CAPÍTULO DEZ

Lobo

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Por alguns momentos, Lily achou ter se esquecido de respirar, revirou os olhos sentindo uma fraqueza nas pernas e foi como se o mundo adormecesse ao seu redor, apagando-se lentamente enquanto seus dedos afrouxavam o aperto na cama e ela desabava no chão.

Mergulhou na escuridão achando que perderia os sentidos, porém isso não aconteceu. Ela podia sentir a própria respiração irregular, apesar de não enxergar um palmo diante do nariz. Tentou se mexer, mas também não conseguiu. Limitou-se a acalmar a respiração enquanto ouvia um ruído sufocado. Aos poucos começou a distinguir formas, como se suas pupilas estivessem se adaptando a pouca luminosidade do quarto. Mas não, ela não estava mais em seu quarto na Torre da Grifinória. A luz fraca das estrelas passava por entre frestas de uma janela coberta de tábuas; os móveis arranhados; a poeira acumulada; a cama com lençóis revoltos e um vulto arfando sobre ela. Lily estava de volta a seu sonho! Mas... havia algo muito estranho.O garoto na cama se retorceu e abafou um gemido de dor.

Lily tentou se mover minimamente, porém não conseguiu mexer um só músculo. Também não conseguia gritar nem desfazer aquele nó que se formara em sua garganta. Ao contrário das outras vezes, ela não se fazia presente corporeamente no local. Era como se olhasse para o quarto do canto oposto ao da porta, meio de cima, num ângulo impossível para ela - que era baixinha -, portanto tinha uma visão panorâmica do aposento. Simplesmente assistia a tudo de camarote.

Percebeu que a cama clareava mais, porém dessa vez era a Lua que continuava a surgir no céu noturno, imponente e inevitável. O garoto soltou um gemido mais longo e remexeu-se na cama, se fazendo notar mais uma vez.

Lily voltou sua atenção a ele, sem perceber que seu peito arfava tanto quanto o dele. O fato de não acordar ao fitá-lo só comprovou o que ela já deduzira - que esse não era um sonho normal. Ela sentia como se fosse real dessa vez. Reconheceu pela primeira vez o cabelo castanho comprido, caído sobre a face empapada de suor, cobrindo-lhe as feições contorcidas, deixando somente a boca entreaberta à mostra. "Remo" lamentou-se em pensamento, e mais uma vez tentando avançar até, mas nada aconteceu. Ela estava presa em sua própria mente tendo aquela visão do que se passava com o monitor, sem poder agir, sem poder sequer chorar.

Sentiu uma pontada no coração ao vê-lo subitamente virar o rosto de encontro ao colchão para abafar um gemido mais forte, enquanto agarrava-se nos lençóis com força e encolhia uma perna depois da outra, voltando a esticá-las alternadamente em agonia. Lily percebeu que ele estava nu exceto pela roupa íntima de cor clara e esfarrapada. Sua pele estava brilhante de suor, os músculos das pernas, braços e costas enrijecidos pela força com que ele se retorcia na cama, enquanto a luz do luar se intensificava cada vez mais, exercendo uma pressão quase palpável no ar ao redor.

Lily sentiu seu desespero crescer, achando que a qualquer hora Remo sufocaria se continuasse dessa maneira, porém nesse instante o garoto deixou-se cair de lado no colchão, sorvendo ar violentamente para os pulmões uma, duas vezes, até que seus músculos faciais voltaram a se contrair e ele se encolheu numa posição fetal, apertando os maxilares com força para refrear outro ganido de dor.

A Lua saiu inteira no céu lá fora, mais cruel do que nunca. Horrorizada, Lily assistiu uma mudança muito rápida: pêlos grossos e longos brotando por todo o corpo, as unhas crescendo com tanta rapidez que atravessaram os lençóis e a carne das palmas das mãos antes que ele finalmente largasse o lençol machado de sangue e rasgado; o formato dos membros; a curvatura da coluna; a calda; a roupa de baixo se rasgando como papel; e por fim o rosto humano se tornando animalesco. Tudo isso aconteceu enquanto o grito reprimido finalmente escapava da boca da criatura - que já não era mais humana - na forma de um uivo sofrido e ele rolou, caindo com estrépito no chão em frente à cama, ganindo.

Um espirro. Com uma agilidade surpreendente - mesmo depois dessa terrível transformação - o lobisomem castanho e magro pôs-se de pé, voltando seus chamativos olhos dourados para a claridade da Lua, que infiltrava as frestas criando fachos de poeira luminosa. Ele farejou o ar e voltou um uivo medonho que gelou o sangue de Lily. Porém ela estava segura dessa vez. Não seria farejada pelo lobo porque simplesmente não estava presente no aposento.

O lobo moveu as patas dianteiras com desconforto e livrou-se do que restou da roupa de baixo, terminando de rasgar brutalmente com os dentes. Farejou novamente o ar antes de girar ao redor de si mesmo, parecendo procurar algo que não encontrou. Espirrou novamente. O movimento de suas patas espalhou manchas de sangue pelo chão e o animal misturou um rosnado com ganidos, terminando em outro uivo triste. O medo de Lily estava prestes a ser substituído por compaixão novamente ao vê-lo tão desamparado, porém o que se seguiu surpreendeu-a mais uma vez.

A criatura enterrou as garras no assoalho, rosnando e arrastando-as até formar mais sulcos profundos da madeira que forrava o chão. Sem deixar de rosnar, ele abaixou-se, passando a cabeça por baixo do estrado da cama e abocanhou um dos pés do móvel. Suas presas mortais dilaceraram as laterais da madeira, porém sua grossura venceu a determinação do lobisomem, que decidiu abandoná-la. Espirrou novamente antes de conseguir sair completamente de baixo da cama, fazendo com que a própria cabeça batesse dolorosamente na quina da cama. Isso só deixou-o ainda mais irritado e com um pequeno corte logo acima do olho esquerdo.

A dor nas patas dianteiras pareceu incomodá-lo, devido à maneira como ele mancava. Por isso, encarou a própria pata com raiva e - num movimento brusco que fez o sangue de Lily gelar novamente - ele tomou impulso e golpeou o próprio tórax de uma só vez, de maneira que as garras compridas arranhassem o lado de seu corpo, provocando outro uivo. "Não!" suplicou Lily, mas não tinha como ser ouvida.

