeitamente com as bochechas salientes e coradas. Aquela menina era bela e perfeita, com seus lábios cheios e olhos fantásticos.

'Mas, o que tem de bonita, tem de perigosa', pensou, temeroso. A jovem Pey-Meii não era tola, tampouco ingênua. Sabia que se traísse aquela ninfa sedutora, seria o mesmo que desafiar o próprio demônio. Aqueles olhos não lhe passavam segurança, mas mesmo assim não deixavam de ser belos.

Aquela garota queria sua cabeça e ele não poderia fracassar. Tinha de apoiá-la e ajudá-la como pudesse, porque no final das contas, se aquela pequena cobra conseguisse matar o Imperador, seu poder estaria garantido, pois o jovem Chiu-Liang sempre seguia seus conselhos. E isso seria o mesmo que ele, Mu-Bai Liang, tornar-se o Imperador da China...

Syaoran vestia sua farda, se examinado no espelho. Olhava com orgulho para seu uniforme. Seu pai não ficaria tão orgulhoso quanto ele, ao vê-lo no posto de Capitão de uma das tropas chinesas. Mas um dia ele se faria maior, mais importante: chegaria a ser um General! Fazendo com que até os ossos de seu velho se revoltassem de alegria, em seu túmulo.

Encaminhou-se até a cama e pegou uma de suas botas, começando a vesti-la. Ele abandonaria a cidade proibida, ainda hoje. Não ficaria mais nenhum segundo naquele lugar. Os acontecimentos da noite passada lhe provaram isso: não era bem-vindo pelo destino; portanto não deveria ficar perto de Sakura. Seu sangue fervia só de pensar nela. Fora tolo ao sentir pena até agora. Ela não era digna desse sentimento!

Desde que se reencontraram, ela nem se quer tentara saber o porque de sua partida. Pois bem, se ela preferia usar de violência, ele não lhe seria compreensivo, tentado evitar e se explicar. Iria embora, para evitar que mais confrontos ocorressem. Mas uma coisa era certa: se, por algum motivo, eles voltassem a se encontrar e isto resultasse em um confronto, não se responsabilizaria por seus atos. Atacaria e revidaria sem piedade. Aquela garota que não ousasse lhe provocar, pois a morte, com certeza, estaria lhe aguardando.

Meiling andava pelo jardim florido. Olhava de forma vaga e vazia para a paisagem. Para falar a verdade, não sabia encarar as coisas com um olhar que não fosse vago. Sua vida desmoronava e ela afundava cada vez mais naquela tristeza.

Os deuses lhe foram muito cruéis, entregando sua alma a um destino tão vazio, assim como ela. Em pouco tempo, ela nada mais seria do que um reflexo amargurado, exatamente como sua mãe.

Sua mãe. Sorae, a grande Imperatriz, lhe tratara de forma bastante curiosa na noite passada. Aquela mulher lhe dirigira um olhar doce e compreensivo, sendo seguido de uma voz macia e confortável. Será que ela havia sido possuída por alguma boa alma? Era estranho pensar assim, até porque duvidava muito que um espírito puro quisesse adentrar aquele coração de pedra. Isso mesmo, sua mãe era insensível e rígida demais!

Suspira cansada e senta-se em um velho balanço de madeira, que se encontrava amarrado a um grande pessegueiro. Com movimentos leves e calmos, ela balança-se no brinquedo. O vento inicia uma leve brisa, fazendo seus longos cabelos irem para trás de seus ombros. O leve balançar lhe faz recordar momentos de sua infância, obrigando-a a fechar os olhos.

Viajando em suas lembranças, ela recordava-se de um dia muito quente de verão. Usava roupas mais leves e tinha seus cabelos presos a dois grandes odangos. Estava sentada em seu velho balanço, que na época não lhe permitia tocar o chão.

O balançar de seu brinquedo, arrancava-lhe gostosas risadas e gritinhos emocionados. Olha para trás, tentando visualizar seu ajudante. Os grandes olhos infantis enchem-se de meiguice para com seu pai.

Sim, a pessoa que lhe empurrava no balanço era seu pai. Ele lhe impulsionava para frente, fazendo com que ela fosse capaz de quase voar, e depois lhe recebia de braços abertos, como se lhe oferece-se abrigo eterno. Seu belo sorriso não cansava de arquear-se constantemente, toda a vez que contemplava a alegria de sua filha.

Suspira mais uma vez e entreabre os olhos. Suas feições contorcem-se num pequeno sorriso. "Bons tempos...", pensa cansada. "Bons tempos em que meu pai tinha tempo para mim. Bons tempos em que não me preocupava com o amanhã. Bons tempos em que eu ainda sabia sorrir, sem dificuldades. Bons tempos que não voltam mais...". Pouco a pouco, sua visão torna-se embaçada e o chão, que servia de constante paisagem de contemplação, começa a lhe fugir do foco.

O que seria dela? O que aconteceria a ela? Essa agonia e tristeza permaneceriam por quanto tempo mais? Estava enlouquecendo e isto lhe era óbvio. Não via escapatória para sua mente solitária... Estava virando um monstro insensível e perturbado.

De repente, seus ouvidos captam a aproximação de alguém. Por puro reflexo e vergonha, rapidamente limpa as lágrimas que começavam a lhe escorrer do canto dos olhos.

- Oras, mas o que encontro a minha frente: uma ninfa ou mortal? – pergunta o jovem galanteador.

Ninfa, ela? Meiling sente suas bochechas ruborizarem-se, não só pelo elogio, mas pelo belo cavalheiro que se aproximava.

- Não sei se mereço tal elogio, senhor... – fala tímida, encolhendo-se em seu balanço.

- Por favor, jovem dama, não me chame de senhor, pois assim me julgarei um velho! – fala de forma divertida, conseguindo arrancar uma leve risadinha da jovem – Me chame de Capitão! Capitão Syaoran Li! – fala orgulhoso.

- Capitão? Não é muito novo para tal posto? – fala curiosa, permitindo-se soltar um pouco.

- Quando se é tão bom guerreiro e líder como eu, ser capitão não é nada! – aproxima-se mais dela.

Ela o observa por longos instantes. O vento volta a soprar e, novamente, ela sente suas bochechas esquentarem com a imagem do jovem guerreiro. A leve brisa chocava-se com as madeixas rebeldes do capitão, fazendo a imagem daquela figura masculina ganhar tom mágico diante de seus olhos. Ela sentia como se estivesse na presença de um deus, tamanha era a beleza daquela criatura.

