3. Metamorfose
– Paul, Paul! Acorde...
– Chris? O que foi? – Acordou preocupado. Graças aos pesadelos, não havia conseguido dormir. Pensava no quanto Narcisse poderia estar sofrendo naquela noite gélida e solitária. Poderia estar passando fome, abandonado em alguma sarjeta em estado deplorável! Se pudesse, faria de tudo para tê-lo novamente ao seu lado. Entretanto, agora se questionava sobre o ponto a que o irmão havia chegado e se ele realmente desejava voltar..
"Droga Narcisse! Por que teve que ser tudo desse jeito? Por que você sempre teve que ser do contra? Sempre tão rebelde e egoísta? Nunca se preocupou em saber se os outros estavam sofrendo por sua causa ou não, nunca tentou entender os nossos sentimentos e, por isso, talvez nunca tenha percebido o quanto o amávamos. Preferiu ouvir a patotinha do mal, aqueles desgraçados que tiveram a ousadia de apresentá-lo às drogas, mas o abandonaram quando foi descoberto... Eles só querem o seu dinheiro, a sua subserviência, o seu mal!", o jovem de cabelos castanhos remoia-se por dentro. Prosseguiu, no mesmo tom de revolta, como se o outro tivesse diante de si. "Nós sempre quisemos o seu bem, por isso o incentivamos a mudar, a sair desse buraco e largar esse vício maldito que ainda vai levar-lhe à ruína e destruí-lo por completo. As drogas são uma ilusão, um recurso de covardes que não conseguem lutar de cara limpa pelos seus sonhos ou o que é pior, contra os seus medos e anseios. Acaso não sabe que elas matam ou deixam seqüelas permanentes? Acaso não sabe que pode ter uma overdose? Acorde, Narcisse, você já tem 21 anos, é um adulto e precisa aprender a encarar a realidade, por mais dura que esta seja. Tem que aprender que o mundo não gira ao seu redor e que nem todos os seus desejos podem ser saciados, mas também tem que entender que tem uma família, um irmão disposto a ajudá-lo sempre que possível, mas que também tem uma vida e por isso você precisa aprender a caminhar com as próprias pernas."
Apesar de tudo, Paul sempre teve afeição para com o mais velho. Era seu irmão e deveria ser um segundo pai. Como desejou ter tido um relacionamento com Narcisse assim como ele tinha com o pequeno Chris! Apesar de ter tentado de tudo, o então caçula não pôde evitar que o loiro fosse consumido pelos ciúmes doentios que o empurraram ao profundo do abismo e agora sabia: estava impotente, o primogênito havia escolhido desvirtuar-se e abandonar a família e o pior, a presença do outro poderia influenciar o caçula de forma negativa. Olhou ternamente ao doce e pequeno ruivo. Não! Seu anjinho não poderia ser corrompido.
– Acorda logo, Paul. – Resmungava o menino, chacoalhando carinhosamente o irmão, que permanecia deitado de bruços. – O Papai Noel deixou um monte de presentes na árvore! – Comentava em tom comemorativo.
Se Christophe soubesse a verdade... Havia sido o próprio Paul quem comprara a maioria dos presentes e os organizado sob a árvore. Era tão emocionante ver a alegria do menino, tão gostoso ver a reação que ele tinha perante algo tão simples! Sabia que ele ia crescer e que este seria o seu último natal em família, por isso não podia estragá-lo com verdades "inúteis". Logo estaria estudando em Paris e talvez não tivesse tempo para festejar nem as datas comemorativas em família. Preferiu fingir-se surpreso e perguntou:
– Verdade?
– Ahan! Vem ver, Paul. Acho que tem até pro nosso irmão... – Empolgava-se, tentando puxar o outro pela mão.
– Ok. Que horas são?
– Não sei... Eu não sei entender o relógio...
– Ei, não fique assim, mon petit (1). Logo você aprende a ver as horas assim como já consegue escrever seu nome. – Fala em tom terno, afagando os cabelos ruivos e sentando-se na cama. – Me espere colocar uma roupa e depois vou ver o que o Papai Noel deixou pra você.
Paul já estava acostumado com o fato do irmão acordar cedo, mas eram raras as ocasiões onde o menino interferia em seu sono. Afinal, o rapaz de cabelos castanhos estudava no período da manhã e tinha de acordar antes das seis, horário em que o caçula despertava. Estudava em um colégio no centro da cidade, mas a mansão onde moravam localizava-se no alto de um morro e por isso levava-se uma média de 40 minutos para fazer o trajeto em segurança e pouco menos de 30 se fosse feito em alta velocidade. Os irmãos sempre tomavam café da manhã juntos, brincavam um pouco antes da despedida e o caçula despedia-se do outro, acenando de dentro da casa, ainda de pijama. Só deixava a janela quando o carro sumia de vista. Que saudades sentiria desses momentos!
– Mas... eu queria que o papai e a mamãe estivessem junto.
– Ai que biquinho fofo! – Com a mão, Paul brinca com a cabeça de Christophe, movendo-a de um lado para o outro.
– Bobo! – Reclama, cruzando os braços.
O jovem não diria, mas não ousaria acordar os pais. Desde o nascimento do caçula e da prisão do primogênito, Oliver se fechara para o mundo e às vezes parecia sentir ódio de festejar o natal. Precisava mudar de assunto! Não queria ver o seu menino tornando-se frio e amargo.
– Sabe que eu adoro quando você fica emburrado? – Sorri paternalmente, moldando o nariz do caçula com a ponta do dedo indicador direito.
Christophe retribui ao comentário com uma careta divertida, provocando uma pequena gargalhada no irmão. Paul veste-se rapidamente, levanta-se e deixa o ruivo conduzir-lhe pela casa. Ao chegar perante a árvore, o menino se solta e o outro pega um grande embrulho vermelho. Finge procurar alguma etiqueta, acha, vira-se ao garoto e finge-se surpreso.
– Chris, olhe! Esse pacotão é pra você!
– Nossa! É mais grande que eu...
– Mais grande não, maior.
– E qual a diferença?
– Ahn... Bem, são as regras gramaticais. Elas mandam você dizer "maior"... – Respondeu simplesmente. Não tinha certeza de como explicaria à criança, preferiu arriscar a usar o bom senso e confiar na educação do menino.
– Ah! Se é regra, então tenho que obedecer, non?
– Oui.
– E o que tem nesse pacotão? Abre pra eu?
– Chris, você confundiu-se. Tinha que falar "Abre pra mim"!... E antes que você pergunte o porquê, use a dica de uma antiga professora minha, uma mulher muito inteligente chamada Luna. Ela sempre dizia: "Mim não faz nada, quem faz sou eu!" outra dica que posso lhe dar é afirmar que, "quem abre, abre para alguém" e, nesse caso, o alguém é mim, oui? – Dá uma pausa e olha pro garoto, que demonstrou-se um pouco confuso, mas em seguida respondia com um aceno positivo de cabeça. Virou-se novamente ao enorme embrulho e falou. – Quanto ao embrulho, não tenho idéia do que poderia ser, mas vou abrir! – Responde sorrindo. Estava mentindo, pois sabia o que havia ali. Ele mesmo havia encomendado há muitos meses atrás e fazia questão de entregar ao pequeno. O embrulho tinha quase 1,30m de altura e havia dado um grande trabalho para esconder, mas sabia que seria recompensador. Rasgava os papéis com certo cuidado e suspense, revelando seu conteúdo.