A criatura rosnou novamente e preparou-se para outro golpe quando, subitamente, suas orelhas ficaram em alerta e ele silenciou-se por completo, apurando a audição. Lily fez o mesmo, mas não ouvia nada além das batidas desenfreadas do próprio coração. O lobisomem voltou seus olhos brilhantes na direção da porta e resmungou. Depois de algum tempo, Lily pôde ouvir ruídos do lado de fora.

No entanto, esses ruídos foram abafados por vozes que... pareciam não pertencer àquela cena.

"Lily! Lily, por favor! Por favor, acorde!".

O lobo ganiu e deu um uivo curto, agitando-se.

"Faça alguma coisa, Marlene!".

"Eu estou tentando! Eu estou tentando! Ela não reage, está gelada!".

Lily relutava entre voltar para o dormitório e a curiosidade em saber o que se passava. Não conseguia entender o que estava acontecendo! O lobisomem estava abanando o rabo e latia em resposta a algo.

"Lily! Acorde! LILY!"

Ela foi sacudida no mesmo instante em que a porta se escancarou. Houve um borrão de cores indistinguível. Preto e castanho se misturando num rodamoinho até que ela voltasse a focalizar dois rostos preocupados.

"Lily! Oh, Lily! Responda, por favor..." o rosto de Alice estava lavado de lágrimas e Marlene estava completamente lívida.

A monitora tentou articular alguma palavra, mas nenhum som saiu. Fechou os olhos na tentativa de clarear sua visão, fazendo com que duas grossas lágrimas transbordassem, escorrendo por sua face, e ela já não conseguiu mais voltar a abrir os olhos. Os sons tornaram-se cada mais distantes e dessa vez ela perdeu completamente os sentidos.

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Aluado tinha experimentado emoções diversas naquela noite, mas nenhuma delas era novidade. Tinha sentido a dor da transformação; aquela influência característica da Lua; o reconhecimento do velho local em que sempre se transformava; e o pior de tudo: a solidão.

Tinha tido uma fagulha de esperança ao se dar conta que podia reencontrar os amigos, mas então não encontrou sinal algum deles. Não havia odor nenhum reconhecível no ar, somente a poeira que o fazia espirrar. Não havia nenhum som e ele definitivamente não conseguia se lembrar de como sair daquele lugar fechado.

Não havia o que ser feito, não havia o que ser pensado. Havia somente o desespero que a solidão lhe causava, o medo de todos aqueles dias felizes não terem passado de sonhos, e um instinto violento mais forte do que ele, tentando-o, querendo extravasar, forçando passagem de dentro para fora. Era aquela aura de força que a Lua exercia sobre sua mente, nublando-a e aguçando seus sentidos. Ele tinha uma urgência em atacar, morder, arranhar, mas nada reagia a ele naquele quarto. Nada. Atacar aqueles pedaços de madeira só lhe trazia mais raiva e frustração. Seus instintos gritavam por reação, e isso ele só conseguia agredindo a si mesmo. Era um jeito doloroso de acalmar seu instinto e amortecer seus sentidos.

E foi isso o que ele começou a fazer. A dor em suas patas machucadas não era suficiente, por isso enterrou as garras na própria carne voluntariamente. Ganiu e já se preparava para se atacar novamente quando foi distraído por ruídos fracos do fado de fora. Outra fagulha de esperança se acendeu em meio ao vazio que era sua mente e ele se agarrou a esse sentimento com vontade, esquecendo-se da dor e da violência.

Uma lembrança do cheiro de liberdade, que ele associava com o cheiro de seus amigos, e das velhas brincadeiras despertou seu senso de reconhecimento para a direção para a qual olhar: a porta, que deveria se abrir a qualquer momento. Seus amigos estavam chegando! Outra emoção conhecida, mas quase esquecida, assaltou-o: a alegria pelo reencontro. Ele não sabia direito se uivava ou se gania. Queria dizer: "Eu estou aqui! Aqui! Vocês lembram o caminho?".

Sim, eles lembravam.

A porta se abriu e Aluado viu-se encarando seus velhos amigos: o cervo castanho e altivo, o cão negro e brincalhão, e o ratinho cinzento e comilão. Seu rabo comprido se balançava por vontade própria, demonstrando a alegria por revê-los. O cão latiu e Aluado tentou latir de volta, apesar de só conseguir resmungar incoerentemente.

Almofadinhas correu até ele, cheirando, latindo, pulando, brincando, abanando o rabo de um lado para o outro, tocando-o atrevidamente com seu focinho gelado. "É bom ver você, cara!" ele dizia por esses gestos. "Sentimos saudades!".

Aluado simplesmente não sabia o que fazer. Alternava entre ganidos e rosnados, como se estivesse indeciso entre ralhar com eles ou dar-lhes as boas-vindas de volta. "Senti a falta de vocês, seus panacas! Por que me abandonaram? É assim que tratam os amigos, seus ingratos? Por que? Ah, tive tanto medo de nunca mais vê-los" ele choramingava.

Finalmente livrou-se da festa que Almofadinhas lhe fazia e foi até os outros, cheirando o pêlo de Pontas - que fez uma reverência respeitosa, exibindo a galhada perceptivelmente mais desenvolvida - e abaixou-se permitindo que Rabicho batesse as patinhas dianteiras em seu focinho, guinchando.

Depois das saudações, Aluado percebeu a inquietação de Almofadinhas, que ia até a porta e voltava para ele, chamando-o, convidando-o para mais uma aventura noturna. "Vamos! Esperei tanto por isso!" ele dizia e prometia milhares de diversões para a noite. Sem pensar duas vezes, seguiu-o escada a baixo, quase se esquecendo de seus machucados. Quase.

Estava tão afoito, contagiado pela ansiedade do cão, que não percebeu o interesse curioso que Pontas demonstrou ao perceber as pegadas com sangue e cheirá-las. Rabicho também desceu as escadas como um tiro. Já o cervo assistiu o andar manco do lobo e bufou, descendo elegantemente degrau por degrau, com cuidado para sincronizar seus movimentos, já que não era nada fácil para um antílope descer escadas. Subir era bem mais fácil. Mas ele o fazia com altivez.