Aquele homem conseguia fazer com que ela se sentisse estranhamente confortável e incomodada. Tudo ao mesmo tempo...

- Me chamo Meiling... Sou a 9º filha de seu Imperador... – fala de forma calma.

- Sei quem tu és, formosa princesa... Observei-te de longe na festa de ontem...

- Estava me observando? – pergunta surpresa e rubra.

- Sim. Infelizmente estou indo embora hoje e disse a mim mesmo que gostaria de vê-la de perto antes de partir.

O silêncio voltou a predominar e eles continuavam a se encarar. Syaoran estava decido em relação a deixar a cidade proibida. Mas ele não podia negar que, apesar de tantos problemas com Sakura, a jovem de olhos avermelhados a sua frente, de alguma forma, conseguiu penetrar em seus pensamentos nos últimos minutos.

Por algum motivo, ainda desconhecido para ele, quis muito saber mais sobre ela. Queria encarar aqueles orbes vazios e belos. Queria poder falar com ela. Não sabia ao certo o que estava fazendo, mas não conseguiu resistir ao descobri-la, por acaso, no jardim imperial. Talvez precisasse brincar de seduzir uma mulher, para esquecer seus problemas, ou melhor, seu problema!

- Por quê... – ela lhe arranca de seus pensamentos – Por que está partindo hoje?

- Meu lugar não é aqui, princesa. – olha para o céu – Há muito tempo já me desacostumei a viver com tanto luxo. Não que não me agrade, mas pertenço a meus campos de batalha e estradas infinitas. Não nasci para viver preso. Mas, talvez um dia eu encontre algo ou alguém que consiga me fazer parar e ficar... – sorri de forma sedutora para ela.

Meiling sentiu um arrepio lhe percorrer a espinha. Aquele homem era incrível. Ela que sempre fora tão recatada e controlada... Sentia vontade de se sentir domada, controlada por ele. Sentia como se todo o seu corpo gritasse para que ele a tomasse.

Tendo consciência de seus pensamentos, agita de leve sua cabeça, com o propósito de dissipar aquelas idéias perturbadoras e constrangedoras.

- Bem, já vou indo. Foi um prazer conhecê-la, mesmo que tenha sido por pouco tempo... – sorri de forma simpática.

Meiling começa a sentir o desespero lhe tomar o espírito. Aquele homem maravilhoso a estava deixando. Vendo a imagem daquele ser robusto lhe abandonar, sentiu o coração apertar. Por reflexo e medo de perdê-lo, ela se levanta de forma rápida e avança quatro passos na direção do jovem guerreiro.

- Espere! – fala de forma trêmula e alta, obrigando si mesma a levar a mão à boca, tamanho era seu acanhamento.

O Capitão interrompe sua partida e sorri de lado. Vira-se devagar e contempla aquela criatura tímida e, até certo ponto, assustada.

- Sim, majestade... – ronrona de forma sedutora.

Meiling morde o lábio inferior e abaixa seus olhos, evitando que seus olhares se cruzassem.

- Você... Digo... O senhor... Hã... – olha devagar para aqueles orbes sedutores - ... Pretende retornar para a cidade proibida... Capitão Li...?

Syaoran não consegue evitar um leve sorriso de malícia. Está já estava na palma de sua mão. Sua lábia infalível, mais uma vez, lhe garantia mais uma mente ingênua.

Com passos firmes e rápidos, ele se aproxima da jovem, fazendo com que esta abaixasse seus olhos. De forma lenta se aproxima do ouvido dela.

- Agora... – sussurra rouco - ... tenho um motivo para voltar...- de forma lenta roça seus lábios na orelha pequenina, arrancando um suspiro daquela boca rosada.

A princesa fecha seus olhos, apreciando aquele toque, mas entreabre-os novamente ao sentir o afastamento dele. Seu coração batia de forma rápida e descompassada, causando um misto confuso de emoções, que ela jamais experimentara.

Li encaminhava-se para o portão. Com o peito estufado e satisfeito, sentia-se orgulhoso de seu feito. Seduzir jovenzinhas tímidas e belas, como a senhorita Meiling, era um passatempo muito divertido. Rindo consigo mesmo, ele sentia o seu velho "eu" retornar aos poucos. O passado que fosse para o inferno! O próprio nome já diz: já passou. Então para que se preocupar?!

Kaho encontrava-se sentada na cama de Sakura, tendo a cabeça da jovem apoiada em seu colo. Acariciava aqueles fios longos e de cor exótica, tentando fazê-la sentir-se confortável.

Agora sim, ela entendia sua pequena. Aquele anjinho havia sofrido demais, desde que nascera. Rejeição já fazia parte de seu vocabulário e compreensão. O abandono de Syaoran e suas palavras rudes, haviam sido a gota que faltava para que ela se deixasse levar pelo ódio acumulado.

Sakura era a prova viva de que o ódio levava as pessoas a cometer loucuras e atrocidades. Aquela menina não sabia perdoar, e por mais que quisesse, não poderia ensinar isto a ela. O perdão não é algo que se ensina em escolas ou através de livros, mas sim algo que se aprende com a vida, consigo mesmo. É algo que vem de dentro... Do coração... Da alma.

Sakura entreabre seus olhos e fita o nada. Contara tudo para sua querida professora. Desde a terrível despedida de seis anos atrás, até a batalha que travaram no salão de armas. Contou seus conflitos, suas dores, tudo que sentira ao vê-lo caído no chão e prestes a morrer.

O desejo de vingança, o prazer em ferir e a vontade de matar. Viu o os olhos da senhorita Mizuki arregalarem-se surpresos diante de suas revelações. De certa forma, não pôde evitar uma pontada de arrependimento por sentir tais coisas, quando observou os olhos de sua mestra encherem-se de tristeza. Ela sabia que Kaho não aprovava seus atos, por mais fortes que fossem suas dores. Mas, Sakura Tuang não era uma menina bondosa e compreensiva. Era humana, errava, odiava, amava e destruía, como qualquer um faria. Não era uma santa e sim, uma simples mortal.

- Kaho... – chama baixinho.

- Sim, querida...? – continua a lhe fazer carinhos.

- Você me odeia...?

- Mas é claro que não...! – responde rápida.

- Sente nojo de mim?

