CAPÍTULO NOVE
Percepção
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Era sexta-feira à noite e Régulo Black estava caminhando sozinho pelo castelo depois do jantar. Ele tinha as feições tranqüilas, mãos enfiadas nos bolsos da calça enquanto caminhava, a capa esvoaçando levemente às suas costas. Seu andar chamava a atenção de muitos passantes, que não costumavam ver sonserinos passeando pelos corredores longe das masmorras - pelo menos não antes do toque de recolher. Porém Régulo não estava prestando atenção em nada nem em ninguém, muito menos no caminho que fazia.
Só não queria ficar nas masmorras, ignorando todos e sendo ignorado. Saíra com a intenção de ir até a Biblioteca, mas ao chegar lá, percebeu que não estava com vontade nenhuma de ficar em um lugar cheio de pessoas. Seu humor estava péssimo para qualquer tipo de companhia hoje. Então resolveu subir mais, até o sexto ou sétimo andar, que eram bem menos movimentados. Encontrou um ou dois casais se beijando, tentando passar despercebidos atrás de estátuas ou armaduras. Torceu o nariz para eles e continuou andando silenciosamente, como sempre fazia.
Régulo já tinha beijado duas garotas, mas não foram experiências tão inesquecíveis assim. Ele era comprometido agora, mas não era como se isso o impedisse de se envolver com alguém - desde que não fosse nenhuma sonserina, e que Avery não ficasse sabendo. Apesar disso, podia muito bem sobreviver sem ninguém. Garotas eram muito pegajosas, exigiam atenção, queriam exibi-lo para fazer inveja às amigas e ele simplesmente não suportava isso. Sua pretendente era menina demais para fazer algo do tipo, mas ele não se atrevera a se aproximar dela ainda. Somente a cumprimentava respeitosamente de uma distância segura.
Ao virar uma esquina, no entanto, estacou. Parado mais adiante, polindo uma armadura de costas para ele, estava um garoto magro, de cabelos negros em desalinho. Tiago Potter estava conversando sozinho, aparentemente. Ou talvez com a gata de Filch, que o assistia atentamente.
Com todo o cuidado para não ser notado por aquele bichano magro de olhos esbugalhados, Régulo deu dois passos para trás e se escondeu atrás de uma estátua, observando atentamente e apurando os ouvidos.
- ... e de repente você sumiu, Almofadinhas - disse Potter, sentando-se de pernas cruzadas ao pé da armadura para polir-lhe os pés, fazendo com que ela rangesse de uma maneira que mais parecia uma risadinha metálica. - Rabicho e eu procuramos você por toda parte. Então nós fomos até a biblioteca, onde certamente você não estava, mas com certeza Aluado estava. Então perguntamos a ele. É claro que ele não sabia também, mas deu a idéia brilhante de procurarmos no mapa. Sabe? - o garoto parou, pensativo, ajeitando os óculos com o indicador. - Às vezes eu me surpreendo com as idéias brilhantes do Aluado.
Mapa? Que mapa? Régulo ouviu uma risada abafada e teve certeza que não era a armadura rangendo dessa vez.
- Sabe, Pontas, às vezes eu me surpreendo com a sua falta de cérebro - Régulo franziu a testa ao ouvir uma voz abafada e familiar respondendo.
Observou a gata baixar os olhos para as vestes de Potter, parecendo intrigada também. E, pelas barbas de Salazar Slytherin, o que eram esses nomes? Pontas, almofadas, rabos e luas... alguma coisa do tipo... o que seria isso?
- Acho que você está me confundido com o acéfalo do Rabicho, Almofadinhas! Eu enganei o trouxa do... - Potter olhou para trás, encarando a gata de olhos amarelos, que miou desafiadoramente, então voltou a atenção para sua tarefa novamente. - Você sabe de quem eu me refiro.
- Não acredito que você está com medo de uma gata, Pontas - debochou aquela voz sem corpo e Régulo se perguntou como não tinha identificado antes.
Mas como? Como era possível que Potter estivesse conversando com Sirius Black? Régulo deu uma olhada ao redor para ver se o irmão não tinha passado despercebido a uma primeira vista, mas não havia ninguém. Será que ele estaria debaixo da capa de invisibilidade que Régulo o vira usando no Expresso de Hogwarts? E que raio de apelido era aquele?
- Ora, esse bicho parece que entende tudo que eu falo! Eu tenho que ficar aqui, fingindo que estou limpando só para que ela não descubra algum jeito de "contar" ao Filch que eu não estou fazendo absolutamente nada.
- Você está fingindo que está limpando? - perguntou Sirius, e Madame Nora novamente baixou os olhos para o bolso da capa de Potter.
Realmente, a voz de seu irmão parecia vir de dentro das vestes do garoto. O que será que estava acontecendo?
- É claro - Potter estufou o peito parando de polir a armadura por alguns momentos enquanto descansava. - Mas deixe-me terminar meu relato, por favor?
- Já fechei a boca!
- Excelente. Então, como eu dizia, o Aluado sugeriu que nós olhássemos no mapa e foi o que fizemos. Rabicho e eu corremos até o dormitório e procuramos até encontrar você com Patrice perto da...
- Patrice? Quem é Patrice?
Potter bufou.
- Ora, eu vou saber? Você é quem estava agarrando uma tal de Joanne ou Gisele Patrice, sei lá, perto da torre de Astronomia.
- Ah, sei, sei... prossiga.
Potter rolou os olhos antes de perceber o olhar acusador da gata e voltar a polir, agora, as canelas da armadura.
- Então, como você estava aparentemente muito ocupado, eu resolvi pedir ajuda ao Aluado. É claro que ele não aceitou me ajudar a burlar a detenção, mas eu insisti, insisti e insisti de novo até que ele aceitou! Viu só, eu posso não saber fazer uma carinha pidona tão bem quanto você, mas sou persistente!