Quando finalmente alcançou o andar de baixo, Aluado choramingou e parou, olhando para a abertura que o levaria para o túnel e para a floresta. Almofadinhas passou por ela e latiu, chamando-o novamente. O lobisomem tentou avançar, mas parou uma vez mais, lamentando-se. A poeira que grudava em suas feridas ardia e era doloroso apoiar o peso do corpo sobre elas. Ganiu, olhando para Pontas e pedindo ajuda. Rabicho espiou a meio caminho de sair ou ficar, guinchando e agitando os longos bigodes.

O cervo atingiu o chão e parou a seu lado, fitando longamente os olhos dourados do lobo, tentando passar-lhe segurança e compreensão. Porém nesse momento, Almofadinhas surgiu novamente, latindo impaciente.

O cão correu até Aluado e empurrou seu tronco com a cabeça, instigando-o a continuar. Quando não obteve resultado, deu a volta para o outro lado e - ignorando o barulho ameaçador dos cascos de Pontas sobre o assoalho - apoiou-se nas patas traseiras e empurrou o lado do corpo do lobisomem com as imensas e pesadas patas dianteiras. O resultado foi um ganido alto quando o lobo afastou-se dele na direção contrária à passagem, encolhendo-se num canto. Rabicho cruzou o aposento, abrigando-se junto às patas de Pontas.

Almofadinhas percebeu tarde demais os talhos abertos no tórax do animal, que ainda tinha filetes de sangue fresco e brilhante bem no local em que golpeara com as patas. Sentindo-se culpado, abaixou as orelhas, enfiando o rabo entre as pernas e olhando de soslaio para o cervo, que pateou o chão e ameaçou-o com a galhada.

"Veja o que fez, babaca!" repreendia ele. "Agora peça desculpas! E sossegue!" e terminou com outro movimento ameaçador com a galhada. Rabicho espiou e voltou a se esconder atrás das patas do animal maior.

Almofadinhas entendeu o recado e aproximou-se do lobo, que agora estava deitado no chão e lambia cuidadosamente as almofadinhas feridas de suas patas dianteiras. Aluado rosnou em aviso, mas o cão não se intimidou. Almofadinhas ganiu em solidariedade e mordiscou carinhosamente atrás das orelhas dele, aproveitando para lamber o corte acima de seu olho.

Aluado deixou, soltando resmungos de desconforto e examinando o estado do machucado entre uma lambida e outra. Almofadinhas analisou o estado do ferimento ao lado do corpo dele e constatou que não apresentava risco algum. Eram somente pouco mais que arranhões e o sangue já estava secando. Abaixou-se e tentou tocar a ferida com o focinho, mas Aluado voltou a rosnar, dessa vez mais enfaticamente.

Almofadinhas não teve escolha senão se afastar e observá-lo cuidando das próprias feridas. Pelo menos ele não se feriria mais. Lançou um olhar triste para a saída daquele quartinho empoeirado e resignou-se com a perspectiva de que ainda não seria essa noite que ele mataria a saudade do passeio na floresta. Pontas pareceu satisfeito com sua atitude e dobrou primeiro as patas dianteiras, depois as traseiras, sentando-se o mais dignamente possível, apesar de ainda assim parecer um tanto desengonçado ao fazê-lo.

Então Almofadinhas teve uma idéia para que a noite não fosse perdida. Iria importunar o cervo e perseguir o rato, criando um pequeno espetáculo para o amigo ferido. E foi o que fez. Acabou com a paz de Pontas e perseguiu Rabicho por todos os cantos - sem sequer notar que o ratinho tremia mais do que o necessário numa brincadeira.

Depois de limpar seus machucados, Aluado acomodou-se melhor de modo a assistir a tudo de camarote, sentindo-se atordoado de felicidade. Até permitiu que Almofadinhas brincasse com ele também, contando que mantivesse uma distância segura, já que era tão estabanado.

E foi assim que eles passaram a noite, até que a Lua já estivesse mais baixa, quase sumindo no horizonte. Então, exaustos, eles se reuniram em torno do lobo. Almofadinhas ofereceu-se gentilmente como travesseiro, satisfeito consigo mesmo por ter sido perdoado. Adormeceram.

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Lily acordou lentamente, demorando algum tempo para entender por que motivo se sentia tão esgotada. Abriu os olhos e piscou várias vezes antes de conseguir focalizar direito o teto logo acima de sua cabeça. A claridade mostrava que já era de manhã havia algumas horas. E ela não estava no dormitório, nem aquela era sua cama. Moveu a cabeça para o lado com certa dificuldade, já que seus músculos pareciam estar mais preguiçosos que o normal, e encarou vários leitos brancos enfileirados e vazios. Estava na enfermaria. Por que mesmo?

Em resposta a sua pergunta, Lily sentiu um aperto no peito e encolheu-se minimamente ao ser assaltada pelas lembranças da noite anterior, a visão da Lua Cheia da janela da torre, a revelação que tivera, a conclusão de seu sonho, a maneira como fora acordada pelas amigas e então tudo se apagara completamente. Marlene e Alice deviam tê-la carregado até a enfermaria.

Lily sentiu uma calma estranha, ao mesmo tempo em que seu coração doía. De certa maneira, ela já devia estar preparada para aquilo. Remo Lupin, aquele garoto gentil, cavalheiro, doce, calmo, compreensivo, de aparência tão frágil... era um lobisomem. Os olhos de Lily se encheram d'água ao lembrar de todo o sofrimento que ela tomara parte da tarde anterior, a terrível transformação que presenciara... injustiça, foi a primeira palavra que lhe veio à mente. Como isso podia ter acontecido com aquele garoto? Desde quando ele passava por isso? Desde quando ele escondia dos outros sua condição por medo da reação das pessoas?

"Você não confia em mim?"

"Eu confio! Mas... tenho medo..."

