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Fechou a porta do quarto, uma expressão cansada abatendo-se sobre ele.

"Ele já conseguiu dormir?"

Heero voltou-se para Quatre, que o encarava aflito. Suspirou:

"Já, os calmantes fizeram efeito."

Suspirando mais uma vez, seguiu pelo corredor até à escada. O jovem árabe não sabia o que dizer, estava tão deslocado naquela situação que preferiu manter-se calado, acompanhando o amigo. Foram até a sala, onde estavam Trowa e Wu Fei sentados no sofá e, assim que o latino os viu, levantou-se, tratando de acomodar seu marido louro entre os braços, vendo o quão nervoso ele estava e querendo passar-lhe conforto.

"Como ele está?" – perguntou.

"Está dormindo agora." – Heero respondeu, sentando-se abatido no sofá vazio.

O silêncio fez-se presente por alguns longos minutos; ninguém sabia o que dizer ou o que fazer, aquela complicada situação era um assunto tão frágil que, com um simples toque mal feito, podia estilhaçar-se em mil pedacinhos. Aquela ausência de barulho, que antes Heero tanto prezava, agora zunia como um enxame em sua cabeça, golpeando-lhe os sentidos, as forças.

"A polícia não tem pistas?" – Wu Fei atreveu-se a falar, em parte porque o silêncio já o estava incomodando, mas em sua totalidade porque ainda não lhes tinham explicado direito o ocorrido e ele estava interessado em sabê-lo.

Heero deixou-se respirar pesadamente antes de responder:

"Não... Por enquanto. Não existem câmeras de segurança num parquinho infantil," – disse, percebendo o absurdo, afinal, era um lugar para crianças! Por que teriam essas benditas filmadoras? Bem, se as tivessem, pelo menos teriam alguma noção do que acontecera ao seu filho – "logo, não há como saber o que aconteceu e, não é possível localizar as pessoas que estavam lá para colher depoimentos, já que várias famílias passaram a manhã no parque. Os únicos que ainda estavam quando a viatura chegou foram interrogados." – afundou-se levemente no assento – "Infelizmente nenhum deles viu Deni sair ou ser acompanhado por alguém diferente."

Cada um deles teve uma reação, mas, no geral, todos consentiram com a dor muda do amigo.

"Tenha fé, Heero, logo vão encontrá-lo." – desejou Quatre, tomando as mãos do japonês entre as suas.

Meneou a cabeça, desejava muito que aquilo fosse verdadeiro. Não saberia se suportaria isso, ter e não ter Deni ao mesmo tempo, ser seu filho mas estar longe de si; perguntava-se onde seu pimpolho estava, se estava vivo... ou não; o que lhe tinha acontecido? Deni fugira? O raptaram? Ele estava perdido? O que seu pequeno estaria sentindo agora, se ainda respirasse? Medo, dor, frio, fome? Levou as mãos à cabeça, apertando-a ligeiramente, como se assim espantasse suas dúvidas.

"E como Duo está reagindo, com tudo isso?" – Trowa perguntou, pois quando receberam a notícia e chegaram à casa dos morenos, para apoiá-los nesse momento difícil, o americano estava num estado de nervos terrível; tivera de tomar alguns calmantes ao longo do dia.

Sacudiu os ombros, embora a resposta fosse óbvia, sabia que os amigos estavam preocupados com eles.

"Como acha? Está desesperado, histérico... Chegou a passar mal diversas vezes." – doía-lhe ver seu mor assim, como também doía nos outros ocupantes daquele cômodo – "Ele pode se fazer de forte, porém, mexeram com algo que ocupa quase todo o seu coração e isso o desarmou por completo. Deni é muito importante para ele, para nós..."

Wu Fei, Quatre e Trowa se entreolharam sem que o outro visse; se acontecesse algo a seus filhos, não saberiam o que fazer! Por isso sabiam que o tormento pelo qual Duo e Heero passavam não era nada pequeno. Mas tudo daria certo, ou pelo menos era isso que desejavam.

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2 dias

Acariciou os fios castanhos, sua face abatida e cansada no mais puro pesar. Houve uma movimentação na cama e logo um par de olhos violetas abriu-se. Duo o olhou, Heero sentado numa cadeira a seu lado, a acalmá-lo... Porém, ver seu amante desperto não lhe trouxe mais calmo: ao invés de trazer no olhar aquela alegria e energia que lhe eram tão típicas, Duo agora mantinha um brilho alienado nas orbes violetas. Sentia todo um enorme peso sobre as costas, seu pequenino desaparecido há dois dias, seu pobre menino! Imaginava quanto Deni estaria sofrendo longe deles, enquanto que a prova real de que eles também sofriam com sua ausência estava bem à sua frente: seu amado esposo num leito da Preventers, o desespero completo e na sua mais vigente forma o consumindo, a tentar tranqüilizá-lo e evitar que tivesse outra crise nervosa.

