Disclaimer: Este é um fan work, feito totalmente sem fins lucrativos. Os direitos de Saint Seiya, Saint Seiya Episódio G e de todos os seus personagens pertencem à Toei Animation e Masami Kurumada. A exploração comercial do presente texto por qualquer pessoa não autorizada pelos detentores dos direitos é considerada violação legal.
Informação para o leitor:
Yaoi (contém relacionamento amoroso entre homens).
Avaliação etária: M/NC-17 (situações adultas, violência, sangue)
Par citado: Saga X ?
Texto concluído em 5 de fevereiro de 2006
Passou a noite numa cela, agrilhoado. Por algum tipo de sorte, ninguém veio tentar matá-lo, ainda assim mal conseguiu dormir. De manhã acordou com o sol entrando pelas grades de baixo da prisão, se arrastou até elas e viu uma pilha de madeira e palha bem grande, que incluía lenha de cercas, forragem e pedaços de mobília velha, tudo aglomerado sem muita ordem, fazendo lembrar o desmanche de um depósito de lixo. O tempo todo pessoas traziam mais pedaços de madeira, e fardos secos. Sobre a pilha o velho Agenor se ocupava de fixar um poste e aros de ferro, como se fosse para prender algo ali.
Acompanhou com os olhos o trabalho das pessoas até ouvir um sino, todos largaram seus afazeres e se dirigiram à igreja, ainda pôde ouvir alguém comentando "depois da missa a gente termina, depois é só queimar". Em pouco tempo não se via ninguém, a praça ficou deserta, ao sabor dos cachorros magros. O poste e a pilha de madeira jogavam uma sombra longa por cima da grade da cela: a suposição terrível do fim a que se prestava aquilo tudo lhe percorreu a mente, embrulhando seu estômago.
Sentado no chão áspero, pensava em algum meio de sair dali antes que a missa terminasse. Não gastou muito tempo elucubrando planos: uma figura alta, de cabelos revoltos, envolvida em uma capa escura se aproximou da grade, tendo nas mãos um cesto grande e um molho de chaves.
—Kanon?
Olhou direito, não era Kanon, e sim um rapaz mais jovem, muito parecido com o que foram ele mesmo e o irmão no fim da adolescência.
—Não sou esse, meu nome é Ganimedes. Eu estava ontem junto com o diácono, sou auxiliar do ofício. Talvez você tenha me visto.
Lembrou logo do rapazinho com ar indignado, ao lado do vigário coberto de negro. Na hora tinha os cabelos presos e domados em um rabo-de-cavalo discreto, agora deixava as longas mechas soltas caindo pelos ombros, emoldurando o rosto de olhos azuis elétricos. Tão igual a Kanon na juventude, o mesmo porte de atrevimento, o mesmo ar rebelde. O jovem abriu a cela, foi até ele com as chaves, libertando-o das correntes
—Vamos logo, que não temos muito tempo. Você tem que sair daqui!
Não pensou duas vezes, seguiu o rapaz que o conduzia para fora da cela tomando o cuidado de manter-se nas sombras das casas enquanto olhava preocupado um velho relógio de bolso.
—Acham que eu fui buscar água, vamos ter que ir rápido. O diácono está ajudando, ele disse que ia esticar os cantos da missa para nos dar tempo. Mas tenho vinte minutos, meia hora no máximo, só isso até a hora das bênçãos.
E emendou:
—Vou levar você para um lugar seguro, Gemini.
Saga ficou perplexo, acompanhando o moço no seu passo veloz, por canteiros secos e sombras de árvores desfolhadas. Ele o chamara de "Gemini", o mesmo nome que o condenou como suposto assassino da filha de Agenor e da velha do azeite. Ainda assim, parecia totalmente empenhado em salvar-lhe a pele, levando-o com toda a pressa do mundo até uma moenda abandonada, uma construção torta no meio do bosque vizinho.
—Este lugar é seguro, ninguém costuma vir aqui. Só tem esquilos. Dizem que uns ladrões comeram carne podre nesta moenda e morreram de peste, já faz muito tempo, foi de onde veio a fama de lugar ruim. Ah, mas não se preocupe: isso é lenda que se conta, eu sei que não é verdade, eu desobedecia meu pai e vinha para cá brincar com os esquilos quando era criança. Ele dizia que eu tinha o diabo no corpo.
O rapaz parecia achar graça nas próprias palavras:
—E hoje sou auxiliar do diácono, ajudo a fazer a missa, que coisa estranha. Mas eu não devia ligar para meu pai. Ele sempre foi meio louco de igreja, nunca bateu muito bem da cabeça. Essa cisma que ele tem com você, Gemini, é a prova de tudo. Resolveu descontar num pagão a morte da mana.
Mana? Mas que...?
—Eu sou filho do Agenor, a minha irmã era a Hebe, que Deus a tenha. Irmã gêmea, um dia se encantou dos cavaleiros pagãos que apareceram uma vez pra salvar a vila do fogo, e foi embora com eles, servir no Santuário da deusa pagã no alto da montanha. Você lembra, Gemini, você estava com os cavaleiros, era o chefe de todos.