- Não!

- Me julga desprezível, inferior ou má?

- Não, não e não! Sakura, por que esta fazendo estas perguntas absurdas?! – pergunta preocupada.

A menina se levanta e senta em sua cama. Mantêm seu olhar baixo.

- Enquanto eu lhe contava meus sentimentos e desejos... – ela faz uma pequena pausa, mas logo voltou a falar. – Eu vi... Os seus olhos, o seu olhar... Vi uma tristeza, uma mágoa... Por quê?! – pergunta lhe focando.

- Minha flor... – ela lhe acaricia a face - ... Desde a partida de sua mãe, tenho lhe ensinado tudo que sei, tudo que aprendi. Tentei, de todas as formas, lhe dizer o que é certo e errado, apesar de saber que a vida se encarrega de tal feito. Entristeceu-me muito ver que você tem esse lado "negro", amargurado dentro de você. Magoa-me, descobrir que você é capaz de odiar e machucar tanto uma pessoa...

- Mas, Kaho... – começa a falar, mas logo é interrompida.

- Não, deixe-me acabar. Sakura, às vezes sinto como se eu fosse sua mãe. A função das mães, é proteger os filhos, lhe ensinar o certo. As mães conhecem tudo sobre suas crianças e assim, tentam ajudá-las, evitando que certas coisas aconteçam. Eu... Eu achei que conhecesse tudo sobre você. Isso tudo o que está acontecendo, de certa forma, é culpa minha. Eu nunca lhe perguntei por que você parecia tão triste e distante, algumas vezes. Descobrir este seu lado foi uma verdadeira surpresa para mim e, de certa forma, eu não sei o que fazer. Eu não posso lhe dizer que você não deve odiar, machucar ou... Matar. Eu não tenho esse direito.

- Me desculpe, por ser assim...

- Não peça desculpas. Essa é você e eu tenho de me acostumar com as suas duas personalidades.

- Quais?

- A Sakura bondosa, divertida e meiga. E a Sakura que tem desejos, sejam eles quais forem; que sente ódio e... infelizmente... A Sakura que mata...

- Kaho... – sussurra tristonha, ao ver lágrimas brotarem nos cantos daqueles olhos castanhos.

De repente ouve alguém bater em sua porta. Levanta-se de sua cama e permite a entrada da misteriosa pessoa.

- Princesa Sakura... – fala uma criada, reverenciando a figura da menina.

- Sim, o que foi? – pergunta calma.

- O Imperador pede a presença da Embaixatriz Kaho Mizuki, no portão principal.

- Sim, já estou indo. Mas do que se trata?

- O Capitão Syaoran Li está se despedindo da cidade proibida...

- O quê?! – pergunta Sakura surpresa – Sabia disso, senhorita?! – pergunta brava.

- Não. Estou tão surpresa quanto você!

Sakura sai correndo de seu quarto, enquanto ouve Kaho lhe chamar e pedir que ela não fosse para lá.

Idiota, Syaoran idiota! "Covarde, está a fugir de mim? Eu não deixarei que você fuja da morte! Eu jurei diante do túmulo de minha mãe que te mataria. Se irei para o inferno por meus pecados, te levarei junto comigo!", pensa irritada e nervosa.

Corria pelos corredores, desesperada. Precisava pará-lo, precisava matá-lo! Não poderia deixar que ele fugisse. Mesmo que ele partisse, descobriria para onde ele ia e o perseguiria até a morte.

De repente, avista a figura do capitão através de uma grande janela. Ele se encontrava na companhia de Meiling! Os dois estavam muito próximos e ele parecia falar alguma coisa ao ouvido da garota. Sakura, no mesmo instante, sentiu o sangue ferver. Estava sentindo sentimentos confusos lhe subirem a cabeça, que ela jurava ser a própria raiva.

Animal nojento, estava se aproveitando de sua irmã! Viu eles se separarem e virem em sua direção. Escondeu-se atrás de um grande pilar e o esperou. Ainda espiando da janela, pode ver a figura encabulada e atordoada de Meiling. Nojento, quase morrera através de suas mãos e agora ficava seduzindo as mulheres da cidade proibida.

Quando viu a figura distraída e maliciosa, aparecer no grande corredor, num ato de puro reflexo e insanidade, impulsionou-se para cima dele, surpreendendo o capitão.

- Seu monstro pervertido! – grita a menina, que se encontrava suspensa no ar, agarrada aos ombros do guerreiro, puxando seus cabelos.

- AHHHHH! Mas o que está fazendo, sua louca?! – esbraveja raivoso.

- Seu nojento! Sem vergonha! Você não aprende nunca?! Pare de ficar se insinuando para cima das mulheres!

- Sua desequilibrada! Saia de cima de mim! E pare de puxar os meus cabelos!!! Eu faço o que quiser da minha vida. – ele tenta pará-la, esforçando-se para derrubar o pequeno corpo que se agarrava ao seu. - Eu juro que te mato, sua desgraçada!!! – grita, tentando desprender-se dela.

- Seu covarde! Finalmente percebeu a gravidade da situação e agora quer fugir?! Eu não vou deixar, você vai morrer!!!

- Mulher idiota, eu não vou fugir!!! Ah, você que merece morrer, sua cobra!

- O que está acontecendo aqui?!

Ambos param e olham para terceira pessoa. Sakura rapidamente se desprende de Syaoran e fita Meiling. A menina tinha a testa franzida e um semblante confuso na face.

- O que estavam fazendo? Sakura, por que estava pendurada nos ombros do capitão?!

- Er... Meiling...

- Estávamos brincando!

- O quê?! – ambas falam juntas e olham para o guerreiro.

- Sabe, faz muito tempo que eu e Sakura não nos encontrávamos, senhorita. Como deves saber, fomos grandes amigos na infância e estávamos apenas matando as saudades de nossas brincadeiras.

- Mas... Estavam xingando-se! – falou séria.

- Er... Pequenos desentendimentos, sabe! – fala Sakura, sorrindo nervosamente – Não se preocupe, Meiling, nenhum de nós machucaria o outro, certo, Syaoran?!

- Certo!

- Bem, se é assim... – olha desconfiada para os dois - ... Se me dão licença...- ela dá meia volta, mas logo pára e se vira para o capitão – Antes que eu esqueça, faça boa viagem, Capitão Li! – dá um pequeno sorriso, deixando Sakura abismada – Espero que volte a visitar a cidade proibida!