– Que lindo, Paul! – Exclamava o ruivo, hipnotizado pelo enorme urso branco de pelúcia que acabara de ganhar.
O boneco tinha um par de olhos azuis piscina e ficava sentado, com os braços abertos convidando a um abraço. O menino correu abraçá-lo e assustou-se ao ver um outro urso igual, mas com cerca de 30 cm entre as pernas do maior. Pegou-o e encarou o irmão, num olhar interrogativo.
– O que foi? – Perguntou o mais velho, contendo o sorriso.
– Eles são iguais, mas este é mais pequeno... – Comentou o menino, mostrando o urso menor em sua mão.
– É que são irmãos... como eu e você. Gostou?
Christophe ficou ruborizado e um pouco intimidado com a declaração. Não sabia o que dizer ou o que fazer! Era o presente mais belo que já ganhara em toda a sua vida: a representação do amor que sentia por Paul. Abraçou-o o mais forte que conseguiu e chorava repetindo que era lindo!
O rapaz de mais de 1,90m lançou um sorriso terno ao olhar para baixo, desvencilhou-se do abraço, ficou de joelhos e, meio sem jeito, abriu os braços para melhor aconchegar o caçula. Afagou os cabelos ruivos e abriu um largo sorriso. Usou seu tom mais carinhoso para comentar:
– Que bom que gostou, Chris! Eu tinha encomendado pro Papai Noel desde o início do ano. Como você foi um bom menino, ele enviou o presente...
– Foi o melhor presente da minha vida!
Paul sorriu e secou as lágrimas do caçula. Respirou fundo e perguntou:
– Você sabe o que é?
– Um urso, oras!
– Sim, mas que tipo de urso?
– Urso branco...
Ao ouvir a simplicidade da resposta, Paul não suportou e riu. Sentou-se no chão e colocou o menino em seu colo. Usando de um tom paternalista, explicou pacientemente:
– Ursos não são como os cachorros... Os ursos brancos só vivem no gelo, em lugares muito mais frios que a nossa cidade. No extremo Norte do mundo... Num local conhecido como Pólo Norte e por isso são conhecidos como urso polar.
– Ah! – Exclamou o curioso garoto, que elevou-se num pulo e ficou em pé, de frente para o irmão. – Então ele mora junto do Papai Noel... Por isso deve ter sido fácil pegar... Deve ter um montão de urso polar, não é?
– Eu não sei quantos existem, mas tem bastante sim e eles não são tão bonzinhos assim... Eles comem carne.
– Carne de boi?
– Não. Carne de peixe, mas podem comer carne humana se uma pessoa chegar muito perto. Você não deve confiar neles, ouviu?
– Eles são perigosos como o Narcisse?
– Quem te falou que o Narcisse é perigoso?
– O papai... Ele falou um monte de coisas sobre o nosso irmão... Eu fiquei com medo!
– Mon Dieu! – Paul exclamou, colocando a mão na boca. Fechou os olhos, respirou fundo e, quando os abriu novamente, colocou as mãos nos ombros do pequeno. – Chris, preste atenção no que eu vou lhe falar.
A resposta veio através de um aceno positivo de cabeça e um olhar sério.
– O nosso pai é um bom homem, mas às vezes fala o que não deve. Você deve amá-lo e respeitá-lo, mas quando ele falar qualquer coisa a respeito do Narcisse, desconfie.
– Por quê?
– Eles brigaram feio e o papai ainda está com raiva.
– Ah! Entendi... É como quando eu brigo com os meus colegas... Eles falam coisas ruins que não são verdade, mas depois a gente volta a fazer amizade e até fica mal por ter falado aquelas coisas.
– É... É mais ou menos isso.
Christophe responde com um sorriso e volta a dirigir-se à pilha de pacotes. Paul respira fundo. Sabia que o pai tinha razão, mas não queria assustar o caçula e não achava justo que o garoto fosse jogado contra o mais velho antes que pudesse formar as suas próprias opiniões a respeito da vida. Ainda sentado, o rapaz de cabelos castanhos continua a remexer nos pacotes. Queria distrair-se e esquecer de seus problemas.
– Pai, voltei!
– O que você quer comigo, marginal? Meu filho está morto ouviu? Mor-to! – Oliver gritava enfurecido à figura loira diante de si. – Saia imediatamente da minha frente ou serei obrigado a chamar a polícia por invasão de propriedade!
– Mas pai... Eu... Eu quero voltar. Quero... Quero sair das ruas, voltar pra casa. Por favor, não me expulse agora... – Estava desesperado. Havia visto muita desgraça naqueles últimos dias e não suportava mais a vida nas ruas. Seria difícil e quase impossível ficar sem as drogas, mas era necessário! Não queria morrer ou ficar retardado como os outros.
– Claro que deseja voltar... Deve ter torrado todo o dinheiro que tinha em drogas e sabe-se lá mais o quê. Agora deve estar endividado e veio me pedir, mas eu não lhe darei mais nenhum centavo, ouviu? – Oliver não conseguia mais acreditar no filho. Já havia mentido tantas vezes para conseguir sustentar seu vício que não iria dar mais uma chance. Tinha de cortar o mal pela raiz. Aquela fruta estava podre e precisava ser jogada no lixo para não contaminar as demais.
– Eu... Eu não me importo. – Respondeu cabisbaixo. – Você é médico e sabe melhor do que eu os efeitos das drogas... Quero largar aquilo! Nem que tenha que ficar trancado no meu quarto, enjaulado pro resto da vida... Ajude-me, pai! – Pedia em desespero, as mãos ocultavam o rosto, o choro compulsivo tomava conta de si, fazendo-o soluçar. Deixou-se cair de joelhos e pediu perdão por todos os seus pecados. Estava sendo sincero!
Oliver olhou a figura aos seus pés e sentiu um desprezo que nunca imaginou sentir por nenhum ser humano. Tinha náuseas, nojo de ver o filho naquela situação, mas não iria esmorecer. Sabia que o jovem deveria estar aproveitando-se da data especial: o dia 25 de dezembro para comover-lhe, mas era tudo em vão! Oliver agora não conseguia mais importar-se com o natal como antigamente e não permitiria que aquele ser estragasse a vida de sua família novamente. Livrou-se do contato físico do loiro e disse:
– Isso é deprimente! Não menospreze a minha inteligência, Narcisse. Pode humilhar-se o quanto quiser... Não cometo o mesmo erro duas vezes.
– Mas pai...
– Não me chame de pai! – Gritou enfurecido. – Eu já disse que o meu filho morreu, não ouviu? Agora saia daqui... Não dou esmola a mendigos.
Narcisse levantou-se lentamente. Sentia uma forte pontada em seu peito pela dor da pior lesão que alguém pode ter: a dor da deserção. Seu pai não só o abandonara como o havia marginalizado também. Nem teve a oportunidade de explicar-se, falar o que havia visto e o motivo que o trouxera novamente àquela casa, não tinha tido oportunidade de mostrar o seu arrependimento e nem de receber o perdão. Seu pai o havia ferido fatalmente e da maneira mais fria que alguém poderia golpear um ser humano: tratando-o pior que um cão sarnento.
