Saint Seiya não me pertence! Qualquer semelhança com fatos reais ou demais fics é mera coincidência!
Antes de mais nada, devo me desculpar pela demora, mas depois da época de provas veio a época de exames e, na semana seguinte, a 2ª época. Tive que estudar muito e ainda fiquei em dependência numa matéria, mas é assim mesmo! Ainda viajei no Natal e por isso atrasei mais ainda. Espero que gostem desse que será o penúltimo capítulo desta fic especial de Natal, um presente para o Siren Sorento.
2. A Noite de Natal
– Bonjour, cherè! (1)
– Oliver? Eu... Eu nem sei o que dizer... Lhe decepcionei. Não consegui ter a nossa menina. Por favor... me perdoa!
Emilie estava deitada em seu leito. Apesar do parto tranqüilo de algumas horas atrás, a notícia sobre o sexo do bebê a deixara extremamente depressiva. Teve uma crise de choro compulsivo na ausência do marido, pois sabia o tamanho da frustração que havia causado no parceiro. Certamente a relação nunca mais seria a mesma! Para começar, ela mesma já não tinha mais coragem de olhar dentro dos orbes azuis, mergulhar naquele mar de paz e harmonia como sempre fazia, pois temia ouvir uma repreenda, perder o amor de sua vida.
Oliver, ao contrário do que poderia esperar, nunca culpou a esposa pelo ocorrido. Afinal, nenhuma mãe pode alterar o sexo de seu filho. Se havia algum culpado, este era o Deus onipotente em quem sempre foi acostumado a acreditar. Na verdade, estava acostumado às falsetas desse tirano que controlava o destino da humanidade, que tinha o despautério de fazer com que pessoas de bem sofressem enquanto verdadeiros demônios na forma humana tinham uma vida de sonho. Não era justo! Ele sempre foi católico, respeitava todos os mandamentos da lei divina e só faltava à missa quando era chamado para alguma emergência. Afinal, sua obrigação era a de salvar vidas – será que Ele não entendia isso? Estava sendo punido pelo fato de não poder comparecer a todas as missas dominicais? Não poderia ser! Um pai não pode punir um filho que tenta ajudar seu irmão! A Igreja pregava que Deus era amor e agora estava traindo um de seus filhos de forma vil, acertando-lhe um golpe certeiro nas costas.
A francesa percebeu que o marido entrara numa espécie de transe, um nirvana perigoso. Sabia que aquele silêncio não era nada bom! A mágoa era muito maior do que ela poderia supor. Será que um dia viria a ser perdoada? Será que...
Não pôde concluir seu raciocínio! Sentiu uma mão em seu ombro esquerdo, que felinamente descia pelo seu tronco em busca de seu coração. Era tão quente, carinhosa, suave e segura!... Olhou para cima, em busca do responsável – mesmo sabendo que estava a sós com o esposo – e surpreendeu-se, apesar de todas as evidências. Mal acreditava na sua sorte. Não seria um sonho, um delírio de sua mente melancólica e sofrida? Se fosse, rezava para não acordar mais!
– Cherè, não repita isso! Não fique se martirizando, pois você não tem culpa. – Retirou a mão de seu tórax e passou a acariciar os cabelos dela. – Eu já percebi que você está fugindo de mim, como se estivesse com medo. Sou tão ruim assim para que você acredite que eu possa... – Tirou a mão que ainda a afagava, como se houvesse levado um choque e deu dois passos para trás. Estava absorto, com medo de si mesmo! Justo ele que pensava mais em sua amada do que em si... Sentia uma palpitação, um aperto no peito só de pensar em ver a esposa sofrer e essa sensação piorava pelo fato de saber que era o culpado por tal sofrimento.
Oliver olhou para o teto de forma rápida e discreta, lançando todo o seu ódio em quem provocara toda a tragédia. Àquele que deveria proporcionar a felicidade de seus filhos, ainda mais quando a família era unida e livre de pecados. Perguntou-se pela primeira vez se Deus realmente existia e, se existisse, por que o odiava tanto. Sabia que nunca poderia responder a essa dúvida, por isso, apressou-se em acalmar a esposa. Queria tirar-lhe o peso da culpa de seus ombros, dar-lhe uma nova esperança.
– Emi, eu sei que você está se sentindo culpada e entendo sua reação, mas saiba que eu nunca a culpei e jamais faria algo tão abominável assim. Como médico, sei muito bem que não podemos decidir, selecionar um sexo de um bebê. Se há algum culpado nisso tudo, é Ele!
Pela primeira vez desde o parto a mulher o encarou nos olhos, tentando desmistificar, entender o que o amado queria dizer. Sem falar uma só palavra, tentava questionar, precisava descobrir sobre quem Oliver estaria falando. Não acreditava que alguém pudesse ser tão cruel a ponto de provocar a ruína de uma família, frustrar os sonhos de um homem tão bom e generoso.
O médico percebeu e entendeu a pergunta incutida no olhar da francesa. Pegou a mão direita da amada, acariciando-lhe de forma fraternal. Beijou-a e logo depois respondeu, com certa amargura na voz:
– Somente Deus pode dar e tirar a vida de uma pessoa. Só Ele pode decidir o sexo de uma criança... Eu não sei aonde erramos, mas, ao que tudo indica, o Todo-Poderoso nos odeia e quis nos castigar.
Emilie assustou-se com a declaração do marido. Nunca esperava ouvir essas palavras de sua boca. Aquela acusação era muito grave! Ninguém em sã consciência poderia duvidar da benevolência Dele. Suas palavras poderiam ser encaradas como agressão, difamação! Isso poderia até causar-lhe problemas futuros e o que era pior, fazer aquele bebê inocente sofrer. Tinha que fazê-lo volta a si.
– Mon dieu, Oliver! Que sacrilégio... Do jeito que fala parece que esse bebê é um castigo, uma maldição!
– Non. O menino é mais uma vítima dos caprichos Dele. Bem ou mal, é nosso filho, sangue do nosso sangue. Ao menos é uma criança perfeita...
– Você não pensa em...