- Com toda a certeza, minha bela princesa! – ele retribui o sorriso.

Sakura o olha atravessado, sentindo o sangue ferver. "Nojento!!!", xinga mentalmente.

Meiling, que ainda encontrava-se rubra, faz uma pequena reverência e retira-se do local. Após o desaparecimento da menina, o casal silencioso, assume uma postura sombria.

- Mentiroso(a)! – gritam juntos, um na cara do outro.

- Sua cobra traiçoeira! – ele lhe agarra os braços – Está pedindo para morrer?!

- Pervertido, mentiroso! Não tenho medo de tuas ameaças sem consistência! Eu vou te matar, custe o que custar! Nem fugindo você vai se livrar de mim! – fala de dentes trincados.

Syaoran sente uma forte raiva lhe subir a cabeça, ao escutar aquelas ofensas e ameaças. Quem aquela garota pensava que era?! Aquilo não era mais uma brincadeira, eles haviam crescido, não eram mais crianças. Ele estava cansado de tudo aquilo. De forma rápida e brusca, ele a empurra de encontro a uma parede, pressionando os ombros femininos.

Sakura fecha seus olhos, ao senti-lo lhe empurrar. Quando sente o baque do concreto de encontro a suas costas, ela não consegue evitar que um gemido de dor lhe escape, devido ao impacto. Entreabre as esferas esverdeadas e encontra os olhos ameaçadores de Syaoran.

- Escute bem o que vou lhe dizer, pois não irei repetir! – adverte de modo sombrio – Não estou fugindo de você, nem ninguém, pois nunca foi homem de temer nada. Esqueça tudo! Esqueça de que um dia nos conhecemos, que fomos amigos, de tudo! Finja que nunca soubemos um da existência do outro!

- E por que deveria?! – fala debochada.

- Por quê...- ele lhe olha com um sorriso sarcástico e um olhar maligno – Se tornar a cruzar meu caminho...- ele se aproxima do ouvido dela - ... Eu juro que lhe mato!

Sakura arregala seus olhos, surpresa com a revelação. Ela podia entender, que pelo tom de voz dele, aquilo não era uma brincadeira ou uma ameaça sem consistência. Aquilo era verdade! Por um instante ela sentiu um arrepio de mau presságio lhe atravessar a espinha e sua respiração cortou-se. Em seguida, ela pôde sentir uma forte dor em seu estômago.

Syaoran afastou seu punho da barriga da menina e a viu escorregar pela parede, até chegar ao chão. Enxergou aquela figura pequenina dobrar-se de dor. Afastou-se dela e caminhou em direção a entrada de um corredor e parou.

- Que isto lhe sirva de aviso! – fala firme e em seguida desaparece.

Trêmula e com dor, a pequena criatura encara, de olhos espremidos, a porta por onde ele fora embora. Maldito! Como ousava machucá-la?! De repente, sentiu lágrimas respingarem em sua roupa e levou sua mão até o rosto. Assustada e confusa, perguntava-se o por que de seu choro? Ela não estava tão machucada para chegar a tal!

Seu coração apertado finalmente começou a denunciá-la. A presença de Syaoran a deixava tão atordoada, que nem ela percebera que as palavras do guerreiro a haviam machucado mais do que pensava. Ela estava chorando por causa dele! Por deus, ela chorava pela despedida dele!

Sentia-se um lixo por ser tão fraca e chegar a este ponto. De alguma forma, ela não queria que ele à abandonasse mais uma vez. Queria tê-lo matado para que morressem juntos e se fizessem companhia no inferno! Mas, o adeus parecia inevitável para ambos e a partir deste instante, ela deveria reaprender a viver.

Deveria aprender a viver sem vingança, morte e sangue. Deveria viver sem tê-lo em seu pensamento, em sua alma...

Syaoran encontrava-se nas portas da cidade proibida, e ali segurava as rédeas de seu corcel, evitando que este se dispersasse. Seu grande Imperador, imponente e respeitoso, despedia-se de sua pessoa, acompanhado de vinte homens, todos prontos e a postos para protegê-lo.

- Não acredito que mais uma vez estou a me despedir de você, jovem Capitão. – fala calmo e saudoso.

- Eu que o diga, meu nobre Imperador.

- A única diferença é que na última vez eras apenas um menino, e agora já és um homem! – olha de forma amigável para o guerreiro – Teu pai ficaria orgulhoso, meu jovem. Shang era um homem rígido, mas te amava muito. Podes ter certeza de que ele fez de tudo para que você se tornasse o melhor dos homens! – olha fundo nos olhos de Syaoran, enquanto desenterra suas saudades do velho amigo.

- O maior orgulho de meu pai era ter vosso Imperador como amigo, e assim ser considerado por este. Fico feliz que reconheça o nome de Shang Li, Grande Filho dos Céus. – reverencia seu senhor.

- Levante-se, meu rapaz. – faz sinal com as mãos, pegando-lhe pelos ombros – Agora vá, Capitão Syaoran Li, pois não mais reterei tuas asas neste palácio. Que os deuses lhe protejam, meu filho! – o Imperador se inclina sobre o jovem e lhe beija a testa – Vá em paz!

- Agradeço, meu senhor! – beija a mão do Imperador – Obrigado! – faz uma rápida reverência e monta na garupa de seu animal.

Li corre a frente de sua tropa e faz sinal para avançarem caminho, despedindo-se, mais uma vez, da cidade proibida, a cidade dos segredos...

O Imperador se dirigia para seu escritório. Mais uma vez via o filho de seu falecido companheiro partir. Poderia ser coisa do destino, mas sua habitação não parecia ser o lugar para o jovem Capitão.

Ainda lembrava-se que Shang, seu grande amigo, preocupava-se muito com Syaoran. O menino era o único herdeiro que Yelan havia lhe dado. Por tais motivos, Syaoran sempre fora prioridade na vida de Shang. Não que suas filhas não fossem importantes, mas um herdeiro lhe valia por toda uma vida e garantia a sobrevivência do nome da família.

Ainda lembrava-se que seu parceiro era capaz de tudo para dar uma boa educação ao filho. Tanto que, de certa forma, armara contra a própria carne. Não fora lá a coisa mais nobre que ele fizera, mas Syaoran era jovem e rebelde, e de forma alguma queria aceitar seus estudos longínquos.