Seus sentimentos passaram a misturar-se até que o ódio predominou a sua alma. A seu ver, seu pai era encarnação do Diabo e queria vê-lo sofrer. Correu meio desnorteado e com a visão turva por causa das lágrimas, sem olhar para trás. Sabia que se visse o rosto daquele homem novamente não iria se conter. Nunca teve sangue de barata, por isso usava o pouco de juízo e respeito que nutria por Paul, que não merecia sofrer. Ainda não sabia como faria, mas sentia que precisava vingar-se daquele que um dia ousou chamar-lhe de filho e depois o apunhalou pelas costas. Continuou correndo enquanto a tristeza era substituída pela cólera, pelo ódio e pela vergonha de si mesmo – por ter se rebaixado.
– Narcisse? – Christophe chama assustado, ao ver a figura loira cruzando o jardim coberto de neve para chegar ao portão da casa.
Num ato de reflexo, Paul vira-se e vê o irmão. Sentiu um frio na espinha e teve um mau pressentimento. Abraçou o caçula e ordenou:
– Não me pergunte nada... Vá para dentro e esconda-se! Depois eu lhe procuro.
– A gente vai brincar de esconde-esconde?
– É... Agora vá! Eu vou contar... 1, 2, 3...
Christophe sorri e corre para dentro da casa, obedecendo ao irmão. Paul aproveita a ausência do caçula para correr até o primogênito, que ainda estava no portão. Precisava conversar com ele, acalmá-lo e a ajudá-lo de alguma forma! Sabia que Narcisse havia procurado o pai e que novamente haviam discutido. Estava disposto a desfazer qualquer mal-entendido!
O loiro encostou-se no portão, do lado de fora, e deixou que suas costas escorregassem pelo metal frio. O inverno parecia-lhe imensamente cruel e rigoroso aquele ano, mas não reclamaria! Não tinha o direito de reclamar por um destino que ele mesmo havia escolhido. Entretanto, queria mudar, queria voltar a ser o menino puro, extrovertido e um pouco rebelde de sua infância. Sentia saudades da família e estava assustado com tudo o que passara na prisão e nas ruas. Por que seu pai não lhe deu uma nova chance? Por que o tratou daquela forma? Por que ninguém o entendia?
Paul alcançou o primogênito e aproximou-se. Não faria nenhum barulho que pudesse significar ameaça e tentava não assustá-lo. Narcisse não poderia fugir! Num timbre calmo, chamou:
– Narcisse?
O loiro engoliu o seco ao ouvir a voz conhecida. Imediatamente levantou a cabeça e procurou pelo outro. Agradeceu a Deus por estar sóbrio e ter a certeza de que aquela não era mais uma ilusão causada pelas drogas. Levantou-se e foi até ele.
– Paul? É você mesmo!...
– Oui, não é uma ilusão. Estou aqui! – Abriu os braços e aproximou-se.
Narcisse se deixou ser abraçado pelo irmão, mas não chorou. Seu ódio pelo pai o impedia de demonstrar qualquer sentimento verdadeiro pelo rapaz de cabelos castanhos. Separou-se e olhou em seus olhos. Paul era um anjo no meio daquele inferno! Talvez fosse a ovelha branca daquela família podre.
– Fui expulso de casa...
– Eu sei! Papa não quer nem ouvir falar em você.
– Ele me matou.
– Non... Ele só está com raiva. Vive repetindo que você está morto, que virou um monstro, mas no fundo...
– Ele me odeia!
– Como pode afirmar isso? Ele disse? – Perguntou com certo desespero. A briga havia sido pior do que o esperado, mas Narcisse não poderia render-se assim! Tinha que lutar para provar que merecia uma nova chance, que poderia voltar a ser um bom rapaz e integrar-se novamente ao seio de sua família. Quem sabe o pequeno Christophe não o ajudasse a mudar?
– E precisa? Conheço o doutor Oliver o suficiente... – Declarou amargurado, a voz raspando-lhe pela garganta, os olhos fazendo-se espelho d'alma e demonstrando o mais puro ódio. Percebeu o quanto o irmão ficara assustado com tal expressão em sua face, mas não voltou atrás e nem voltaria. Estava decidido a vingar-se do pai a todo o custo. Seu rosto foi tomado por uma expressão diferente, até meio doentia. Uma idéia surgiu, fazendo-o refletir por um momento. Se desse certo, quem sabe, ele até poderia voltar para casa.
– Por favor... Não tome nenhuma atitude precipitada. – Pedia com temor. Uma nota de desespero podia ser claramente percebida em sua voz. Temia pelo futuro do mais velho e pela segurança de sua família. Por mais que quisesse ajudá-lo, sabia que sua fúria poderia resultar na desgraça do pai e num destino muito mais cruel ao primogênito.
– Ah Paul! Estou tão triste... Vim pedir perdão a ele... Cheguei a ficar de joelhos, mas ele me tratou pior que um cão sarnento. Você não imagina o quanto ele me fez sentir humilhado, o quanto ele me desprezou... Só faltou jogar alguma praga! – Comentava visivelmente perturbado.
– Ele estava nervoso... Logo ele perceberá que errou e vai atrás de você, pedindo desculpas. – Tentou apaziguar, com um sorriso esperançoso. Sabia que quem devia arrepender-se, pedir perdão era o pai e não o rapaz à sua frente. Tentou contornar a situação e pensou em mudar de assunto, mas agora precisava saber a história completa. – Falando nisso, o que o trouxe de volta a essa casa, mesmo sabendo que não era bem-vindo?
– Como disse, vim pedir perdão, pedir ajuda pra sair das ruas, queria voltar pra casa e estava disposto a tudo, mas... – Respondeu cabisbaixo, afastando-se do outro. Novamente agachou-se num gesto levemente infantil, tentando abraçar as próprias pernas, ansiava para sentir-se protegido. Apesar do constrangimento perante o outro, o loiro lembrava uma criança assustada. Narcisse agora estava igual ao Christophe em noites de tempestade: encolhido, choroso e com medo, querendo proteção e afeto.
Quando ouviu isso do primogênito, Paul sentiu vontade de levantar as mãos para o alto e agradecer aos céus por finalmente Narcisse ter decidido dar um novo rumo a sua vida. Estava diante de um milagre, uma obra digna de uma grande e boa festa, regada a alegria e amor.
– Você vai largar as drogas? Que boa notícia, Narcisse! Vai ser muito difícil, mas eu vou ajud... Droga! Não poderei ficar muito tempo em casa. – Comentou desanimado. Havia esquecido que teria de ir morar em Paris para dar continuidade aos estudos, mas não podia negar ajuda ao mais velho. Prosseguiu – Ao final do inverno terei de partir para Paris, onde cursarei Medicina. Olha, se você quiser, eu lhe ajudo. Dou um jeito de trancar a matrícula e começar no ano que vem... Afinal, é preferível perder um ano de estudo à vida do meu querido irmão.
– Obrigado, mas não quero que se sacrifique por mim.
– E quem disse que é sacrifício?... Já pensou: eu, você e o Chris? Seremos unidos, tão unidos que ninguém terá coragem de nos separar. Você vai conhecer o nosso irmão e ver que pode ensinar muita coisa a ele... Ah Narcisse! Estou tão feliz!...