Estava abismado. O irmão da garota morta, cujo pai ontem vociferava furioso acusando-o do crime era quem estava lhe ajudando a escapar. Sem mágoas. Sem ressentimentos. Ele o chamava de "Gemini". Mais ainda, dava a entender que Gemini era mesmo o Cavaleiro de Athena, da "deusa pagã com o santuário no alto da montanha".
—Então por que você está me ajudando?
—Porque eu sei que meu pai está errado. Você é um herói, Gemini, não um assassino. Todo mundo sabe disso. Só se esqueceram de acreditar.
Saga olhou para ele, viu olhos que tinham uma fé inabalável em suas próprias palavras, um rosto que mostrava ainda jovem a obstinação daqueles capazes de abrir os próprios caminhos. Olhos azuis, faiscantes, determinados que brilhavam de convicções firmes. Gestos decididos, mãos fortes que seriam capazes de construir nações ou derrubar exércitos, a imagem altiva dos que criam revoluções e movem o mundo.
Ganimedes era exatamente igual a Kanon.
Indiferente ao seu devaneio, o rapaz foi até ele e lhe entregou-lhe a cesta. Dentro havia um cantil e alguns embrulhos de papel pardo, pão preto e queijo de cabra como suprimentos. E por um instante, Saga sentiu cheiro um cheiro mais familiar, nada que tivesse a ver com pão ou queijo.
—Fique com isso, aí tem água e comida, por enquanto deve ajudar. Cuide para que a água dure até de noite, até lá vou trazer mais. Só tem uma mina fluindo nesses tempos de seca. Mas não tente ir até lá: é longe, e você pode ser apanhado.
Tempos de seca. Saga olhou ao redor, de fato a vegetação parecia desfolhada e morrendo. O rapaz mais novo explicou:
—É como da outra vez, quando vocês estiveram aqui. Estamos no meio de uma longa seca, o mar não traz nuvens de chuva e nem elas vêm da montanha. Mal temos água para beber. E fica fácil de pegar fogo no mato, tudo muito seco. É por isso que o diácono reza missas todos os dias: está pedindo por alguma chuva. Ele diz que quanto mais todos rezarem na igreja, mais fácil é de Deus nos ouvir e mandar água boa dos céus, então todos vão, sem falta. Tenho tido muito trabalho ultimamente.
E completou, enquanto ajeitava a capa aos ombros, se preparando para sair:
—O meu medo é se toda essa chuva que não vem nunca, acabar vindo de uma vez. Como uma tempestade. Nem sempre elas vem com água só, antes caem raios, tem vendavais. Mas não compensa pensar nisso agora.
Foi se despedindo, e ia embora. Mas acabou ficando, detido pela mão do fugitivo, em seu rosto o olhar de quem tem muitas perguntas para fazer.
—Ganimedes...
—Sim?
Saga ficou parado, imaginando o que queria perguntar. Estava ainda perturbado com a assustadora semelhança do jovem com o irmão desaparecido. Seu lado mais prático lhe dizia que ali talvez estivesse o começo da resposta para seus problemas: um rapaz que se parecia muito com Kanon, poderia ser ele que esteve com a velha do azeite antes dela morrer, ou talvez isso explicasse a confusão de um pai enlutado ao ver o filho, imagem e semelhança sua, carregando o corpo da irmã morta na praia. Eram possibilidades, mesmo que não explicassem os crimes. Ou quem sabe se não era ele, oculto na noite e com a pouca idade encoberta pelas trevas, a figura que viu próxima ao rochedo de Uranos e que lhe arrastou para o mar?
Certamente tinha muitas perguntas a fazer.
Mas sua mente não o obedecia.
Só conseguia olhar o porte altivo, as mãos possantes de rebelde, os olhos de azul elétrico, a cabeleira escura, farta, revolta, exalando um sutil perfume de...benjoim e vento marinho. O cheiro familiar que sentiu pegando a cesta, o mesmo perfume de Kanon, o mesmo tipo de aroma.
—Gemini?
—Não, não foi nada—e sacudiu a cabeça, tentando recuperar o juízo—Eu acho que só estou muito...cansado, é só isso.
—Ah, bom—e Ganimedes tirou a capa, envolvendo-a nos ombros de Saga, quase carinhosamente—Fique com isso também. Eu sei que agora não vai precisar muito dela, mas quando anoitece costuma esfriar bastante, pra não falar nos mosquitos. De noite eu volto, vou trazer mais comida e mais água. Por agora se esconda, evite sair da moenda. Vai ficar tudo bem, você tem aliados. Eu e o diácono vamos pensar num jeito de ajudar você.
O fugitivo assentiu com a cabeça; mesmo não estando frio embrulhou-se na capa, apertando-a contra o corpo. O rapaz se afastou, tomando o caminho de volta.
—Eu volto de noite, prometo!
Saga o acompanhou com os olhos, enquanto desaparecia nas curvas da estrada. O dia estava quente. Mas ainda assim não tirava a capa dos ombros, sentindo o resto do cheiro de benjoim e vento marinho, recordações correndo em sua mente, um fantasma, cheiro de um enigma.
—Kanon...
No céu, distantes no horizonte sobre o mar, uma sombra escura de nuvens carregadas se formava lentamente. Talvez as preces do diácono fossem atendidas logo...
continua...