Tanto ele, Chon, como Shang, sabiam o motivo daquela relutância: Sakura. Sua filha prendia o espírito do jovem Li e isto estava atormentando seu amigo. Aquela menina ardilosa e desencaixada parecia trazer-lhe tormentos a toda hora. Como única escolha, os dois deram apenas duas escolhas ao herdeiro da família Li: ou partia em seus estudos ou o destino de Sakura estaria em suas mãos.

Naquela época, quando nada mais eram do que crianças, Chon e Shang sabiam que trariam desespero ao jovem coração de Syaoran e, graças a isso, o menino cedeu às suas exigências.

Sentado em sua confortável cadeira de vinil, à espreita da janela, Chon percebia a covardia de seu ato. Sabia que Sakura era sua responsabilidade, e por isso era o culpado pela recusa do menino, mas mesmo assim poderiam ter achado outra solução. Chon fora muito prejudicado na época, pois Sakura havia sido possuída por maus espíritos, sendo que nem ele, o Grande Filho dos Céus, conseguia impedi-la. No final das contas, o afastamento precoce do jovem Li, trouxera-lhe difíceis tempestades... Tempestades essas que ele mesmo ajudara a criar.

Sakura arrastava-se pelas árvores do jardim. Começaria vida nova naquele exato instante, e isto não só a apavorava, como lhe enchia de tristeza. Abandonaria tudo que aprendera sobre lutas. Concentraria-se em suas festas fúteis, roupas caríssimas e em arranjar um esposo.

Pensando nestas metas nada atraentes, sentiu o estômago revirar-se em repulsa. A vida de uma princesa não lhe atraía. Ela queria aventuras, lutas, cultura! Gostava de pensar em si como uma assassina, uma mulher sem medos! Mas, na verdade, ela era a que mais sentia medo da vida. Tudo era tão vulnerável, frágil e facilmente dilacerado...

Como sobreviveria numa vida sem emoções, presa nestas muralhas infinitas e sem coração? Viveria ela cercada por suas lembranças e fantasmas?

De repente, ouve alguém se aproximar e por simples reflexo de aventureira, esconde-se. Vê surgir duas criadas a fofocar. "Mulheres desocupadas...", pensa entediada.

- Sabe, hoje de manhã eu estava limpando os corredores, perto do escritório do Imperador e por acaso, ouvi algumas coisinhas! – ri baixinho, sendo imitada pela outra curiosa de plantão.

"Por acaso...?!", pensa descrente arqueando uma sobrancelha.

- E o que escutou? – pergunta a outra.

- Que o senhor Mu-Bai Liang pretende oferecer sua filha para o Grande Filho dos Céus! E, pelo que escutei, a menina deve ter a mesma idade que a princesa Meiling e a princesa Sakura!

Sakura arregala seus olhos e quase cai para trás. Sua sociedade estava acostumada a casar moças jovens com homens mais vividos, mas seu pai iria desposar uma garota da sua idade? Isso era revoltante!

De forma rápida e ágil, ela levanta-se de seu esconderijo improvisado e corre até o palácio, assustando as mulheres que conversavam. Percorre ligeiramente as salas, até chegar ao escritório imperial. Ignorou os guardas que não tentaram lhe impedir, devido à pessoa que ela era, e arqueavam as portas com força.

O Imperador dirige seu olhar surpreendido até o invasor e franze o cenho para a menina enfurecida. Sakura era uma jovem debochada e crítica, mas sabia que sua filha possuía um certo nível de tolerância para se enraivecer ou revoltar. Quem, pelos deuses, havia despertado a ira daquela menina atrevida?!

- Como ousas fazer isso?! – grita em revolta, enquanto bate as portas pesadas.

O homem calmo e pensativo sente-se irritar pelo desrespeito daquelas palavras. Tornando seu olhar mais apreensivo, ele se ergue e caminha quatro passos em direção àquele anjo profanador.

- Como ousas elevar tua voz em minha presença? Ou melhor, como ousas falar desta forma com teu pai e soberano?! – fala irritado e frio.

Sakura engole seco as suas palavras. Não devia ter-se precipitado tanto em lhe faltar com o respeito. Infelizmente, quando se revoltava, o sangue lhe fervia a cabeça e o bom senso parecia evaporar de sua mente. Na verdade, ela não só descontava a raiva daquele boato, mas também de todos os seus dramas.

- Quem pensa ser, para invadir meu escritório e tentar me intimidar em um elevado tom de voz? – o silêncio se faz presente, mostrando o claro constrangimento da menina. Mas já era tarde, ela atiçara as brasas mornas da fogueira e agora deveria arcar com o calor das chamas. – Responda minha pergunta, criança insolente! – ordena, com a voz parecendo o estrondo de uma tempestade.

Sakura sente a respiração ser cortada pelo arrependimento. Deus, se pelo menos antes ela tivesse tido o juízo de se controlar um pouco para vir questioná-lo, não estaria sendo amedrontada pela voz autoritária. Mas o que estava feito não poderia ser mudado e o fato de ter de enfrentá-lo era certo.

Reunindo todas as suas forças internas, ela procurou dentro de si o mesmo sentimento explosivo e inconseqüente que a colocara nesta situação. Quem sabe assim, ela adquirisse forças para retribuir a firmeza e segurança que traspassava o olhar de seu pai.

Respirando fundo e pesado, ela se concentra em sua revolta e olha fundo nos orbes ameaçadores. O verde seguro e trêmulo, desafiava seu senhor com a mesma intensidade, causando revolta interna no Imperador.

- Como tu ousas desposar uma menina, que possui a idade de tuas filhas?! – esbraveja em repulsa, porém controlada.

- Do que estás falando?! – pergunta perdido.

- Da filha de Mu-Bai Liang!

O Imperador expande o olhar em surpresa. Como Sakura sabia da proposta de Liang?

- Como sabes disto?

- O importante não é como sei, mas sim o que tu vais fazer com uma menina! Não sente o juízo chamar-te a realidade? Já estás com idade para ser o pai desta jovem! Por mais real que seja vossa posição... – fala em deboche, atiçando o irritado Imperador - ... Olha-te no espelho e veja que o tempo passa! Essa menina merece coisa melhor!