– Por favor, não fale assim! Não crie falsas expectativas... – Pedia, sentindo um aperto no coração. Já havia se decidido: voltaria à noite acompanhado de sua gangue. Provavelmente roubariam objetos e bateriam em Oliver... Não poderia dar nada errado! Ou poderia?
– Vai dar tudo certo, confie em mim!
Era melhor não arriscar. E se o barulho atraísse a atenção dos irmãos? Poderiam se ferir ao tentar defender o pai. Respirou fundo, olhou nos olhos verdes de Paul e usou de um tom carinhoso para conduzir o diálogo.– Paul, posso pedir um favor?
– Oui!
– Saia de casa hoje à noite e leve o Christophe junto.
– Sair à noite com o Chris? Mas... Já sei! Você quer conhecer o nosso irmãozinho e como não pode entrar em casa...
Poderia mentir e afirmar que essa seria a sua intenção, mas estava disposto a mudar e, para isso, não poderia enganá-lo. Preferiu omitir as suas reais intenções. Como explicar que traria sua gangue para fazer uma limpa na casa? Como afirmaria que iria destruir o próprio pai? Preferiu usar de um tom neutro para falar:
– O motivo não é bem esse, mas não quero entrar em detalhes. Eu sei que você tem dinheiro, então vá para um hotel e durma lá ou então ligue a algum amigo, mas saia às 5 da tarde e não volte pra casa!
– Eu não entendo...
– Não é para entender! – Explodiu, acalmando-se logo em seguida – Apenas me obedeça... É para o seu próprio bem.
Paul finalmente entendeu. O irmão iria fazer algo contra seu pai. Tinha que intervir, mas sabia que não adiantaria argumentar enquanto o mais velho ainda estivesse de cabeça quente e tomado pelo ódio de seu ente paterno. Respirou fundo, virou de costas e continuou estático, encarando a casa. Queria dizer tudo o que estava preso em sua garganta, jogar na cara do irmão todo o discurso que a sua mente havia preparado naquela manhã, mas sentia-se travado diante dele.
"Por que não consigo censurar o meu irmão? Por que não posso ajudá-lo a pôr os pés no chão e enxergar a realidade? É sempre assim!", reclamava consigo mesmo, revoltado por sua impotência. Quantas vezes não quis dizer a verdade, apontar os defeitos de seu pai e do primogênito, mas a boa educação o impedia! Toda vez que partia decidido a pôr tudo em pratos limpos, um nó se formava em sua garganta, impedindo-lhe de expressar-se. Não adiantava lutar, pois era mais forte que ele!
– Tudo bem, eu vou! – Paul fingiu entrar no jogo. Não sairia nem alertaria a família sobre o perigo que estavam correndo. Ficaria em alerta e faria Narcisse mudar de idéia quando este voltasse. Usou um tom impassível para completar. – Farei as nossas malas e partirei com o Chris para a nossa casa nos Alpes. Para todos os efeitos, iremos esquiar, patinar no gelo... enfim! Vamos nos divertir nesse final de férias. Só espero que amanhã eu não tenha que voltar para o velório do nosso pai.
– Ainda não sou assassino! – Resolveu tranqüilizá-lo.
– Confio em você, Narcisse! – Falou ainda de costas ao primogênito, dando alguns passos em direção à casa. – Não me importo com a casa ou com o dinheiro, mas não estrague a nossa vida... Se me dá licença, tenho muito a fazer.
Narcisse ficou mudo. Era a primeira vez que via Paul tão amargurado. Tentaria cumprir sua promessa de não matar Oliver, mas certamente o deixaria aleijado, sem condições de exercer sua profissão novamente. Acreditava até que este seria o melhor e mais sofrido castigo que aquele ser mesquinho poderia sofrer. Subiu em sua motocicleta e saiu sem despedir-se. Não queria ver Paul chorando!
Oliver estava na biblioteca quando olhou o relógio. Faltavam pouco menos de 15 minutos para as cinco horas da tarde. Havia pensado sobre a visita de Narcisse e agora era tomado pelo peso da dúvida. Estaria o rapaz dizendo a verdade? Estaria mesmo disposto a largar o vício, as falsas amizades e toda aquela vida maldita para transformar-se num homem de bem?
Olhou o jornal em mãos. A manchete de um jovem morrendo de overdose havia mexido muito consigo. Quantas mortes parecidas o primogênito não presenciara? Quanta violência ele já havia visto? Ninguém em sã consciência resistiria a tanta tragédia, mas tinha a dependência física que em pouco tempo provocaria uma crise de abstinência. Quanto tempo o rapaz conseguiria ficar sem elas?
– Por que você tinha que cair nesse buraco, Narcise? – Perguntava a si mesmo.
Levantou-se e decidiu ir à cozinha tomar uma xícara de chá para relaxar. Assustou-se ao ver Narcisse novamente na sala. Desta vez, ele não estava sozinho e a sua aparência era assustadora.
Os olhos estavam vermelhos e irritados, seus movimentos eram agitados e, a todo o momento, ele olhava ao seu redor, procurando por algum inimigo invisível. Os músculos estavam trêmulos, a respiração parecia-lhe um pouco difícil e as alterações de humor eram evidentes. Engoliu o seco e tentou falar:
– Narcisse, meu filho, eu não disse que...
– Filho? Eu pensei que seu filho estivesse morto. Eu sou apenas um indigente, um marginal drogado que invadiu a sua casa. – Respondeu com desprezo e aproximou-se do senhor. Agarrou-lhe pelo colarinho e o elevou, enquanto gritava. – ONDE ESTÃO ELES?
– Paul e Christophe? – Perguntou com certa dificuldade. Seus olhos estavam vidrados no rosto de Narcisse, as mãos suavam frias e não conseguia raciocinar direito, aquilo não poderia estar acontecendo! Não! Sabia que ele era um marginal, um drogado, mas nunca pensara que... Seu próprio filho fosse de fazer uma coisa daquelas. Então a vingança do rapaz era tirar a vida dos próprios irmãos? Sua mente foi tomada pelo pânico, temor e anseio.
– NÃO VAI ME ENGANAR! Eu sei que meus irmãos estão em segurança... Falo dos malditos policiais escondidos.
– Não há policiais, Narcisse!
– MENTIRA! VOCÊ ESTÁ MENTINDO. VAI ME DEVOLVER ÀQUELE INFERNO, VAI FAZER COM QUE EU PAGUE PELOS SEUS ERROS. Eu não volto pra prisão, ouviu... doutor Oliver?
– Narcisse, solte-o! – Uma voz adulta e calma pedia no alto da escada.
Os 4 aliados de Narcisse logo apontaram as armas ao garoto que se aproximava do grupo, iriam atirar, mas foram impedidos. O pequeno grupo era composto por Jean, um homem alto de aspecto carrancudo que já havia atacado Paul há quase 6 anos, quando o adolescente procurou o irmão para avisar sobre o nascimento do caçula. Além disso, haviam 2 rapazes de estatura mediana, muito mirrados e aparentemente drogados. Um tinha os cabelos e olhos pretos e Samuel, um rapaz de cabelos e olhos castanhos. Para finalizar, um homem de olhar assassino, porte robusto, embora um pouco fora de forma, coberto de tatuagens demoníacas. Seus olhos eram azuis-escuros e os cabelos num tom chocolate. No mundo do crime, era chamado de Vingador.
