– Senhor. A sua esposa vai precisar de ajuda para necessidades básicas como ir ao banheiro, e tendo em vista que seus ferimentos são bem intensos e comprometem toda a estrutura dela. Eu a pus sobre o efeito de uma poção para que possa ser transportada sem dor. O senhor saberá administrar o antídoto
Snape meneou levemente a cabeça afirmativamente.
A enfermeira trouxe um pergaminho com o encaminhamento da alta de Hermione. Não havia necessidade de mantê-la no hospital sendo que a sua recuperação seria toda feita via oral e Snape poderia muito bem fornecer as poções para a própria.
Pergaminhos assinados e Hermione devidamente medicada para o transporte, Snape agarrou-se ao corpo e a chave de portal que trouxera consigo, deixando para trás o médico ainda com o olhar desconfiado e a enfermeira apaixonada pelos cuidados que o recém-casado tinha com sua companheira.
Os dois pararam nos jardins de um casarão, os muros altos e vizinhança afastada quase uma milha indicava que os terrenos pertenciam apenas ao dono. A residência escura e de aparência mal cuidada indicava que há anos alguém não habitava lá. Mas fora apenas reconhecer a magia do Prince, o único de sua linhagem, que logo passou bater vida e diversos elfos desapartaram próximo ao homem que trazia o corpo da jovem flutuante ao seu lado
– Mestre? – Perguntou a mais velha que Snape identificou por Ren – O que o mestre Prince deseja?
– Arrumem o quarto principal para a senhorita e outro para mim. Além de uma refeição adequada e uma poção para reverter a do sono. Andem!
Imediatamente os setes elfos que estavam na frente de Snape desapareceram no escuro e barulhos se ouviam dentro da residência enquanto o homem caminhava lentamente sendo seguido pelo corpo.
A sala de estar estava sendo arruinando-se magicamente enquanto um Engo passava correndo com algumas almofadas e tecidos, a escada havia escovas esfregando sozinhas.
Parecia um musical, Snape revirou os olhos. Chegou a suíte principal no exato momento que Ren punha colchas novas na cama de dosséis altos.
Snape pousou o corpo da jovem na cama, calmamente ao tempo que outro elfo entrou correndo e deixou poções sob a mesa de cabeceira do lado do amo e voltou na mesma rapidez que entrara. O líquido da cor arroxeada foi o primeiro a ser empurrado garganta abaixo, serviria para amenizar as dores que a viagem poderia lhe causar. O segundo para enjoos fora posto levemente, dessa vez sem muita resistência. Por último o frasco de cor azulada era despejado e à medida que o líquido descia, os olhos da jovem abriam para espantar com a situação em que se encontrava: seu ex professor estava sentado na cama com a sua cabeça apoiada no colo enquanto colocava lentamente líquido nos lábios dela.
Passado o espanto inicial, o homem a colocou lentamente na cama e abriu as portas da varanda, deixando o vento frio da noite entrar
– Pedirei a um elfo que lhe auxilie na sua... Higiene. Ademais, ficará um elfo o dia inteiro a sua disposição.
– Professor... – Ela disse sussurrando. A garganta ainda arranhava um pouco, mas não a impedia que dissesse algumas palavras pausadamente.
– Não sou o seu professor, Granger. Pelo menos não mais.
– É... Tudo bem... Senhor Snape, eu gostaria de... Agradecê-lo. – Snape assentiu levemente e encaminhou a porta – Ainda não sei... O real motivo para fazer isso por mim... Nem sequer se... Mereço, mas... Obrigada
O homem estava de costas para Hermione fechou os olhos fortemente com o peso daquela palavra "obrigado". Um simples palavreado, mas que tinha um poder forte. Jamais fora agradecido por nada que fez ou do quanto se absteve para que "o lado certo" ganhasse.
Aos poucos, a casa ainda numa localização desconhecida por Hermione ganhava vida. Um elfo vestido o suficiente para servir, trouxe uma bandeja contendo uma sopa, algumas torradas e provável sobremesa.
– O mestre pediu algo que fosse forte para a senhora. Klaus trouxe sopa feita especialmente para isso. E a sua poção para cultivar ossos.