- Tá, tá. Pare de fazer propaganda de si mesmo e conte logo o que você fez.
Régulo mudou a perna de apoio para ver se diminuía o desconforto. Potter estava burlando detenções então? Será que ele poderia tirar vantagem disso?
- Aluado, Rabicho e eu percorremos os corredores do sexto andar inteirinho limpando todas as armaduras por magia e, através de um feitiço muito prático que o Aluado nos ensinou, deixamos elas apenas com a aparência de empoeiradas. Sendo assim, basta que eu passe um paninho por cima delas e já está tudo certo. Mas eu nunca pensei que Filch fosse deixar a gata dele me vigiando, é claro. Bom, mas é melhor assim, de qualquer forma. Pelo menos eu posso conversar com você - Potter voltou-se para a gata novamente em desafio. - Conte isso para seu dono, quero só ver - e finalizou mostrando a língua para o animal, que arrepiou os pelos e fez um ruído intimidador.
- Caracoles, nunca imaginei que você chegasse ao ponto de conversar com Madame Nora, Pontas. Tsk, tsk, que deprimente...
Realmente. Régulo teve vontade de vomitar. Que garoto mais estúpido! Gabando-se de alguma coisa tão idiota como essa, fazendo criancices... e o pior de tudo isso era que a voz de Sirius parecera divertida. Droga...
- É sério, cara. Essa gata tem algum tipo de ligação com Filch. E... ugh! - Tiago estremeceu ao encarar e ser encarado de volta pela gata. - É estranho! Pior do que esse olhar só o do Filch em pessoa.
Régulo tinha que concordar nesse ponto. O único motivo para ele não ter azarado Potter ainda de seu esconderijo, era que sabia que não poderia escapar do zelador se fosse pego por Madame Nora. Além disso, ele tinha que ser paciente, assim como Snape dissera. Tinha que esperar o melhor momento de agir, e definitivamente não era esse. Mas talvez pudesse tirar alguma vantagem do que descobrira.
Pff, como o quê, por exemplo? Provocar outra detenção estúpida como essa? Isso era o que ele definiria como "provar que era capaz" para Severo Snape? Que coisa mais ridícula. Ele tinha que conseguir algo muito pior do que isso, algo que fizesse esse garoto não se esquecer tão cedo. E detenções não tinham esse efeito nem em Potter nem em seu irmão, pelo que ele começava a perceber. Ambos levavam tantas detenções que já nem se importavam, além de não cumpri-las honestamente.
- Mas e você, Almofadinhas? Está cumprindo sua detenção direitinho? - perguntou Potter, com voz de falsa repreensão.
- Ah, claro - satirizou a voz abafada de Sirius. - Não sou trouxa, por que faria limpeza ao modo trouxa?
Ah, até que enfim um argumento sensato! É claro que Sirius Black não era trouxa, mas a maneira como se juntava a sangues-ruins e amantes deles era vergonhosa. Nada digna de um bruxo puro-sangue como ele. Régulo conteve-se para não cuspir no chão.
- Então? O que você fez? - Potter pareceu excitado.
- Bem, é claro que Filch tomou minha varinha antes de me trancar aqui nessa sala poeirenta, mas como ele é tapado, nem me revistou. E é claro que eu peguei a varinha de Rabicho emprestada. Ah, isso me lembra que eu esqueci de avisá-lo.
- Ah é? - indignou-se Potter. - Você pegou a varinha emprestada, mas nem sequer pediu? Isso para mim não se chama empréstimo, se chama furto.
- Ora, um rato não precisa de uma varinha - Régulo franziu a testa, ainda intrigado com aqueles apelidos e menções estranhas. Porém, talvez fosse algum tipo de código entre Sirius, Potter e os outros dois grifinórios que os seguiam feito cachorrinhos amestrados. - Além disso, ele realmente não precisa de uma varinha para se empanturrar de comida do modo que ele faz.
- Todo bem, mas e Filch?
- Ele até que ficou aqui durante uns cinco minutos, e durante esse tempo eu realmente tive que limpar esses troféus inúteis. Mas acho que bocejei tanto que Filch ficou tentado a tirar um cochilo. Saiu e não voltou mais. Os troféus estão brilhando desde então e eu estou aqui, deitado no chão duro, morrendo de tédio.
Potter deu uma risadinha desanimada, fazendo outra pausa para descansar e olhando para Madame Nora com desgosto.
- Pelo menos você não tem uma gata como vigia. Porcaria, só eu que me ferro.
Régulo poderia ter soltado uma gargalhada zombeteira no momento, mas limitou-se a fungar e torcer o lábio superior com asco. "Bem feito, infeliz" foi o pensamento mais animador que ele tivera até o momento.
- Cara, como você se lamenta! Você é insuportável às vezes, sabia? Com toda essa auto-piedade.
- Obrigado - Tiago estufou o peito. - Você também é insuportável na maioria das vezes. E egocêntrico. Acho que é a convivência que está me deixando cada vez mais parecido com você.
Régulo estava prestes a enterrar as unhas na palma da mão. Fazia cara de nojo para mascarar todo o ódio que sentia por aquelas palavras, pelo tom divertido com que elas foram proferidas, com a maneira óbvia como esses dois pareciam se insultar falsamente, só para deixar implícito o quanto eram incapazes de viver um sem o outro. Que patético! Só faltavam as juras de amor eterno.
Era tudo culpa da convivência mesmo. A convivência com Potter estava estragando Sirius. Ele nem sequer dava valor à própria família! Se Sirius lhe desse a chance de mostrar, de conviver mais com ele... mas não, ele nem sequer o notava.
O garoto ficou tão possesso que não prestou muita atenção ao que veio depois.
- Ah, eu não agüento mais ficar sem fazer nada. Estou impaciente. Queria que o tempo passasse mais rápido, queria que fosse Lua Cheia logo.
- Pois é, que o Aluado não me ouça, mas eu também não vejo a hora de fazer um de nossos passeios noturnos! Sabe, nós poderíamos ir a Hogsmeade amanhã, o que acha?