Ela lembrou-se de toda a tristeza que aqueles olhos castanhos traziam ao dizer aquilo. Como ele conseguia ser tão forte? Admiração, foi a segunda palavra que a assaltou. Duas grossas lágrimas escorreram pelos lados de seu rosto e ela fechou os olhos com força, entrando ainda mais fundo nas lembranças. Lembrou-se com nitidez do último dia antes das férias de verão, enquanto eles faziam a ronda pelo Expresso de Hogwarts. A imagem e presença confortante de Remo preencheram seus sentidos e ela pôde ouvi-lo dizendo novamente com brandura:

"Você não imagina o que eles seriam capazes de fazer por um amigo. Digo isso por experiência própria. Sou tão grato a eles que me sinto quase obrigado a defender as criancices deles incondicionalmente. Se não fosse pela amizade pura e desinteressada deles, minha vida teria perdido o sentido. Acredite-me, eu poderia passar o resto do dia enumerando as qualidades daquelas duas pestes. Apesar disso, sei que você não vai se convencer somente com as minhas palavras.".

Ela realmente não tinha se convencido com aquelas palavras, mas agora entendia toda a gratidão que Remo tinha pelos amigos. Aqueles que tinham-no aceito de braços abertos, não negando sua amizade, tratando-o como um deles, como um igual. Ela nunca sentira tão profundamente a amizade daqueles quatro garotos como fazia agora. Eles não traíram o segredo do amigo para ela, mesmo diante de tantas vezes em que Lily insistira em saber o que se passava. E não tinham sido poucas vezes...

Então se lembrou de uma vez, no ano passado, em que tentara visitar Remo na enfermaria, mas os outros marotos não permitiram que ela entrasse. Tinham inventado várias desculpas para não deixar que ela o visse se recuperando... mas então... então ele devia ficar se recuperando na enfermaria depois das transformações? Estaria lá agora?

Lily limpou as lágrimas do rosto e sentou-se na cama, olhando ao redor. Madame Pomfrey devia estar trancada no próprio escritório. A enfermaria parecia estar completamente vazia, a não ser por Lily. Afinal, era um sábado de manhã, e os alunos geralmente escolhiam os dias da semana para se acidentarem ou ficarem doentes. Ou talvez não estivesse sozinha...

Lily olhou novamente para os lados com atenção e reparou no último leito, próximo à parede, muito bem camuflado e totalmente envolto pela cortina branca. Seu coração acelerou-se enquanto ela descia cuidadosamente do leito. Hesitou um pouco antes de finalmente começar a atravessar as muitas camas vazias até a última. Deu outra olhada preocupada para o escritório de Madame Pomfrey, mas este continuava trancado e silencioso.

Foi diminuindo os passos até alcançar finalmente o leito. Não dava para saber se ele estava realmente sendo ocupado, nem tinha como ter certeza se seria Remo do outro lado, mas só havia um jeito de descobrir. Lily umedeceu os lábios e estendeu a mão para a cortina, porém paralisou ao ouvir um suspiro baixo e ressonante vindo de dentro. Sim, havia alguém lá e parecia estar adormecido.

A ruiva hesitou novamente, abaixando a mão. Será que queria mesmo abrir aquela cortina? Remo talvez não quisesse que ela o visse da maneira em que ele se encontrava. E se ele estivesse muito machucado? Ela suportaria a visão? Porém a curiosidade e a preocupação venceram o medo e a dúvida. Ela respirou fundo, erguendo novamente e mão e puxando lentamente a cortina, de modo que não fizesse ruído algum.

Viu primeiro os cabelos castanhos espalhados pelo travesseiro branco, e conforme afastou mais as cortinas, seus olhos se encheram de água novamente ao observar as feições agradáveis e serenas de Remo. Ele parecia dormir tão tranqüilamente que era tocante demais! Lily deu um passo para dentro e deixou que a cortina cerrasse novamente com ela dentro, ainda observando-o. Ele estava coberto pelo lençol branco até o pescoço e isso já era tranqüilizador. Pelo menos o lençol parecia estar limpo, sem manchas de sangue visíveis, mas ela não tinha muita certeza do quão são estava o corpo do rapaz. Aquela transformação fora tão violenta, que parecia ter rasgado toda estrutura de Remo irreparavelmente. Lily levou as mãos à boca para abafar um soluço enquanto mais lágrimas escorriam por seu rosto.

Ela aproximou-se, desejando tocar seu rosto, afagar seus cabelos, mas não queria que ele acordasse. Remo parecia tão relaxado que seria um pecado perturbar seu sono. Ficou ali, na beirada da cama, observando-o e chorando silenciosamente, até ser pega desprevenida por ver as pálpebras do garoto tremerem levemente antes de se afastarem somente o necessário para que o brilho dos olhos escapasse pela fenda aberta.

Remo suspirou fechando os olhos e voltando a abri-los um pouco mais, dessa vez. Seus olhos encontraram-se com os de Lily e ele pareceu despertar completamente, movendo-se para tentar se levantar, porém Lily impediu-o, colocando as mãos em seu peito e forçando-o para trás novamente.

- Não, não se mova - ela disse, abrindo-lhe um sorriso triste antes de enxugar as lágrimas dos olhos novamente. - Eu sinto muito se te acordei - lamentou-se.

Remo voltou a se largar na cama, parecendo ainda sonolento.

- Como... - ele limpou a garganta, para diminuir a rouquidão de sua voz. - Como me achou? - murmurou.

- Ah, é uma longa história - ela aproximou-se ainda mais com um sorriso doce e só então reparou num corte mal cicatrizado acima do olho direito do garoto.

Reconheceu o ferimento e passou o dedo de leve sobre ele, fazendo com que Remo suspirasse e voltasse a fechar os olhos. Lily nem precisou se usar de sua percepção para notar que ele estava nervoso. Passou a mão de leve pela bochecha do garoto enquanto mais lágrimas corriam por sua face. Remo apenas virou a cabeça para o outro lado, esquivando-se de seu toque.

- Hey, está tudo bem, Remo. Eu não posso culpá-lo por ter me escondido algo tão terrível - ela tentou acariciar sua face novamente, e dessa vez ele não ofereceu resistência. - Você não esperava que eu sentisse medo ou nojo de você, certo?

- Você nunca escondeu seu medo quando me contava sobre seus sonhos.

Lily engoliu em seco, lembrando-se do quão assustada e impressionada ela ficara com seus sonhos.

