Lá estava, novamente olhando pra mim com aqueles olhos. Aquele desgraçado... Quando eu puser minhas mãos nele... Mas... Espera... Eu não posso... Não posso... Me mover! Merda... Ele tá vindo... Não... Não. NÃO!
Eu acordei assustada, suando frio com o sonho. Ou melhor, pesadelo. É sempre uma merda dessas... Essa desgraça vai me assombrar pelo resto da vida pelo visto... Pior... Ainda nem amanheceu. Agora vou ter que fazer alguma coisa pra passar o tempo já que eu não vou conseguir dormir de novo.
Eu me levanto da cama e sou acertada pela friagem da madrugada. Meus pelos se eriçam e eu abraço a mim mesma pra me aquecer. Estar semi-nua também não ajuda... Quem manda ser frescurenta com roupas?
Eu ando até meu guarda-roupas e pego uma camisa e uma calça. Nada extravagante. Não que eu tenha roupas extravagantes! Eu não gosto disso. E é muito desnecessário pra esse lugar. Imagina ir treinar com um vestido cheio de frufrus e babados. Hilário...
Depois de me vestir, eu saio do meu quarto tomando cuidado para não fazer muito barulho. Os outros ainda devem estar dormindo. Nenhum deles tem que lidar com pesadelos como eu tenho... Sortudos do caralho. Eu caminho devagar pelos corredores parando em frente a um quarto específico.
Dá pra ouvir ele dormindo lá dentro... Ele sempre teve sono pesado. Mesmo quando... Ainda bem que ele tinha sono pesado... Ele não suportaria... Não suportaria mesmo... Isso me dá tanta raiva... Tudo o que foi feito comigo... Com ele... Conosco...
Eu solto um suspiro e sigo meu caminho, indo em direção à varanda. Eu sempre adorei essa varanda. É grande, alta, tem uma bela vista para a floresta e pro nascer do sol. Mesmo que eu prefira o por do Sol. Além do mais, dá pra chamar o Blood daqui. Esse lagarto gigante adora correr por aí.
Eu respiro fundo o ar úmido e pesado de Alpha. Mesmo que esteja meio gélido agora, logo vai esquentar é rotina aqui nessa dimensão. Como num deserto, os dias são quentes e as noites frias. Não ao extremo, a não ser pelo inverno, esse sim é extremo. Quase morri de hipotermia num desses...
Olhando pro céu dá pra ver que já tá quase amanhecendo. Já que eu acordei mais cedo, que tal ser um despertador pra alguns? Logo é hora de acordar mesmo. Então lá vou eu! Eu pulo da varanda e mudo. Formas ferais sempre vem a calhar nessas horas.
Meus ossos rangem e rearranjam em meu corpo durante a queda. Minhas patas dianteiras acertam o chão seguidas pelas traseiras. Elas agem como amortecedores e eu passo a correr pela floresta, meus instintos me guiando através das árvores. Esse caminho é bem conhecido. Eu sinto outros correndo a uma certa distância. Não são ameaças, muito pelo contrário. São companheiros.
Eu corria rápido pela floresta ficando à frente do grupo. Nós logo chegamos a nosso destino. Eles ficam nas moiras aguardando enquanto eu subia o declive que me levaria ao topo daquele lugar. Ao chegar eu os vi, olhos que me observavam atentamente das sombras. E minha casa. Minha terra natal. A luz fraca do amanhecer a deixava belíssima. Me enchia de... Alguma coisa...
ALPHA! CANTAREI PARA TI APENAS! OUÇA MINHA CANÇÃO!
E eu cantei. É assim que nós chamamos os uivos aqui. É nossa canção. Um jeito simplesmente complicado de expressar tudo o que sentimos. Após meu começo, os outros se juntaram. Um lindo coro que se espalhava por quilômetros de distância. Nosso canto desperta os que dormiam. Era possível sentí-los. Eu pelo menos sentia.
Logo minha canção chega ao fim. Os outros parando logo em seguida. Meu peito ardia com as batidas fortes do meu coração. É assim... Assim que eu gosto de me sentir. Sinto o Sol brilhar por trás de mim e deixei a transformação ceder. Voltando a ser eu mesma novamente eu me sento na pedra e continuo a observar minha terra natal. Os outros começam a voltar pra casa devagar, exceto por um.