Tomado por um impulso quase animal, Chon sente os músculos moverem-se sozinhos e atinge a face de Sakura, ferindo a pele rosada. A menina pende para o lado e solta um pequeno grito agudo e apressado. Chon a fita ofegante e nervoso, enquanto o suor frio lhe escorre pela face. A mão ofensora encontrava-se trêmula e incerta, ainda erguida no ar. Nunca, em toda a sua vida, havia batido em um filho seu. Nunca, nem mesmo no mais desobediente e merecedor de tal punição!

Sakura sentia o pulsar de seu hematoma. A mão pesada e agressiva de seu pai parecia ter-se impregnado em seu rosto. A leve ardência parecia acusá-la e jogar em sua cara que tudo era culpa dela! Ela havia provocado tamanho ato! "Levaste este tapa com razão, garota desrespeitosa!", acusava seu pensamento negativo.

Por quê? Por que ela fazia isso? Por que o tapa dele parecia doer mais do que qualquer coisa? Mas é claro! Ele era seu pai e nenhum filho deseja ser punido pelas mãos do próprio pai! Apesar de suas palavras e ações, tudo que ela queria, profundo e dolorosamente, era ser amada pela figura paterna. Desejava ser tratada com o mesmo amor e dedicação com que Meiling era cuidada.

- Por quê...? – sussurra em lágrimas sufocadas, surpreendendo o Imperador, que jamais ouvira suas lamentações – Por que o senhor me odeia tanto? – choraminga tristemente – Por que o senhor não pode me amar,... – lentamente ela o foca nos olhos - amava minha mãe?

Chon sente como se o mundo caísse por sobre seus ombros. Arregala suas feições em surpresa e terror, tombando para trás. Apoiando-se na beira de sua mesa cor vinho, cobre os lábios trêmulos com a mão esquerda.

Sakura olhava, abismada, a reação daquele homem. Parecia estar fugindo de algo terrível!

- Nadeshiko... – sussurra em desespero, surpreendendo a menina tristonha.

Pelos deuses, aqueles olhos! Aqueles olhos deprimidos e desesperançados, sempre afogados em mágoa profunda, eram os olhos de sua amada Nadeshiko! O olhar daquela menina era o de sua falecida esposa, amor de sua vida. A mulher que soubera lhe encantar e se fazer desejada por ele, mesmo após a sua morte, retornava de sua tumba para se apossar dos olhos daquela criança. A criança que ela mesma gerara.

Em pernas bambas e passos mortos, o Imperador arrasta-se com dificuldade, até a pequena figura. A menina se sente assustar com o jeito putrefato e tremido do homem que se fazia mais próximo. Insegura com aquela situação, move-se um passo para trás, temendo um ato de loucura.

A expressão iludida e cadavérica de seu pai arrancou um gemido temeroso de Sakura, ao sentir as mãos fortes e pesadas lhe agarrarem os ombros. Olhou fundo nos olhos do Imperador e assustou-se com o que encontra. As íris escuras e sempre severas, agora se encontravam mergulhadas em lágrimas e amor. Ela enxergava naqueles olhos, um sentimento saudoso e entristecido, como se ele fosse uma criança órfã que reencontrava o espírito dos pais.

- Nadeshiko! – ouve ele falar e lhe agarrar o corpo, pressionando-a contra si.

Sakura se sentia encabulada e surpresa pelo ato. Jamais fora sequer elogiada pelo grande Imperador, e agora era envolvida pelos braços misteriosos do pai. Era um abraço quente e diferente, que ela jamais sentira em sua vida. Por mais feliz que estivesse se sentindo naquele instante, aquele amor todo não era dirigido a ela. Aquela saudade e fortes sentimentos, eram focados na imagem de sua mãe.

De alguma forma, o Imperador conseguira compará-la à sua Nadeshiko. De alguma forma, ele via em sua imagem a figura da falecida esposa. Por mais que estivesse apreciando o calor daquele momento, não poderia enganar sentimentos puros como aqueles, ela não se permitia!

- Ah, Nadeshiko! – sussurrava iludido – Minha amada Nadeshiko! Não sabes como senti tua falta, meu amor... – falava enquanto balançava de leve o corpo, ainda preso àquele abraço.

- ... – Sakura respira fundo – Não sou minha mãe, grande Imperador. – fala de encontro aos tecidos da roupa dele – Sou sua filha, Sakura...

Ela sente o pai ficar tenso de encontro a seu corpo. Com movimentos bruscos, ele captura o rosto jovem e a força focar seus olhos. Mergulhando fundo na íris esverdeada, eles permanecem silenciosos por longos minutos, até que ele lhe acaricia as bochechas e fala em tom morno.

- Não. Teus olhos... – desenha com o indicador, ao redor dos orbes dela – Teus magníficos olhos, são idênticos aos dela. Como não poderia ser Nadeshiko?

Sakura se entristece com tamanha doçura. Deus, como ela queria que aquele amor fosse dirigido a ela. Com os soluços presos na garganta, ela concentra-se por um instante e retorna a falar, gentilmente.

- Olhes bem, meu pai... – afasta as mãos dele, balançando a cabeça de forma negativa – Olhes bem... – retorna a focá-lo intensamente – Olhe fundo em meus olhos e me diga: eu sou Nadeshiko? Sou a Imperatriz Nadeshiko Tuang?

O Imperador volta a segurar-lhe o rosto, dessa vez com ambas as mãos, e intensifica o olhar. Sakura, pouco a pouco, vê a tristeza e decepção concretizarem-se nos olhos dele. A frieza retorna àquelas íris e seu rosto é abandonado em repúdio, apunhalando de leve seu frágil coração. Ele se afasta lentamente.

- Você... – ele anda de forma lenta para trás, aumentando a distância entre os dois – Você não é ela. Você não é minha esposa... – afirma frio, enquanto balança a cabeça de forma negativa.

Sakura suspira cansada e triste. Essa era a realidade. Esse era o olhar que ela merecia. A doçura jamais deveria ser direcionada a seu ser, pois seu caráter era composto por depressões, raiva e mentiras.

- Vá embora... – ordena o Imperador apoiado com os dois braços sobre a mesa do lugar – Me deixe em paz, vá embora, assombração... – sussurra cansado – Você não merece estar aqui! – grita.

Sakura reprime as lágrimas e corre para fora do lugar, batendo a porta atrás de si. Ela não queria mais ficar naquele lugar! Por Deus, não agüentava mais viver na cidade proibida!