- E... é uma boa sim... - Sirius concordou, mas então gemeu. - Oh, não, amanhã tem a escolha do novo artilheiro...
- Ow... verdade... Cara, bem que o Aluado podia se inscrever, né? - sugeriu Potter.
- Quê? O Aluado não consegue parar de tremer em cima de uma vassoura! Você viu na sua casa, quando tentamos colocá-lo de goleiro em uma das nossas partidas. Ele ficou branco como giz e agarrou o cabo na vassoura como se sua vida dependesse disso, além de que ele fechava os olhos com força cada vez que soprava um ventinho mais forte.
Potter gargalhou, quase caindo para trás enquanto o fazia. Mas para a infelicidade de Régulo, ele apoiou as mãos no chão a tempo. Então Potter levou a mão ao bolso, retirando um objeto retangular que Régulo suspeitou ser um... espelho?
- Nossa, aquilo foi demais, cara! Almofadinhas, cadê você? - ele disse para o espelho.
Claro! Um espelho de comunicação! Por que não pensara nisso antes? E que apelidos mais ridículos! Almofadinhas?
- Tô aqui - Régulo ouviu a voz do irmão e esticou-se na ponta dos pés para tentar vê-lo, mas estava longe demais para conseguir.
- Eu lembro das caretas de pânico dele, foi muito engraçado! Pior do que ele só o Rabicho mesmo, que não consegue nem se equilibrar em cima de uma vassoura de tão gordo que é!
- Pois é, isso só comprova que somos imbatíveis em tudo - disse a voz arrogante de Sirius. - Aluado pode até ser ótimo nos estudos, mas nunca vai ser o melhor em tudo, como você e eu, meu caro.
- Isso é incontestável, meu irmão...
Régulo se cansou daquilo tudo. Rangeu os dentes ruidosamente ao ouvir as risadas gostosas dos dois garotos e conteve-se para não lançar alguma azaração bem dolorosa pelas costas de Potter. Girou nos calcanhares e voltou pelo mesmo caminho que fizera antes, pisando duro, espumando de raiva, de revolta.
Aquilo lhe revirava o estômago: a maneira como eles se entendiam, como se davam tão bem, pareciam... pareciam irmãos mesmo. Ou pelo menos como dois irmãos deviam ser, na sua opinião.
"...mas nunca vai ser o melhor em tudo, como você e eu, meu caro." a voz de seu irmão ecoou em sua mente. "Meu. MEU IRMÃO, Potter" afirmou para si mesmo.
Sentiu algo molhado escorrendo por suas bochechas e estacou no mesmo instante, levando uma das mãos aos olhos para depois encará-la. Estava chorando. Tinha coisa mais humilhante que isso?
Na verdade tinha. Régulo percebeu um movimento a sua frente e levantou o rosto para encarar dois olhos castanhos escuros. Alguém tinha quase se chocado com ele e agora o olhava com algo muito parecido com consternação nos olhos. Era uma garota alguns centímetros mais baixa que ele, de cabelos loiro escuros e levemente ondulados, com rostinho pequeno e fino. Ela levava as cores da Lufa-Lufa num distintivo costurado no peito das vestes.
- O que foi? - perguntou o garoto, mal-humorado.
Não costumava ser rude com ninguém, mas também não estava acostumado ser visto chorando e - principalmente - não gostava que o encarassem com pena como essa garota fazia agora.
- Oh, me... me desculpe. Eu só estava passando e... - ela deu um passo para o lado, dando-lhe passagem e desviando os olhos. - Me desculpe.
Régulo encarou-a por mais alguns instantes. Ela era muito bonita, delicada e ele só queria poder esquecer daquilo que presenciara havia pouco. Limpou qualquer vestígio de lágrimas dos olhos e deu um passo para mais perto dela, aproveitando-se do fato de que ela ainda permanecia parada, olhando para as próprias mãos.
A garota levantou os olhos, completamente sem ação e Régulo deu mais um passo para frente colocando as mãos em seus braços e aproximando o rosto do dela lentamente. Não queria ter que dizer nada, e se ela dissesse alguma coisa, ele simplesmente se afastaria. Porém a única reação da garota foi inclinar a cabeça levemente para trás e fechar os olhos, a respiração visivelmente acelerada.
Régulo passou os olhos novamente por aquele rosto bem feito, então pelos lábios finos, a boca pequena, antes de finalmente beijá-la, arrancando-lhe um suspiro. Percorreu as mãos por toda as extensão dos braços dela até deslizar para sua cintura e guiá-la gentilmente até que suas costas estivessem encostadas à parede, para então colar seu corpo ao dela. Provavelmente ela nunca tinha beijado ninguém, pois não parecia saber o que fazer. Mas ele foi paciente, levantando as mãos dela até que enlaçassem seu pescoço e passando a exigir cada vez mais do beijo.
Bem, pelo menos parecia estar funcionando. Ele concentrou-se naquela "aula" por algum tempo, até que a menina passou a buscar seus lábios toda vez que ele se afastava um pouco para respirar. Ela também passara a massagear sua nuca e seus cabelos com os dedos delicados e ele não podia reclamar disso. Estava mesmo precisando de um carinho, pra variar um pouco. Não que ele fosse admitir isso.
E os dois ficaram assim por longos minutos, até que ouviram passos e viraram-se para ver Tiago Potter caminhando sossegadamente. Régulo cerrou os dentes e afastou-se um pouco da garota.
- Opa! Não parem por minha causa - Tiago levou as mãos para o alto. - Só estou de passagem.
Régulo estreitou os olhos para ele e acompanhou-o com os olhos até que Potter virou-se novamente.