- Eu ainda tenho medo da criatura em que você se transforma, Remo. Seria uma tola se não temesse. Mas não há motivo para temer você, meu amigo, agora. Você é um doce de pessoa Remo! - Lily limpou uma lágrima que escorreu solitária do olho esquerdo do maroto. - Nada poderia mudar isso.

Lily enxugou os próprios olhos novamente, analisou as dobras que o lençol fazia e procurou pela mão do rapaz, descobrindo-a. Remo retesou os músculos e tentou puxar o braço, mas Lily segurou-o delicadamente. O garoto não tinha forças para resistir e permitiu que ela abrisse a palma de sua mão e observasse os sinais de ferimentos profundos que ainda cicatrizavam.

- Desde quando, Remo? - perguntou, ainda analisando a mão do garoto.

- Fui mordido com cinco anos de idade.

- Oh, céus! - Lily cobriu a boca com uma das mãos, em espanto. - Que crueldade! E você tem suportado isso desde tanto tempo!

Remo levantou os olhos para encarar os verdes marejados de Lily, esperando encontrar somente pena, mas acabou encontrando tanta admiração que achou ter corado. Não esperava que ela parecesse tão à vontade com o fato de estar segurando a mão e, eventualmente, acariciando a face de um lobisomem, porém ela o fazia. Estava emocionada sim, mas parecia que nada havia mudado entre eles. Não, na verdade tinha mudado sim. Eles pareciam muito mais próximos agora que não havia esse segredo entre eles.

- Remo, onde você passa as transformações? - perguntou Lily, interessada. - Eu não reconheci o local. Deve ser aqui perto, não é mesmo?

- Sim. É na Casa dos Gritos.

- Oh... oh, isso é tão obvio - ela deu um pequeno sorriso. - Tão evidente agora que você disse.

- Lily, você não me contou como me achou aqui. Meus amigos te disseram?

- Não - ela piscou algumas vezes e pareceu ficar um pouco sem jeito, largando sua mão para alisar as bordas do lençol. - Eles sempre souberam, não é mesmo? É por isso que você sente tanta gratidão por eles.

- Não é somente gratidão, Lily. Eles são leais, têm corações imensos, são incríveis - explicou o monitor, buscando seu olhar, mas Lily desviou o assunto.

- Eu te achei por acaso. Passei a noite na enfermaria, eu acho - Lily deu um sorriso culpado.

- Aconteceu alguma coisa? - perguntou Remo, preocupado.

- Sim. Você disse que eu descobrisse sozinha e... bem, foi o que eu fiz. Mas então aconteceu alguma coisa e... eu tive um sonho diferente.

- Como assim? - Remo arqueou uma sobrancelha, desconfiado.

- Das outras vezes, eu participava do sonho, interagia, mas dessa vez eu apenas assisti - ela fez uma pausa dramática. - Remo, eu assisti quando você fez esses machucados em suas mãos, o corte em seu supercílio e... sei também que você tem arranhões no lado de seu corpo - Lily mordeu o lábio inferior e apontou para o local escondido sob os lençóis e sua voz quase se partiu. - Aqui, não é mesmo?

Remo se encolheu instintivamente.

- Existem mais arranhões, Remo? Você estava se agredindo! Oh, foi tão assustador! Eu não podia fazer nada...

A garota escondeu o rosto entre as mãos, chorando copiosamente.

- Calma, Lily - Remo segurou-lhe um dos pulsos e puxou gentilmente para que ela abaixasse as mãos. - Está tudo bem, Madame Pomfrey já curou meus machucados. Eu estarei pronto para outra antes de anoitecer.

- Oh, Remo - a ruiva não conseguia parar de chorar e soluçar. - Foi tão terrível! Eu tive tanto medo do que você poderia fazer a si mesmo...

- Shh, calma - Remo apertou a mão delicada com mais força e tentou se sentar.

- Não, não se mexa - Lily tentou acudir, mas o garoto não deu atenção.

Sentou-se sem muita dificuldade, já que quase não sentia mais dor alguma e o lençol escorregou um pouco, mostrando peito nu e sem cicatrizes - pelo menos nenhuma nova. Quando reparou o olhar da ruiva, Remo ficou um pouco sem jeito, mas resolveu deixar a timidez de lado se era para acalmar a amiga. Afastou o lençol até mostrar os arranhões ao lado da caixa torácica, já quase completamente cicatrizados.

- Veja, Lily. Eu estou bem, não há o que se preocupar. Já passei por momentos muito piores.

- Como você suporta isso? - Lily limpou as lágrimas uma vez mais. - Como você consegue suportar essas transformações? Céus! Desde os cinco anos de idade!

Remo voltou a se cobrir na medida do possível e afastou os cabelos dos olhos com um suspiro. Apontou para o banquinho ao lado da cama e a garota arrastou-o até a beira da cama, sentando-se.

- Meu corpo já se acostumou com as transformações, Lily. Aquelas sensações que você teve ontem à tarde são comuns em toda a véspera de transformação. Não se preocupe com isso. Assim como a maldição me condena a ser uma criatura nem humana nem completamente animalesca todas as noites de Lua Cheia, ela também me dá condições de suportar as mudanças que meu corpo sofre. A Lua me afeta sim, não há como escapar disso, mas o maior efeito é o psicológico, não o físico.

- Mas... você... você estava se agredindo, Remo! Eu tive tanto medo!

- Bem, como você pode ver, eu não me machuquei mais. Mas... - Remo subitamente foi assaltado por uma dúvida que fez a cor fugir de sua face. - O que mais você viu, Lily?

Lily franziu as sobrancelhas pensativamente. Seus olhos ainda avermelhados e brilhantes.

- Eu não sei, ficou tudo muito confuso... Depois de quase se arranhar novamente, você pareceu ter ouvido alguma coisa do lado de fora e eu tentei ouvir também, mas então Alice e Marlene começaram a me chamar e... as vozes se confundiram... eu não sei, acho que desmaiei antes de perceber qualquer outra coisa... - ela pausou por um momento enquanto Remo voltava a respirar aliviado. - Você consegue se lembrar do que aconteceu, Remo?

- Não. Não me lembro de nada.