Sabia que Duo não queria ficar lá, mas aquilo também já era um risco à sua saúde! O americano tinha tais crises constantemente desde então, chegando a desmaiar uma vez e o coração a disparar a tantos por minuto, como se a qualquer momento pudesse ter uma parada cardíaca. Seu moreninho era muito frágil em relação aos que lhe eram importantes e sabia o quanto estava sofrendo com o desaparecimento do filho, podia ver claramente na sua face o quão desesperado estava... Ou, talvez, nervoso fosse a palavra mais apropriada. E era indescritivelmente horroroso vê-lo nessa situação, seu Shinigami que encaminhava os bons ao paraíso celeste e os maus aos portões do inferno agora enlouquecia numa cama de hospital.

Mas era impossível dizer que ele também não estava igualmente arrasado pelo ruivinho. Seu coração apertava-se só de imaginar pelo quê seu filhote estaria passando...Ou se ele não teria... Não teria... Sacudiu a cabeça, tentando afastar tais pensamentos. Aquilo o matava, dilacerava; porém, tinha de ser forte, por Duo, se não seu americaninho não agüentaria. Precisava ser forte mais uma vez.

Chegava a ser irônico: ele, Heero Yui, o Soldado Perfeito que tanto custava a demonstrar seus sentimentos, a lidar com outras pessoas, havia desmoronado por causa de Duo. No começo ainda fôra tudo muito difícil, entretanto depois, com o passar do tempo, dos anos que sempre estiveram juntos, um ao lado do outro, começara a mudar sua personalidade. Fôra transformado. E de máquina sem sentimentos se tornara um homem, um homem como outro qualquer, que tem desejos, anseia, ama e até sofre. Tornara-se mais sociável, contudo, apenas seus amigos mais íntimos, como seus companheiros de guerra, conheciam realmente como ele agora era, somente eles e Duo podiam ver seu sorriso ou gestos de carinho. É, a convivência muda e muito as pessoas.

Há pouco tempo atrás chegara Deni, com quem descobrira muito mais do que poderia imaginar, aprendera a amar sem esperar nada em troca, quando ele era um simples bebê, descobrira o quão magnífico era poder cuidar de alguém que dependesse totalmente de si, poder ver um sorriso sincero e puro, como só as crianças são capazes de sorrir, e receber todo seu amor incondicional. Aquilo fôra o que faltava para sua metamorfose completar-se e, agora, era ele o pai amoroso de Deni, o esposo perfeito de Duo e o amigo do peito que seus amigos precisavam.

Contudo, agora estava ele lá, numa situação que lhe tirava as duas coisas mais preciosas da sua vida: seu filho e seu amor. Era como se não pudesse ser feliz, como se estivesse condenado a ser frio e distante para sempre. Como se a vida quisesse lhe pregar a terrível peça de, por algum tempo, deixá-lo provar das maravilhas da vida e crer-se finalmente feliz, para, logo após, toma-las de si e fazê-lo amargar por tudo o que perdera, pois agora que ele sabia o quão bom era, não queria perder o que lhe era agradável, do mesmo modo que se dá um doce para quem nunca o comeu e, quando se dá algumas mordidinhas nele e descobre-se ser maravilhoso, o doce lhe é tomado e não concedido outra vez.

Era assim que se sentia, porém, o que lhe doía mais não era o seu sentimento de auto-piedade e sim a angústia de não saber o paradeiro de Deni. Queria seu menino para si, o queria à cavalinho em seus ombros, pulando na sua cama e enfiando-se embaixo das cobertas de noite com medo da chuva, queria suas mãozinhas pequenininhas tentando surrupiar o pote de bolachas... O queria ali, debaixo dos seus braços, onde saberia que ele estaria bem e seria feliz. Lançou um olhar cheio de ternura para o moreninho, que ajeitava-se melhor na cama e que agora estava tão frágil e indefeso:

"Tudo bem, Duo?" – perguntou, segurando seus braços que se apoiavam no colchão fino, a sustentar-lhe o corpo, e o ajudando a se arrumar.

Fitou os azuis cobalto por uns instantes, o brilho – ou a falta deles – em seus próprios era algo indecifrável, pois ele mais parecia um boneco sem vontade, dopado por sedativos. Ajeitou a cabeça na rala almofada branca, sua mão fina envolvendo o pulso de Heero da mão que estava sobre seu ombro.

"Hunhun..." – murmurou e, no segundo seguinte, estava adormecido mais uma vez.

O japonês acariciou a face abatida com pesar, uma pontada em seu coração alertando-o o quão dolorido era ver seu amante nessa posição.

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4 dias

"Senhor, entenda..."

