Aí vai mais um capítulo...

Capítulo 5 – Um segredo de futuro e passado secreto

Hyo apertou os olhos na escuridão que se projetava além da luz das chamas da fogueira.

-Vamos, eu sei que você está aí.

Com um leve barulho, um rosto bonito saiu da escuridão. A capa negra cobria todo o seu corpo, apenas por uma fresta era visível que ela usava a mesma roupa resistente que lhe conferia liberdade nos seus movimentos.

-Até quando vai nos proteger? Quando sua missão termina? - Os olhos de Hyo estavam apontados para a fogueira à sua frente.

-Minha missão... já terminou... desde que Thaeron te falou sobre seu futuro.

Hyo olhou novamente para ela. Aqueles olhos azuis, compressos, observavam ela lentamente. Um calafrio correu por sua espinha.

-Porquê ainda nos segue?

-E-eu não sei... e-eu...

Hyo fixou seu olhar nos olhos profundamente verdes dela.

-Fale. - Disse, como uma ordem sutil.

Ela abaixou os olhos.

-FALE. - Ele disse duramente, mas ainda em um tom baixo.

Ela levantou a cabeça, os olhos verdes faiscando. Hyo tremeu de leve quando sentiu aqueles orbes esmeraldas encararem ele com tamanha selvageria, fúria e... paixão?

Hyo deixou sua expressão desanuviar enquanto aquele belo rosto o encarava numa selvagem mistura de sentimentos.

-Meu lado celestial não me permitiria isso, mas meu lado humano clama por sentimentos. Que fique claro que meu lado humano te ama e meu lado celestial te admira. Conheço-te há mais tempo do que imaginas...

Quando aquelas palavras saíram de sua boca, sua expressão ficou confusa. Porque falara isso?

As palavras que deveriam ser diretas e quentes saíram duras e frias, poéticas. "Conheço-te há mais tempo do que imaginas..."? Mas...

Ela girou em seu próprio eixo imediatamente e perdeu-se rapidamente na escuridão. Hyo ainda pode ver um fraco brilho de explosão azul que denunciava o uso das asas dela.

Hyo sentiu uma dor no coração. De fato, eles se conheciam, e há mais tempo do que ele imaginava. Só não sabia de onde, ou quando; muito menos quem era aquele belo anjo de olhos verdes.

- - -

Mihail deitou em sua simples tenda.

De que lhe adiantava ter sangue celestial se o coração humano batia tão forte que ela não poderia suportar?

Ela ainda tinha que dormir, comer, beber... seria melhor se não tivesse despertado seu lado celestial.

Mas o que mais fazia sua cabeça doer eram as palavras que tinham dito para o homem os olhos azuis...

"-Conheço-te há mais tempo do que imaginas..."

Por que? Por que tinha falado isso?

Fechou os olhos. Era melhor dormir.

Se tivesse um sonho bom, iria aproveitá-lo.

Se tivesse mais um pesadelo... iria agradecer aos deuses por poder acordar.

- - -

Fogo.

O cheiro viciado de carne queimada enchia os ares.

Ele sentia que não poderia mais respirar dentro de alguns minutos.

Onde estava ela?

Seus olhos começavam a arder e sua pele a queimar. Precisava sair dali, mas não sem ela...

-MIHAIL! - Gritou seu nome. - MIHAIL! - Repetiu.

Sem respostas.

Olhou ao redor. Viu a figura dela parada na porta, com alguém ao seu lado. Suas roupas estavam sujas de um sangue enegrecido. Viu um estranho volume em suas costas. Aquelas eram... asas?

-Miha...

Sentiu os olhos pesados. A figura ao lado dela acenou brevemente.

-Desculpe por isso, meu amor...

Deu uma última olhada nos olhos esverdeados que o olhavam apaixonadamente, com uma imensa dor, quase chorando.

-Você irá me esquecer, eu te esquecerei... para o nosso bem.

Fechou os olhos e caiu inerte no chão.

- - -

Hyo abriu os olhos, ofegante.

Aquele pesadelo...

Arregalou os olhos. Então... ela era...

Coçou a cabeça. Dormira em seu turno, droga!