Bem, essa era uma meia verdade, já que ele realmente não conseguia se lembrar de muita coisa mesmo que se esforçasse. Parecia que o tempo longe de seus amigos tinha feito com que ele regredisse na capacidade de recuperar a memória dos acontecimentos.

- Oh, puxa... - Lily fungou, tristemente, apoiando o cotovelo na cama e o queixo na palma da mão. - Deve ser melhor assim, pelo menos, né? Você parecia muito triste e solitário, trancado naquele quartinho...

Remo ofereceu-lhe um pequeno sorriso, que a garota retribuiu, contemplando sua face com curiosidade. Ela estava maravilhada com a capacidade de Remo de passar a impressão de paz e calma. Permitiu-se expandir fracamente sua percepção só para ter a garantia de que ele estava bem. Realmente, o garoto tinha a alma serena. Estava cansado e parecia desgastado emocionalmente, por isso disse a si mesma que precisava deixá-lo descansar. Mas antes que notasse, tinha se perdido nos olhos dourados do maroto. Era difícil imaginar aquela fera medonha dentro daquela estrutura inofensiva, instintos assassinos levando vantagem sobre uma mente tão estruturada quanto a daquele garoto doce e gentil.

A magia podia ser muito útil, bonita e cheia de encantos, mas também tinha seu lado assustador. Era fantástico ainda, mas terrível. Já fazia pouco mais de cinco anos que ela fazia parte desse mundo, mas nunca imaginou que seria surpreendida por uma realidade dessa tão próxima dela.

- Ele é lindo - acabou soltando em voz alta, em meio a seus pensamentos.

- Desculpe? - Remo pareceu confuso com o comentário.

- O lobo... O lobisomem... Você transformado... Enfim, não sei como chamá-lo! - ela atrapalhou-se.

- Meus amigos o chamam de Aluado - sugeriu Remo, compreensivo, mas ainda apreensivo.

- Ah, claro. O Aluado... Ele é... é assustador sim, mas é lindo. Você já se viu transformado? - perguntou curiosa.

Remo balançou lentamente a cabeça de um lado para o outro.

- Tem os pelos castanhos num tom... - ela olhou ao redor, até apontar para a mesinha logo ao lado do leito. - Um pouco mais claro do que esse castanho aqui. O pelo é grosso e o focinho é diferente do de um lobo normal. Parece mais achatado...

Remo ajeitou-se melhor na cama, ávido por beber de cada palavra que ela dizia. Seus amigos nunca tinham-no descrito detalhadamente, da maneira que Lily fazia agora, com um jeitinho todo especial de tornar a situação descontraída, mesmo diante do fato de que era ele mesmo quem estava sendo descrito.

- Aluado tem um porte médio, tem o corpo magro, mas de aparência saudável, o rabo longo em escovinha e seus olhos ficam maiores e brilhantes, tão intensos que parecem encerrar toda a sua parte humana dentro deles. Ah, e ele espirrava muito também - Remo sorriu e ela acompanhou-o no sorriso. - É sério! Aquele lugar está muito empoeirado. Está precisando de uma faxina!

Eles riram mais descontraídos e Lily tornou a acariciar a bochecha de Remo carinhosamente.

- Você não deixou de ser o meu amigo monitor de sempre, Remo. Nada mudou. Fique tranqüilo, querido.

Remo suspirou tristemente e colocou a própria mão sobre a de Lily, sem ter palavras para expressar o quão aliviado estava por a ruiva ser tão compreensiva. Porém, nesse instante a cortina foi aberta bruscamente e ambos se sobressaltaram, virando-se para encarar três garotos.

- Lily! - espantou-se Tiago, com as sobrancelhas formando um "v" profundo e desgostoso ao reparar na posição em que eles se encontravam.

Rapidamente, Remo deixou a mão escorregar para debaixo dos lençóis e Lily recolheu a sua, parecendo surpresa e um tanto sem jeito.

- O que está acontecendo aqui? - perguntou Sirius, desconfiado, passando o olhar de um rosto para o outro.

Pedro ficou na ponta dos pés para tentar espiar melhor por cima do ombro dos dois garotos maiores que barravam sua passagem. Por fim, acabou desistindo e escancarando mais a cortina para caber do outro lado de Sirius.

- O que está fazendo aqui, Lil... Evans? - Tiago tentou se recompor pela surpresa.

- Eu já estou voltando para meu leito, Potter - respondeu a garota, dignamente, porém sem aquela pontada de desafio com que sempre se dirigia ao maroto de óculos, então se virou para Remo. - Vou deixá-lo a vontade com seus amigos, Remo. Com licença.

E sem nenhuma outra palavra, ela se esgueirou por debaixo do braço de Tiago e se afastou.

- Voltar para seu leito? - resmungou Tiago, confuso, bagunçando os próprios cabelos. - Aluado, o que ela quis dizer com isso?

Remo abriu a boca para responder, mas Sirius cortou-o, estreitando os olhos perigosamente.

- O que ela estava fazendo aqui?

- Bem, ela... - Remo tentou novamente, mas foi cortado por Tiago.

- Por que ela estava com os olhos vermelhos?

- Como ela te achou? - perguntou Sirius.

- Ela já sabe de tudo? - Pedro resolveu contribuir para o interrogatório.

- Será que eu posso falar? - pediu Remo, pacientemente, com o tom de voz baixo que sempre deixava os outros garotos curiosos para ouvir o que ele resmungava. Os três ficaram em silêncio, com os olhos cravados sobre ele. - Ela descobriu... shhh! - Tiago e Sirius tinham quase interrompido novamente, mas ele pediu silêncio. - Ela descobriu por si mesma e desmaiou, por isso passou a noite na enfermaria. Quando eu acordei ela já tinha me encontrado aqui.

- Ohhh - Pedro tapou a boca com a mão.

- Ah, mas ela não devia! - Tiago pareceu ultrajado. - Quero dizer, vir até aqui, invadir seu espaço, você... você está nu! Ela podia... - ele interrompeu-se, franzindo as sobrancelhas novamente. - Ela não te encontrou em uma situação constrangedora, não é mesmo?

- Não - Remo não pôde deixar de rir.

- E como ela reagiu? - sondou Sirius, disfarçando sua curiosidade com um ar de desdém característico.