"NÃO ME IMPORTA SE ESTÃO FAZENDO O SEU MELHOR, PORRA!" –interrompeu, batendo as mãos sobra o tampo da mesa e gritando descontroladamente – "EU QUERO O MEU FILHO DE VOLTA!"

A mocinha assustou-se diante da explosão do americano. Então uma voz autoritária foi ouvida atrás de si:

"O que está havendo aqui?" – perguntou seu superior com uma expressão severa e irritada.

Nesse instante Heero irrompeu na sala; tinha ido buscar um copo d'água para Duo e, ao ouvir seus berros da outra ponta do corredor, voltou correndo, a água quase caindo do copo plástico.

"Perdão, senhor, ele está muito abalado pelo sumiço do nosso filho." – Heero foi logo explicando, não queria problemas com o superior da Preventers , já bastava o horrível que tinham.

O diretor pareceu anuir quietamente, pousando uma mão em Duo, que arfava ainda nervoso.

"Tudo bem, meu filho, eu sei que estão passando por uma situação difícil. Mas tente se controlar, nós estamos fazendo o possível."

Duo parecia revoltado, aquilo não o ajudava em nada! Ele queria seu filho e não que estivessem "fazendo o possível".

"Obrigado, senhor." – Heero meneou a cabeça, agradecido.

Como trabalhavam na Preventers, acharam mais prático também trabalharem para encontrar o ruivinho, uma vez que sabiam a polícia ser menos eficiente que a organização, além de que dessa forma também poderiam fazer alguma coisa ao invés de ficarem esperando sentados. Estava grato por isso, apesar desse não ser o ramo de trabalho da Preventers, eles os estavam ajudando. Só não sabia por quanto tempo... (1)

O chefe retribuiu o aceno e voltou para a sala; Heero ainda olhou para a consternada assistente, meio abobalhada às suas frentes pela gritaria toda de seu amante histérico, e, segurando Duo pela cintura, o tirou delicadamente dali. Levou o trançadinho para seu escritório, batendo a porta por dentro com o pé, e sentou-se na sua cadeira com o americano em seu colo.

"Calma, Duo..." – falava suavizado, afagando o cabelo castanho de seu koi – "Você prometeu que ía tentar não ficar tão nervoso quando eu te deixei sair do leito, lembra, amor?" – fazia carinhos em todo seu amante, uma mão a enlaçar sua cintura e afagando sua barriga durinha – "Tente se acalmar, tá bem? Ou senão eu terei de te colocar novamente lá, amor..." – apesar de tudo seu tom era de preocupação.

"Mas, Heero! Não..." – sua voz já começava a sair irritadiça.

"Shhh, calma, Duo, calma. Olha, eu não quero que te aconteça algo de mal. Imagina se te acontece algo enquanto está nervoso desse jeito. O que vai ser Deni do dele quando ele voltar – o que será logo ? Ele ficará arrasado se souber que aconteceu alguma coisa com o pai, não é, amor?" – tentava lhe explicar, não saberia o que seria de si se Duo ficasse realmente mal, como tudo encaminhava para acontecer, e ainda por cima ficasse sem seu filho!

O americano abaixou a cabeça, respirando com dificuldade, por um lado seu koi tinha razão, por outro... Não conseguia se controlar, já era tão difícil manter-se quieto do jeito que agora estava: pois por dentro um nervosismo de tal intensidade o consumia que até doíam suas veias. Heero olhava aquela figura abatida, desejando poder acalmá-la, embalá-la e dizer que tudo ía ficar bem; mas Duo não era Deni, que com simples palavras de seus papais acreditaria neste fato e não se enervaria mais. Não, ele não era seu Deni... Um novo aperto em seu peito, Deni era tão inocente e purinho, como toda criança, onde diabos ele estava!

"Por isso, tente se controlar, tá bem, querido?" acariciava sua nuca carinhosamente, tentando deixá-lo mais tranqüilo – "Não se preocupe, vai dar tudo certo. Já colocaram a foto dele na Internet, nos jornais e tanto a polícia quanto nós estamos em sua procura. Logo ele estará conosco, alegre e saudável, está bem?"

Demorou um pouco, mas, por fim, acenou afirmativamente com a cabeça, só esperando que aquilo fosse verdade.

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5 dias

A mão apoiava-se no batente da porta aberta, o quarto ainda escuro. O olhar triste afogado em tantas lembranças e emoções; o ursinho com que seu baby dormia abraçado ainda estava sobre a cama, como deixara naquele sábado de manhã. Aquele fatídico sábado. Como machucava ver aquele lugar vazio, sem os risos de seu pequeno o preenchendo. Uma lágrima grossa escorreu de seu olho, não seria a primeira dos últimos dias, foi descendo por suas olheiras, manchando a pele descorada de agora pela falta de sono, de alimentação, pela ansiedade e aflição, pingando no chão daquele quarto. Esfregou os olhos de qualquer jeito, saindo e fechando a porta cuidadosamente.