Mas... ele não sentia sono assim há muito tempo... da última vez que sentira um sono repentino ele tivera um sonho... que revelou muita coisa à ele...

REVELOU!

Era isso.

Aquele sono foi comandado por uma força mágica que desejava que ele soubesse quem ela era.

Olhou para cima. O sol ainda nascia. Resolveu acordar Chrono logo. Entrou na tenda e deu de cara com o velho amigo babando numa pequena almofada. Não segurou uma risada. Chrono conseguia fazê-lo rir nos piores momentos.

Chrono abriu lentamente os olhos.

-Quié?

Hyo, ainda rindo, apontou para a boca dele.

Chrono, de cara fechada, limpou o canto da boca.

-Muito engraçado, palhacinho. Agora seja útil e vá pegar a comida.

Hyo riu mais alto. - Ela tá aí do seu lado, seu tonto!

Chrono coçou a cabeça e ficou mais emburrado. Pegou a mochila e abriu-a. Pegou um punhado de uvas-passas e fechou a cara.

-Argh! Essas são docinhas mas nunca vão encher minha barriga!

Colocou tudo na boca de vez, ficando com as bochechas inchadas. Ouviu uma segunda risada e virou a cara. Viu Dahna parada na porta.

-Pára de rir, s... - Uma uva passa voou para fora de sua boca.

Mais risadas. Hyo apontava para ele e colocava a outra mão na testa enquanto se contorcia em risadas descontroladas.

Chrono cruzou os braços e fechou a cara, ainda tentando mastigar as uvas-passas.

Engoliu o mais rápido que pode, fazendo uma cara feia quando sentiu a garganta arranhada.

-Isso não vai encher minha barriga nunca! - Pegou um cantil e bebeu água. - Que tal uma caçada? - Disse ele enquanto limpava novamente o canto da boca.

Hyo balançou a cabeça. - Não vejo necessidade. Mas se você quiser...

-Pois eu vejo muita. - Ele disse enquanto recolhia suas armas. - Licença, moça. - Ele disse, divertido, para Dahna, que estava na porta da tenda.

Dahna deu um sorriso sincero para Chrono e abriu caminho.

Hyo olhou para Dahna e sentiu aquela a sombra daquela dúvida pairar em seu coração.

Chrono entrou silenciosamente na floresta. Os primeiros dias da primavera já passaram e agora o sol brilhava intensamente. Ele estava sem camisa, para facilitar o movimento e diminuir o calor.

Ficou parado por alguns segundos. Apertou os olhos enquanto olhava para os lados. Ele podia sentir o cheiro forte de um animal que ali estava perto. Estava MUITO perto, mas escondido.

Apurou os ouvidos e ouviu um guincho baixo. Mirou o arco na direção, mas viu um animal no seu ninho. Desistiu, afinal, seria uma crueldade.

Continuou andando vagarosa e silenciosamente, nas medidas do possível. A floresta ficou ligeiramente mais aberta; alguns metros adiante estendia-se uma clareira. Percebeu um movimento lá.

Foi até a borda da clareira e ali ficou a espreita. Percebeu o movimento novamente e então viu um cervo típico da região, de médio porte. Era bem rechonchudo; faria uma ótima refeição.

Mirou cautelosamente, a flecha tinha que ser precisa. Puxou a corda ao máximo...

Antes que pudesse soltar a flecha, um barulho imenso fez ele quase largar o arco. O animal fugiu.

Chrono, irritado, olhou na direção de onde o barulho viera.

Viu um rapaz de cabelos ruivos, quase tão alto quanto ele, magro, com o rosto e as roupas cobertas por fuligem.

-Ei, você! Quer estragar a minha caça?

-Er... Desculpa, cara. Mas eu 'tô caçando também e minha magia falhou... sabe como é, ainda não aprendi a controlar meus poderes direito, e usar isso - apontou para um peitoral de couro - não ajuda em NADA... - Ele disse, fechando os olhos e coçando a cabeça.

-Hunf, sempre alguém tem que estragar tudo.

Ouviram um barulho sibilante. Chrono reconheceu: era o barulho de quando Hyo usava sua magia de vôo. Olhou pra cima e viu Hyo pairando no ar.

-Que foi esse barulho?

-Aquele maluco ali, não sabe usar magia e acabou se explodindo.