– Obrigada Klaus. – Ela levou o único braço que conseguia mover até a colher e com muito esforço conseguiu pegar uma generosa porção do cozido e levar aos lábios.
Ela percebeu que pelas vestes, o elfo não era livre. Mas não iria começar uma briga agora, pelo menos não até que estivesse com voz o suficiente para conseguir falar do SPEW E poder argumentar com o homem que lhe salvara a vida.
– O mestre disse, que depois que a senhora terminar, para chamar Ren para lhe ajudar na higiene e avisa que ele quer falar com a senhora quando terminar
Hermione assentiu ainda pegando na colher com toda a força que tinha. Jamais imaginaria que estaria no nível que estaria. Tinha "sorte" da sua mão dominante ainda conseguir movimentar mesmo com os músculos lutando para permanecer endurecidos e sem força alguma. Jamais imaginava que a clavícula que ela tanto se queixava estar amostra por sua magreza agora fazia falta.
Deixando a sopa de lado, ela tentou comer um pedaço do manjar de ameixa, mas desistiu na mesma hora ao levar os olhos para a poção e lembrar-se do gosto. Tomara pelo menos cinco meses inconsciente e dois dias de consciência, mas o gosto ainda sim era horrível. Não havia se acostumando.
Desceu já poção de cor verde pela garganta forçando todos os músculos do rosto a permanecerem impassíveis pela careta que se formaria pelo gosto. Abriu os olhos com o riso da elfa Ren. Ainda vestida em estopas e um resto de tecido se fazia na cabeça como uma tiara, a elfa parecia ser bem alegre apesar da escravidão que lhe era imposta.
– Mestre mandou para ajudar a senhorita na higienização. – Hermione arregalou os olhos – Ren sabe que deve dizer que a senhora é a esposa dele, mas Ren sabe que o casamento não foi feito.
Antes que Hermione protestasse, a elfa levitou o seu corpo até uma porta que a menina descobrira ser o banheiro.
As roupas sumiram no mesmo exato momento que o corpo fora depositado na bacia de mármore grega e enchida magicamente até o colo
– Eu não tenho vestes... Pelo menos nenhuma... Além dos pijamas que o hospital me liberou
– Não se preocupe com isso, o mestre permitiu que a senhora usasse as vestes femininas da família Prince. – Respondeu a elfa lavando os cabelos da jovem – Amanhã virá pessoas para vesti-la, cortar adequadamente o seu cabelo além de um conselheiro para realizar a cerimônia
– Ce... Cerimônia?
A elfa não respondeu, ao invés disso enxaguou os cabelos da jovem com bastante água e antes que ela protestasse, estava levitando de volta enrolada numa toalha até a cama e sendo secada magicamente.
As portas do armário abriram e diversas roupas passaram por ela. Hermione escolheu o que julgou ser o mais simples e logo as vestes estavam no seu corpo.
– O mestre deseja vê-la. Vou chamar.
Antes que a mulher disse algo, a elfa sumiu e em questão de segundos, Snape apareceu na porta. Os cabelos molhados e escovados de mau jeito para trás demonstrava que ele também saíra de um banho.
– Cerimônia? – Foi a primeira coisa que perguntou assim que o viu
– Não pense que pessoas não virão atrás da senhorita. Além disso, a senhorita precisa de proteção
– Proteção? Contra quem?
– O Potter. Oras, quem mais? – Snape revirou os olhos e caminhou até a varanda.
– Por... Que eu precisaria. Proteger-me? Harry é meu amigo!
– Granger – Mesmo sem virar Snape sabia que ela tinha a vista nele com olhos cheios de lágrimas – O Potter não voltou pelo seu corpo. Nem pelo meu. Ou pelo o de ninguém. Recolheu os que eram a vista de todos e deu um funeral "digno". A fama lhe subiu à cabeça como sempre disse que faria.
– Ma... Mas nossos corpos não – Ela pigarreou e então ele voltou – Não estávamos lá... Porque ele iria?
– Já passou pela sua cabecinha que você só tinha utilidade para ele enquanto estava "viva"?
– Mas eu estou viva!
