Arrependido
Assim que a mãe de Kamus colocou os pés para fora daquela casa, Aioria agarrou o telefone e só o soltou quando todos os amigos já estavam devidamente avisados da boa notícia.
Em pouco tempo aquela casa enchia. Afrodite e Shura foram os primeiros a chegar, depois Máscara, Shaka e Mu e por fim Ikki veio trazendo Shun, Hyoga, Saori e Julian. Todos os amigos reunidos e contentes com a novidade.
Mas de longe o mais feliz eram Milo e Kamus. Ambos sorrindo de orelha a orelha, não sabiam se deveriam rir ou chorar.
-Kamus, eu quero falar com você antes que o Aioros nos arraste para a pizzaria.
-Como sabe que a gente vai pra lá?
-A gente sempre vai depois de uma vitória... – O rosto do francês corou levemente, eles sempre iam para a pizzaria da esquina ao ganhar um jogo ou até mesmo quando estavam tristes ou felizes por algum motivo.
Então o grego levou o outro até o quarto, onde puderam ficar a sós por alguns instantes preciosos.
-Olha... Eu queria te dizer que eu sinto muito, eu não queria causar problemas para você, nunca quis. E quando os gêmeos tiveram a idéia eu não achei que pudesse resultar no divórcio dos seus pais...
-Milo, a culpa não foi sua. Minha mãe mesma disse que eles nunca se amaram. Além do mais eu nunca me dei bem com meu pai, já não via a hora disso acontecer. – O sorriso cristalino do francês deixou Milo desconsertado, mas tranqüilo.
-Obrigado.
-Pelo quê?
-Por estar comigo...
Os olhos azuis do francês brilharam vivamente por instantes, até que ele os fechasse e depositasse um beijo nos lábios de Milo.
-Eu te amo.
-Eu também te amo.
Mas Aioria chegou para estragar o momento romântico, os arrastando para fora de casa. Como Milo dissera, eles sempre iam àquela famosa pizzaria da esquina.
Nessa noite não foi diferente e lá estavam todos eles, reunidos e contentes, esperando a dona da pizzaria, com quem acabaram fazendo amizade, para contar-lhe a novidade.
Lady Une era uma mulher simpática que dirigia a pizzaria que um dia fora de seus pais. Suas pizzas eram conhecidas por serem as melhores e mais baratas de Athenas e sua clientela nunca estava insatisfeita.
Os garotos sempre foram à pizzaria, de modo que Une tornara-se uma grande amiga e conselheira da turma.
-Une-chan, queremos quatorze pizzas grandes daqueles sabores de sempre! – Saga disse assim que a mulher se aproximara.
-Claro, queridos. – Ela virou-se de costas e gritou tudo ao cozinheiro, seu marido, fazendo os garotos rirem. – Posso saber a novidade?
-Kamus resolveu seu problema. – Disse Aioria batendo nas costas do amigo.
-É mesmo? E como foi isso, criança?
A doce mulher sentou-se ao lado do francês na mesa, esperando que ele dissesse algo, mas foi Milo quem tomou a palavra.
-Ele estava lá em casa, né! Daí hoje a mãe dele apareceu, eles conversaram e ela disse que estava se divorciando. Então, acho que tudo se resolveu.
-Oh... Sinto muito, Kamus.
-Está tudo bem. Foi uma ótima notícia, não agüentava mais meu pai. – O garoto sorria de um modo que nunca fizera antes, logo percebia-se sua felicidade.
-Que bom! Então é uma notícia maravilhosa!
-Sim! Vamos comer pizza à liberdade de Kamus! – Gritou Kanon da outra ponta da mesa.
-Então hoje é tudo por conta da casa, crianças! – Os meninos bateram palmas e riram concordando, mas Kamus corou.
-Não precisa, Une-chan...
-O que é isso, criança? Não posso lhes oferecer umas pizzas? Será um prazer, Kamus. Vocês merecem! – Ela completou abraçando o garoto e levantou-se enxugando os olhos. – Vamos colocar uma música animada e... Treize! Onde estão essas pizzas, homem de Deus?
Os garotos riram e o pobre cozinheiro mal humorado gritou que já estavam saindo.