Hyo olhou o rapaz, que sorria sem graça.

-Tek? - Disse, incrédulo.

-Hyo? CAAAAAAAAAAARA quanto tempo! Vou subir aí!

-NÃO! - Disse Hyo, prevendo o que aconteceria. - Deixa que eu desço.

Ele desceu e abraçou o amigo. - Então, o que faz por aqui?

-Bem... er... - Coçou a cabeça – Eu vou andando por aí. De vez em quando arranjo uns bicos...

-E você aprendeu a usar magias...? - Disse ele, quase em tom de reprovação.

-Er... sabe como é, nosso sangue é parecido mesmo!

Ambos riram.

Chrono permanecia emburrado, mas agora sem entender nada.

-Ei, vocês dois, será que dá pra arranjar carne, já que o desastre encarnado aí me fez o favor de espantar minha caça?

Hyo colocou a mão no ombro do amigo. - O "desastre encarnado" aqui tem nome, Thekin, é um amigo meu, de longa data...

-Pouco importa o nome dele, eu quero minha caça.

-Pode caçar, a gente vai embora. - Disse Thekin, distraído - MUITO distraído.

-HEIN!

-Você que quis caçar, agora se vire. - Hyo saiu andando com o amigo.

Conversaram animadamente. Tek era um velho amigo de Hyo, na verdade um primo, conhecia ele desde antes de despertar seu "sangue mágico", quando morava em seu vilarejo.

-Então, Tek, você é mesmo feiticeiro?

-Er... Acho que sim... na verdade, coisas estranhas vivem acontecendo comigo, e às vezes eu consigo controlá-las...

Hyo balançou a cabeça, sorrindo. - Tente não se matar usando elas.

Eles saíram da floresta. Hyo observava o velho amigo; ele mudara muito. Seus cabelos ruivos, antes curtos, agora quase cobriam seus olhos negros.

-Nossa, quem são aquelas duas ali?

Hyo desviou seu olhar para o precário acampamento e viu Dahna sentada na porta da tenda, exatamente como ele a deixara. Mas Tek dissera "Aquelas duas"... Passou os olhos pelo acampamento e ficou completamente surpreso: Mihail estava ali, coberta pela capa e apoiada em sua espada.

Sua expressão ficou confusa e logo após se acalmou. Afinal, ele a conhecia há muito tempo...

Dahna parecia aflita.

-Dahna... - Disse Hyo, respirando fundo. - Eu descobri quem é ela. - Apontou para Mihail.

-É, eu descobri quem você é também... - Disse Mihail, ainda olhando para o chão.

Dahna agora estava confusa.

Hyo inspirou fundo. - Nós éramos amigos de infância. Somos... Digo.. Erm... Éramos...

-Namorados. - Disse Mihail friamente enquanto levantava a cabeça e olhava os olhos azuis da garota com os mesmo olhos frios e selvagens com os quais encarava Hyo.

Dahna de início ficou extremamente surpresa; depois seus olhos ganharam um brilho triste.

Hyo sentiu-se péssimo. Sustentou um olhar frio para Mihail.

-O que você se tornou?

-Lembra que eu não sabia quem era meu pai? - Hyo fez uma cara confusa. - Ah, você não lembrou de tudo. Ainda bem... - Disse, com um meio-sorriso. - Bom, eu tenho sangue celestial. E, naquele dia, foi quando eu o despertei.

Os olhos de Hyo aquiriram ódio e fúria, ficando amedrontador.

-Foi você que provocou o incêndio?

-Não... Bem, foi assim que aconteceu...

FLASHBACK

A jovem Mihail, então com 14 anos, estava sentada na frente da casa de Hyo, naquele pequeno vilarejo. Ela observava o pôr-do-sol. Ela ainda parecia uma criança, embora já estivesse se tornando uma bela moça; sua beleza era dita quase angelical, em contraste com o belo corpo que adquiria.

Ela sorria; Naquele dia, faria um ano do seu namoro com seu amado Hyo.

Seu sorriso se desfez. Sentiu algo estranho ao seu redor; não só ao seu redor, mas dentro dela...

A sensação aumentou. Perigo, sua mente dizia à ela que havia perigo. Ela se levantou e correu na direção de onde emanava aquela energia perturbante.