– Eu disse pra você zarpar, não disse? O que faz aqui? – Narcisse perguntava em tom autoritário como se quisesse intimidá-lo e impor algum respeito. Largou o pai, permitindo que esse agora pudesse respirar sem dificuldade e foi na direção do irmão. Olhou para cima, esfregou os olhos e sentiu-se confuso. E se aquilo fosse uma ilusão? E se fosse a sua consciência lhe pregando uma peça? Paul lhe parecera tão decidido a partir... Não deveria ter se drogado antes de atacar aquela casa!
– Eu não vou deixar que estrague a nossa vida. Você é meu irmão e, se for preciso, lutarei até o fim para tirá-lo dessa. – Comentava o rapaz, descendo a alta escadaria, um pouco temeroso, pois os comparsas de Narcisse ainda deixavam as armas visíveis, demonstrando que estavam prontos para atirar se fosse executado qualquer movimento brusco.
– Paul, fuja! Saia daqui e salve a sua vida. – Pedia o pai, em desespero. – Este não é o Narcisse, apenas uma sombra dele. Ele está sob efeito de alucinógenos e talvez até tenha feito o uso de anfetamina. Por isso não vai ouvi-lo...
– Cala a boca, velho! – Narcisse esbravejou, dando-lhe um tapa no rosto tão forte que fez o pai desequilibrar-se e cair no chão.
– Père! – Gritou Paul, descendo os degraus o mais rápido que conseguia.
Assustado, Samuel atirou e foi seguido pelos outros. Paul viu quando Christophe surgiu da cozinha, mas não teve tempo de reagir. O primeiro tiro acertou o ombro esquerdo, o segundo foi no lado direito, a meia altura entre o peito e a cintura. O terceiro atingiu novamente o lado esquerdo, na altura do umbigo, pegando de raspão. Caiu inerte, rolando escada abaixo. O pequeno queria correr até o baleado, mas tinha medo dos bandidos e escondeu-se atrás de uma coluna, de onde podia presenciar as cenas, mas não podia ser visto.
– PAUL! – Gritou Oliver, correndo em direção ao filho.
– Desgraçado! Você viu o que fez? VOCÊ MATOU O MEU IRMÃO! – Narcisse apontava um dedo acusador na direção de Oliver.
– Eu não fiz nada! Foram esses seus malditos amigos. – Falava, enquanto socorria o filho. Já tinha perdido Narcisse, não poderia perder seu querido Paul! Começou a examiná-lo e conseguiu avisar. – Ele está vivo! Está com uma lesão muito séria na cabeça... provavelmente esteja com traumatismo craniano (2) e, pela altura, pode ter tido o rim e o fígado direito perfurados, quem sabe a vesícula... Por favor, Narcisse, me deixe levá-lo ao hospital antes que seja tarde demais. – Implorava o médico, com os olhos marejados, tentando prestar os primeiros-socorros ao filho que jazia ensangüentado em seus braços.
– Jean, chame uma ambulância! – Ordenou Narcisse.
– Mas, Narcisse...
– Não discuta! – Vociferava. – Confie em mim... Eu conheço essa casa e poderemos limpá-la a tempo.
Por um momento ele demonstrou resistência. Chamar uma ambulância poderia ser muito arriscado, mas, por fim, resolveu acatar às ordens do protegido do seu chefe. Ninguém sabia ao certo a relação entre os dois, mas sabiam que Narcisse tinha as costas quentes e conseguia tudo o que queria. O preço dessa proteção era ter sua cabeça a prêmio, com constantes riscos de morte. Por isso precisava de auxílio!
Narcisse foi até o pai e arrastou-o alguns metros pelos cabelos, divertindo-se com os gritos de dor e desespero, vendo as lágrimas caindo por seu rosto e as tentativas desesperadas de livrar a cabeça das mãos do filho. Deixou o ente paterno no chão e chutou sua barriga com toda a raiva que estava sentindo. Decidiu descarregar naquele ser odioso todo o medo que sentia nas ruas, toda a raiva pelas constantes perseguições e armadilhas que lhe aprontavam no intuito de destruir-lhe. Mas, mais que isso, descarregava a revolta por ser um dependente químico e estar preso àquele mundo. Em tom de desprezo, anunciou:
– Isto é por mim! – Continuava espancando-lhe a sangue frio.
Oliver urrava de dor e tentava pedir desculpas, dizer que o ajudaria, mas era ainda mais castigado cada vez que abria a sua boca. Olhou uma última vez na direção de Paul e temeu não poder ajudá-lo. Sentia-se culpado por toda aquela situação, era merecedor daquele martírio, mas não podia deixar seu filho querido, seu único consolo perecer. Tentou levantar-se, estender a sua mão naquela direção, mas Narcisse não deixou, esmagando-lhe as mãos contra o assoalho com o pé.
– E isso... – Tirou a arma que estava presa próximo ao cinto da calça e, sem pressa, ficou deliciando-se com a cena de ver Oliver ser totalmente tomado pelo pânico. Abaixou-se, ficando de cócoras e colocando a arma próxima da barriga dele, fazendo sentir o metal frio contra sua pele, vendo-o arregalar ainda mais os olhos, mira-lo abrir a boca como se quisesse gritar, mas não conseguindo emitir nenhum som – Isso é pelo Paul. – Por fim, sem pestanejar, apertou o gatilho podendo sentir o impacto da bala perfurar o pai, fazendo com que sua mão fosse um pouco para trás por causa da intensidade do golpe proferido. O sangue dele jorrando, ensopando as mãos do assassino.
– Por que, Narcisse... Por quê? – Perguntou com dificuldade, segurando o filho pelo colarinho de modo que seus rostos ficaram a poucos milímetros de distância, esvaindo-se em sangue. Não entendia o motivo do filho ter caído desse jeito, não aceitava aquela realidade, aquele olhar de ódio.
– Porque eu nunca conheci o amor. – Respondeu friamente. – E ainda por cima, você está me sujando com seu sangue imundo!
– Pois – Disse devagar, engasgando-se com a própria língua. Agora nutria o mais puro ódio por tudo o que Narcisse tinha feito. – Esse sangue é o mesmo que corre em suas veias!
Narcisse se levantou de um salto, afastou-se um passo para trás e descarregou mais quatro balas na cabeça dele, desfigurando o rosto por completo.
– ASSASSINO! – Gritou desesperada a mãe, entrando na casa. Estava voltando da aula de balé, que sempre dava a uma turma de jovens. Não pôde falar mais nada, pois o recebeu um tiro em seu pescoço e outro entre os olhos, sendo arremessada alguns centímetros para trás por causa da intensidade do disparo.
Narcisse, o culpado pela execução, jurou ter percebido algum movimento atrás da coluna e disparou o último projétil naquela direção. Não sabia, mas a bala passara a pouco menos de 20 centímetros da cabeça do caçula. Demonstrando-se enojado, jogou a arma descarregada no chão e murmurou:
– Você é tão culpada quanto ele... Só pensavam em vocês, na própria felicidade e esqueceram-se de seus próprios filhos.