A noite seguiu com apenas comemorações e muitos beijos entre Milo e Kamus. Como Kanon disse... Era a liberdade do francês, mas muito mais que isso... Era a felicidade dele voltando.
oOoOo
No dia seguinte Kamus voltou para sua casa, encontrando uma senhora Beurdeax muito feliz e papéis do divórcio devidamente assinados. Mas, além disso, ele também encontrou o advogado de Anne na casa.
O advogado, Dohko, também exibia um belo sorriso aquela manhã e Kamus podia jurar que tinha a ver com a felicidade de sua mãe.
Mas mesmo que ele quisesse, não tinha o direito de perguntar nada. Anne contaria tudo no momento exato, como sempre fazia.
-Kamus, meu anjo... – 'Não precisava ser agora.' Ele pensou enquanto parava de arrumar seu quarto com todas as suas coisas de volta.
-Sim?
-Precisamos conversar algumas coisas importantes, mon petit.
-Está bem. Agora?
-Pode ser? – O sorriso doce de Anne não deixou escolhas ao garoto.
-Claro, mamãe. No escritório? – Era costume ir para o escritório da casa quando se precisava conversar alguma coisa, mas aquilo era uma regra de Goustave, não de Anne.
-Aqui está bom, meu amor, afinal me sinto mais confortável em seu quarto. – Kamus sorriu e concordou, então tirou alguns livros de cima da cama, oferecendo o lugar a sua mãe.
Não conseguia se lembrar da última vez que tiveram alguma conversa. Goustave estava sempre carregando Anne a jantares, almoços e outras comemorações, além de exigir que seu filho estivesse constantemente estudando.
Mas aquilo mudaria dali para frente. Kamus sentou-se na cama de frente para sua mãe e sorriu.
-Sinto que perdemos muito tempo de convivência... E eu penso que não te conheço mais. – O olhar de Anne era vago e melancólico, Goustave a deixara assim. – Eu nem sempre fui do modo que você me conhece... Na verdade, quando tinha a sua idade era uma apaixonada por poesia, música e todo tipo de arte.
-Eu não sabia...
-Não. E eu gostaria de acreditar que foi porque seu pai sempre me ocupara com coisas inúteis, me impedindo de curtir meu único filho. Mas não é verdade, eu mesma me distanciei, tentando mudá-lo.
-Está tudo bem, mamãe... Antes tarde do que nunca.
A senhora sorriu e alisou o rosto do filho, encontrando seus próprios traços delicados naquela face alva.
-Bom, quero que isso tudo mude daqui para frente. Minha primeira medida vai ser dar uma festa aqui em casa para seus amigos.
-Mas não é meu aniversário.
-Eu sei. Mas festas não acontecem apenas em aniversários. Além do mais, seus amigos nunca vieram aqui e eu gostaria que viessem mais. Essa casa é muito grande e vazia sem você.
-Mamãe, você não precisa fazer isso.
Anne calou-se, sentindo-se um pouco mal. Será que Kamus pensava que ela fazia aquilo por pura obrigação? Pois não era verdade.
-Eu quero isso. Quero te recompensar e também me divertir. Vou te dar uma festa com tudo que você quiser. E depois... Nós viajaremos juntos, só eu e você. Nada de empresas ou qualquer outra coisa. O que acha?
-Viajar? – Ele nem ao menos se lembrava da última vez que viajara. Goustave sempre levava Anne em suas viagens de negócios, mas Kamus sempre ficava em casa. – É maravilhoso! Para onde vamos?
-França. Sinto saudades daquele velho país, além do mais gostaria de rever meu pai e minha mãe.
-Sim! Ótima idéia mamãe! Perfeita! Mas... Será que posso te pedir uma coisa?
-Claro, mon petit.
-Eu sei que a senhora gostaria de levar uma pessoa para a viagem... Por mim tudo bem ele ir... Mas eu queria levar alguém também.
-Oui.
Anne Beurdeax já conhecia seu pequeno Kamus o bastante para saber de quem ele falava. Mas esperou que o garoto falasse qualquer coisa antes de concordar.
-Eu deixo a senhora levar Dohko com a gente, se eu puder levar o Milo.
O sorriso da doce mulher se alargou e ela beijou a testa do filho com carinho, deixando-o confuso.
-Como sabe sobre ele?