Não conseguia ficar ali, doía-lhe demais. Foi para a cozinha, beber um pouco de água com açúcar, ultimamente suas pernas andavam meio bambas e fracas. Abriu a geladeira para pegar água gelada e, ao fechar a porta, visualizou a foto que tirara de Deni e Heero dias atrás. Pouco antes de sua vida mudar radicalmente para pior, quando ainda estavam todos juntos e eram felizes. Apertou os lábios e a mão entorno da jarra de água, onde estava seu filhinho?

Precisava tanto dele, sentia tanto sua falta! A simples idéia de não saber o que se passava com seu pequeno ruivinho o desarmava por completo. Onde estava? O que fazia? Precisava ter logo seu bebê junto de si e garantir que nada nem ninguém faria mal ao seu anjinho.

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7 dias

Heero lançava furtivos olhares ao trançado, que, aliás, nem estava com sua típica trança. Via que ele remexia sua comida com o olhar perdido, o cotovelo sobre a mesa e a testa apoiada na palma semi-aberta da mão, sem sequer tocar no almoço.

"Duo, eu já disse que é para você comer." – o repreendeu.

"Não tenho fome."

Suspirou, aquilo estava sendo tão difícil! Porém tinha de manter a calma e ter o máximo de tato possível para chegar ao seu amante, ou mais que isso, a seu marido.

"Meu bem, você está sem se alimentar há muito tempo. Até agora tem me enrolado bastante, mas se continuar assim, eu juro que te levo à um hospital para te injetarem soro."

Duo levantou os grandes violetas, cheios de protesto e angústia, demonstrando todo o caos e os choques de sentimentos dentro de si, bufando:

"Meu filho está desaparecido há uma semana! O que quer que eu faça? Que saia por aí soltando rojões? Oh, me desculpe se eu perco a fome diante disso!" – gritou, empurrando seu prato com tal força que ele chegou a cair da mesa, espatifando-se no chão.

"Duo..."

Duo levantou-se bruscamente, cobrindo o rosto com as mãos e chorando compulsivamente. O grande Shinigami tinha desmoronado.

Heero apressou-se até ele, abraçando-o.

"Shhhii, calma, tá tudo bem, tá tudo bem." – apertava-o entre seus braços, enquanto Duo extravasava mais uma vez todo seu sofrimento – "Também estou assustado, Duo, eu também amo o Deni."

"Eu sei, me desculpe..." – chorava, agarrando-se à camisa do japonês.

"Tudo bem, meu amor, tudo bem." – tentava consolá-lo, muito embora dissesse isso a fim de se convencer de tal hipótese.

Prolongaram-se no ato por mais uns dez minutos, até Duo conseguir controlar seu choro. Aos poucos o moreninho foi amolecendo nos braços do outro e, assim que o viu mais sossegado, – se é que isto era possível – Heero o empurrou delicadamente pelos ombros para frente, forçando-o a encará-lo:

"Duo, vem comer." – disse, já não tinha mais o que dizer, ele também estava cansado, aturdido e machucado com a ausência do filho – "Todos estamos preocupados, por favor, não vamos deixá-los mais tristes ainda por nós."

Ignorando os cacos de vidro e a sujeira no chão, Heero levou seu amante à uma cadeira ao seu lado, sentando-o, e apressou-se em fazer-lhe outro prato, que lhe deu em seguida:

"Vem cá." – o virou para si, dando-lhe a comida na boca, o único método útil para fazê-lo comer direito – "Você vai comer tudinho, mais tarde você vai tomar um bom banho, vou lavar toda essa sua cabeleira e depois eu te dou um calmante pra você dormir bem."

Era verdade, Duo estava um caco, pior do que ele próprio: não cuidava mais de seu precioso cabelo nem de sua aparência, não comia nem dormia mais. Ao contrário do que faria há algumas semana atrás, Duo não protestou nem ligou de Heero estar decidindo o que ele devia fazer, muito menos fez conta de ter de tomar o remédio para conseguir dormir, já que o sono agora não lhe vinha mais e, se vinha, era curto e povoado de pesadelos e tristeza; ou melhor, até preferia tomá-lo, pois não agüentava mais ver Deni estendendo-lhe seus bracinhos, pedindo por ajuda, e ele não conseguir alcançá-lo, num daqueles sufocantes sonhos.

Agora era a sombra do que já fôra um dia, tornara-se uma marionete, indefeso. Definhava em pouco tempo, desesperadoramente Heero tentava salvá-lo, porém não surtia efeito. Precisava fazer alguma coisa para ajudá-lo, não suportava ver seu amante assim. E, mais uma vez, sofria pelo estado de seu amante, a falta do filho e pela sua própria infelicidade.