Ele parou por um momento, depois olhou para o teto, procurando pela luz branca que deveria estar descendo dos céus. Não viu nada! Deus não existia, a não ser na mente de hipócritas, loucos e desesperados como seus pais ou na de pessoas ingênuas como seu irmão. Deu uma última olhada no rosto desfigurado de Oliver e, como se ele pudesse ver e ouvir, usou de um sorriso pejorativo para gritar, com as mãos estendidas:
-PAI! PERDOAR-LHES! POIS ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM!
Um silêncio quase absoluto fez-se depois disso, um sorriso de vitória, doente, frio tamborilou em seus lábios. Agora a sua vingança estava completa! Destruiu a vida, a crença e a integridade daquele que lhe negara abrigo. Em nenhum momento acreditou que o pai tivesse se tornado um verdadeiro ateu. A linha entre o ódio e o amor é muito tênue e preferia acreditar que o médico vivia dividido entre os dois lados. Essa atitude combinaria melhor com o aquele homem.
– Narcisse, não temos tempo, logo a polícia chega... – Comentou Jean, interrompendo o silêncio, um pouco assustado pela tamanha crueldade do colega.
O rapaz deu um aceno positivo de cabeça e levou os amigos ao escritório. Assaltou o cofre: pegaram jóias e dinheiro. Seus amigos o ajudaram a pegar objetos de alto valor como quadros e vasos. A casa era um verdadeiro paraíso do ponto de vista econômico.
Após uma última visita aos aposentos, chegaram à sala, que estava cheia de policiais, chamados pelos bombeiros, que haviam desconfiado da incoerente desculpa dada para prestar socorro a um jovem baleado na casa da família mais rica e importante daquela cidade. Narcisse lembrou-se que estava desarmado. Olhou para o lado e localizou o revólver calibre 38. Correu naquela direção, mas nem a cobertura dos demais impediu que ele fosse cravejado de balas, morrendo quase instantaneamente, agonizando um pouco antes de cair estatelado no chão. Dentre os outros quatro integrantes, somente Jean conseguiu fugir, pois se acovardou, usando os corpos dos companheiros como escudo, permitindo que eles também fossem atingidos e saindo apressado pelos fundos.
Um policial e Pierre (um dos integrantes da pequena gangue) morreram. Os outros dois traficantes foram presos. No tiroteio, quatro policiais ficaram feridos e, quando tudo parecia acabado, um soldado surpreendeu-se com o pequeno garoto ruivo, visivelmente aterrorizado, atrás da coluna.
– Doutor, sou Nicolas Lèon Auguste sur Seine Poissy, pai de Oliver Lèon Guillaume sur Seine Poissy e avô do pequeno Christophe e do jovem Paul. Gostaria de saber como eles estão. – Falava um senhor de 65 anos e escassos cabelos brancos. Os olhos azuis-piscinas destacavam-se no cansado rosto alvo.
– Fisicamente, Christophe está ileso, mas ele testemunhou uma verdadeira chacina e... bem, talvez nunca se recupere. – Respondeu, com certo pesar.
– Entendo. – Disse no mesmo tom, sentindo-se culpado pela tragédia. Se não tivesse se afastado da vida de seu filho, talvez isso não tivesse acontecido. Há anos havia brigado com Oliver, inconformado com a forma com a qual o filho tratava Paul e Narcisse. Num momento de profundo desgosto, chegou a falar que seria melhor que os netos fossem enviados a um colégio interno na Suíça, o que resultou uma forte discussão e o início da dissolução daquela família. Respirou fundo antes de perguntar, temendo a resposta. – E o rapaz?
– O jovem está em coma, em estado vegetativo. Embora aparentemente não tenha riscos de vida, não sabemos se ele poderá acordar um dia. A tecnologia moderna ainda não ajuda nos mistérios do cérebro... Por isso, se acordar, apresentará seqüelas que não podemos determinar no momento. – O médico declarava num tom neutro. Respirou fundo, antes de prosseguir. – Fora isso, mesmo não havendo nenhuma complicação ou piora, já podemos adverti-lo sobre um grave problema, decorrente da queda.
– Diga, qual é o problema? O garoto ficará aleijado? – Perguntava com certa angústia e tristeza na voz. Paul era um rapaz tão jovem e tão cheio de vida, com boas notas, boas atitudes... Não merecia um destino tão cruel.
– Se for desconsiderada a lesão no cérebro, ele não corre tal risco. Das três balas que acertaram seu corpo, uma passou pouco acima da clavícula esquerda, sem grandes prejuízos à saúde do paciente. Ainda do lado esquerdo, houve outra de raspão em seu tronco, na altura do umbigo. Felizmente ambas só perfuraram a pele. A terceira foi mais preocupante, pois acertou o rim direito, mas já operamos e estamos otimistas com os últimos resultados. Com relação à queda, entretanto, Paul teve uma torção no saco escrotal. Conseguimos operar a tempo de evitar a impotência, mas não a esterilidade... Sinto muito.
Nicolas não evitou soltar um suspiro pesaroso após tal informação. Contudo, a tragédia servira para demonstrar o quanto os laços de sangue não tinham tanta importância assim. Pensou em tudo o que poderia ter acontecido e tremeu ao lembrar de que não havia acabado. Ainda precisaria velar pela saúde de Paul. De um modo sereno e um pouco distante, declarou:
– Se este for o único dano, ficarei feliz, pois ainda tenho um neto plenamente saudável e com capacidade de gerar filhos. Além disso, Paul poderia optar pela adoção de um lindo bebê na hora de formar a sua família. Uma tragédia como essa mostra o quanto um laço de sangue pode ser insignificante...
Talvez ficasse horas falando a respeito do assunto, discutindo e celebrando o fato de ter seus netos ali. Poderia evangelizar e declarar o quanto acreditava em sua religião, mas foi interrompido por uma voz que ele prontamente reconheceu. Virou-se e não teve dificuldades para lembrar da figura exótica que caminhava em sua direção.
– Senhor Nicolas? – Chamava um senhor alto, de pele branca, longos cabelos prateados e olhos verdes. Vendo de perto, dava-se a impressão de que tinha uma espécie de pinta no lugar das sobrancelhas.
– Oui? – Respondeu Nicolas.
– Sou Shion... Conversei contigo ontem, lembra-se? – Perguntou o estranho.
Nicolas respondeu com um aceno positivo de cabeça. Quem poderia esquecer de um homem daqueles? Sentiu-se um pouco nervoso, pois sabia a gravidade da situação e da conversa que teriam. Visivelmente incomodado, olhou o médico e as pessoas que transitavam no ambiente. Parecia que iria cometer algum delito!
– Se me dão licença, tenho que atender um paciente... – Comentava o médico, percebendo o clima travado entre os dois e aproveitando-se do fato de ter sido chamado por uma voz feminina, vinda do auto-falante posicionado próximo ao local.
Os dois senhores fizeram um aceno despedindo-se do homem de vestes brancas e seguiram para um lugar isento de olhares desconfiados e ouvidos atentos para só então reiniciar a conversa.
– É sobre o meu neto Christophe, non? Eu quero saber quais são as suas reais intenções com o garoto. – Falava com a autoridade de um general. Faria tudo pelo bem dos netos.
– Eu soube do caso pelos jornais. Foi um grande choque! O menino ainda deve estar muito debilitado mentalmente e por isso nossa instituição se interessou pelo caso. Estamos oferecendo o apoio necessário para ele desenvolver-se e transformar-se num homem forte e equilibrado.