- Ah, só mais uma coisinha - ele falou, cauteloso e Régulo deu-lhe apenas um olhar gelado. - Eu não devia estar me preocupando, já que vocês não são da minha casa e eu não perderia ponto nenhum. Mas, já que vocês estavam tão... hum... ocupados, não devem ter reparado que já deu a hora de se recolher e o Filch está vistoriando as armaduras desse andar, então...
Potter encolheu os ombros e continuou andando, cantarolando. Régulo ainda seguiu-o com os olhos até que ele sumisse, então se virou para a garota que parecia nervosa.
- Hum... eu... preciso ir - murmurou ela, sem jeito.
Só então o garoto percebeu que ainda a segurava, então a soltou e, sem nenhuma palavra, virou-se para seguir pela direção oposta à que ela seguiria. Sua consciência pesou, dizendo-lhe que ele não estava sendo nem um pouco cavalheiro com a garota, mas... era uma lufa-lufa, afinal. E ele não tinha nada para dizer a ela.
- Hey! - Régulo parou e suspirou antes de voltar-se, impassível. - Como você se chama?
- Black - respondeu simplesmente e deu as costas a ela novamente.
Não, não queria saber o nome dela, nem queria se encontrar com ela novamente. Não queria descobrir que ela era alguma sangue-ruim ou coisa parecida. Correu as mãos pelos fios curtos e sedosos de seu cabelo antes de enfiar as mãos nos bolsos e continuar caminhando silenciosamente rumo às masmorras.
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A primeira semana de aula tinha passado muito lentamente, já que eles não estavam acostumados a ter tanto tempo livre assim. Se bem que não era tanto assim, mas para quem estava acostumado a ter o horário cheio, qualquer horinha vaga já fazia diferença. Sirius, Tiago e Pedro passavam o tempo livre da maneira mais esperada. Aprontando, paquerando ou comendo - a última opção se aplicava quase que exclusivamente a Pedro.
Remo, porém, intercalava essas diversões - exceto a paquera - com um pouco de estudo com Lily, é claro. As aulas estavam bem mais puxadas agora, e eles deviam saber aproveitar o tempo livre e administrá-lo. E era exatamente por isso que Remo estava sentado numa das mesas da Biblioteca durante a tarde de uma sexta-feira com um livro de Transfiguração na mão, aprontando a lição que McGonagall tinha passado para a semana seguinte.
Tiago e Sirius estavam no campo de quadribol treinando sozinhos, pois os demais jogadores estavam em aula. Tiago tinha insistido para que Remo se inscrevesse para a vaga de artilheiro, mas é claro que ele recusara. Quem ocupava a vaga agora era Edie Henderson, um segundanista alto para a idade, apesar de um pouco desengonçado. Mas o importante era que se dava muito bem em cima de uma vassoura e McGonagall estava muito mais calma que o de costume depois de assistir à seleção no sábado passado.
Lily, por incrível que pareça, não estava acompanhando Remo na Biblioteca. Marlene e Alice tinham convencido ela de que havia alguns primeiranistas em perigo perto do lago, mas ele suspeitava que era uma desculpa para convencer a monitora a descer com elas para se distrair um pouco. Bem, parecia que tinha funcionado, e Remo nunca pensou que agradeceria tanto por não ter Lily a seu lado agora.
O fato era que ele vinha evitando a companhia de Lily desde o dia anterior. Como eles estavam no sexto ano e as rondas pelo castelo geralmente ficavam sob a responsabilidade dos quintanistas, era bem mais fácil evitar Lily, se trancando seguramente no dormitório quando eles não estavam em aula. O motivo para tal comportamento? Essa noite seria a primeira noite de Lua Cheia do ano letivo e isso era suficiente para deixá-lo com dores por todo o corpo, além de esgotado mentalmente. Até escrever era penoso, pois suas juntas estavam doloridas, e a dor em suas costas não ajudava em nada. Remexeu-se inquieto na cadeira antes de desistir, largando a pena na mesa e esfregando os olhos, exausto.
Deu uma olhada no que já tinha feito e suspirou, resignado. Não tinha feito nem a metade do dever e já não conseguia mais a concentração necessária para continuar. Já fazia mais de vinte minutos que ele estava tentando ler um único parágrafo sem obter êxito algum, de tão sonolento que estava. Era como se o lobo quisesse poupar-lhe qualquer tipo de esforço só para estar bem-disposto quando viesse à tona. Remo apoiou o cotovelo na mesa e a cabeça na mão, olhando através de uma das janelas para a tarde ensolarada lá fora. Ainda faltava muito para o anoitecer, e ele não sabia se temia isso ou se desejava que a Lua viesse logo e o deixasse parcialmente inconsciente por algumas horas, esquecendo-se de suas dores, de suas responsabilidades, então ele só se preocuparia em divertir-se com os amigos, passeando pela floresta.
Seus amigos... Eles estavam tão ansiosos pela proximidade da aventura noturna, que sequer cogitaram a idéia de descansarem por algumas horas, como Remo havia sugerido. Tinham ido para o campo, desperdiçar energias para que o tempo passasse mais depressa. Por mais que temesse esse período de transformação, Remo sabia que nunca convenceria seus amigos a temerem também. Para eles sempre seria mais uma maravilhosa aventura noturna, e para o lobo... bem, Remus sabia que aquela fera em que ele se transformava involuntariamente todos os meses estava saudosa pela companhia de Almofadinhas, Pontas e Rabicho, pelo cheiro da liberdade, pela grama, a brisa fresca da noite...
Só então Remo reparou que tinha fechado os olhos e que sorria enquanto tentava farejar no ar o cheiro da noite na floresta. Seu sorriso morreu quando abriu os olhos de repente e surpreendeu-se sendo observado por dois olhos curiosos. Uma garota de olhos azul-elétrico também tinha um sorriso nos lábios ao encará-lo, porém seu sorriso morreu quando foi pega em flagrante. Ela abaixou os olhos rapidamente para o livro e Remo fez o mesmo, envergonhado.