– Eu nunca prejudicaria uma criança inocente! – Responde ofendido – Principalmente quando esta faz parte de nós...
– Desculpe, eu não quis ofender. Só fiquei preocupada...
– Eu que tenho que pedir desculpas. Você está toda sensibilizada com o pós-parto e eu fico aqui, piorando ainda mais o seu estado emocional.
– Non. Você veio para salvar a minha vida, a minha razão!
– Emi...
A mulher sorri ternamente e, após alguns segundos de silêncio, comenta:
– O médico e as enfermeiras se surpreenderam. Disseram que nem parece que nasceu prematuro.
– O moleque é realmente grande! Nasceu com 48 centímetros e pesa em torno de 3 quilos. Andei conversando com o médico e pelo visto é muito forte e saudável também.
– E ele é tão bonito! Está fazendo um grande sucesso no berçário...
– Ele tem os seus traços.
– Não acho. Achei que o menino parece mais com você.
Oliver responde ao comentário com um sorriso terno e Emilie prossegue.
– Falando nisso, temos que pensar num nome para ele. Pensei em Christophe, o que acha?
– Eu gosto, mas ainda falta um complemento...
– Que tal... Christopher Leon?
– Non. Já basta eu e o meu pai termos este segundo nome. Eu quero algo diferente, mais forte! Que tal... Christophe Louis?
– Pode ser! É bonito e eu não tenho outra idéia.
– Do que você não tem idéia, maman?
– Paul? – Os pais se assustam.
– Eu não agüentava de ansiedade e vim de ônibus. Apanhei um pouco para chegar, mas estava ansioso para conhecer a minha irmã.
– Não tem irmã! – Oliver respondeu com certa frieza..
– Como assim? Não digam que...
– O bebê está bem, não se preocupe, mon fils. Seu pai que não se expressou muito bem. Na verdade, é um menino.
– Menino? Legal! Poderei ficar 24 horas ao lado dele, ensiná-lo a ler, escrever. Farei que assim como eu, tome gosto pela ciência, mas também o incentivarei a ter gosto pelo esporte e pela cultura. Seremos grandes amigos e, por ser menino, não precisarei me tornar um guarda-costas dele.
– Que bom que gostou, Paul.
– Não precisa ficar assim, papa (2)! Sei o quanto queria a menina, mas verá que ele ainda lhe dará muito orgulho. Falando nisso, já pensaram num nome?
– Christophe Luis, o que acha?
– Ah não! É o nome de um professor chato de matemática que eu tive. Será que não dá para mudar o segundo nome ao menos?
– Tem que ser um nome nobre e de respeito.
– Não esqueça que os dois lados da família têm brasão. A família do seu pai já pertenceu à família real e eu, apesar de já não ter mais o sobrenome, descendo de um grande general bonapartista e ministro da guerra. O conde Auguste Michel Etienne Regnault de Saint-Jean d'Angély (3).
– Eu sei muito bem dessa história e me lembro dela sempre que tenho que escrever meu nome completo. Mas já que vocês querem um nome composto e imponente, posso citar um que gosto muito: Antoine Marc. O que acham?
– Gostei. E você, Ol?
– É, pode ser... é bonito e elegante. Então está decidido! O registrarei como Christophe Antoine Marc Vigneux sur Seine Poissy.
Paul assusta-se ao ouvir o nome do irmão, mas não tece nenhum comentário a respeito e restringe-se apenas a revirar os olhos. Emilie abre um largo sorriso, deixando claro que aprovou o nome.
– Narcisse?
O rapaz aparecera na casa de seus pais 5 dias após o nascimento do novo irmão. Já havia sido devidamente informado por Paul e agora viera conferir com seus próprios olhos a boa nova. Imediatamente lembrou-se do momento em que o irmão lhe contara tudo.
Início Flashback
Paul já estava procurando o mais velho há três dias. Queria que o irmão soubesse sobre o nascimento de Christophe, mas parecia que seu esforço sempre era em vão. Já estava desistindo quando o encontrou num beco, fumando algo de cheiro forte e estranho. Um cheiro que fez o jovem ter uma crise de tosse e chamar a atenção de todos que ali estavam. Um homem alto e forte aproximou-se do jovem com um olhar assassino, agarrou-o pela blusa e o ergueu do chão, falando num tom ameaçador:
– O que quer aqui? Isso não é parque de diversões e não gostamos da presença de estranhos!
Paul engoliu em seco. Sentiu um mau pressentimento, um frio que percorria sua espinha e deixava seu corpo completamente frágil e desprotegido. Seu coração acelerava a um ritmo tão frenético que a qualquer momento parecia que iria explodir. Não sabia como reagir, o que pensar e, de forma quase instintiva, juntou todo o ar de seus pulmões para chamar numa súplica desesperada:
– Narcisse...
O loiro já havia visto a cena e, antes mesmo do irmão chamar, havia saído de sua posição para dirigir-se em seu socorro. Num tom firme, que não dava chance de contestações, bradou com o amigo:
– Jean, largue-o! O garoto é assunto meu.
– Mas Narcisse, ele já te conhece e irá nos denunciar.
– Non, ele não faria isso!
– Como pode ter tanta certeza?
– Por que ele é meu irmão e jamais faria algo que pudesse prejudicar a nossa família. Agora vá, saia daqui e me deixe a sós com ele.
– Oui. – Respondeu com certa raiva do garoto e o largou no chão – Se precisar...
– Não vou precisar. Agora saia antes que eu fique furioso!
Jean olhou o garoto mais uma vez e saiu contrariado. Detestava a presença de estranhos, pois sabia que isso poderia trazer a polícia até eles, mas não iria contrariar Narcisse, que apesar da pouca idade e pouca experiência no ramo, já era um dos preferidos do chefe. Todos sabiam que, se algo acontecesse ao loiro, o responsável seria considerado um traidor e a pena pela traição era uma dolorosa sessão de tortura, que sempre deixava seqüelas permanentes.