No centro da aldeia, um buraco, negro, se abria, como um portal, soltando línguas de fogo para os lados.

De lá de dentro, um grande ser negro e flamejante saiu.

Mihail perdeu a ação por alguns minutos, enquanto aquele monstro que exalava o pesado cheiro de morte se levantava.

O monstro soltou um urro demoníaco quando o portal se fechou. Ele começou a queimar as casas ao seu redor, causando destruição.

Mihail desesperou-se. Antes que pudesse sequer se virar para correr, o demônio a encarou e ela ficou sem qualquer movimento. Ele correu na direção dela.

-Ótimo, a protetora divina já será destruída! - Disse, com sua voz semelhante à um trovão.

Levantou a mão imensa e materializou uma espada flamejante. Mihail deu um grito agudo, desesperada, e começou a correr.

O monstro perseguia ela pela aldeia. Chamas esvoaçavam por onde ele passava, incendiando as casas ao redor.

Ela corria desesperadamente, quando passou por sua casa. Viu sua mãe saindo na porta, sem entender o que acontecia.

O monstro fez um expressão e prazer e levantou a mão na direção da casa.

Uma esfera de fogo se formou e foi na direção da casa, e explodiu-a.

Mihail deu um grito, agora de fúria e desespero. Sentiu seu corpo se desdobrar. Ela sentia como se estivesse crescendo.

Não entendia o que acontecia, mas só desejava destruir aquele monstro, nem que aquilo custasse sua vida...

Levantou a mão na direção do monstro, quase que involuntariamente, e uma luz branca, fortíssima, foi na direção dele. O monstro vacilou por alguns instantes, mas logo soltou outro urro furioso e partiu para cima dela.

Ela sentiria medo agora, mas uma frieza tomava conta de seu coração. Sentiu algo se materializar em sua mão e enfiou seja lá o que fosse no peito do monstro.

Este parou e se contorceu por algum tempo, mas não o necessário para matá-lo. Ele ergueu a mão e deu uma patada brutal nela, jogando-a na direção dos escombros.

Ela caiu lá, machucada. O monstro correu para cima dela e ela não pode reagir, cansada do esforço sobrehumano que empregara para ferir o monstro.

O demônio postou-se na sua frente, ereto. Levantou a mão para terminar o serviço. Mihail fechou os olhos. Ela sequer entedera como fizera o que fizera, como usara aquela luz, e aquela espada, não sabia como tinham surgido, mas ela confiara na sorte a agora sua hora chegara...

Esperou e então ouviu um baque, a terra tremendo e sua roupa se molhar.

Abriu os olhos e viu um anjo pairando a sua frente, com longos cabelos prateados esvoaçantes e olhos azuis-cinzento encarando-a friamente.

-Vamos. Você despertou seu lado celestial e terá que vir conosco. Talvez consigamos fazer com que você vá para a forma verdadeira. Vamos, me siga.

Ela o obedeceu e eles foram até a casa de Hyo.

-Ele terá de te esquecer, e você terá de esquecer ele. Nós não temos sentimentos.

Ela sentiu uma dor no coração. Abriu a porta e entrou na casa em chamas. Ao seu lado, o anjo apagava as chamas. Eles abriram a porta do quarto e viram Hyo, com as costas dobradas e tossindo.

Mihail sentiu a dor no coração aumentar.

-Miha...

-Desculpe por isso, meu amor...

O anjo usou uma magia e ele começou a ficar sonolento... encarou uma última vez os olhos esmeraldas da garota, com uma expressão surpresa e triste.

FIM DO FLASHBACK

-... E desde então eu venho treinando minhas habilidades de luta e magia para defender vocês.

Todos permaneciam calados. Dahna agora tinha a face dura como pedra ao observar o rosto confuso e sentimental de Hyo. Thekin estava com a mesma expressão de Hyo.

-E... o que você pretende fazer agora? - Disse Hyo, confuso.

-Seguir viagem com vocês e cumprir meu destino: te proteger.

-Contra o que?

-É uma longa história... vou explicar na viagem. Não conheço o inimigo, mas sei quem são vocês de verdade.


É isso aí...

O próximo capítulo promete!