- Bom, acho que isso é obvio, não é? - resmungou Pedro, atraindo a atenção dos outros três.

- Rabicho - começou Sirius, sarcástico. - Não sabia que você conhecia essa palavra com um grau de dificuldade razoável: "obvio" - Pedro encolheu-se. - É obvio que Evans estava quase beijando Remo, mas eu quero ouvir os detalhes da boca do próprio, posso?

- Hey! Como assim? - Tiago voltou-se para Remo, aborrecido. - Você confirma o que esse cachorro está dizendo, Aluado?

Remo enterrou o rosto nas mãos, cansado.

- Não, ela não estava prestes a me beijar. Ela só ficou comovida... Mas, escutem... - ele tratou de mudar de assunto, abaixando o tom de voz. - Eu não consigo me lembrar do que aconteceu. Não me lembro do passeio na floresta.

- Talvez porque não teve passeio na floresta - Sirius emburrou.

- Por que?

- Ih, não ligue para ele, Aluado. Nós ainda teremos muitas oportunidades para sair da Casa dos Gritos.

Remo suspirou e baixou os olhos para as próprias mãos feridas.

- Ah, entendo... eu estraguei o passeio, não é mesmo?

- Almofadinhas - Tiago virou-se ameaçador para Sirius, e o complemente "Faça alguma coisa!" ficou subentendido.

Sirius revirou os olhos.

- Tá, tá bom, não esquenta, Aluado - ele deu de ombros. - Nós podemos sair essa noite. Se você não se machucar de novo, é claro...

- Não vai mais acontecer... eu acho - Remo encostou a cabeça na parede, cansado.

- HEY! - Sirius berrou e empurrou Pedro fazendo com que ele perdesse o equilíbrio. - Rabicho, seu idiota, você pisou no meu pé!

- M-me desculpe! Ooops - Pedro tentou recuperar o equilíbrio segurando-se na cortina, mas esta cedeu e ele caiu no chão, trazendo parte do tecido junto.

- Que bagunça é essa por aqui, heim? - Madame Pomfrey saiu de seu quartinho com dois frascos de medicamento e uma cara de poucos amigos que se agravou quando avistou os visitantes. - Ah, é claro que são vocês. Vocês nunca dão sossego a esse pobre rapaz!

- Sentiu saudades de nós, Madame Pomfrey? - Sirius piscou angelicalmente enquanto Pedro se levantava e tentava esconder a cortina arruinada atrás de si mesmo.

- Ah, claro! Estava chorando a falta de vocês no meu escritório, consegue ver a marca das lágrimas recentes? - ela aproximou-se, raivosa. - Agora saiam de cima, vocês três. Parecem urubus rodeando carniça, vamos, afastem-se! E falem baixo para não acordar... oh céus!

A enfermeira quase derrubou os frascos que carregava ao lembrar-se da outra paciente. Virou-se e avistou Lily deitada, virada para o outro lado, parecendo estar adormecida. Então abaixou o volume da própria voz para um sussurro.

- Fechem essa cortina, seus irresponsáveis! Nós não estamos sozinhos aqui! Vocês poderiam ter acordado a Srta. Evans, ou alguém poderia ter entrado intempestivamente na enfermaria e então nós teríamos que dar explicações! O Sr. Lupin está oficialmente fora do castelo, esqueceram-se?

- Ora, ela estava gritando mais do que nós três juntos - resmungou Pedro, enquanto os outros assentiam obedientemente.

- Nós só viemos deixar alguns docinhos para Aluado - disse Sirius, tratando de enfiar as mãos nos bolsos e chacoalhar alguns sapinhos de chocolate em frente aos olhos da enfermeira.

- Ah, se eu pudesse proibir doces nessa enfermaria... - Madame Pomfrey revirou os olhos e depositou os frascos sobre a mesinha de cabeceira, preparando-os. - Mas não, só porque o Diretor é fanático por doces de todos os gêneros, todos nós temos que assistir a alimentação pobre dessas crianças sem interferir. E os meus conhecimentos a respeito de uma alimentação saudável, para que valem?

Ela despejou uma medida de cada um dos frascos em copinhos e ofereceu-os a Remo.

- Vamos, Sr. Lupin. Primeiro tome seus medicamentos, depois se entupa de doces - Remo aceitou obedientemente e tomou o conteúdo dos dois frascos sem fazer nenhuma careta. - Ah, se todos os meus pacientes fossem tão educados quanto você... - Madame Pomfrey ofereceu-lhe um pequeno sorriso ao tomar novamente os frascos em suas mãos, depois se virou para os outros sem qualquer vestígio de afabilidade. - E vocês, já fizeram o que tem que fazer? Vamos, o que estão esperando?

No mesmo instante, os garotos começaram a esvaziar os bolsos com toda a sorte de doces, depositando-os na mesinha ao alcance de Remo.

- Eu vou guardar essas poções. Quando voltar, não quero ver nem sinal de vocês aqui dentro, entenderam? Esse menino precisa repousar!

Ela empinou o nariz e virou as costas para eles, afastando-se rapidamente.

- Hum, Aluado? - Tiago retirou o último sapinho de chocolate do bolso e girou-o entre os dedos. - Você se importaria se eu desse esse para Lily?

Sirius bufou e Remo sorriu gentilmente.

- Claro que não, Pontas. Eu nem sei se dou conta de todos esses. Pode levar mais alguns se quiser.

Remo pegou mais três sapinhos e estendeu-os para o maroto, que acenou agradecidamente e afastou-se.

- Que cara patético esse aí está ficando, tsk, tsk... - desaprovou Sirius.

- Não diga isso, Almofadinhas - defendeu Remo, abrindo um pacotinho de feijõezinhos de todos os sabores. - Deixe Pontas paquerar um pouquinho.

- Você quis dizer: deixe o Pontas levar mais um fora de livre e expontânea vontade, não é mesmo? Humpt - Sirius bufou novamente, pegando dois sapinhos de chocolate. - Tome, Rabich... - Sirius ia oferecer um deles para Pedro quando o flagrou com a boca completamente melecada de chocolate. - Oh, esqueça.