Paul olhou o irmão com um misto de medo e desespero. Já não tinha forças nem para mover-se dali e suas lágrimas escorriam fartas pela sua face, embora ele não reproduzisse um único som. Despertou de seu transe com o toque e a voz primogênito, que lhe falava:
– Tudo bem, eu estou aqui e não vou deixar que lhe machuquem. Diga... o que deseja? Por que veio aqui se já sabia dos riscos?
– Eu... eu vim avisar que o nosso irmão nasceu.
– Irmão? Não era uma menina?
– Era o que o papai e a mamãe acreditavam, mas nasceu um menino.
– Hum...
– Papa ficou arrasado! Comprou tudo rosa, ajeitou um quarto de princesa e acabou tendo essa frustração...
– Bem-feito! O velho merecia isso.
– Não fale assim, Narcisse!
– Eu falo como eu quero.
– ...Você vai visitar a mamãe, não vai? Vai conhecer o Christophe...
– Oui. Essa eu não perco por nada! Só darei o tempo dela voltar para casa e prometo ir lá. Faço questão estar bem sóbrio para este momento!
O objetivo de Narcisse não era conhecer o irmão, não se importava nenhum pouco com o recém-nascido. Estava feliz pelo fato do pai ter se enganado, estava ansioso por ver a cara de decepção dele. Achou o castigo merecido e ficou imensamente feliz com a notícia, mas fingiu a Paul que aquela felicidade era pela boa nova, pelo nascimento do bebê e pelo fato de saber que apesar do "engano", tudo havia dado certo.
Paul não era burro e não acreditou nas palavras do mais velho, mas preferiu aceitar essa versão a ter que escutar da boca dele que só ia para debochar da cara do pai. Suspirou fundo e esboçou um sorriso. Não iria dar detalhes sobre o nascimento do caçula, pois sabia que o outro não estava interessado nessas informações. Apenas informou-lhe que a mãe voltaria do hospital no final daquele dia ou no começo do dia posterior, mas que ficaria mais uns 30 ou 40 dias de resguardo, recuperando-se do parto e saiu correndo dali.
Fim Flashback
– Bonjour, mãe! O Paul me contou sobre o nascimento do menino.
– Foi realmente uma lástima! Seu pai está tentando trocar e vender algumas coisas para comprar o novo enxoval. Você já viu o seu irmão?
– Já.
– O que achou?
– Que ele tem cara de joelho, assim como toda criança recém-nascida.
– Não fale assim! O Christophe é uma criança muito bonita.
– Aos olhos de uma mãe, até um rato pelado é bonito!
– Mudando de assunto, por onde você tem andado? Está tão magro, pálido! Não anda fazendo nada de errado, não é mesmo?
– Eu? Nunca! Na verdade estou é muito bem. Até parece que vocês não me conhecem... Sabem que eu não consigo ficar parado, enfrentar a rotina e por isso vivo viajando, conhecendo o mundo... E, quanto à minha aparência... fui esquiar na Suíça.
Esta era mais uma de suas mentiras. Para conseguir dinheiro para comprar as drogas, alegou que gostaria de viajar, conhecer novos países e até fingiu em interessar-se pela cultura, pelo esporte. Havia combinado a história com o irmão e conseguiu algumas informações do jovem – informações suficientes e úteis para conseguir convencer os entes paternos de que realmente estava tentando mudar, mas que precisava descobrir um caminho e saber o seu verdadeiro dom. Radiante, os pais não pensaram duas vezes antes de dar o montante. Era um investimento relativamente baixo para o bem-estar e regeneração do filho.
– Ah sim! O Ol me contou... Eu lembro que dei uma boa quantia em dinheiro para você. Gostou do passeio?
Na verdade, o rapaz havia viajado sim, mas não da forma tradicional. Se os pais soubessem... Decidiu mostrar todo o seu entusiasmo e continuar com a farsa. Ao menos dessa forma conseguiria dinheiro mais facilmente. Era só voltar para casa, tomar um banho e fingir um pouquinho. Era um sacrifício válido! Ao menos poderia continuar sustentando o vício e ainda não precisaria ouvir desaforos de ninguém. O único que sabia sobre a farsa era o pequeno Paul, mas não se importava com isso, pois sabia que o irmão não daria esse desgosto aos pais.
– Foi uma viagem inesquecível! Falando nisso, você me empresta algum dinheiro para ir à Colômbia?
– Aonde?
– Colômbia, América do Sul. Falaram que tem umas trilhas muito boas por lá e eu queria explorar a região...
– Falarei com o seu pai.
– Obrigado. Agora acho melhor a senhora descansar. Apesar de já ter voltado do hospital, ainda está de resguardo...
– Oui, tem razão.
– Mãe... o meu pai está em casa?
– Está. Disse que iria estudar na biblioteca e depois viria me ajudar a cuidar do Christophe, por quê?
– Quero dar um abraço nele. Imagino o quão chateado ele deve ter ficado...
– Adoro vê-los assim, como grandes amigos!
Narcisse retribui o comentário com um falso sorriso e saiu sem falar nada. Não queria ter que ficar ali muito tempo! Estava farto daquelas mentiras, daquela ilusão em que viviam. Novamente havia conseguido escapar da verdade, mentira para seus pais com tanta facilidade... Realmente era impressionante a forma com que os pais o amavam, se importavam com sua saúde, sua vida! Começou a questionar-se. Eles eram cegos, burros ou será que não o conheciam? Sua razão o fazia optar pela terceira alternativa, mas o coração preferia acreditar nas duas primeiras.
Oliver estava na biblioteca. Tentava concentrar-se na leitura de "O Mito de Sísifo", um livro que havia ganhado de um paciente 2 meses antes de saber da gravidez da esposa. Lera alguns parágrafos, mas na época o havia abandonado antes do fim da primeira página, pois era religioso demais para aceitar qualquer obra existencialista. A decepção provocada pelo nascimento de Christophe, entretanto, o fez retomar a leitura do livro da autoria de Albert Camus e agora o devorava com gosto. A cada dia, a cada nova linha do livro, a cada novo choro do bebê tornava-se um fã incondicional daquele autor e até começava a lamentar muito pela sua morte, há pouco mais de 5 anos. Mais cedo ou mais tarde já teria lido toda a sua obra. E depois, o que faria? Iria reler tudo? Procurar outros autores do mesmo estilo? Decidiu não pensar sobre o assunto e deixar que o futuro se encarregasse do resto.
