Disclaimer: Este é um fan work, feito totalmente sem fins lucrativos. Os direitos de Saint Seiya, Saint Seiya Episódio G e de todos os seus personagens pertencem à Toei Animation e Masami Kurumada. A exploração comercial do presente texto por qualquer pessoa não autorizada pelos detentores dos direitos é considerada violação legal.
Informação para o leitor:
Yaoi (contém relacionamento amoroso entre homens).
Avaliação etária: M/NC-17 (situações adultas, violência, sangue)
Par citado: Saga X ?
Texto concluído em 5 de fevereiro de 2006
A vila parecia ser um lugar bem diferente da casa da velha senhora, mas nada que a distinguisse muito de outras vilas: chão de lajotas de barro, casario, um poço velho no meio da praça, aparentemente seco. O único detalhe que poderia chamar a atenção era a igreja pobre e muito velha, janelas minúsculas, paredes e uma abóbada improvisada, simples, toda de argamassa de taipa ao invés de pedra. E que ainda assim ostentava magnificamente em seu topo um reluzente cruzeiro de metal prateado, brilhante, vertical e imponente, muito desproporcional a um lugar tão humilde.
Meio do dia, sol a pino, lugar quase deserto. Os habitantes deviam estar fazendo a sesta ou se escondendo do calor, nada vivo se mostrava além de uns cachorros dormindo ao lado das casas e umas poucas crianças brincando de gude perto do poço. Talvez houvessem visto Kanon. Se aproximou do grupo, os meninos brincando distraídos alheios à sua presença.
—Com licença...eu queria saber...
As crianças olharam para ele, imediatamente largaram as bolinhas de vidro e saíram correndo, gritando; os cachorros, assustados com os gritos também fugiram para o fundo das casas. Ficou sozinho lá, novamente sem entender nada do que estava acontecendo. Por fim viu uma garotinha pequena com rosto de medo intenso, abraçada numa boneca, fincada no lugar pelo tremor de suas pernas.
—Menininha...o que houve?
A garotinha não falou nada, seus olhos transbordaram de lágrimas, o rosto parecendo mais e mais apavorado. Olhou-a surpreso e apenado, foi se aproximando com jeito, para não assustá-la ainda mais. O terror nos olhos da menina só fazia crescer.
—Olha, eu estou aqui para ajudar...o que houve, você está perdida? Onde foi sua mãe?
—...
—Não precisa ter medo, eu ajudo você. Como você se chama?
Mais uma vez ela não disse nada, apenas tremia mais e mais, chorando em silêncio, a imagem de um filhote apavorado, com o corpo travado de medo ante a um predador. Ele se aproximou mais, estendeu a mão para ela:
—Venha comigo, eu...
—MAMÃE! MAMÃE, ME AJUDA! SOCORRO!
Um segundo. A garotinha começou a gritar, ele afastou a mão, logo se sentiu chutado furiosamente no meio das costas por uma bota muito pesada. Foi jogado no chão, esfolando o rosto nas lajotas. Os dentes de um forcado velho desceram sobre ele, por pouco não atravessando seu pescoço. Cravaram-se violentamente no piso duro, arrancando-lhe sangue e deixando-o preso.
—MALDITO! VOCÊ VAI MORRER AGORA! EU VOU TE MATAR!
Tentou se virar, a bota pisou em suas costelas com força, sentiu seus cabelos sendo agarrados e puxados, erguendo seu rosto do chão sem soltar a ferramenta que grampeava seu pescoço. Pode olhar ao redor, viu uma pequena multidão ali, pessoas se aglomerando, rostos de pura surpresa, a garotinha agora agarrada à saia de uma mulher jovem que se abraçava nela num gesto nervoso de proteção.
—Meu Deus...mas é mesmo o Gemini?
A mão que o segurava pelos cabelos continuava vociferando:
—É ele sim, é ele, eu nunca ia esquecer! Esse...esse desgraçado foi que matou a minha Hebe! Minha filhinha, minha mocinha, não tinha nem feito dezoito anos! E ele matou ela, pagão maldito, vai aprender tudo o que eu sofri! EU MATO AGORA! VOU MATAR VOCÊ DEVAGAR, SEU BRUXO ASSASSINO, VOU LHE MANDAR DE VOLTA PRO INFERNO SOFRENDO BASTANTE!
Começou a bater sua cabeça na lajota, o sangue foi escorrendo da testa. A mão que o segurava foi puxada bruscamente, o largou ali, outras vozes se aproximando:
—Calma, Agenor! Deve estar havendo algum engano!
—Engano nenhum, é o Gemini! Eu mato ele!
—Não pode ser o Gemini, se fosse nós já estaríamos mortos. Esqueceu que ele é bruxo? Você não poderia bater num bruxo como ele desse jeito!
Finalmente, se torcendo como pode conseguiu se virar, olhou as pessoas a rodeá-lo e mais adiante, sendo contido por um grupo de rapazes, um homem vermelho e calvo, de grossas sobrancelhas brancas e corpo troncudo, berrando juras de morte.
—É o Gemini sim, eu sei que é ele! Eu vi quando largou o corpo da minha Hebe na praia! Eu vi! O cabelo grande, os olhos, é ele! Eu sou pai, eu não me engano com o assassino da minha filha! ESSE É O GEMINI!
Um dos rapazes saiu do grupo em que estava o enfurecido Agenor e foi até ele, prisioneiro do forcado, com o rosto cheio de escoriações.
—E aí, você é o Gemini?
—Eu?...