Enquanto isso, Lily tinha ouvido algumas partes da conversa dos marotos - pelo menos até Madame Pomfrey chegar e ordenar que eles abaixassem o volume da conversa - e estava agora imersa em seus próprios pensamentos a respeito da situação.

Era realmente tocante presenciar um momento como esse agora que ela podia entender um pouco mais os motivos que uniam aqueles quatro garotos tão diferentes e tão iguais ao mesmo tempo. Eles pareciam um grupo completo e equilibrado, se ela fosse analisar direito. Além disso, sabiam muito bem como levar uma amizade e fazer com que ela se fortalecesse durante mais de cinco anos. Era bonito de se ver, realmente. Não que, de uma hora pra outra - ela estivesse achando louváveis ou mesmo justificáveis as atitudes infantis deles na maior parte das vezes, mas não estava tudo perdido, afinal. Eles ainda possuíam uma lealdade admirável, compreensão e sabiam conviver com as diferenças entre eles.

Nesse momento, seus pensamentos foram interrompidos quando alguém se debruçou sobre ela, ficando com os óculos pendurado e os cabelos arrepiados por estar de cabeça para baixo. Bem, na verdade não era bem por isso que os cabelos estavam arrepiados.

- Oi - sorriu o garoto e Lily deu um pequeno pulo de susto, fazendo com que ele se endireitasse novamente. - Você está acordada!

- É - Lily crispou os lábios e engoliu um "Conclusão brilhante, Potter!" enquanto se sentava na cama, tentando não parecer tão seca. Não estava no clima de discussões no momento.

- Você está melhor? - ele perguntou, tentativamente, parecendo um pouco perdido por não ter recebido nenhum olhar raivoso até o momento.

- Um-hum - afirmou, balançando a cabeça, sem encará-lo.

- Ah... erm... que bom - ele passou a mão pelos cabelos, assanhando-os. - Eu estava pensando se você aceita um...

- Ah, não, Potter, por favor, não comece com isso agora - Lily suspirou, cansada, encostando a cabeça na parede. - Será que você não pode esquecer isso por um minuto?

- Heim? Começar com o que? - Tiago franziu as sobrancelhas em confusão.

- Ora, não se faça de cínico, garoto. Você não pode me ver que já começa a pedir que eu saia com você! Por que você tem que estragar o meu humor sempre, heim?

- Mas... mas... Evans, eu só queria te dar isso - ele sacudiu os sapinhos de chocolate, meio chateado e o queixo de Lily caiu.

Ela piscou várias vezes e abriu a boca para dizer alguma coisa, tendo plena consciência da coloração forte que sua face adquiria, porém nesse momento Madame Pomfrey voltou a aparecer e olhou ao redor.

- Ora, vocês ainda estão aí? - ralhou, colocando as mãos na cintura. - Vamos, já para fora. Não vou esperar nem mais um minuto.

- Já estamos indo - Tiago evitou os olhos de Lily e deixou os chocolates sobre a cama, virando-se para os outros. - Vamos?

Lily não sabia onde esconder o próprio rosto. Estava morrendo de vergonha do que dissera e agora não tinha coragem nem sequer de agradecer pelos doces. Observou o garoto se afastar sem ter o que dizer.

- Sim, vamos. Até mais, Aluado - Sirius despediu-se e Pedro seguiu-o, acenando.

- A gente se vê.

- Tchau - Remo acenou de volta e então recebeu um olhar reprovador de Madame Pomfrey, que apontou para Lily sugestivamente.

- Eu já sei sobre o Remo, Madame Pomfrey - esclareceu a ruiva.

- Ora, mais uma para visitá-lo e tirar a minha paz, então? Sr. Lupin, o senhor tem que descansar - a enfermeira caminhou até Remo. - Mas o que fizeram com essa cortina? Ora, que vândalos! - ela acenou com a varinha, restaurando e fechando as cortinas bruscamente, em seguida dirigiu-se à garota. - E a senhorita? Como está se sentindo?

- Eu estou ótima, Madame Pomfrey - disse, completando com um sorriso forçado e depositando os doces na mesinha ao lado.

- Por que será que todos dizem isso quando eu pergunto? - a enfermeira debruçou-se sobre Lily e examinou suas pálpebras de perto. - A senhorita desmaiou seriamente ontem à noite. Não tem nenhum vestígio de doença, então eu suponho que não está se alimentando direito, correto? - Lily abriu a boca, porém não soube o que dizer, e Madame Pomfrey interpretou isso como um "sim". - Ora, ora, essa juventude de hoje em dia, tsk... Vocês têm que parar de se preocupar com aparências, sabia? As pessoas magras parecem menos saudáveis que as fortes...

E Lily teve que ouvir mais muitos sermões do gênero enquanto a enfermeira ministrava medicamentos fortificantes e aconselhava-a sobre uma alimentação correta sem perigo de engordar, ameaçando jogar fora os chocolates sobre a mesinha - coisa que Lily não permitiu.

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N.A. Ah fazia tempo que eu não escrevia sobre animagia! Estava com saudades...

Respostas por e-mail para: Patricia Rezende, V. A. Rosewood, JhU Radcliffe, LeNaHhH, Lunnafe, Tete ChanNessa Reinehr, Alice, Gabriela Black, Moon's Girls, Amanda Poirot, Cherryx, Luciana Li, LeLeCa SaPeCa, Jeh Tonks, Lika Malfoy.

Valeu, gente! Vocês são incríveis! E mais uma vez eu peço a compreensão de vocês, pois só vou postar capítulo novo dia 4 de março. Então até lá! Beijos!

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No próximo capítulo...

Enquanto eles praticavam, Lorenz pareceu muito concentrada observando e contando cada um dos presentes. Depois de alguns minutos analisando, ela finalmente caminhou até onde Lily estava.

- Srta. Evans, o Sr. Lupin faltou novamente? - perguntou, com sua pose intimidante, a postura correta e os braços unidos às costas.

Lily empalideceu levemente, mas tentou parecer normal.

- Sim, professora. Ele teve uma recaída, precisou ser afastado da escola novamente.

- Humm - a mulher segurou firmemente o olhar de Lily. - Sei... e vai passar mais alguns dias fora então?

- Sim, professora.

- Entendo - ela estalou a língua e girou nos calcanhares se afastando. Lily engoliu em seco.