Narcisse entrou na biblioteca, viu o pai com o livro em mãos e sorriu! Sabia que ele só ficava assim quando estava muito entristecido. Teve o maior prazer em bater a porta da biblioteca, no intuito de chamar a atenção.
Oliver pulou de susto e voltou-se ao filho.
– Quer me matar do coração?
– Você é forte. Não morrerá tão cedo.
– Respeite-me! Eu sou seu pai.
– Eu sei que está assim por causa do menino. Aliás... é um verdadeiro boneco.
– O que veio fazer aqui, além de me incomodar?
– Pensei que estivesse me caçando...
– Eu estava à procura do meu filho e não de um marginal.
– Nossa! Isso foi um elogio?
– Não ria de mim! Ou...
– Vai me bater, vai? Ah! To morrendo de medo. Já tenho 16 anos e sei me defender muito bem doutor Oliver!
– Por favor, Narcisse! Estou esgotado.
– Serei rápido então. Quero dinheiro!
– Mais? Dei-lhe uma enorme fortuna há cerca de 10 dias. É impossível que tenha conseguido gastar tudo.
– E gastei.
A vontade do jovem era jogar na cara do pai que havia gasto o dinheiro com drogas, bebidas e prostitutas, mas não poderia fazer isso. Apesar da diversão de ver o seu olhar de desgosto, teria que engolir essa verdade para poder sustentar-se, pois sabia que o ente paterno o deserdaria. Narcisse tinha um grande conhecimento a respeito da personalidade do pai: perfeccionista ao extremo, não admitia falhas, fugir dos padrões impostos pela sociedade. Preferia ver um filho morto a vê-lo envolvido em drogas.
Oliver era um hipócrita que pousava de santo, era um bom exemplo de pai e marido aos olhares de todos, mas no fundo só se preocupava com os próprios interesses, com a sua imagem.
O jovem pensou rápido e inventou uma desculpa que iria inflar o ego do médico e deixá-lo envaidecido de orgulho. Para extorquir, tinha que agradar!
– Na verdade, recomecei a estudar e andei usando o dinheiro para pagar aulas particulares e, se tudo der certo, logo estarei com o conteúdo em dia antes mesmo do início deste ano letivo. Se o senhor concordar, eu prefiro estudar num colégio em Paris para dar prosseguimento ao curso de inglês e poder fazer um curso de Teatro ou Música no futuro. Quero ter a minha própria profissão, garantir o meu futuro e decretar a minha independência para que eu possa formar a minha família quando chegar a hora. – Olhou nos olhos do pai e sorriu discretamente ao perceber que estava conseguindo enganá-lo. Prosseguiu. – Precisa de algum comprovante?
– Non. Eu... Eu quero acreditar em você. Estou muito satisfeito com esta sua decisão. Agora está parecendo o meu Narcisse.
– Bem, eu preciso comprar material e, como as aulas começarão em breve, eu gostaria de, antes, fazer um pequeno passeio.
– Mas você acabou de chegar da Suíça...
– Eu sei, mas agora quero ir à Colômbia, na América do Sul. Estou a fim de tentar conviver com a natureza e refletir sobre os meus últimos atos. Quero reencontrar-me, achar o meu caminho! Talvez vivendo uma realidade diferente, consiga entender tudo aquilo que você sempre tentou me explicar.
– Isso é realmente sincero?
– Olhe nos meus olhos e veja se estou mentindo.
– Narcisse!... – Abraça-o fraternalmente – Ah meu querido! Eu sabia que você não iria me decepcionar. Eu confio cegamente em você e estou muito feliz com essa decisão. Olhe, infelizmente estou desprovido de uma quantidade justa agora, mas na segunda-feira, quando abrir o banco, eu retiro o dinheiro, combinado?
– Oui. Bem, se me dá licença, eu preciso dar uma saída.
– Mas já?
– Vou na casa de um amigo para confirmar a viagem e começar a traçar os planos.
– Falou errado. Quem vai, vai a algum lugar. O correto, portanto, é falar "vou à casa".
– Ai, desculpe! Tentarei não persistir no erro... – falou um tanto impaciente.
– É assim que se fala! Então boa sorte, mon fils. Je t'aime. Nunca se esqueça disso!
– Depois de todas as provas que deu? Impossível esquecer. – falou num tom levemente irônico, mas não o suficiente para ser percebido pelo pai e saiu dando um sorriso, não pelo comentário do pai, mas por ter conseguido o que queria: dinheiro para poder fugir da realidade em busca de uma vida perfeita.
As drogas poderiam ser tóxicas, mas eram a única coisa que acalmava seu ego e o fazia acreditar que realmente era alguém; que era amado e não estava só num mundo cheio de pessoas mesquinhas, vazias e egoístas. O vício tornara-se um mal necessário. Narcisse sabia que aquilo estava destruindo seu corpo, sua mente, mas não se importava. Logo morreria, provavelmente de overdose, sob o efeito dos fortes componentes nocivos e tornar-se-ia livre da maldita hipocrisia a qual fora submetido desde muito cedo.
– Paul, Paul... você chegou!
O menino de 5 anos que corria na direção do irmão tinha cabelos cor de fogo, muito lisos, finos e curtos, dando-lhe a falsa impressão de serem ralos. Seu corpo era extremamente branco, magro e delicado – tão frágil quanto o de uma boneca de porcelana. Seus cílios longos e bem delineados, os olhos castanhos num tom levemente avermelhados e a boca pequena, bem desenhada, de lábios levemente carnudos e muito rosados aumentavam essa impressão. Se deixasse seu cabelo crescer ou colocasse alguma peruca de longos cabelos cacheados, poderia ser confundido não somente com uma menina, mas sim com uma boneca viva.