– Infelizmente já estou muito velho para cuidar de uma criança de seis anos e não sei se conseguiria educá-lo depois de tal tragédia. Além do mais, apesar de ser meu neto, posso dizer que não o conheço o suficiente, o que é uma pena. Paul sempre o elogiava... – Nicolas comentava mais para si mesmo do que para o estranho. – A qual fundação o senhor disse pertencer mesmo?
– Fundação Graad, senhor.
– É uma escola para... retardados? – Perguntou vacilante. Shion havia se demonstrado muito preocupado com o estado psicológico de Christophe e Nicolas temia que este fosse o destino do pequeno ruivo.
– Não senhor, está longe disso. – Respondeu com firmeza. – Seu neto irá tornar-se um guerreiro em nossas mãos. Não posso especificar como serão os procedimentos, mas garanto que não irá arrepender-se.
– Que assim seja! – Declarou, por fim. Queria poder ver uma luz no fim do túnel, não importava a que preço. Estendeu a mão em sinal de que aceitava o acordo e declarou, em tom neutro. – Não se preocupem, todo mês eu darei uma quantia generosa à instituição e garantirei uma espécie de hospital próprio que poderá ser usado gratuitamente por qualquer outro garoto. O senhor disse que levará o meu neto à cidade de Atenas na Grécia, mas em que lugar especificamente?
– No Santuário de Athena, mas talvez ele tenha de viajar futuramente. – Resolveu falar a verdade, mesmo omitindo a intenção de transformá-lo num defensor da deusa, mais especificamente, num cavaleiro de ouro.
– Não sei o motivo, mas confio em você. – Respondeu friamente. – Hoje mesmo assinarei a papelada para que possa levar o garoto... Não pense que estou abandonando o meu neto, só estou tentando fazer o melhor para ele. – Disse numa tentativa de convencer a si próprio.
– Entendo e reafirmo que ele esteja em boas mãos.
Shion nunca confessaria, mas já havia conhecido Christophe e já estava preparado para usar seu dom de telecinese para convencer Nicolas a entregar o pequeno ruivo. Felizmente não havia sido preciso, já que o avô entregou o menino por vontade própria. O medo do francês era evidente para qualquer um e isso significava que o futuro e o destino de Christophe agora estavam em suas mãos.
– Venha, acho melhor conhecer o garoto... Está na ala psiquiátrica infantil.
– Christophe, esse é Shion. Ele irá levá-lo para uma escola especial... – Comentou o francês, triste ao ver o neto encolhido na cama.
– Ele vai deixar eu ver o Paul?
– Nós já conversamos sobre isso... Você sabe que é proibida a visita de crianças...
– Por quê?
– Bem, você poderia tropeçar num fio e... digamos assim, prejudicar o seu irmão.
– Eu nunca faria nada contra o Paul!
– Eu sei, mas...
– Eu quero ver ele! Quero ver o meu irmão. – Exigia o pequeno ruivo com os olhos marejados e ar de rebeldia.
– Christophe Antoine! Você está me fazendo passar vergonha diante do senhor Shion, o diretor do colégio interno para onde você será mandado. Paul sempre me disse que você é um menino educado, gentil, mas...
Christophe baixava a cabeça. Não sabia o que era um colégio interno, não imaginava o que o destino reservava para seu futuro, por isso não ousou interromper o avô. Lembrou-se de tudo o que Paul lhe ensinara e deixou uma fina lágrima escorrer pelo rosto infantil. Realmente... Se o irmão estivesse ali, estaria decepcionado com as suas atitudes.
– Eu o levarei para ver o irmão. – Shion afirmou firmemente, interrompendo a bronca de Nicolas.
– Vai mesmo? – O menino sorria largamente, aproximando-se do estranho. – Vou poder ver o Paul de novo?... Merci! Merci, monsieur Shion. (3) – Agradecia com os olhos brilhando. Queria tanto falar com Paul, saber se ele realmente estava vivo, se iriam ficar juntos novamente.
– Mas senhor Shion, as regras dizem...
– Geralmente eu odeio desobedecer às regras, mas isso é um absurdo! O menino tem o direito de ver o irmão. – Declarava com certa frieza, encarando o francês com tal autoridade que esse não teve outra alternativa a não ser acatar à decisão do tibetano, que logo transfigurou-se num semblante sereno e cativante e estendeu a mão ao pequeno ruivo. Sua voz agora era doce e suave. – Venha, Christophe!
O menino prontamente aceitou a mão do estranho. Olhou ao avô, mas não disse uma única palavra. Voltou a agradecer Shion com sorrisos e um abraço. Sentia saudades de Paul, sabia que ele estava doente, mas precisava vê-lo novamente! Não entendia o motivo, mas algo dentro de si o impulsionava a lutar pelos seus direitos.
– Paul... Paul, acorda! – Pedia a voz infantil, cutucando de leve o corpo do irmão.
– Ele não pode responder, mas pode te ouvir... – Comentou Shion. Um pouco receoso com a reação da criança.
Christophe afastou-se alguns passos, olhou ao redor e observou cada fio ligado ao corpo do rapaz, com a cabeça e o tronco enfaixados. A mão esquerda estava presa junto ao tronco, evitando que o jovem pudesse executar qualquer movimento com o ombro esquerdo – o que agravaria a lesão no local e ainda geraria muita dor ao paciente. O garoto não entendia a serventia, mas chorou ao ver um tubo saindo da boca do irmão. Voltou a aproximar-se da cama, segurou a mão direita do mais velho com cuidado para que nenhum fio escapasse e deixou que suas lágrimas caíssem fartas pela cútis perfeita de sua face. Algumas gotas molhavam as costas da enorme mão inerte e pálida que o pequeno segurava com tanto esmero.
Relembrou de sua vida e de tudo o que passaram juntos. Paul havia sido o único a lhe dar carinho, atenção e educação. Sempre tão generoso e carinhoso... Não era justo! De repente, veio-lhe em mente a conversa que teve poucos dias antes de ter conhecido Narcisse, onde prometeu que não se tornaria um garoto chorão quando se separassem.(4) Não podia decepcioná-lo! Limpou as próprias lágrimas com as costas da mão e, tão logo conseguiu acalmar-se, pediu:
– Senhor Shion, me levanta um pouco? Quero ver o rosto do Paul...
Shion, um pouco relutante, atendeu ao pedido: pegou o menino ruivo no colo e aproximou-se da cama. No fundo, temia que o pequeno Christophe se abraçasse ao mais velho, que gritasse e até o culpasse por aquela situação. Não estava preparado para o que aconteceu a seguir.