O Imperador, ainda mergulhado em suas desilusões, deixava as poucas lágrimas escorrerem pelo rosto e mancharem papéis que se encontravam ali. Com vista embaçada e soluços persistentes, ele sacode a cabeça com força, na esperança de acordar daquele pesadelo. Com a amarga esperança de que tudo não passava de um pesadelo e que ele logo acordaria e veria o rosto delicado de Nadeshiko. Sua Nadeshiko!

Não, ele não deveria se deixar vencer! Ele deveria seguir em frente e esquecer o passado. Jamais quisera perder a adorada esposa, mas se o destino fez assim, assim seria! Mas antes de prosseguir ele tinha de se livrar de tudo aquilo que o ligava ao passado...!

- Sakura tem que ir embora... – falou em voz tremida e atormentada.

Pey-Meii cavalgava de forma despreocupada por entre os campos abertos. O vento que batia de encontro a seu corpo, fazendo voar seus cabelos, passava-lhe um sentimento de absoluta liberdade. Naquele instante era apenas ela e o vento.

De repente, um segundo cavalgar lhe chama a atenção. Olha para trás, rezando para que não fosse quem ela pensava.

- Só podia ser...- fala irritada ao avistar Camus seguindo-a.

- Pey-Meii! – chama animado – Me espere!

- Saco! – fala por entre os dentes.

Querendo fugir dele, a garota faz seu animal ganhar mais velocidade e assim deixar o guerreiro para trás. Passados alguns minutos de correria, olha rapidamente para suas costas e sorri de lado ao avistar o vazio.

Cantando vitória em sua mente, ela volta seu olhar para frente e se assusta ao encontrar seu estorvo aguardando-a. Freia rapidamente, fazendo o impulso iniciar uma repentina queda.

Camus se assusta com o ocorrido e desce de seu cavalo. Corre até ela e vê sua amada gemer de dor.

- Pey-Meii, você está bem? – fala preocupado, ajudando-a a levantar-se.

- Estou! – afirma num resmungo, rabugenta.

- Desculpe, se eu soubesse que você iria cair, não teria te assustado! – afirma arrependido.

- Claro, claro... Mas, como é que você me passou?! – pergunta limpando suas vestes.

- Já estou tão acostumado a te perseguir e você me ignorar e me deixar para trás, que aprendi a fazer atalhos! – ri de forma infantil, levando a mão até a cabeça.

- Não acredito... – fala a garota, abobada.

Pey-Meii vai até seu cavalo e volta a montá-lo. De forma rápida, o jovem guerreiro faz o mesmo e se aproxima dela.

- Vamos, Camus... – ordena de forma mansa, fazendo a volta e retornando.

- Para onde? – pergunta seguindo-a.

- Temos que desmanchar aquele acampamento improvisado e voltar para a cidade proibida.

- Mas, já?! – pergunta assustado.

- Sim! – afirma autoritária.

- Pensei que teríamos mais um dia juntos!

- Camus, estamos juntos e sozinhos há praticamente um mês, desde que saímos da parte norte!

- Mas... – engole seco suas palavras.

- Nada de mas, vamos logo! Tenho de encontrar aquele nojento do Mu-Bai, antes do anoitecer.

Seguem alguns minutos em silêncio, quando Camus finalmente resolve falar.

- Não te quero nos braços de outro... – afirma inseguro.

Pey-Meii continua seu caminho sem dar importância às palavras ditas. De repente vira-se para ele, fazendo ambos interromperem a cavalgada.

- Quem tu pensas que é para me exigir alguma coisa?! – pergunta em deboche – Se pelo menos fosse homem o bastante para fazer este pedido demonstrando segurança, eu entenderia, mas não! Mesmo quando vou fazer algo que você não gosta, tu me pedes com medo! – grita na cara dele – Seja homem uma vez na vida e se mostre autoritário em relação a uma mulher!

Do nada, Camus desce de seu cavalo e puxa a jovem para si. Deita-a de forma rude no chão e se põe sobre ela. Pela primeira vez na vida, viu o espanto refletir-se nos olhos escuros de Pey-Meii.

A garota estava surpresa e ofegante, enquanto fitava o rosto bonito de Camus. Nunca o vira tomar uma atitude, por mais que ela o provocasse, e agora ele finalmente parecia reagir a suas críticas. Não podia negar que aquilo a atraía e muito, pois o jovem guerreiro sempre se fazia compreensivo e doce com ela. Ela não queria compreensão, ela não aceitava que alguém entendesse seu jeito de ser.

Camus prendia com força os pulsos delicados de sua amada. Ela vivia lhe pedindo uma atitude de "homem", mas ele nunca o fazia. Infelizmente, tais atitudes que ela exigia, tratava-se de atos rudes e machistas, que eram comuns nas mentes masculinas. Mas Camus nunca pensara assim. Desde menino fora criado para respeitar as mulheres, pois sua mãe assim desejava. Nunca conseguira ser rude ou desrespeitoso com as criaturas femininas. Talvez fosse por isto que as mulheres o desejavam.

"Por isto e pelo rosto bonito...", pensava Pey-Meii, lembrando-se do quanto era invejada pelas mulheres de onde passavam.

- O vai fazer agora? – pergunta maliciosa.

Camus se inclina para beijá-la, mas ela lhe vira o rosto, como se assim quisesse provocar o homem ignorante dentro dele. Tomado por impulso, ele segura o rosto bonito da garota e beija os lábios dela. Tomava-a com desejo e fervor, fazendo as línguas se encontrarem de forma grosseira e estúpida, assim como ela pedia, como ela instigava!

Infelizmente, o beijo não agrada tanto o guerreiro. Gostava de beijá-la de forma doce, calma e com cuidado. Os dois acabam se afastando por falta de ar e ele vê surgir nos lábios carmesim, um sorriso de pura satisfação. Tomado pelo espírito doce de sua alma, ele não consegue prosseguir com aquele jogo estúpido. Acaricia o rosto dela, beijando de leve a bochecha corada e assim, trilhando beijos quentes e calmos até os lábios revoltados.

Pey-Meii sente a irritação tomar conta de si. Aquele idiota não conseguia mandar nela! Rápida e forte, empurra o corpo de cima do seu e atinge a face dele.

- Idiota! Você não é um homem de verdade! Desse jeito você nunca vai me ter! – reclama subindo em seu cavalo e se afastando – Covarde! – exclama antes de desaparecer no horizonte.