Paul estava agora com recentes 18 anos. Tinha deixado o cabelo crescer a tal ponto que já alcançava seu ombro. Os olhos eram ainda mais verdes, brilhantes e serenos. Tomara para si a responsabilidade de cuidar e educar o caçula. Ensinou-o a andar, falar e agora – a pedido do próprio menino – estava ensinando-o a ler e escrever. Dia após dia Christophe impressionava com sua facilidade de aprendizado, a rapidez de raciocínio e a delicadeza com a qual sempre fazia as coisas.
Paul se apaixonara pelo irmão com a intensidade que um pai se apaixona pelo seu filho e este sentimento era recíproco. Haviam adquirido uma amizade forte, especial. Era difícil vê-los separados sem nenhum motivo aparente. O rapaz fazia questão de levar o irmãozinho aos cursos que este fazia e acompanhá-lo sempre que possível. Nas épocas de prova do mais velho, o caçula se prontificava a ficar ouvindo o jovem de cabelos castanhos e o "ajudava" a estudar, fingindo ser o aluno ouvindo seu professor e mesmo quando não entendia, tentava prestar atenção, assimilar o conteúdo e mostrar-se interessado em, ao menos, aprender alguma coisa. Às vezes fazia questão de deixá-lo em paz, pois sabia que, depois de um período de sufoco, poderiam novamente voltar a ficar juntos.
O pequeno Christophe era um menino comportado e adorava ouvir histórias, tinha herdado o mesmo prazer pelos livros e estudos que o irmão do meio, mas também mostrava-se muito talentoso na área artístico-cultural. Desde os 3 anos, fazia cursos de desenho, pintura, música, teatro e balé para aproveitar o período em que ainda não ia à escola. Além disso, estava começando a ter aulas particulares de inglês. Sempre era fortemente elogiado pelos professores, principalmente quando o assunto era educação, persistência e força de vontade.
Emilie, que estava ensinando-lhe a dançar, se emocionava com a sua graça e leveza. Apesar de ser menino, o filho parecia não cansar de provar que tinha um talento nato para a dança e que podia superar-se, mesmo quando isso era humanamente impossível. Ao menos um dos sonhos do marido havia se realizado: o caçula se tornaria um bailarino de fama internacional.
Apesar de toda essa felicidade aparente, o pequeno aprendera desde o berço a não acostumar-se com toques. O único que o mimava, beijava e abraçava era Paul e mesmo assim o fazia de uma forma discreta, pois não sabia expressar seus sentimentos através da linguagem corporal. O ruivo recebia inúmeros elogios dos entes paternos, mas não conhecia o verdadeiro significado do amor, não aprendera a brincar, a portar-se como uma criança e, certamente, nunca viria a ter uma infância verdadeira.
Paul estava prestes a cursar a faculdade. Como moravam numa cidade pequena, provavelmente teria que se mudar para dar prosseguimento aos estudos e isso o estava deixando abalado, pois implicaria em afastar-se de seu irmão, sua criança adorada, mas não tinha escolha! Chorava noites consecutivas, principalmente após ter recebido o convite para cursar Medicina na faculdade de Paris. Afinal, sua cidade natal situava-se quase na fronteira com a Suíça, na região dos Alpes e, se fosse à capital, ficaria a uma enorme distância de sua família. Havia decidido seguir o seu caminho, mas sem cortar os laços. Estava usando todo o seu carinho para causar o menor impacto possível no caçula, já que o fato de isso não interferir no desenvolvimento psicológico do menino era algo irrealizável.
– Oui. Como você está?
– Muito bem. Eu consegui... consegui escrever o meu nome todo sozinho!
– Verdade?
– Oui. Olhe! – Estendeu uma folha de papel, contendo algumas tentativas e, finalmente a versão final de seu nome.
Paul olhou atentamente o papel e sentiu-se imensamente emocionado ao ver o quanto a caligrafia do irmão estava melhorando, como ficava cada vez mais desenhada, perfeita. Mas, impressionou-se mais ainda, ao ver que o menino realmente havia escrito o nome completo – e correto. Sabia que isso não era uma tarefa fácil devido à complexidade e ao tamanho do nome e por isso sentiu-se ainda mais radiante. Seu esforço e carinho estavam dando resultado! Mesmo não tendo nenhum conhecimento de Psicologia e muito menos de Didática, estava conseguindo ajudar o caçula a aprender o básico ao menos. Pensou no futuro do pequeno e lembrou-se de seu destino, de ter de ir a Paris, mesmo a contragosto. Era injusto! Teria que escolher entre realizar o sonho de sua vida tornando-se um médico e abandonar o ruivinho ou ficar ao lado do irmão e parar de estudar, conseguindo um emprego meia boca que o fizesse crescer na empresa, talvez virar um empresário e ter uma vida medíocre aos seus olhos. Obviamente nunca se perdoaria por desistir de seus sonhos. O desespero da separação, no entanto, quase fez seu coração parar.
– Parfait! (4) Parabéns, Chris... Está muito bonito. Sua caligrafia também está cada dia melhor. Se continuar assim, vai ter um belo futuro.
– Com o professor que eu tenho, fica fácil!
– O professor não é importante e sim a sua vontade de aprender, evoluir e crescer. Chris, você me promete que, se um dia nos afastarmos, você continuará a prosperar nos estudos? Você vai continuar a ser esse menino maravilhoso e especial que sempre foi?
– A gente nunca vai se separar, Paul.
– Vai sim. Eu já te falei... Tenho que estudar e vou ficar muito longe de você, da nossa família! – O rapaz cerra os olhos, deixando uma lágrima escapar. – Eu prometo que não o abandonarei e voltaremos a ficar lado a lado. Por isso você terá que ser forte e mostrar que pode ser independente, especial, como sempre foi.
– Eu não quero! Não quero ficar longe de você...
– Eu também não queria Chris, mas infelizmente não posso levá-lo comigo. Você vai ficar com o papai e com a mamãe, que já falou o quanto você está se desenvolvendo como bailarino. Aproveite essa minha ausência e fique mais tempo com ela, mostre que você é um homem forte e inteligente. Eles ficarão muito orgulhosos. Aí, quando eu voltar, você já estará grande o suficiente para podermos passear juntos e poderei ensinar muito mais coisas a você... Ou prefere que eu fique aqui e vire um burro?