Devia ter feito uma perfeita cara de bobo, droga. Tinha que voltar a estudar. Não, não, era inútil... Além disso, agora ele estava com muita vontade de olhar para a garota novamente, só para ter certeza de que ela tinha se esquecido dele novamente. Remo discretamente olhou para algum ponto à direita e percebeu pelo canto do olho que ela mantinha o rosto abaixado para o livro. Só então arriscou olhá-la novamente. Ela estava de perfil, permitindo que ele reparasse na trança frouxa que atingia um pouco abaixo dos ombros, o contorno delicado do nariz e da boca, a pele clara levemente corada... a garota virou-se de repente e ele foi pego em flagrante dessa vez, desviando o olhar para o livro.
Então sorriu para suas anotações, achando ter voltado aos onze anos de um momento para outro. Ora, que coisa mais infantil, esse esconde-esconde. Mas então se lembrou da cor intrigante dos olhos da garota e de repente achou sua aparência familiar. Bem, era natural achar alguém familiar numa escola grande comoHogwarts. Ele não conhecia metade dos alunos, mas ainda assim acharia muitos dos rostos familiares se topasse com eles no Beco Diagonal, por exemplo.
Ela não devia ser da Grifinória, ou Remo se lembraria. E pelo que parecia, devia estar no quarto ou quinto ano... mas aqueles olhos...
- Oh, aí está você - Remo deu um pulo e olhou para frente, onde uma ruiva de olhos verdes tinha acabado de se sentar. A garota de olhos azuis foi varrida da cabeça do maroto de um momento para o outro. - Oh, me desculpe, eu te assustei?
- Não... quer dizer, sim, mas não tem problema - atrapalhou-se o monitor.
- Ok então... - ela sorriu, colocando a mochila sobre a mesa e começando a tirar alguns livros de dentro. - Oh, finalmente eu fui liberta por aquelas duas doidas. Você acredita que aquela história de primeiranistas sendo atacados por sonserinos raivosos era tudo lorota? - Remo sorriu em resposta, apesar de estar ainda bastante desconfortável, porém Lily não percebeu e continuou tagarelando: - Elas me levaram para a beira do lago e apontaram suas varinhas para mim, veja se pode! Me ameaçaram, dizendo que se eu tentasse voltar para dentro do castelo elas me fariam de isca para a lula gigante! Então eu não tive escolha a não ser... Remo, o que você está fazendo?
Enquanto ela falava, Remo discretamente começou a arrumar suas coisas, juntar pergaminhos, fechar livros, recolher sua pena e tinteiro, porém isso não passou despercebido por mais do que alguns segundos.
- Eu... eu estou indo já... para o dormitório - disse, hesitante.
- Mas eu acabei de chegar, Remo! - lamentou-se Lily. - Eu nem comecei o dever de Transfiguração!
- Bom, eu também não tive muito progresso - Remo coçou a cabeça, colocando a mochila sobre os ombros e já se levantando. - Pode ficar à vontade, Lily. Eu estou cansado, vou ver se descanso um pouco... Até mais.
Antes que Lily pudesse protestar, Remo afastou-se, andando apressado. Estava tão atordoado, que esqueceu de informar Madame Pince do livro que estava levando, fazendo com que um alarme soasse ao tentar passar pelas portas. Todos na Biblioteca pararam para olhá-lo.
- Sr. Lupin aproxime-se, por favor - Madame Pince encarou-o por cima dos óculos atrás da bancada e fez um gesto com as mãos chamando-o.
Remo sentiu o rosto esquentar, enquanto voltava e estendia o livro para a bibliotecária, que o analisou, anotou algum código num grosso livro e desfez o feitiço que disparava o alarme antes de devolver o objeto com um sorriso que não era muito agradável naquela cara coberta de rugas.
- Muito bem, já pode sair.
- Obrigado - Remo agradeceu e virou-se para sair, porém ao fazê-lo, trombou com a pessoa que passava pela porta fazendo com que alguns livros se espalhassem pelo chão.
- Oh, céus! Deixe que eu... ahh - Remo lamentou-se, já se abaixando para recolhê-los, todas as suas juntas parecendo ranger com o movimento.
- Está tudo bem - ele ouviu uma voz feminina e reparou que a dona dos livros tinha se abaixado para ajudá-lo.
Suas mãos se trombaram quando tentaram pegar o mesmo livro e Remo levantou os olhos, intrigado, para encontrar os mesmos olhos azuis com os quais tinha brincado de esconde-esconde alguns minutos antes. Ela ofereceu-lhe um bonito e tímido sorriso, retirando o livro de sob sua mão e abraçando-o antes de levantar-se.
Remo levantou-se também e por um momento não sabia o que dizer, até perceber que ainda segurava os livros dela. Então os estendeu, sentindo o rosto esquentar pela terceira vez em uma única tarde.
- Me desculpe. Eu estou um pouco desastrado hoje - justificou-se.
- Não tem problema. Eu também estava um pouco desatenta - ela aceitou os livros, acomodando-os no braço esquerdo e estendendo a mão direita para que ele apertasse. - Lia Doane.
- Remo Lupin - ele aceitou o cumprimento, tentando sorrir em meio ao caos que se fazia dentro dele.
Na verdade, Remo queria arrumar algum buraco para se esconder de tudo e de todos, se encolher em algum cantinho e ficar quietinho para ver se tudo passava, mas é claro que isso não ia ajudar em nada. Sentiu-se culpado por não poder retribuir toda aquela simpatia que a garota lhe oferecia num sorriso.
- Você... - ela ia dizer alguma coisa quando alguém o alcançou do outro lado.
- Olá! Atrapalho? - perguntou Lily, também esbanjando simpatia, e isso só deprimiu o maroto ainda mais.
Remo estava tão preocupado com sua própria dificuldade em parecer sociável que não reparou na decepção que se apossou das feições de Lia, que abraçou os livros ainda mais forte.
- Não... erm... na verdade, eu já vou. Tchau - ela não esperou pela resposta, saindo da Biblioteca apressada.