Ficou sem ter o que dizer. De certa forma ele era o Gemini, ou fôra o Gemini. Mas o Gemini dos Cavaleiros de Athena, defensor da Terceira Casa, até o incidente que o levou ao posto de Mestre do Santuário. Ainda que crimes pousassem sobre sua cabeça, não tinha a menor idéia do que esse homem estava dizendo. Resolveu não se complicar.
—Meu nome...é...é...Saga.
—Mentiroso! Eu mato você!—o velho parecia não se conformar com a resposta.
—Calma, Agenor! Me deixe falar com ele, sim? Bom, senhor Saga, o que o senhor veio fazer aqui?
Tentou explicar o quanto pode, torcendo para que não levassem suas palavras por algum lado ruim.
—Eu não sei, o mar...ontem eu caí no mar. Eu estava seguindo meu irmão, eu já não vejo ele há anos, e segui ele até aqui...
—MENTIROSO!—e Agenor se soltou, partindo para cima dele com um punhal. Os outros o seguraram.
—Quer ficar quieto, homem? Está na cara que ele não é o Gemini, ou não ficaria aí preso no chão como um ladrão de galinhas qualquer! O Gemini era um bruxo poderoso, ia se soltar e matar você antes que você notasse. O tal do "cosmos" dos bruxos, ele ia usar, pode ter certeza!
Isso era certo. Apesar de ele não querer fazer mal àquela gente, poderia apelar para o cosmos, mesmo que fosse apenas para se soltar dali. Não queria que as pessoas se apavorassem ou se ferissem, conhecia a natureza intensa de seus poderes e o que poderia desencadear se os usasse. Mas ao menos um pouco de força física, arrancar o forcado do chão... Só um esforço.
"Quem é você?"
Nada aconteceu. Foi como se a pergunta em sua cabeça houvesse dissipado o cosmos. Não conseguiu nem mover o forcado, continuava preso e indefeso à mercê dos habitantes da vila, respondendo a um interrogatório.
—Você caiu no mar procurando o seu irmão?
—Isso.
—E como veio parar aqui?
—Eu não sei, eu caí no mar!
—E como sabe que ele está aqui?
—Eu achei o rastro...E depois, a velha da casa com as oliveiras, ela viu, quer dizer, ela sentiu que ele passou na casa dela e veio para a vila, ela me disse isso...
As pessoas se entreolharam, sem dizer palavra. Agenor continuava sendo detido por outros homens, as lágrimas de ódio escorrendo por seu rosto vermelho.
—Você estava com a velha?
—É, eu estava.
—E esse seu irmão estava lá?
—Não, ele já tinha ido, eu achei o rastro dele e vim para cá.
Pensaram um pouco, quietos.
—Vamos até a velha, daí ela nos explica. Todos juntos, você também...Qual o seu nome mesmo?
—Saga.
—Vamos tirar isso da cisma de uma vez. Se sua história for verdade, ela vai confirmar.
Soltaram o forcado da lajota, ergueram seu corpo sem muita gentileza, levando-o aos trancos junto da multidão que seguiu para a casa da velha. Não ousou dizer uma palavra durante o trajeto, não via uma relação clara entre ir falar com a velha e sua identidade real, mas achou melhor não argumentar. Apenas esperava que a falta de juízo da senhora abandonada não lhe causasse mais problemas maiores ainda. Instantes depois avistou a casa de pedras, o galpão do azeite e as árvores tortas. Uma das mulheres do grupo pediu que esperassem.
—Vou ver se ela fala com a gente, ela pode estar dormindo, ou daquele jeito meio gagá dela, vocês sabem, ela é velha demais. Eu vou primeiro, vocês me esperam.
O grupo assentiu, a mulher entrou, chamando a velha em voz alta, como se fosse surda, e não cega. Não houve resposta. Após instantes de silêncio, um grito aterrorizado ecoou de dentro do galpão.
—MEU DEUS, NÃO!
Todos correram para lá, arrastando o prisioneiro, confuso. Ali encontraram a mulher encolhida no chão, abraçada aos joelhos, trêmula e soluçando, apontando um barril de tampa quebrada nas prateleiras.
—Ali...a velha...a velha...
No barril, uma nuvem de cabelos brancos flutuava no azeite. Os homens trataram de puxá-la para fora, veio um corpo idoso, envolto em xales negros roídos de traças, uma mão deformada saiu do barril, coberta do óleo. Uma mulher morta.
Todos se viraram instantaneamente para Saga, alguns ainda segurando Agenor, que rosnava entre os dentes um "eu sabia!". O rapaz que o interrogou foi até ele mais uma vez.
—Pode explicar isso?
—Eu? Mas se ela estava viva, eu não imagino...
Não havia mais nenhuma sombra de compreensão no olhar do rapaz. E nem das pessoas que estavam em volta. Apenas um frio cortante, carregado de rancor.
—Então até que consiga explicar, Gemini ou quem seja você, vai ficar na prisão da vila. E é bom explicar logo, que não tenho como garantir que ninguém vai querer sua cabeça durante a noite! Ou por muito tempo!
Mais uma vez foi arrastado, aos trancos, agora com mais rudeza ainda do que no caminho de ida. Via as coisas se complicarem, pensou em fugir, suas forças não respondiam. Mais uma vez tentou usar seus poderes, se livrar como conseguisse.
"Quem é você?"
Sem sucesso: o cosmos parecia tê-lo abandonado de vez. Abaixou a cabeça, derrotado, imaginando como havia ido parar numa situação daquelas. Ainda teve tempo de cruzar o olhar com o de um rapaz novo que parecia inconformado com a cena, parado ao lado de um diácono ortodoxo que mantinha o rosto envolto nas vestes escuras, impossível de ver. Depois disso, apenas mergulhou no meio da gente, arrastado por mãos e rostos cheios de ódio.
continua...