– Non! Você não é burro e nunca vai ser... Ainda não entendo por que você não pode estudar aqui. O papa e a maman falaram algo assim... Que não tem escola aqui e por isso você ia viajar. – Solta um suspiro cansado, cruza os braços e faz um biquinho. – Por que não fazem a escola? Assim ninguém precisava mais viajar, ficar longe da família...
– Infelizmente os adultos só sabem complicar as coisas e inventam um monte de papeladas, burocracia e desculpas para não fazer o certo. Preferem usar o dinheiro para outras coisas. Você vai entender isso um dia...
– Paul, você promete que não vai me abandonar?
– Se você prometer que não irá transformar-se num garoto chorão e provar que pode ser muito mais poderoso do que todos imaginam, eu prometo. Afinal, conheço a sua capacidade e, por isso, quero poder ter orgulho de você.
– Je promets! Vou ser o melhor e mais inteligente, assim como você!
– É assim que se diz Chris. Agora... vou tomar um banho e depois verificarei se anda treinando a leitura tanto quanto a escrita.
– Tá. Você vai ficar bem... é... impressionado.
Paul sorri ternamente e sai em direção ao seu quarto.
Conforme crescia, o pequeno ruivo aprendia a respeitar e admirar o pai. Sabia que ele nunca tinha hora certa para sair ou voltar para casa, que muitas vezes voltava cansado demais para poder brincar consigo e compensava tudo enchendo-o de presentes, elogios copiados de Emilie ou de Paul – que sempre lhe contavam os principais avanços do garoto. Mesmo assim Christophe nunca reclamava do ente paterno, pois sabia que a profissão do pai era salvar vidas e para isso às vezes tinha que deixar os filhos, a família de lado.
– Papa, a maman disse que o Narcisse vai voltar de viagem... Que ele vai passar o Natal com a gente. É verdade?
Ao ouvir essa pergunta, o coração de Oliver falhou uma batida. Como não conseguia admitir a decadência do primogênito nem para si mesmo, o médico preferiu afirmar ao caçula que o rapaz havia entrado para o exército e que estava tentando impedir uma guerra, por isso não podia comunicar-se com seus familiares e nem voltar para casa. A verdade era que o rapaz havia sido preso alguns meses depois do nascimento de Christophe com acusações como tráfico de drogas, porte ilegal de armas, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Se não fosse a influência de seu ente paterno, teria sido condenado a muito mais tempo que os quase 15 anos que havia pego. Graças ao bom comportamento do agora homem de 21 anos, Narcisse seria liberado e poderia voltar para casa 18 dias antes do Natal.
– Oui. Como sempre, conversarei no fim de semana com o comandante responsável por ele e terei todas as notícias necessárias, mas todos estão bem animados com o resultado. Não quero me precipitar, mas há indícios de que ele traga uma medalha consigo.
Essa era a desculpa para justificar as idas ao presídio. Os pais afirmavam que teriam que ir ao Batalhão para obter notícias com o comandante Regnault, um homem que nunca existiu. Ou melhor, usaram a imagem do antepassado de Emilie para montar a farsa que enganaria o caçula e faria com que ele tivesse orgulho do irmão. Como não queriam que os filhos convivessem com marginais e aquele presídio não permitia a visita de menores de 12 anos, sempre alegavam aos dois que só era permitida a entrada de adultos. Para Paul, ainda inventavam a existência de burocracias absurdas, justificando assim o fato de irem visitar Narcisse, no máximo, uma vez na semana.
– Legal! Mas... se não trazer, não tem problema. Eu quero tanto conhecer o meu irmão mais velho que não me importo com isso.
– Christophe, o certo seria "se ele não trouxer".
– Ah ta! Ainda confundo um pouco essas coisas...
– É normal, por isso o estamos ensinando.
O menino sorri timidamente. Repara que ao lado do pai tem um livro e olha a capa. Em seu tom infantil, começa a tentar decifrar o nome do autor.
– Al-b-e-r-t... Al-bert... Albert Ca...m-u mu-s Ca-mus... Albert Camus?
– Você... você leu?
O ruivo balança a cabeça em afirmação.
– O Paul me ensinou. Quem é Albert Camus?
– Meu autor favorito. É... quer dizer... Ele escrever livros que gosto muito.
– Eu sei o que é autor! – O menino responde um pouco aborrecido.
– Desculpe, não quis ofendê-lo...
– Tudo bem.
Um constrangedor silêncio se instaura no ambiente. Após alguns minutos de angústia, uma empregada entra e anuncia num timbre sereno:
– Christophe, a sua professora de inglês chegou. Pedi para que ela se encaminhasse ao seu quarto, como sempre.
– Ah, obrigado! Licença, pai.
– Pode ir... depois conversaremos mais. – Declara com um falso sorriso, que é retribuído com um sincero sorriso infantil.
Emilie não havia resistido à tentação da moda dos anos 60 e comprara diversas perucas produzidas com uma nova fibra sintética, o kanekalon. A francesa preferia cores escuras e vibrantes como tons de vermelho, castanho e preto – sempre muito lisos e compridos, mas sempre diferentes entre si. Oliver tinha estranhado no início, como seria normal em toda novidade, porém não demorou a aceitar a nova moda e incentivar a esposa na compra de modelos. Algumas ele escolhia a dedo e pedia para que ela usasse junto a algum vestido que ele selecionava no guarda-roupa ou mandava fazer.
– Ol... Sempre tão delicado, prestativo! – Dizia a si mesma, penteando uma peruca vermelho sangue.
Christophe bate na porta do quarto e espera timidamente pela reação da mãe. Não queria atrapalhá-la, mas adorava vê-la em suas poses delicadas, suaves e gentis. Nunca entendeu bem o motivo, mas sempre preferiu o colo da mãe ao do pai. Talvez fosse pela convivência diária, pela cumplicidade.
– Aconteceu alguma coisa, Christophe?