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12 dias

"NÃO! PÁRA, PÁRA!" – Duo sentou-se rapidamente, as mãos comprimindo a cabeça, enquanto gritava histericamente.

"Duo! Duo, o que houve?" – Heero acordou sobressaltado com os gritos do marido, sentando num pulo.

Os violetas piscaram algumas vezes, até se dar conta que estava no seu quarto, e logo rios de lágrimas desataram a rolar por seu rosto, encharcando seu pijama. Chorava copiosamente, descontrolado, forte. Os joelhos soerguidos, onde eram apoiados os cotovelos, suas mãos a cobrir sua cara vermelha pelo choro. Heero não entedia o que se passava com seu querido, contudo podia supor que ele tivera um pesadelo, então o abraçou ternamente, querendo passar segurança.

"O que foi, meu bem? Que houve?"

Durante todo esse período o japonês tentava ser o mais terno e delicado possível com Duo, sabia que qualquer coisinha poderia feri-lo ainda mais, desmanchá-lo.

"É tudo culpa minha! Minha..." – sibilava, aterrorizado.

"O que? Do que está falando?" – perguntou, confuso.

"Foi... Minha culpa! Minha, minha, minha! – repetia, agarrando os fios castanhos.

"Duo, calma!" – pediu, tomando seus pulsos em suas mãos e forçando-o a encará-lo, mesmo que Duo mantivesse a cabeça baixa e a expressão atenuada porém magoada – "Duo... O que foi?" – ergueu seu queixo, para mirar seus olhos tristezinhos.

Mas o americano não conseguiu encará-lo, sentia-se envergonhado e desmerecedor, então baixou os olhos, a boca entreaberta a deixar escapar um ou outro soluço. Algumas mechas colavam em sua testa e pescoço suados e Heero delicadamente separou-as, aproveitando para fazer um carinho no seu "neném temporário", que permanecia amuado. (2)

"Que foi, meu bem, hun? O que foi?"

"Heero... Foi tudo culpa minha, eu não fui capaz de proteger o Deni, não fui! Se... Se eu tivesse cuidado dele direito..." – confessou, cheio de remorso.

Por um minuto os azuis se arregalaram: o que ele estava dizendo? Seu coração descompassou algumas batidas, desde que Deni sumira ele tinha se culpado silenciosamente, porque ele colocara o trabalho acima da família e, agora, não tinham mais um integrante dela. Se não tivesse ido a essa maldita conferência e levado seu filho ao parque, como prometera, nada disso estaria acontecendo. E Duo se culpava? Seu americaninho que não tinha culpa alguma estava jogando toda aquela responsabilidade pra cima de si? Ah, aquilo era demais para ele agüentar!

Segurou seus braços, o forçando olhá-lo nos olhos:

"Duo, não diga isso! A culpa não é sua, você cuidou muito bem dele, é um ótimo pai."

"Não é verdade!" – exaltou-se, falando alto – "Se eu tivesse feito tudo certinho... Então... Então teríamos nosso Deni aqui!"

"Duo, não diga besteiras! Como você poderia imaginar que uma coisa dessas aconteceria? E, deus, o que você não fez certo, hã? Deus as costas pra ele por uns segundos? Ora, é praticamente impossível supor que em poucos instantes uma criança iria sumir. Duo, isso foi apenas uma fatalidade."

"Mas ele era pequeno! Não sabia de nada... Eu não podia tê-lo deixado tão desprotegido, tão... vulnerável." – soltou-se do outro, afundando a cabeça nas mãos.

Chorava, o corpo tremendo levemente, sob a visão embaçada de Heero. Ele também estava quase chorando, finalmente, depois de tudo, sentia que as lágrimas queriam vir-lhe à face. Todavia teria de segurá-las, guardá-las para quando estivesse só; não poderia desmoronar na frente de Duo.

"Não é verdade." – puxou-o para seu peito, envolvendo suas costas com um braço – "Você é o melhor pai que eu já vi. Sempre cuidou muito bem do Deni, fez de tudo por ele... Quando ele era um bebê e ficava chorando de madrugada, você sempre ía cuidar dele, pegava-o no colo e o ninava e, finalmente com você, ele dormia em paz. Quantas coisas você fez por ele! Tudo que estava aos eu alcance e além dele, você fez. Quando ele precisou de carinho, você o fez, quando precisou de uma bronca, você a deu. E ele sempre te amou muito. Então, não tente se culpar por algo que nem parecia cabível de se acontecer." – mentindo em seguida, apenas para amenizar a dor do moreninho – "A culpa não é de ninguém, não é nossa."