Observo enquanto um lobo cinza escuro se aproxima e senta ao meu lado observando em silêncio. Aquele era Donnovan, o cara que me fazia dar duro no treinamento todo dia. Um dos únicos em quem eu confio nesses tempos... Grande amigo... Eu olhei para ele e sorri brevemente.
—Belo canto hoje Z... Como sempre. —Ele disse com um sorriso no rosto.
—Ah, para... Foi só o que eu sempre faço... Não é pra tanto... —Ele balança a cabeça.
—Foi perfeito... Nada além disso... —Ele disse tocando meu braço. —Por isso que não me arrependo de te ceder esse posto. —Eu desvio meu olhar. Não gosto que me vejam corar. Ele tira a mão do meu ombro. —Bom... Eu vou precisar ir agora... A gente se vê no campo.
—Até lá! —Eu digo acenando enquanto ele levanta e se afasta, correndo pela floresta. Agora eu estou sozinha...
Eu suspiro e me deito na pedra aquecida pelo Sol. Fecho os meus olhos e fico prestando atenção nos sons ao meu redor. Difícil me imaginar longe daqui. Essa é minha casa... Minha... Casa...
Lá estava ela... Olhava pra mim daquele mesmo jeito de sempre... Ela tinha aquelas duas crianças nos braços... Duas lindas crianças. Sorria pra mim e caminhava na minha direção. Enquanto andava, desvanecia. Eu fui em sua direção e quando cheguei pude apenas pegar as duas crianças antes que ela desaparecesse completamente. Meus braços estavam cobertos de... De... SANGUE!
Eu acordei normalmente. Minha mente ainda agitada com o pesadelo ou... Lembrança... Ela me escolheu pra ser quem lembraria dela assim... Quem jamais... JAMAIS! Esqueceria dela. Minhas irmãs ainda não tem ideia. Espero que jamais tenham... Elas não suportariam como eu... Mas bom... Já era hora de acordar mesmo...
Eu me levanto da cama e vou direto pro banheiro me lavar. Pego uma roupa digna de alguém como eu e vou pra lá. A água bate no meu corpo, quente e relaxante, me limpando do que quer que estivesse no meu corpo. Eu solto um suspiro longo enquanto molho meu rosto.
Depois do banho, eu me visto e saio do quarto. Haviam algumas pessoas andando pelo corredor. Criados, guardas... E ele... Aquele filho da puta que a minha "irmãzinha" chama de pet... Ele passa por mim e sorri de forma debochada. Insolente... Idiota... Eu só quero matar esse...
—Nightmare!
Uh?
—Que bom que acordou! —Disse a ursa branca sorridente. —Venha tomar café querido! Acabei de por a mesa!
—Ah... Tá. Já vou Stella. —Eu disse já indo em sua direção, olhando em volta uma última vez. Ele já sumiu... Bom pra ele.
Chegando na sala de jantar eu vejo minha família. Na ponta da mesa estava meu pai, o Rei de Ômega. Parecia um cara durão mas no fundo era gentil como um cordeiro. Na outra ponta estava Stella, esposa de meu pai e minha madrasta. Ela sempre foi a mais gentil de todas, ao contrário de sua filha que para meu desprazer não havia sofrido de morte súbita esta noite... Ela estava sentada a frente da minha cadeira, no meio da mesa.
Eu suspiro e me sento em minha cadeira. Marcas diversas de garras a entalhavam. Isso fui eu com o tempo, nervosismo demais. Fora que arranhar madeira é ótimo pra afiar as garras. Eu já começo a arranhar assim que me sento. Minha "irmãzinha" revira os olhos pra mim. Essa vadi-
—Biel! Para de arranhar a cadeira seu idiota! —Eu já mandei ela não me chamar assim. —Papai pagou caro nelas fofo. —Eu olho para ela apoiando meus braços na mesa.