– Non. Eu... Eu só senti vontade de ver você. O Paul tá na escola e não tenho nada pra fazer.
– Entendo. – Afirma em meio a um largo sorriso.
– Maman... Porque você tá escovando esse cabelo? – Pergunta apontado a peruca.
– Não é cabelo. É peruca.
– E pra que serve?
– Pra mudar a aparência.
– Como assim?
– Pode fazer uma loira como eu ficar ruiva como você, quer ver?
O menino balança a cabeça em afirmação.
Emilie sorri gentilmente e ajeita a peruca que escovava em sua cabeça de tal forma que os cabelos loiros e cacheados desaparecessem sob a peruca de fios vermelhos e lisos. A mulher ainda ajeita uma faixa branca para segurar os falsos cabelos e se abaixa perante o garoto, deixando-o tocar em sua cabeça.
Christophe, sem muito jeito e com medo de danificar o objeto mágico, passa as suas pequenas e delicadas mãos pelos longos fios. Aparta a carícia e dá dois passos para trás, no intuito de observá-la melhor. Sorri de forma infantil e declara:
– É bonito! Parece de verdade...
– Você acha mesmo?
– Acho!
Emilie sorri ternamente, coloca a peruca numa cabeça de manequim e vira de frente para o filho.
– Christophe, eu darei uma saidinha e depois nos conversamos mais. Tudo bem?
– Tudo.
– Não mexa em nada, ouviu?
– Ahan!
A mulher sai sem olhar para trás, deixando o curioso garoto sozinho em seu quarto. O ruivo estende a mão no intuito de acariciar cada uma das perucas, como se estivesse hipnotizado pelo objeto. Pensava em tocar, abraçar aqueles fios estranhos, mas se conteve. Lembrava-se de um dos mandamentos da Igreja – freqüentemente repetido em casa – que o mandava respeitar pai e mãe como se fossem sagrados, caso contrário seria castigado no futuro. Saiu dali e caminhou até seu quarto, onde decidiu treinar o que aprendera nas aulas de desenho e pintura. Depois tentaria ler mais um pouco e, em seguida, iria treinar o canto ouvindo algum disco de vinil que o pai comprava.
– Chris, olhe! Eles chegaram.
– Ahn?
– O papai e o Narcisse...
– Ah! Vou conhecer o nosso irmão?
– Oui. Você já sabe, mas não custa relembrar... Ele é mais velho do que eu e ainda está um pouco estranho por causa da guerra que enfrentou. Seja paciente e respeite-o como se estivesse conversando comigo.
– Ta.
Um jovem loiro, de cabelos recentemente raspados desce do carro. A feição triste, o porte apático, cansado e a cabeça baixa o faziam parecem bem inferior aos seus 1,86m. Caminhava lentamente e estava muito magro. Não só pelo efeito das malditas drogas como pela péssima comida e por tudo o que passara na prisão.
O sorriso que até então iluminava o rosto do pequeno ruivo apagou-se por um instante. Com uma expressão de compaixão, procurou aflitamente pelo rosto de Paul, perguntando:
– Ele ta dodói?
– Não digo que esteja doente, mas não está nos seus melhores dias. A guerra destrói até os mais valentes heróis.
– Ah! Que pena...
– Não precisa ficar assim, Chris. Só o deixará mais triste... Por que você não abre aquele sorrisão que eu tanto adoro e aproveita para recebê-lo comigo?
– Ta! – Responde sorrindo abertamente e andando rapidamente para acompanhar os passos do irmão de mais de 1,90m de altura.
Eles se encontram já na porta de entrada. Christophe sorri largamente e estende a mão ao mais velho.
– Oi, eu sou o Christophe. Sou seu irmão.
– Eu já imaginava... – Responde o outro a contragosto, sem retribuir ao cumprimento.
– Narcisse? Há quanto tempo! Estava com saudades... – Paul o abraçava fortemente.
– Você sabe que eu não podia voltar. Mas você...
– Eu o quê?
– Nunca deu sinal de vida. Eu sei que tinha que cuidar desse pirralho aí. – Esbraveja apontando Christophe – Mas achei que tivesse alguma consideração por mim. Enganei-me novamente! Até você me esqueceu.
– Escuta aqui, Narcisse, você não tem moral nenhuma para tratar o seu irmão desse jeito. Vá para seu quarto agora!
– Você não manda em mim.
– Mando sim. Eu sou seu pai!
– Ah, não enche... velho! Quer saber? Vou pro meu quarto sim e não quero ser incomodado.
Narcisse começa a correr na direção do próprio quarto. Christophe não se contém com os desaforos e começa a falar alto, para que o mais velho ouça:
– Você deve respeitar o papai e a mamãe, senão Deus castiga.
O loiro não responde e continua seu caminho. Sabia que os pais haviam feito uma lavagem cerebral no garoto e agora os odiava ainda mais. Não demorou a ouvir os passos de Paul logo atrás de si. Entrou no quarto e deixou que o irmão entrasse logo atrás.
– O que foi, Paul?
– Você disse que eu nunca fui lhe visitar, o que é correto. No entanto, não deixei de ir por causa do Chris e sim por causa da burocracia, da idade e de tudo o mais.
– Como assim?
– Oras o nosso pai disse que...
– Não termine! Já entendi e não quero mais um motivo para odiar o nosso pai. Devia saber que aquele hipócrita estava por trás disso. Certamente não queria ver o santinho no meio da prisão... Se bem que no fundo acho que ele tem razão. Aquilo não é lugar para você.
– Desculpe, Narcisse. Eu deveria ter me informado melhor...
– Esqueça isso. O tempo não volta.
– Oui. O que pretende fazer agora?
– Não sei. Vou tomar um banho, descansar e depois penso no resto.
– Estarei aqui se precisar...
Narcisse responde com um gesto afirmativo de cabeça e dirige para seu armário no intuito de pegar uma troca de roupa limpa. Não dirige-se mais ao irmão e entra no banheiro, como se estivesse desacompanhado. Estava cansado e não sabia o que falar. Não queria confirmar ao jovem de cabelos castanhos que não conseguira se livrar do vício e que a prisão o havia ajudado a tornar-se um dos mais poderosos traficantes da região. Não agora... ao menos!