Mentira, mentira, mentira, sua mente gritava; sentia que a culpa era toda sua, se ele tivesse cumprido com sua promessa naquele dia, nada teria acontecido e, agora, era culpa sua também seu amor estar sofrendo daquele jeito. Deni não teria desaparecido e Duo não estaria desse jeito. Portanto, toda a culpa era sua. Mas não podia dizer isso a Duo, ou o trançado ficaria mais chateado ainda por achar que o fizera se sentir culpado e, além de que, se falasse que a culpa era sua a Duo, admitira que existia uma "culpa" a ser de alguém e não tinha dúvidas: Duo voltaria a achar que ela era sua.

As palavras pareciam fazer algum sentido ao americano, contudo custavam a aliviar de todo o peso em seu coração. E Heero sabia disso, por menos que desejasse, sabia que Duo carregaria aquela culpa até encontrarem o filho – vivo, obviamente, pois além da outra ser uma opção desagradável que por enquanto eles tentavam ignorar, se Deni estivesse morto, aí sim Duo sentiria-se o total culpado e jamais se perdoaria – só esperava que agora ela se reduzisse a ponto de não atormentá-lo até em pesadelos.

Após ter se recuperado um tanto da sua histeria, agora vinha a crise de consciência. Já não tinha mais fôlego para ter aqueles trágicos e dolorosos ataques ou morrer-se de nervosismo, então começara a se acalmar. Os resultados das investigações, tanto policias quanto as suas da Preventers, não chegavam a lugar algum, o que, apesar de deixá-lo desesperado, também o cansava. Não cansaço de procurar seu filho, mas cansaço de tantas negativas, de falta de resultados. E isto já mandara todo seu sistema nervoso para o espaço, restando aquela triste melancolia em que estava imerso atualmente. Só ía trabalhar se fosse no caso de seu ruivinho, em outros não conseguia nem raciocinar. E, isolado naquela tempestade de dor e angústia, dera-se a pensar mais no ocorrido, no quão culpado era por ser tão desleixado e irresponsável com seu pequeno ruivinho.

"Vem, meu amor, vem cá." – chamou Heero, recostando-se na cama e trazendo o moreninho entre seus braços, aconchegando-o, enlaçando seu pescoço com um braço, a mão a pender sobre o peito meio trêmulo do marido.

Acariciava seus fios castanhos, descendo por sua face, dando beijinhos no topo de sua cabeça. Queria tranqüilizá-lo, confortá-lo, protegê-lo. Passaram a noite inteira assim, Heero fazendo carícias no amante e Duo segurando a mão que o envolvia, no mais completo silêncio. Os dois pares de olhos perdidos em mágoas silenciosas dentro de si, cada um com sua dor, culpa, remorso, angústia e desespero...

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1 mês

Um mês, um mês naquela tortura de não saber absolutamente coisa alguma sobre Deni. Trinta dias vivendo naquela agonia, naquele desespero.

E as coisas só pioravam. Não tinham pistas do menino e a Preventers ameaçara retirar-se dessa busca dentro de um mês, visto que estava desperdiçando homens e dinheiro para algo que não surtia resultados. Duo estava cada vez mais abatido, mais arrasado. Heero tinha medo de deixá-lo sozinho, tanto que sempre que não podia ficar com ele o deixava com Quatre e Trowa ou Wu Fei e Sally. Ele também estava murchando, porém numa velocidade menor, tinha em mente que deveria ser forte, pro Duo, por Deni. Precisava encontrar logo sua criança ou seu peito explodiria a qualquer hora!

Seus amigos também faziam de tudo para ajudar, cuidavam de seu Duo, se esforçavam na busca de Deni, tentavam consolá-los do melhor jeito que podiam. Porém, pensava que quando Duo ficava com eles, seu moreninho ficava ainda mais depressivo ao ver a pequena Maria do árabe com Trowa ou o filhinho de Sally e Wu Fei, Terry, felizes com suas famílias, posto que seu próprio filho não estava naquela situação, ao contrário, havia desaparecido.

Mas era o jeito, por enquanto...

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3 meses

Entrou correndo na cozinha, deparando-se com o moreninho caído, escorado no balcão da pia, chorando. Ao seu lado o copo de vidro quebrado.

"Duo!" – correu em sua direção – "Você está bem?" – perguntou, tentando ver se ele estava com algum corte.

Como viu que não, segurou-o com cuidado e o afastou dos cacos afiados, ajoelhando-se ao seu lado:

"O que foi, amor?"

Duo tremia, abalado. Notou que ele apertava com uma mão a foto que até então esteve pendurada na porta da geladeira, na qual estavam Deni e ele, junto ao peito.

"Oh, Duo..."