- Vou morrer tentando... – sussurra tristonho e sentando na relva fresca – Um dia você será minha e eu serei seu. Mas vou te tomar de forma doce e gentil, pois este sou eu...

A noite se põe e mais um dia se vai. Os minutos e horas passam e o descanso se faz presente nos domínios da dinastia Tuang. As estrelas pouco a pouco somem do céu e dão lugar aos primeiros raios matinais de um novo dia. Este fato sucede-se por quatro dias seguidos, até que, em uma tarde, Mu-Bai Liang chega a cidade proibida acompanhado de sua filha, Pey-Meii.

O Imperador encontrava-se sentado no salão imperial, acompanhado de sua embaixatriz, com quem resolvia questões diplomáticas. Não muito longe dali, Sorae, junto com outras criadas, trazia o chá da tarde para os dois. Sempre que seu esposo e a senhorita Mizuki estavam juntos, ela fazia questão de estar por perto.

Um servo entra no salão e se ajoelha na frente de seu senhor, com as mãos tocando o tapete de veludo vinho.

- Peço perdão pela intromissão, meu grande senhor, mas tenho um anuncio a lhe fazer.

- Pois o faça... – permite o Imperador.

- Mu-Bai Liang encontra-se à frente dos portões do vosso salão e traz consigo sua filha mais velha, Pey-Meii Liang.

Chon suspira baixinho e olha cansado para as portas douradas do salão. Recusaria aquela menina, mesmo que a pena lhe tocasse fundo o coração. Não importa o quão bela fosse, não sucumbiria aos desejos da carne. Aquela garota não seria sua esposa, tampouco concubina. A filha de Liang iria se casar com alguém jovem, que possuísse somente a ela.

- Primeiro quero falar só com Liang. – ordena de forma autoritária.

- Sim, grande Imperador... – o servo se retira.

- Desculpe-me à intromissão, meu senhor – sussurra Kaho, chamando a atenção de Sorae - ... Mas, por que só Liang?

- É uma longa história... – suspira exausto só de lembrar.

De repente, alguém é anunciado e Mu-Bai cruza o grande salão, até chegar a seu Imperador a quem reverencia logo em seguida.

- Meu Imperador, queria me ver? Minha filha lhe espera, senhor... – fala ajoelhado.

- Sim, claro, já mandarei chamá-la, caro amigo. – ordena que ele se levante – Mas, antes, quero tornar a lembrá-lo que não aceitarei sua filha, por questões das quais já lhe informei.

- Sim, senhor... – fala fingindo decepção.

- Não me entenda mal, Liang, eu realmente pensei na possibilidade, mas entenda que meu bom senso não aprova tal ato... – desculpa-se constrangido.

- Não, mas é claro, meu Imperador. Entendo perfeitamente que tens princípios a seguir e sei que de alguma forma, ela irá entender! –afirma.

Kaho, que até agora só os assistia, perguntava-se do que eles poderiam estar falando. Infelizmente, nada lhe vinha à mente. De repente, sente um arrepio de mal presságio lhe atravessar a espinha e uma enorme insegurança se apossar do ambiente. Algo iria acontecer! Ela sabia que sim, pois ouvia o chiado dos ventos mudar seu curso e agitar-se por entre as plantas. Ela sentia o clima pesar e o ar tornar-se denso.

- Se quiser levar sua menina agora, posso compreender Mu-Bai. Talvez não seja certo eu vê-la e lhe alimentar falsas esperanças. – fala de modo compreensivo.

- Meu bondoso Imperador, peço-lhe que conheça, sim, minha filha... – sorri para ele – Ela iria sentir-se honrada em estar em sua presença, em conhecer tamanho deus!

Era isso! Kaho via que Mu-Bai estava planejando algo! Se aquela menina conhece-se o Imperador, algo terrível aconteceria e ela não poderia permitir!

- Não! – exclama apavorada, despertando a desconfiança de Sorae, que sentiu o temor da sacerdotisa.

- Aconteceu alguma coisa, minha embaixatriz? – pergunta o Imperador confuso.

- Não, quero dizer... – afasta os cabelos dos ombros nervosa – Não sei do que falam, cavalheiros, mas se a recusa de nosso Imperador afeta vossa filha, caro Liang... – lança-lhe um olhar desconfiado - ... Creio que colocá-la na presença dele, só deixaria a menina mais magoada! – sorri apara ambos.

- Meu senhor! – chama Liang – Posso lhe afirmar com toda a certeza, que minha menina só deseja conhecê-lo. Por favor, realize o desejo dela! – pede.

Chon sentia-se confuso naquela situação. A senhorita Mizuki e Mu-Bai, pareciam travar uma árdua batalha através de seus olhares. Olha confuso para Kaho e vê ela lhe implorar através do olhar. Mas, por quê?! O que havia de errado em atender o desejo de uma inocente criança? Será que Kaho estaria com ciúmes da garota? Talvez ela temesse que a menina fosse mais bela do que ela e assim, ameaçasse seu lugar especial no coração de seu Imperador. Riu dentro de si com este pensamento. Como as mulheres eram tolas. Estes pressentimentos nada mais eram do que a própria insegurança feminina.

Olha para Mu-Bai e fala de forma calam e relaxada.

- Deixem a menina entrar! – ordena.

Kaho sentiu o desespero tomar conta de si e olhou apavorada para as portas que se abriam. Sorae engoliu seco e fez o mesmo. Ao contrário de Chon, Sorae vira através dos olhos de Mizuki que havia algo de errado com a filha de Liang. Como seu esposo era estúpido! Como não conseguira interpretar o olhar da mulher pela qual estava apaixonado?

As portas douradas e ricamente desenhadas arqueavam-se com calma. Um ser pequeno e delicado adentrou o ambiente, surpreendendo a todos do salão. No exato instante em que Pey-Meii profanava o salão imperial, Sakura e Meiling surgiam no local, cada uma por um extremo oculto do lugar.

Kaho olha rapidamente para as três garotas e sente a alma afogar-se em medo. "Sakura? Meiling? O que fazem aqui? Pelos deuses, o que a filha de Liang irá fazer de tão terrível, para que o destino as reúna, neste exato instante?!"

Continua...

Bah, gente, foi mal, mas eu toh com uma pressa desgraçada, intaum assim q eu tiver tempo, posto os agradecimentos....P

Hehehehe

Bjinhussssssssss

Caroll