Paul teve vontade de chorar ao ver a verdade nos olhos do mais velho. Não perguntou e não iria perguntar, mas sabia que o mais velho estava com problemas, havia percebido as marcas das aplicações de drogas líquidas por seringas em seu braço esquerdo. Sabia que o mais velho estava sóbrio, mas que isso não iria continuar por muito tempo e teve um mau pressentimento. Uma lágrima escorria pela sua face enquanto ele falava para si mesmo num tom muito calmo e baixo:
– Narcisse, você ainda não desistiu de arruinar a sua vida? Não vê que está morrendo aos poucos? – Suspira profundamente e sai do recinto, encostando a porta.
Finalmente o dia 24 de dezembro chegara. Narcisse não estava em casa e já não aparecia há cerca de 9 dias, o que causava uma grande mágoa em seus pais. O próprio Oliver o havia expulsado de casa após flagrá-lo roubando dinheiro de Emilie e ver Christophe entregando sua mesada, numa tentativa vã de fazer com que ele acordasse para a vida. Infelizmente seu plano não funcionou e o mais velho optou pelo vício, pelos falsos amigos, pela falsa alegria e pela auto-destruição. Não havia mais nada a ser feito!
– A ceia está na mesa. – Anunciava Emilie aos familiares.
– Oba! Vou comer tudo pro Papai Noel me dar um monte de presentes.
– É assim que se fala, Christophe, mas você não está esquecendo de nada?
– Non, maman! Já lavei as minhas mãos... – Mostra as mãos úmidas.
– Não é isso. Falo do aniversário de uma pessoa muito especial...
– Do Narcisse? Ele num tá aqui para receber os parabéns.
– Na verdade, hoje é um dia muito importante aos católicos, pois comemora o nascimento de Jesus, o filho de Deus.
– Ah! Você tinha falado mesmo, Paul... Eu esqueci. A gente vai cantar parabéns? Nos outros anos não cantamos...
– Não cantaremos os parabéns, não! Vamos rezar... – Responde Emilie.
– Ah! Tudo bem então.
Emilie conduz as orações e Oliver mostra-se cada vez mais impaciente com aquilo. Já não acreditava mais em Deus. Só valorizava a obra e os conceitos de Albert Camus e outros escritores existencialistas. Botava em dúvida a própria Medicina, seu legado e todas as más escolhas que havia feito. Tentava reviver sua vida tentando descobrir aonde havia errado e o que poderia fazer para ter a felicidade novamente ao seu lado. Esquecera totalmente da religião e agora sempre tinha algo mais importante a fazer do que ir à missa dominical.
Ao findar dos discursos, dos cantos e das preces, Oliver corta o primeiro pedaço de cordeiro, entregando a fatia à esposa. Esse era o símbolo do início do Natal àquela família. O patriarca deveria cortar uma fatia do prato principal e servir à pessoa que mais prezava e só então os demais poderiam se servir. Seguindo suas ordens, os empregados colocaram músicas suaves para comemorar a data especial.
O jantar prosseguiu no mais absoluto silêncio. Ninguém ousava falar, cantar ou mesmo se mover. No entanto, Emilie deixou seu prato de lado e dirigiu-se ao centro da sala, onde passou a dançar as músicas que tocavam. Christophe não demorou para ir até a mãe e tentar acompanhá-la nos passos, no ritmo!
Paul e Oliver assistiam ao espetáculo. O ruivo parecia um pequeno e delicado boneco ao lado da mãe. Seu jeito leve e gracioso encantava até mesmo aos olhares atentos dos empregados. Em seus lábios, um sorriso infantil fazia parte da cena que poderia ser eterna. O menino só parou quando foi tomado pelo cansaço, no início de uma das músicas, mas a mãe prosseguiu até o fim e foi diretamente até ele.
– Parabéns, Christophe! Você estava maravilhoso.
– Brigado, maman...
– Se continuar assim vai ser um excelente bailarino...
– Estou muito orgulhoso de você, Chris!
– Brigado, pai. Eu também tenho muito orgulho de você, Paul! – Abraça-o. – Prometo que nunca vou lhe dar motivos pra ficar triste por mim...
– E eu confio em você.
– Bom, eu sei que ainda não está na hora, mas vou soltar alguns fogos agora. O Christophe precisa dormir pro Papai Noel trazer os presentes... – Oliver disse num tom cansado, como se estivesse fazendo um favor a alguém.
– Oba! – Comemora o menino que não havia percebido.
Os quatro dirigem-se para fora de casa. Um dos empregados acende e solta alguns fogos de artifício. O barulho inicial assusta o menino, mas logo alguns jogos de luzes e a beleza do pequeno show pirotécnico distraem o ruivo, que acaba adormecendo nos braços de Paul.
O rapaz pega o caçula nos braços e o leva até sua cama. Ao sentir que estava tendo suas roupas trocadas por um confortável pijama, o pequeno acorda, mas deixa o irmão arruma-lo na cama. Estava muito cansado até mesmo para permanecer com os olhos abertos. Sente um beijo na testa e ouve um sussurro delicado num timbre másculo em seu ouvido.
– Feliz Natal, Chris!
– Feliz Natal, Paul. Je t'aime!
– Eu também. Durma com os anjos...
CONTINUA
Um agradecimento especial à Amy Black e à Sinistra Negra, que betaram o capítulo e a todos aqueles que esperaram pacientemente e mandaram suas reviews, via Pandora Box ou fanfiction mesmo: Angel, Pandora Amamiya, XxLininhaxX, Princesa Shaka, Juliane.chan1, Pinquim.Aquariano, Athenas de Aries, Shakinha, patin, Siren Sorento, Luna, Pisces Luna e Petit Ange. Obrigada a todos!
Dicionário:
(1) Bom dia, querida!
(2) papai
(3) Ele realmente existiu. Peguei o nome num site com o título: "O Brumário de Louis Bonaparte".
(4) Perfeito!