"Heero, você acha que ele ainda está vivo? Francamente... Ele sabe onde moramos, devia ter perguntado para alguém e então estaria aqui conosco. Mas... Se ele não está aqui... É porque ele está morto." – sua voz saiu embargada pelo choro, principalmente na última parte, a qual seguiu-se um engasgo que o moreno teve de acudi-lo – "Ou então alguém o levou... Levaram o nosso garotinho..." – finalmente desabafara o que pensava há algum tempo, a voz perdia num único fio.

Afinal, com o passar dos dias, a hipótese dele ter fugido ou se perdido era mínima; porém as chances dele ou ter morrido ou ter sido seqüestrado só aumentavam. Heero abraçou-se a ele, envolvendo sua cintura, agora que o americano parecera perceber essa possibilidade sentiu as pernas vacilarem. Se já era ruim o suficiente ele ter certeza disso, ver Duo confirmar suas idéias acabaria com ele de vez, pois duvidava muito que o moreninho não ficasse com um choque maior ainda depois dessa. Todavia não podia mentir-lhe, sabia que Duo não merecia isso caso viessem a sofrer uma decepção, não podia enganá-lo com teorias floridas se Deni nunca mais aparecesse ou aparecesse de outro jeito... Não, Duo nunca o perdoaria!

Duo deitou sua cabeça no ombro do japonês, agarrando-se a ele. Não agüentava mais tudo aquilo, como sentia falta de seu filho! Precisava tanto dele... Voltara a trabalhar meio-período como antes, quando Deni saía da creche e ele voltava em casa para poder cuidar do pimpolho, mas Heero o obrigava a ficar em sua sala até seu expediente terminar e os dois irem pra casa juntos. A verdade era que o japonês tinha muito medo de que coisas como esta acontecessem com seu koi enquanto estivesse fora. O trançadinho podia pedir demissão a qualquer momento, todavia não queria ficar todos os dias em casa, amargurando cada vez mais a falta do filho, por isso preferia trabalhar e distrair sua mente.

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9 meses

Suspirando, depositou o pacote colorido sobre a cama. Heero o esperava na porta e, após ficar um pouquinho mais alisando o travesseiro e o lençol, levantou-se, indo ao marido. Abraçou sua cintura firme, mirando o quarto outra vez: aquele era o primeiro Natal deles sem Deni. Como doía ver a cama vazia! Fechou os olhos, a dor expressa em sua cara, posto que Duo estava de costas pra si e se permitira fazer tal gesto.

Lá fora a neve branquinha caía levemente sobre a cidade, deixando uma rasa camada lisa.

"Será que Deni está passando frio?" – perguntou pra si mesmo, abraçando-se mais à Heero, que também apertou seu abraço.

Dois dias depois voltavam àquele quarto para guardarem mais um presente, dessa vez de aniversário. As mãos de Duo tremiam e algumas lágrimas molharam a embalagem colorida. Voltou correndo para Heero, agarrando-se ao seu pescoço:

"Era para ele estar comemorando com a gente, comendo bolo com os seus amiguinhos!"

Duo queria trazer seu pequeno de volta, tê-lo bem apertadinho em seus braços... Na verdade, nem que fosse para receber a notícia de que estava bem... Só precisava disso para poder se alivia um pouco, pois, pior do que ter a certeza de que o filho estava morto era não saber coisa alguma a respeito. Se estava vivo ou não, se estava se alimentando bem ou se passava fome, se tinha medo ou se era feliz, se era bem tratado ou vivia sozinho por aí... Nada! Não tinha idéia do que acontecia com seu filho e essa incerteza, toda essa angústia, o matava por dentro. Era uma dor tão forte, latente... Afinal, amava seu filhinho e era dificílimo tentar suportar um pouco essa ausência, essa perda incompleta, posto que não sabiam se o perderam de vez ou se ainda haviam chances.

Mais uma vez abraçou seu marido, também sentia profunda dor ao perceber que seu filhote fazia 4 anos de idade longe de si. Isso se ele realmente pudesse aniversariar... A noite fria só não foi silenciosa porque soluços quebravam-se dentro daquela casa que perdera toda a sua vida.

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3 anos

Podiam dizer que suas vidas praticamente voltaram ao normal. Ambos trabalhavam normalmente agora, faziam coisas que antes não conseguiam, como passear vez ou outra, ir ao cinema... Não, não tinham esquecido de Deni tampouco a dor diminuíra: apenas aprenderam a conviver com ela, a guardá-la e não demonstrá-la a toda hora. O conformismo aliado ao tempo, uma dor com a qual aprenderam a lidar. Assim, já não passavam cada segundo dos seus dias sofrendo com o desaparecimento do filhote; lembravam-se dele, mas não faziam essa lembrança consumir-lhes por completo e afogar-lhes num poço de tristeza.