-Eu não sou burro... Vi como vocês dois estavam felizes. Não nego que seja estranho te ver com outro homem que não meu pai, mas estou muito feliz pela senhora.
-Oh... Mon petit, você é o meilleur (melhor) filho do mundo.
Os dois sorriram cúmplices e se abraçaram, mas Anne ainda tinha um assunto delicado a tratar com seu 'petit' antes de começar a pensar em festa.
-Há outra coisa que eu queria te falar.
-Então diga, temos muito o que preparar!
Havia anos que ela não via Kamus tão feliz e empolgado com alguma coisa e não queria estragar isso, mas precisava.
-Seu pai... Ele permanecerá na Grécia, vai trabalhar em um cargo especial na fábrica e você o verá quando quiser.
-Mamãe, depois do que ele fez não quero vê-lo!
-Kamus, entenda... Ele é seu pai e queria o melhor para você, mas ele é cabeça dura. Ele não entende como você pode ser feliz ao lado de um homem. – O rosto de Kamus corou, não somente pelas palavras, mas também por lembrar-se de como seu pai descobrira tudo.
-Por que ele iria querer me ver então?
-Porque você é filho dele. E eu creio que ele se arrependa de tudo.
-Ele me magoou.
-Eu sei. Mas ele está disposto a pedir o seu perdão. – Os olhos de Kamus encararam os da mãe de forma fria, compreendendo o que ela queria dizer. – Vamos descer, converse com ele ao menos.
Infelizmente não houve como escapar e logo o francês se viu acompanhando Anne até a sala de estar, onde Goustave estava sentado com a pior cara do mundo.
O garoto entrou e sentou-se no sofá de frente, sem pronunciar uma única palavra. Seu rosto ainda doía com o tapa que tinha levado e seu coração ainda ardia com as palavras duras que ouvira.
-Eu sinto muito. – Ele disse secamente.
-Sente muito? – Os olhos do menino faiscaram, todo seu rancor entalado na garganta por anos estava lhe subindo à cabeça.
-Sim. Eu sinto muito pelo que aconteceu.
-Não sente não! – Ele disse alterando a voz. Anne não estava na sala para impedir qualquer um dos dois de gritar ou brigar.
-Não altere a voz para mim...
-Cala a boca, o senhor não manda mais em mim! – Os olhos frios de Goustave tremeluziram por instantes, quando o homem calou-se e encarou o filho.
Segundos preciosos se passaram, até que Kamus resolvesse dizer tudo que o agoniava há muito tempo.
-O senhor não faz idéia do quanto me fez sofrer e do quanto me ofendeu. E daí que eu gosto de jogar futebol? Estudar não é a única coisa na vida! Além do mais eu adoro sair com meus amigos, eles me deixam feliz como eu nunca me senti perto do senhor.
A boa educação, porém, não faltava. Apesar de toda a raiva, Kamus ainda tinha um pouco de respeito pelo pai. Um pouco que o impedia de bater nele apenas.
-E sabe porque eu gosto do Milo?
Agora os olhos frios de Goustave estavam a ponto de pegar fogo. Ele não tolerava ouvir aquele nome, mas não poderia impedir Kamus de pronunciá-lo.
-Porque ele me faz rir, me entende, me ouve, me admira, se orgulha de quem eu sou e do que eu faço, me faz sentir bem e acima de tudo... Ele me ama. Ele me ama independente de quem eu sou. Atura meu mau humor, meu jeito frio e fechado, meus traumas e vícios e eu aturo os dele. Porque eu também o amo.
Era um pouco demais ouvir aquelas coisas de seu único filho, mas Goustave não esboçava reação nenhuma e deixava que Kamus continuasse.
-Eu acho que o senhor não sente muito. Eu acho que o senhor é preconceituoso, mesquinho, cabeça dura, medíocre e carrasco. Não entendo como minha mãe te aturou por tantos anos.
-Kamus... – O francês virou o rosto para trás, vendo que Dohko estava parado à porta. Rapidamente enxugou os olhos e levantou-se educadamente. – Tudo bem, sente-se.
Ele sentou-se novamente de cabeça baixa, envergonhava-se de tudo o que tinha dito, não sabia que o advogado estivera ali. Por outro lado Goustave abriu um sorriso sarcástico e cruzou as pernas, esperando silenciosamente.
