Disclaimer: Este é um fan work, feito totalmente sem fins lucrativos. Os direitos de Saint Seiya, Saint Seiya Episódio G e de todos os seus personagens pertencem à Toei Animation e Masami Kurumada. A exploração comercial do presente texto por qualquer pessoa não autorizada pelos detentores dos direitos é considerada violação legal.


Informação para o leitor:
Yaoi (contém relacionamento amoroso entre homens).
Avaliação etária: M/NC-17 (situações adultas, violência, sangue)
Par citado: Saga X ?

Texto concluído em 5 de fevereiro de 2006


A CASA DOS ESPELHOS PARTIDOS
Por: Deneb Rhode
VII

Corria na escuridão da madrugada, feito um louco pela estrada sul. Não fazia caso que era procurado: quem quisesse vê-lo que o visse, isso não importava. Largou para trás a moenda com toda a comida e água, largou a capa, não tinha tempo para isso. Queria chegar logo no ponto indicado no bilhete: toda aquela monstruosidade tinha endereço certo, o tal istmo dos dentes de pedra, na direção contrária à da vila.

O bilhete escrito em pele humana era um desafio. E sabia quem havia escrito tudo, das letras de tinta até os símbolos esculpidos à faca. Como antigamente, como sempre foi.

"Kanon! Kanon! Você fez seu irmão fazer sua lição de casa, menino ruim!"

"Eu não fiz nada de errado, dona Mestra Substituta. A lição fui eu mesmo que fiz. E eu posso provar!"

"Eu conheço a letra do Saga, ele me ajudava com os livros das crianças menores, já esqueceu disso, seu pestinha? Bem diferente de você, que nunca ajudou ninguém! Agora como você explica isso, como sua lição tem a letra dele!"

"A senhora nunca viu minha letra. Toma aí os meus outros cadernos, pode olhar eles também"

"...Mas...como..como pode?..."

"Somos gêmeos, professora. Em tudo. Tudo mesmo."

Chegou numa ponta da estrada, ela se estreitava indo morrer num descampado pedregoso. Ao lado o mar arrebentava sobre rochas escarpadas, parecidas com as da extremidade da Enseada de Uranos, mas bem maiores, como os dentes de uma fera se erguendo do mar. Os dentes de pedra. O lugar era anormalmente enevoado, efeito das ondas bravas que erguiam no ar nuvens finas sobre as rochas.

Ele estava lá, como prometido. Sobre o dente central mais largo, a cabeleira longa, respingando de água, o mesmo olhar de enigma.

—Kanon!

Como da outra vez, não teve resposta. E nem fez caso: começou a saltar sobre as rochas, tentando alcançar o centro. Novamente escorregava nas pedras molhadas, se segurava como podia. Não ia cair desta vez.

—Por que você fez aquilo, seu desgraçado! O que você quer de mim?

A figura de Kanon não respondia nada, se limitava a olhar tranqüilamente, acompanhando os esforços do outro para chegar até ela. Saga não fazia caso das feridas, do cansaço, de nada: que cortasse os dedos em mariscos ou esfolasse os joelhos nas rochas, a dor era incapaz de pará-lo naquela hora.

—POR QUE VOCÊ FEZ AQUILO, MALDITO?

Finalmente alcançou o dente central. Se ergueu como pôde, feridas no corpo ardendo com o sal, as pernas fraquejando, mal conseguindo se manter em pé. A figura de seu gêmeo continuava muda, carregando no olhar um misto de pena e desprezo.

—Por que...por que você fez aquilo? Hebe...Ganimedes...a velha..você matou todos eles, foi você que fez isso não foi?

Nenhuma resposta.

—Foi você, seu desgraçado! NÃO FOI?

Mais silêncio

—EU VOU FAZER VOCÊ FALAR!

Reuniu as forças e partiu para cima do gêmeo, queria destroçá-lo com os próprios punhos. As nuvens de água de sal lhe borravam a vista, sua mão quase alcançou a imagem, de algum modo falhou, passou direto. Kanon estava atrás dele agora, o mesmo olhar de desprezo e piedade.

—Você não entendeu nada...que pena.

E sentiu as costelas serem chutadas sem dó, jogando-o quase fora do dente de pedra. Agarrou-se no chão, tentou controlar dor e fôlego perdido, se levantou novamente, não ia desistir.

—Não entendi mesmo, Kanon! Você não tem como explicar! Isso...essas coisas não tem...

—Justificativa?

Hesitou por um instante, antes que pudesse esboçar uma reação foi agarrado pelo braço e jogado violentamente na pedra, com estrondo. Não conseguia reagir. Foi erguido pelos cabelos, esmurrado não soube quantas vezes em poucos segundos, a dor lancinante fazendo parecer uma eternidade. O outro o pendurou pelos cabelos, o tempo necessário para que visse seu rosto. Um rosto igual ao seu, sem raiva ou delírio, apenas a expressão serena de comiseração.

—Você não entendeu mesmo.

Mais um soco no meio da cara, muito forte, foi lançado de novo na borda do rochedo, podia sentir o sangue escorrendo por sua boca e narinas, uma corredeira grudenta sobre seu rosto. Estava zonzo. Tentava ainda se levantar, as forças pareciam tê-lo abandonado.

—Vai me pagar...Kanon...vai me pagar...

—Por favor...já chega. Eu não gosto disso.

Deu-lhe um chute antes que se levantasse, jogando-o para fora do rochedo. Saga se agarrou na borda o quanto pôde, o mar bravio abaixo de seus pés tentava engoli-lo. O gêmeo segurou suas mãos.

—É melhor você parar com isso. Vá embora. Você não entendeu nada.

Saga ainda vociferava, mesmo lacerado e fraco, se agarrando nas rochas.

—Não entendi...você é um demônio! Para que? Para que matar aquela gente, para que você faz isso? Para que?

A figura de Kanon continuava inabalável, agora até sorria, inocentemente.

—Você viu tudo, e conhece as dores do povo. São fins que justificam todos os meios. Você sabe disso.

Num último esforço, Saga resolveu apelar para o cosmos. Não tinha sinais das forças extraordinárias que as estrelas lhe emprestavam há dois dias, parecia impossível usá-la. Mas não havia outro jeito. Tinha que tentar, tinha que ser ouvido.

—Você é o que se importa com isso...ou não se importa mais?

Cosmos...cosmos...tão longe...

—Não era você que queria resolver os problemas reais?

Cosmos...Constelação...Gemini...

—Você não tinha as respostas? Então porque está tão confuso?

E olhou de novo, naquela hora viu que não se agarrava nas rochas e sim nas mãos do seu igual, que parecia nem se esforçar para sustentar seu peso. O olhar denso, as duas safiras azuis cheias de piedade e mistério.

—Quem é você?

Perdeu a firmeza dos dedos, se soltou das mãos do outro, caiu no mar, um lento segundo até bater na água. Foi arrastado por entre as rochas. Não tinha mais forças, apenas distinguia a imagem de Kanon mais uma vez sobre as pedras, sua voz numa improvável distância, fantasmagórica, através das ondas que cobriam seus ouvidos:

—Pegue o barco na ilha, enfune as velas e vá embora. Você não precisa entender.


continua...