Ainda choravam, claro, sofriam com sua ausência, a falta de notícias. Tinham feito eles mesmos todos os esforços possíveis, e ainda os faziam, para encontrar o pequeno, sites, campanhas, fotos em jornais televisivos... Tudo, estavam se esforçando ao máximo! Arduamente até agora, amargando cada nova decepção, mas não podiam ficar parados! A polícia, os centros de proteção ao menor, todos os campos relacionados realizavam a "busca" pelo menino; aliás, não só por ele como também por várias outras crianças desaparecidas. Eles próprios estavam muito empenhados nessa tarefa. Como um corpo é algo mais fácil de se encontrar e o do ruivinho não tinha aparecido, a hipótese mais provável era de seqüestro, tráfico. Coisa que gelava suas espinhas só de pensar.

Continuavam abatidos, jamais voltaram a ser os mesmos. Eram como cascas de ovos podres, zumbis que aos poucos íam retomando o controle de suas mentes, sem toda a "vida" e alegria que sentiam antes, sem aquela louca empolgação, ainda amargavam e sofriam com isso. Mesmo assim, estavam mais fortes do que no primeiro mês que ficaram sem o filhote e reuniam forças para encontrá-lo. Muito embora a esperança se dissolvesse um pouquinho mais a cada novo dia. Porém, esta esperança dos pais e entes queridos é inexplicavelmente longa e, mesmo que consumida aos poucos, ainda demora-se muito até se acabar por completa – ou nunca acaba. E era isso o que os mantinha em pé, a esperança de que encontrariam seu filhinho e voltariam a ser uma família feliz.

E, escondida lá no fundo, a vingança. A vingança contra quem quer que tivesse levado Deni embora, pois é característico do homem ter a vingança como força que o faz seguir... Ainda mais quando se é para vingar o roubo prematuro de suas felicidades, de suas vidas.

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Continua...

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(1) Hun, na verdade não faço idéia de que que a Preventer faz, enton disse qualquer coisa mesmo. x-X

(2) De repente eu imaginei o Duo com o cabelo cor de mel (mesmo não sendo essa a cor de seu cabelo) todo solto e os olhos em uma tonalidade um pouco diferente e... Ele me pareceu uma visão do Paraíso O-O "baba" (pois é, às vezes eu o acho bonito... Mas só às vezes:P)

Eu não tava com vontade de ficar descrevendo o que eles tavam sentindo e talz muito detalhadamente, por isso ficou esse resumão dos caramba aqui! E essa última parte ainda ficou corrida por motivos de irresponsabilidade. ¬¬ Ah, sim, também foi bem difícil imaginar como eles tariam depois dessa... Tentei imaginar o Duo como se fosse a minha mãe ou minha vóva... Então deu nisso! xD Mas eu não gostei muito do resultado, achei que repeti mts palavras e vários sentimentos deles. De qualquer forma fiz o melhor que o dia de hj me permitiu (non estava animada para escrever fics... Súbito mau-humor xP) E é isson...

Se alguém tiver curiosidade de ler as reviews, lerá o relato da Tina-chan. Pois é, amiga, infelizmente isso que aconteceu com a sua amiga não é algo tão raro... ter a filhinha raptada... Esses dias mesmo tava passeando pelos canais de TV e parei num de reportagem que dava uma notícia de que uma bebezinha (que parecia uma bonequinha n-n) tinha sido levada embora por uma mulher que se passava por voluntária, segundo as suspeitas, num lar de transição. Por isso, gente, vamos cuidar com quem nos é importante, principalmente com os indefesos!

Todavia, queria deixar claro que está fic é uma ficção, portanto não tem qualquer compromisso em cumprir sempre com a realidade. O que eu quero dizer é que os planos que tenho para o Deni talvez fujam um pouco do comum, a situação em que tudo ocorrerá será meio diferente dos casos de rapto de crianças pra diversos fins que acontecem, mas como isto é uma história inventada, também não me sinto na obrigação de citar motivos mais comuns e freqüentes para ele ter sumido, okey? E só mais um detalhe: enqnt escrevia esse cap., uma coisa ficou martelando minha cabeça: Relena. Sim, ela, com tudo seu poder e influência, poderia muito bem ter oferecido sua ajuda aos amigos e garantido, por ex., uma recompensa na TV para quem encontrasse o menino. Só que se ela oferecesse mesmo essa ajuda, em dois meses a criança tava de volta. E isso non é o que eu quero! o-o Então, tentem ignorar isto ¬¬v finjam que nem existia essa possibilidade dela ajudar, ok? (apesar que eu perdi aquele wallp liiiiindo do Heero velando o sono da Relena que é a coisa mais kawaii ;-;)

É isso, please, deixem reviews pra eu saber o que acharam desse cap., se eu acertei ou errei ao tentar demonstrar o que se passava com eles nesse período difícil!

Feliz Ano Novo pra todo mundo,

Matta ne!

Super smack!

30/12/05