Remo ainda ficou com a boca aberta, piscando, a meio caminho de se despedir.
- Hum... Remo, querido, o que você acha de nós sairmos da porta da Biblioteca? - disse Lily, gentilmente, apoiando uma mão em seu ombro.
- Oh, sim, claro - oh, sim, claro, ele devia estar parecendo um perfeito idiota hoje...
Seguiu para o corredor com Lily logo ao lado.
- Eu acho que atrapalhei, né? - disse a ruiva, depois de alguns minutos de silêncio.
- O quê? - Remo realmente não tinha compreendido, não estava se fazendo de desentendido.
- Você e a Doane - explicou Lily.
- Ah, não, não... Você a conhece?
- Sim, ela é do quarto ano da Corvinal. Você não a conhecia? - Lily pareceu intrigada.
- Não. Bem, na verdade eu a achei familiar sim, mas não a conhecia.
- Puxa! Ela vive na Biblioteca! E considerando-se que você também a freqüenta bastante, achei que você já tivesse conversado com ela, sei lá... - Lily observou atentamente a reação do garoto, parecendo desconfiada, porém Remo simplesmente deu de ombros. - Remo, você tá legal?
Remo estacou, franzindo as sobrancelhas.
- Claro, Lily! Eu estou ótimo - ele disse, com a voz serena. - Só um pouco...
- Cansado, eu sei, você já disse - Lily revirou os olhos.
- É... acho que vou dormir um pouco, quem sabe passa...
Remo voltou a andar, e eles atingiram uma escadaria. Remo suspirou e começou a subir, degrau por degrau, penosamente. Percebeu que seu ritmo desacelerava e ele não suportaria por muito tempo, só não sabia como escapar de Lily ou justificar-se. E seu medo só aumentava junto com sua fadiga, afinal, ela já estava desconfiada e caminhava calada a seu lado, lançando-lhe olhares de esguelha.
Quando eles finalmente atingiram o andar seguinte, Remo respirou pesadamente e olhou para ambos os lados.
- Vamos pegar um atalho, Lily?
- Ok - a ruiva aceitou, seguindo-o até uma abertura bem camuflada atrás de uma estátua.
Pelo menos esses atalhos davam a impressão de serem bem menos íngremes, mas ainda assim, eles estavam subindo, ora, e era desgastante.
Lily estava achando o comportamento de Remo muito entranho desde o dia anterior. Ele estava evitando-a deliberadamente. Não sentara perto dela nas aulas, não esperara por ela nos intervalos, fora cercado pelos amigos durante todas as refeições e depois se trancara no dormitório masculino. É claro que ele estava escondendo alguma coisa, mas o que poderia ser?
Ela tinha notado que o monitor parecia bem distante, desnorteado, com o pensamento longe. Remo tinha se assustado quando se aproximara, tinha disparado a alarme da Biblioteca, trombado com Doane... e agora parecia estar morrendo para subir escadas... o que estava acontecendo com ele? E como ela poderia descobrir?
Bem, na verdade, havia um jeito. E provavelmente essa era a razão para que o garoto estivesse evitando-a, justamente porque ela tinha meios para descobrir o que o incomodava. Mas então o que faria? Sabia que Remo não gostaria nada se ela usasse seu dom para com ele, afinal Lily já tinha perguntado qual era o problema e ele não tinha respondido. Ele devia ter um motivo para não contar, certo? Certo... mas... puxa vida, o que poderia estar acontecendo de tão grave? Remo estava pálido e cada passo que ele dava parecia mais penoso, além de que o garoto parecia curvado demais.
- Remo, tem certeza que está tudo ok? - tentou mais uma vez quando eles já estavam quase saindo para o corredor do sétimo andar.
- Sim, Lily. Não se preocupe, eu só estou com um pouco de dor nas costas, só isso...
Dor nas costas? Remo nunca tinha reclamado de dor nas costas antes! E de uma hora para a outra estava desse jeito! Aaaah não dava mais para se segurar! Ela tinha que descobrir o que estava acontecendo! E faria isso agora mesmo. Enquanto continuava caminhando ao lado do monitor, Lily concentrou-se, expandindo seu campo de percepção gradativamente, e o que começou com um leve desconforto cresceu até se tornar um emaranhado de sensações que eram difíceis de serem distinguidas: sonolência, náusea, dor nas articulações, dor nas costas, e a impressão de que tinha alguma força agindo de dentro para fora de seu corpo, fazendo com que seus ossos parecessem grandes demais para sua estrutura.
Lily estacou, achando difícil manter-se de pé com as sensações que a invadiram. Apoiou uma mão na parede para não perder o equilíbrio.
- Lily! - Remo assustou-se e parou também para apoiá-la. - O que foi? Você está se sentindo bem? - perguntou preocupado e Lily achou dificuldade em falar.
- Eu... - ela fechou os olhos e respirou fundo tentando identificar todas as sensações. - Eu estou me sentido ótima, Remo, mas você não está nada bem!
Remo congelou ao som dessas palavras, arregalando os olhos e assistindo Lily se recuperar lentamente, respirando fundo e contorcendo levemente o rosto. Ela voltou a se apoiar nas próprias pernas e abriu os olhos encarando-o diretamente com aquelas duas esmeraldas mais brilhantes que o normal.
- O que está acontecendo, Remo?
Remo engoliu em seco, passando as mãos pelos cabelos com um quê de desespero.
- Lily, não é...
- E não adianta me falar que não é nada, Remo! - ela finalmente achou forças para soar ameaçadora. - Eu senti... senti apenas um reflexo do que está se passando com você e só isso já foi suficiente para quase me fazer desabar, você viu! Vamos, vamos para enfermaria agora mesmo! Aliás, não, fique aqui enquanto eu peço ajuda...