-Não precisa se alterar, ele não está aqui para consertar os erros, está aqui para apagá-los. – Dizendo isso seus olhos pousaram sobre o homem que ainda sorria.
-Eu vim porque me chamaram aqui e também porque me arrependo de ter te trancado no quarto. Admito que foi uma atitude impensada.
Kamus se enfureceu novamente e iria recomeçar o discurso, não fosse por Dohko ter lhe pedido educadamente que se calasse.
-Isso é ótimo, mas não muda o ocorrido. Você devia compreender melhor o seu filho, Goustave, afinal você o ama.
-É difícil. – Ele disse entre dentes.
-Para você deve ser mesmo. Mas tente pensar que Kamus está feliz agora e você não deve estragar essa felicidade.
-Por que mesmo você está se metendo nos meus problemas?
-Porque Anne me pediu e porque eu sou advogado dessa criança. – O sorriso jovial de Dohko transpareceu e fez o rosto carrancudo de Goustave ficar ainda mais tenso. – Além do mais eu o conheço de longas datas e sei o quão cabeça dura pode ser. Então, uma vez na vida, admita que perdeu, peça sinceramente o perdão de seu filho e comece a repensar suas atitudes.
Goustave levantou-se lentamente, seguido por Dohko e o encarou nos olhos.
-Eu te odeio, sabia?
-Sim, eu sei. E eu também te odeio.
-É uma vingança?
-Não. Jamais esperei que teria outra chance com ela... Mas já que aconteceu, não quero que se meta nunca mais entre nós.
-Não quero nada dela. – Um sorriso falso e Goustave se virou para Kamus o encarando de cima.
O garoto estava ainda confuso com a briga dos dois adultos, mas achou que aquilo tinha a ver com o passado e com sua mãe.
-Ahn... Kamus, eu realmente sinto muito. Quando você voltar de viagem tentaremos recomeçar tudo.
Kamus concordou com a cabeça e abraçou o pai, depois este se retirou e ele se encontrou sozinho com Dohko na sala.
-Posso perguntar uma coisa, senhor?
-Pode, mas não me chame de senhor... Me chame de Dohko mesmo.
-Está bem, Dohko. – O francês sorriu diante da simpatia do outro e se aproximou. – Você gosta muito da minha mãe não é?
-Sim.
-Então... Vão ficar juntos?
Dohko se desconsertou com a pergunta, tentou dizer qualquer coisa, mas estava nervoso, sem saber o que falar.
-Tudo bem. Eu só quero que saiba que se vocês fizerem isso eu não vou achar ruim. Mas espero que você a faça mais feliz do que meu pai fez.
O advogado sorriu e concordou com a cabeça, prometendo silenciosamente fazer de tudo ao seu alcance para que Anne e Kamus fossem muito felizes.
Continua...
oOoOo
N/A: Une-chan faz referência a uma amiga minha, Lady-chan, que pediu para entrar na fic! Então aí está ela como a dona legal da pizzaria. Seu marido, o cozinheiro mal humorado Treize, foi pedido por ela também. Personagem de Gundam Wing. (que eu non gosto, por sinal! XD) Tudo pelos amigos. Espero que ela tenha gostado de sua participação especial.
Eu queria terminar logo, mas aparentemente vou ter que escrever sobre a maldita festa e já estou vendo uma continuação para essa fic! Aguardem!
Por enquanto é só pessoal.
Bjus.
Ps antes dos comentários: O Dohko é do Shion, mas eu não queria inventar personagem pra ficar com a Anne, então... Me perdoem!
Comentários:
Kitsune: Pq o Shion é yaoi demais pra isso! XD Não que o Dohko non seja também, mas achei que o Shion realmente não se encaixaria aí.
Kagome: Polly? Terá final feliz até pra formiguinha feliz que mora no campo de futebol... Ta, nem tanto! XD Mas vc entendeu!
Ophiuchus no ShainaEu também não sabia como sair daquela situação! Uma amiga minha me ajudou ou eu jamais teria conseguido! XD Mas que bom que gostou!
Gizinha: Estava realmente mais sério, mas foi necessário, não acha? E eu espero que você esteja gostando de Proposta Indecente 2, pq eu não sei quando vou terminar.