– Não para ele – Snape jogou o jornal em cima da cama de forma que ela conseguisse ver a manchete
"HARRY POTTER CONTINUA A OFERECER RECOMPENSA PELO CORPO DE HERMIONE GRANGER"
– Har... Harry acha que morri? Como?
– McGonagall tinha o controle parcial da escola. Ela sabia aonde você ia e sabe da proteção do castelo. Deve ter somado um mais um.
Os olhos dela baixaram para o jornal de dias atrás. Todos com os rostos bem dormidos. Como não haviam mais preocupações no mundo. E realmente não.
– Hogwarts...
– Vai recomeçar tardiamente. Ainda não finalizaram
– Para que precisamos de uma cerimônia?
– Os elfos já sabem que não existe uma senhora Prince. Em breve todo o mundo bruxo também saberá. E vai ser uma questão de tempo até a senhorita e eu sermos descobertos e não é isso que quero.
– Por que eu? Porque não... Deixa-me enrolada com... Com um lençol... Nos portões de Hogwarts?
– Porque primeiramente eu me compadeci da sua alma. Salazar sabe o quanto quis deixar os estoques abertos e levar a chave comigo para sumir da casa. Mas algo me impediu. A sua sagacidade ser perdida por causa do Potter não me era agradável. A senhorita merece algo além da vida medíocre que levava ao lado do Potter e do cabeça de cenoura do Weasley. A senhora Weasley só acertou quando acertou trazer o mundo a Weasley fêmea.
Hermione franziu um pouco a sobrancelha.
– Como um casamento... Exatamente vai... Ajudar-me? A intenção... – Ela pigarreou novamente sentindo a garganta arranhar mais forte – Não era... Eu ser... Livre?
– Isso me agrada tanto quanto agradas a senhorita. Visto que o mundo bruxo não há divórcios e nem pretendo passar os meus dias de vida restante amarrado a uma irritante metida a sabe-tudo que quase morreu por ser sombra do Potter.
Hermione retrucaria, mas a sua garganta estava seca demais para que alguma palavra saísse. Ao invés de bater boca, ela apenas negou com a cabeça enquanto os olhos enchiam de lágrimas.
– Não vou pedir perdão a senhorita por minhas palavras, mas pense a respeito se quererá ser a sombra de um ser tão arrogante quanto o pai e o padrinho culpado por diversas mortes, incluindo da única pessoa que amei? Pessoa essa que você carrega a aliança no dedo, mais um sacrifício que tive de fazer pelo Potter.
Hermione olhou para a mão esquerda imóvel sobre o tronco. O anel jazia solitariamente no dedo anelar. Ela tratou de arrancar e entregar a ele com o olhar mais duro que conseguiria
Snape pegou o anel olhando friamente para ela, nem mesmo quando ela acertou Veritasserum, sentiu tamanha frieza no seu olhar.
O homem caminhou então para fora dos seus aposentos. E Hermione se remexeu desconfortável. A poção para dores estava perdendo o seu efeito, mas não conseguia pedir por ajuda. Ou sequer alguma forma para que os travesseiros baixassem. Talvez se estivesse na toca, conseguiria que algum dos Weasley, até mesmo Harry ou Luna, quem perdeu a residência, a ajudasse ou ficasse na sua vigilância.
Pensar na casa de ruivos a fez relembrar Ron, ou mais precisamente o beijo rápido que trocaram na câmara secreta. Depois de tantos anos e agora ela estava impossibilitada de vê-lo e ele pensava que ela estava morta.
A dor começava a incomodar na mesma intensidade que Hermione sentia o seu coração partir. Ron Weasley agora era um herói de guerra, certeza que diversas bruxas já deveriam ter jogando-se aos seus pés, como fez Lavender Brown quando ele foi goleiro da Gryffindor. Todas as bruxas mais bonitas e saudáveis.
A dor irradiava, Hermione não aguentava mais aquela posição por mais tempo, então com toda força que tinha no braço direito, menos que o suficiente para levantar uma colher de sopa, ela tentou virar.
Não percebera o quão perto da borda da cama estava e caiu em um baque surdo.
A última coisa que teve o deslumbre de ver foi o bico dos sapatos de Severus Snape aproximando-se rapidamente enquanto ela sentia seu corpo desfalecer para não aguentar mais.