O francês ajeitou-se nos braços do estranho, depositou a mão direita sobre a mão do irmão e deixou que o seu rosto se transfigurasse. O semblante sério e frio deu lugar à expressão chorosa de alguns minutos atrás. Dedicou toda a meiguice que ainda restara em seu coração àquele momento, respirou fundo e, com firmeza, declarou:
– Eu nunca mais vou chorar de novo! Nunca vou te esquecer e vou descobrir um meio de trazer você de volta. Vou estudar, vou crescer e ficar forte... Serei o melhor, mas nunca serei como o papai... Quero ser como você! Vou rezar e aprender muito... Você terá orgulho de mim, Paul... Je promets!(5)
Puxou a mão do mais velho com o mesmo cuidado de antes e depositou um beijo. Lançou um último olhar, abraçou Shion firmemente, mas não chorou. Respirou fundo, fechou os olhos e, quando abriu, exibiu o vazio que havia em seu coração. Deu um último sorriso terno e, declarou:
– Paul, lembra quando você disse que iríamos ficar separados? Que você ia viajar pra estudar?... É a minha vez! Eu não vou te abandonar, mas vou pra Grécia! Não sei quando vou voltar, mas sei que vou voltar... Confie em mim, como sempre confiei em você! Je t'aime, Paul!(6) Sempre te amei... Não esquece de mim... Adieu!(7) Vê se fica bom logo... – Dito isso, virou-se a Shion e afirmou, com uma certeza digna de um adulto. – Estou pronto... Podemos ir.
Shion concordou com a cabeça, mas não comentou sobre o assunto. Imaginava o quanto aquilo havia sido difícil a uma criança que completaria apenas 6 anos em pouco mais de 1 mês. Saiu da UTI antes que a criança pudesse ter visto a lágrima rolar pelo rosto de seu irmão.
– Christophe, logo terei que apresentá-lo aos seus coleguinhas, por isso gostaria que escolhesse um novo nome ou apelido. – Shion anunciou tão logo adentraram o avião rumo a Athenas.
Emudecido, o menino só balançou a cabeça em afirmação. Com um lápis, parecia escrever algo numa folha de papel que o ariano havia cedido. Christophe aproveitou o fato de estar na janela e, de vez em quando, olhava a paisagem dos locais por onde passavam. Não bebeu e nem comeu nada, mas continuou aparentemente rabiscando a folha de papel. Escreveu o próprio nome completo, colocando uma palavra embaixo da outra e, num momento de distração, assustou-se ao perceber que suas iniciais pareciam formar a palavra CAMUSP.
Esse nome... Era o mesmo nome do escritor favorito do pai, o responsável por toda aquela tragédia! Em tom baixo, de forma que somente Shion pudesse ouvir, comentou:
– Christophe Antoine Marc Vigneux sur Seine Poissy... As iniciais são C-A-M-V-S-P, mas se olhar pra forma que eu escrevi, parece formar Camus P... Eu lembro que meu pai gostava do escritor Albert Camus... É muito estranho!
– É apenas uma coincidência, Christophe. – Respondia Shion, num sorriso terno.
– Que seja! Você disse que preciso de um novo nome, não é?
– Oui!
– Então... Eu quero me chamem de Camus, Paul Camus!
– Paul Camus? Vai usar o nome do seu irmão?
– Oui. Eu disse que seria igual a ele e vou cumprir a minha promessa! Toda vez que chamarem pelo meu nome completo, vou lembrar do Paul, mas...
– Mas?
– Não quero ouvir ninguém brincando com o nome do meu irmão... Se puder, peça para que os meus colegas e os meus professores me chamem de Camus, oui?
– Que assim seja, Camus... – falou em voz reflexiva, prosseguindo em seus pensamentos. "Camus de Aquário."
Os anos passaram, o menino foi mandado à Sibéria aonde cresceu e, como o prometido, desenvolveu-se física e mentalmente tornando-se um dos mais poderosos e inteligentes cavaleiros de ouro. Tornou-se impassível e um pouco frio, mas nunca se deixou isolar por completo. Nos momentos mais difíceis, pensava no irmão e, sempre que possível, voltava à França para visitá-lo. O fundo de sua alma ainda escondia um resquício de toda sua benevolência infantil, algo dedicado a pessoas muito especiais – como seus pupilos.
Não falava abertamente, mas qualquer um que tentasse olhar dentro dos olhos castanhos perceberia o carinho que o jovem Cavaleiro de Aquário, o famoso mestre da água e do gelo, dedicou a Isaac e Hyoga. Novamente o destino foi duro consigo e, durante uma tentativa desvairada do pequeno loiro para rever a mãe morta, levou seu companheiro de treino. O francês sentiu-se culpado por essa tragédia pelo fato de estar na França, novamente deixou a barreira de gelo em torno de seu coração intensificar-se e, desde esse dia, jamais voltou a rever o mais velho. Mesmo assim, em todos os momentos, foi fiel ao seu objetivo, aos seus juramentos e fez o impossível para que Hyoga pudesse superar a morte da mãe e se tornar tão forte quanto o próprio mestre.
Guardou o passado em segredo absoluto quando Shion morreu. Ninguém, com exceção do tibetano, jamais soube seu verdadeiro nome e muito menos teve conhecimento sobre seu trágico passado. Não achava necessário abrir essa ferida, não queria a piedade ou o preconceito de alguém, pois agora entendia a gravidade da situação. Talvez por isso abdicou da sua vida para salvar Athena e ensinar uma última lição ao seu pupilo, uma lição que ele nunca pôde entender completamente, a maior de todas as transformações de um indivíduo: a metamorfose de um coração e da alma!
FIM
Vocabulário:
(1) Meu pequeno
(2) Conceitualmente, "o termo traumatismo crânio-encefálico (TCE) refere-se a lesões traumáticas do encéfalo (estruturas dentro da cabeça, cuja principal é o cérebro) com ou sem lesão do crânio. A presença de lesão óssea não é o mais importante, sendo o encéfalo o mais atingido. Por isso, esta lesão pode ser tão grave, até mesmo fatal." – texto retirado do livro Plantão Médico – Urgências e Emergências do grupo Biologia e Saúde, página 62.
(3) Obrigado! Obrigado, senhor Shion.
(4) Ver capítulo 2.
(5) Eu prometo!
(6) Eu te amo, Paul!
(7) Adeus!
Considerações Finais:
Bem, esse capítulo foi betado pela minha amiga Pisces Luna. Devo confessar que foi a partir de críticas (a respeito do comportamento dos personagens) que ela me fez que eu resolvi explicar melhor, principalmente aos adolescentes, acostumados a questionar seus pais e lutar pelos seus direitos.
Antes de começar essa fic, eu conversei muito com a minha mãe (que nasceu em 1959) a respeito de seu passado e da relação que tinha com os pais e os irmãos também falei com o meu pai (que é de 1951) e só depois montei a personalidade e o comportamento dos adolescentes e adultos dessa época. Vocês acharam Paul e Emilie submissos a Oliver? Ótimo! Essa era a intenção. Nas décadas de 60 e 70, haviam 2 tipos de adolescentes: os totalmente rebeldes como Narcisse e os totalmente submissos, como Paul.Além disso, amulher tinha que dizer amém a tudo o que o marido dizia e os filhos tinham que obedecer aos pais, como se estivessem dentro de um quartel.
O cenário dessa fic era bem diferente com relação ao que os meus pais viveram: trata-se de uma família rica da França de 1965/66 (ano que o Chris nasce) e termina no final 1971, começo de 1972 (quando ele vai ao Santuário de Athena). Nessa época, o povo ainda vivia sob a sombra da Segunda Guerra Mundial, que terminou em 1945, mas deixou décadas de horrores. Sem falar que, quanto mais rico, maiores são as exigências. Não sou especialista em História, mas tentei retratar essa época tão triste. Espero não ter cometido muitos furos e ter retratado de forma coerente a família Vigneux sur Seine Poissy!