- Não - Remo levantou uma das mãos para impedi-la, com toda a serenidade do mundo. - Não tem necessidade, Lily. Eu vou para a enfermaria sim, mas não agora. Agora eu vou para meu dormitório descansar um pouco.
- Remo! - choramingou Lily, já sentindo os olhos arderem e a garganta doer de vontade de chorar. - Como assim? Você está se sentindo mal, não vai passar se você for para o dormitório.
Remo soltou um suspiro pesado e dolorido, colocando os cabelos para trás das orelhas e umedecendo os lábios.
- Não vai passar se eu for para o dormitório e não vai passar se eu for para a enfermaria, então eu prefiro ficar no dormitório enquanto ainda posso - Remo notou o desespero de Lily e deu um passo até ela, enxugando uma lágrima que escorria. - Eu também não vou estar aqui durante algum tempo, Lily.
- Por que, Remo? Por que você não me conta?
Remo também sentia um nó na garganta ao vê-la chorar, mas engoliu-o e tentou dizer alguma coisa.
- Eu... eu não consigo Lily. Já tentei te dizer várias vezes, mas...
- Você não confia em mim? - perguntou a ruiva, sua voz saindo magoada.
- Eu confio! Mas... tenho medo... - Remo baixou os olhos, incapaz de encará-la por mais tempo. - Você pode descobrir isso sozinha, Lily. Você já tem todas as pistas, não sei como ainda não descobriu.
- Ahh, Remo! - Lily inesperadamente jogou-se nos braços do maroto, que fechou os olhos com força, sentindo-os arderem e suprimindo um gemido dolorido quando ela abraçou-o. - Que pistas? Eu não quero descobrir nada, eu quero que você me conte! Por favor, eu não suporto não poder fazer nada por você.
Remo respirou o perfume dos cabelos de Lily uma vez mais antes de segurar seus braços, afastando-a. Sua vista estava embaçada pelas lágrimas e ele limpou-as.
- Lily, eu... - sua voz tremeu e ele respirou fundo para continuar, porém nesse momento eles ouviram uma conversa animada do lado de fora da passagem e Remo voltou a fechar os olhos.
- ... eu queria muito que ele tivesse visto minha manobra! Espera só até eu contar - eles ouviram a voz exultante de Sirius.
- É! - esse parecia ser Pedro, batendo palmas, excitado.
- Aluado deve estar cansado demais pra essas suas asneiras, Almofadinhas - desdenhou Tiago. - Afinal, pra ter deixado a Biblioteca ele deve estar mesmo esgotado!
- Ninguém nunca vai estar cansado demais para ouvir minha voz, Pontas - gabou-se Sirius.
Remo suspirou profundamente e encarou Lily uma vez mais. Ela tinha enxugado as lágrimas dos olhos e parecia estar tentando conter o choro. Recompôs-se e avançou até a tapeçaria, puxando-a e revelando o corredor do sétimo andar, para o qual saiu, sem dizer nada ao monitor.
- Lily - Remo seguiu-a, tentando consertar o que fizera, mas já era tarde. A ruiva provavelmente estava muito magoada com ele.
- Aluado está aqui - ela disse, com a voz ainda um pouco tremula e conformada, fazendo com que os três garotos parassem de andar e se voltasse para ela.
- Lily? - exclamou Tiago, ao mesmo tempo em que Sirius exclamava um "Evans!" desconfiado. - Lily, você está...
- Remo está muito cansado - Lily interrompeu-o. - Cuidem bem dele - disse antes de passar por eles com passos firmes e dizer a senha para a Mulher Gorda, desaparecendo pela abertura.
- Ela estava chorando, Aluado? - perguntou Tiago, ainda encarando o lugar por onde Lily tinha desaparecido.
- O que aconteceu? - Sirius aproximou-se, desconfiado, notando o brilho dos olhos do monitor.
Pedro e Tiago voltaram-se para Remo também, inquisidores. Remo apoiou-se na parede, encostando a cabeça.
- Ela ficou desconfiada e usou sua percepção pra saber o que estava acontecendo comigo. Eu mal conseguia subir as escadas. E... bem, ela sentiu toda a... a influencia da Lua, vocês sabem.
- Oh, pobre Lily! - Tiago arregalou os olhos, passando as mãos pelos cabelos.
- Ela descobriu então? - perguntou Pedro, amedrontado.
Sirius, porém, continuava encarando Remo duramente.
- Você contou a ela? - questionou.
- Não. Eu disse que ela podia descobrir sozinha, Sirius, satisfeito? - disse Remo, cansado. - Agora eu preciso chegar até o dormitório, se me dão licença. Tenho algumas horinhas de sono antes de ir para a enfermaria.
Ele passou pelos amigos calmamente, como se nada pudesse abalá-lo, apesar de tudo o que carregava dentro de si, as dores físicas, o desconforto, o cansaço mental... e a dor no coração. Disse a senha, passou pelo retrato da Mulher Gorda para a sala comunal e já ia subir as escadas quando sentiu ser amparado de ambos os lados. Tiago e Sirius tinham se postado um de cada lado, ajudando-o disfarçadamente a galgar os degraus em silêncio, com Pedro logo atrás.
- Nós não devíamos ter te deixado sozinho na Biblioteca - disse Tiago, quando alcançaram o dormitório.
- Se nós estivéssemos com você, não teríamos deixado a Evans se aproximar - disse Sirius, desgostoso, enquanto os dois levavam Remo até sua cama.
- Aluado! Você tinha que ver a manobra do Almofad... - começou Pedro, empolgado, porém recebeu olhares assassinos dos outros dois e calou-se.
Remo chutou os sapatos e deitou-se. Ia murmurar um "obrigado", mas a palavra perdeu-se em algum lugar pelo caminho.
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Lily estava completamente impaciente, andando de um lado para o outro no dormitório. Já tinha tentando fazer alguns deveres, já tinha sentado de frente para a janela, observando o gramado e as outras torres do castelo, já tinha tomado um banho para tentar relaxar, e nada tinha funcionado.