—Número um: Eu mandei você parar de me chamar de Biel. Eu não quero meu nome na sua boca de- —Sou interrompido por um pigarro de meu pai juntamente com um olhar severo. Apenas bufo. —Regra dos insultos... Eu sei... Não ia dizer. Mas ela sabe... E dois: Você não manda em mim Nayara... —Eu disse me projetando um pouco pra frente. O nome dela saiu com um veneno que ela odiou.
—Nojento... —Ela disse com ódio e isso só me fez sorrir.
—Bom dia. vadia~ —Eu sussurrei.
—ORA SEU! —Ela grita mas é contida por sua mãe. Meu pai bate seu punho na mesa que treme um pouco.
—Gabriel Galacc! Melhor começar a ter modos à mesa antes que eu tenha que puní-lo! —Ele disse jogando aquela aura pra cima de mim. Sufocava um pouco, mas eu me acostumei. A minha estava num nível parecido.
—Heh... Tudo bem... É mais divertido sem restrições mesmo... E eu tô com fome... —Eu disse tacando um grande foda-se pra todos eles. Meu pai sabia que eu falava sério. Ele sabe que ela me provocou. Não me pararia por isso.
Eu olhei para Nayara e ela estava absolutamente PUTA comigo. Isso é tão prazeroso pra mim... Eu iria insultar ela mais um pouco mais tarde, ela só tinha que esperar... Nada que ela fazia ficava longe do meu conhecimento. E eu fazia questão de expor tudinho. Irritar ela é meu passatempo favorito.
Depois desse pequeno atrito, o café da manhã realmente começou. Estava delicioso como sempre. As conversas rolaram normalmente apesar do ar meio pesado que a gente acabou deixando. E eu fiquei quieto na minha como sempre. Se me perguntassem eu só balançava a cabeça mesmo. Não gosto de falar comendo.
Logo que termino de comer eu agradeço pelo café, peço licença e saio da mesa. Ouço Nayara resmunga algo e Stella gritar seu nome. Contenho meu sorriso e continuo seguindo pelos corredores. Vou pro lugar onde eu sempre vou depois depois do café da manhã. Trouxe um pedaço do bolo que a Stella fez.
Eu andava rápido. Virei um corredor e parei. Congelei, melhor dizendo. Ele estava lá. Amedrontando uma das minhas pets. Prendia os braços dela na parede e rosnava. Pude ouvir o que ele dizia e era tão... Ugh... Eu deixo o bolo num canto seguro e vou até lá. Ele nem me viu mas o olhar de alívio dela denunciou.
—Oh! —Ele diz escandaloso demais pro meu gosto. —Olha quem veio bancar o herói...
—Cai fora... Antes que eu te parta no meio... —Eu disse, levando a sério cada palavra. Ele apenas sorri.
—Tá bem... Você não vai estar lá pra sempre... E quando não estiver... Eu vou fazer o que eu quiser... —Ele disse dirigindo-se a ela que estava apavorada. Eu rosnei e ele apenas a soltou e foi embora.
—Dorme no alojamento do meu pai hoje. O meu não é seguro hoje. Fala que é o Silver de novo... Eu já falei com eles... Avisa suas amigas também... —Ela ascente e volta para o alojamento onde os pets ficam.
Era pra ser só meu... Mas a Nayara só quer foder minha vida e agradar o idiota do Silver. Desde que ele chegou ela começou uma reforma interminável só porque eu tenho mulheres no meu alojamento. Elas já saíram de uma situação difícil... E agora tem ele... Por isso comecei a trazer mais homens... Escolhidos a dedo. E um deles é quem eu estava indo presentear com o bolo que ele mais adora.
Ele já estava na porta e ao me ver sorri e acena. Esse era Kyle, meu melhor pet e amigo. Eu sorrio e ele se aproxima. Ele também não é muito de falar mas sempre sabe o que eu penso. Deve ser da espécie. Eu li um pouco sobre ele. Ou os parecidos com ele. Nós vamos para o terraço do castelo. Aquele é nosso lugar secreto pra conversar. Só lá que ele fala comigo.
Eu não deixaria nada acontecer com ele... Não de propósito. E se algo acontecesse... Eu ficaria destruído... Ele é meu único amigo de verdade.
CONTINUA...