Agora a ruiva estava deitada em sua cama, olhando para o teto, enquanto Alice e Marlene tagarelavam, lendo algumas revistas bruxas de fofocas. Porém Lily continuava tentando achar respostas para suas perguntas. Pistas? Quais pistas ela tinha? Os sintomas de Remo? Ela tentou repassar mentalmente tudo o que havia sentido e puxar pela memória alguma descrição desses sintomas nos vários livros que já tinha lido, nas explicações dos professores e... nada. Não conseguia se concentrar direito. Ficava lembrando do quão tranqüilo Remo parecia estar com tudo aquilo explodindo por dentro! Como era possível? Ele sempre parecera tão frágil...
Então Lily lembrou-se de ter sentido algo parecido logo no começo do ano passado, enquanto eles faziam uma ronda. Mas naquela época ela não sabia de suas habilidades ainda, tinha sido somente um acidente. E logo depois ele tinha sumido por alguns dias, como sempre fazia...
Marlene e Alice escolheram aquele momento para chamá-la para o jantar, já que começava a escurecer. Lily não tinha muita fome, mas resolveu descer só para ver se Remo apareceria para comer. Porém não havia nem sinal dele e Lily se perguntava como aqueles três garotos que se diziam melhores amigos de Remo podiam parecer tão descontraídos e excitados quando um deles estava faltando, provavelmente se consumindo de dor.
Com esse pensamento, Lily deixou metade da comida no prato e subiu novamente, sem dar atenção aos protestos de Alice e Marlene. Andou com passos apressados por alguns andares, até começar a correr, sentindo uma urgência crescente no peito. O que seria isso? O que seria essa angústia que a invadia de repente? Sua percepção parecia estar se expandindo como que por instinto!
Assim que chegou no dormitório, fechou a porta e encostou-se nela, ofegante. Acalmou a respiração e tentou entender o que sentia. Uma inquietação que parecia chamar-lhe para um destino desconhecido. Lily levantou os olhos para o aposento escuro iluminado por velas, a noite escondendo-se por trás das cortinas. As cortinas. Tremulavam com uma leve brisa como se a chamassem para contar-lhe um segredo.
Lily engoliu em seco e caminhou até as grandes janelas, afastando as cortinas para observar o céu cada vez mais escuro lá fora, a não ser por uma luminosidade que surgia no horizonte, despontando bela e pálida, uma pontinha do que seria a Lua Cheia. Sim, essa noite seria a primeira noite de... Lua cheia.
Um arrepio percorreu a espinha de Lily e ela segurou-se com força na borda da própria cama. As pistas. As sensações. Tudo começando a se encaixar como peças de um quebra-cabeça. Seus sonhos. Lily levou uma das mãos à boca, de onde escapou um soluço silencioso. Seus olhos encheram-se completamente de lágrimas e transbordaram, formando riscos em suas bochechas pálidas, iluminadas pela luz da Lua, que despontava cada vez mais.
A força que a Lua parecia exercer era quase palpável, comprimindo sua alma, trazendo um zumbido a seus ouvidos.
Os sumiços mensais de Remo... Ele ficava ausente por uma fase inteira da Lua! Voltava abatido, mas... aliviado. Aluado.
Por alguns momentos, Lily achou ter se esquecido de respirar, revirou os olhos, sentindo uma fraqueza nas pernas e foi como se o mundo adormecesse ao seu redor, apagando-se lentamente enquanto seus dedos afrouxavam o aperto na cama e ela desabava no chão.
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N.A. E lá vamos nós novamente judiar do Remo... nhai, eu sou incorrigível, admito... mas não adianta, agora que eu comecei, vou até o final! Bem, o Régulo nem era para aparecer nesse capítulo, mas então surgiu a idéia e... eu não resisti! XD
Respostas por e-mail para: Nessa Reinehr, Washed Soul, LeLeCa SaPeCa, V. A. Rosewood, Lunnafe, Luciana Li, Lucca Br, Dany Ceres, Alice, aRTHuR BlaCK, Bruna Martins, LeNaHhH, .Miss.H.Granger., Cherryx, Tete Chan, DD Black Malfoy, Amanda Poirot, JhU Radcliffe, simplesmente Gabi das Fadas, Lika Malfoy. Se alguém não receber a resposta, verifique primeiro se ela não foi classificada como span, já que eu mando para todo mundo de uma só vez. Se ainda assim não tiverem recebido, mandem um e-mail para mim e eu envio novamente: mandinha.rc(arroba)bol(ponto)com(ponto)br.
Gente, é o seguinte... minhas aulas voltam agora, dia 6, então eu vou ter ainda menos tempo disponível para escrever. Estou dando prioridade para minha outra fic, mas somente porque ela já está na reta final. Prometo que assim que eu terminá-la, tentarei voltar a atualizar semanalmente. Enquanto isso, eu peço que tenham um pouca de paciência comigo. Vou fazer o possível para aprontar o próximo capítulo até dia 18 de fevereiro, ok? Beijos, e obrigada pelos comentários!
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No próximo capítulo...
Foi diminuindo os passos até alcançar finalmente o leito. Não dava para saber se ele estava realmente sendo ocupado, nem tinha como ter certeza se seria Remo do outro lado, mas só havia um jeito de descobrir. Lily umedeceu os lábios e estendeu a mão para a cortina, porém paralisou ao ouvir um suspiro baixo ressonante vindo de dentro. Sim, havia alguém lá e parecia estar adormecido.
A ruiva hesitou novamente, abaixando a mão. Será que queria mesmo abrir aquela cortina? Remo talvez não quisesse que ela o visse da maneira em que ele se encontrava. E se ele estivesse muito machucado? Ela suportaria a visão? Porém a curiosidade e a preocupação venceram o medo e a dúvida. Ela respirou fundo, erguendo novamente e mão e puxando lentamente a cortina, de modo que ela não fizesse ruído algum.
