Disclaimer: Este é um fan work, feito totalmente sem fins lucrativos. Os direitos de Saint Seiya, Saint Seiya Episódio G e de todos os seus personagens pertencem à Toei Animation e Masami Kurumada. A exploração comercial do presente texto por qualquer pessoa não autorizada pelos detentores dos direitos é considerada violação legal.
Informação para o leitor:
Yaoi (contém relacionamento amoroso entre homens).
Avaliação etária: M/NC-17 (situações adultas, violência, sangue)
Par citado: Saga X ?
Texto concluído em 5 de fevereiro de 2006
Abriu os olhos, estava na beira do mar. A enseada de Uranos, com sua prisão coberta de ouriços, as gaivotas voando no céu, a maresia. E um colo quente a sustentar-lhe a cabeça, uma mão de gestos delicados afagando o cabelo. Levantou sobressaltado:
—O que?
Ali estava uma mulher de meia-idade envolta num xale negro, esquálida e ossuda, o olhar perdido de quem não consegue ver.
—Não, não sou "oquê". Meu nome é Deina. Eu achei você caído.
—Ah...—e por um momento a imagem da velha cega lhe veio à mente, apontando com a mão disforme para o corredor de espelhos. Engoliu em seco, olhou para as próprias mãos: não tinha mais feridas, os braços estavam sem cacos espetados. Estava são, totalmente bem. Mais que isso, estava aliviado.
Foi sonho.
—Você não devia dormir na praia, o sol pode queimar—prosseguiu a mulher cega, tranqüilamente—Eu mesma não fico muito, mesmo gostando do calor. A praia é meio confusa para mim. No tempo que eu era serva no Santuário de Athena, eu passava os dias livres na praia, mas depois que perdi a visão passo os dias mais em casa.
—Santuário?...
—Sim, eu sei, é muita gente. Eu fazia faxina e cuidava dos jardins, era muito boa. Trabalhei muitos anos na escadaria, servi os comandantes de ouro, por um tempo trabalhei também na sede, os jardins da casa do Mestre são muito lindos. Mas a vista foi ficando fraca, aí eu fui perdendo o jeito de trabalhar.
Uma ex-serva, a pobre. Ainda assim não aparentava estar largada no abandono, usava roupas limpas e parecia saudável.
—O que foi, Deina? Que você está fazendo aí na praia?—uma voz feminina mais grave soou ao longe. Olhou para o lado, viu uma mulher meio gorda de rosto manchado carregando uma criança de pernas tortas no colo. Na hora as reconheceu: a mãe leprosa e o filho paralítico, que havia ajudado há tão pouco tempo.
—Eu achei ele caído na praia. Acho que está doente.
Saga se pôs de pé, agradecendo o zelo
—Doente? Ah, não senhora, não precisa se preocupar, estou bem, muito bem mesmo...
A cega franziu a testa, sem perder a serenidade.
—Veja bem...o senhor é muito importante...se ficar doente, quem é que vai mandar no Santuário?
A afirmação o fez gelar, sua identidade estava a descoberto. A outra mulher arregalou os olhos, pasma:
—Então...o senhor é o Mestre? Quer dizer, debaixo de todo aquele pano, da máscara, o senhor é que veio na minha casa, e curou minha doença? E deu a tala da perninha e o andador para o meu menino?
Ia rejeitando a afirmação nervosamente, aquilo era segredo que jamais deveria ser revelado, lançava em enorme risco sua posição e até sua vida. Mas não teve chance: a mulher gorda já havia se posto na sua frente de joelhos, beijando a sua mão com avidez, chorando de alegria. O garoto que trazia no colo ria contente. A cega emendou:
—É claro que é ele. Reconheci pelas mãos, já as toquei no Santuário e não me engano com mãos. São mãos de homem de verdade, lembro direito das mãos do Mestre. E também pelo cheiro dos cabelos: é benjoim do Sião. O Mestre adora benjoim. É igual aos irmãos gêmeos que desapareceram, o mau, que foi preso e o outro bom, que sumiu na guerra. Amavam benjoim, mandavam trazer de longe, pobres rapazes. História triste, não vem ao caso. Mestre Shion odiava benjoim, dizia que tinha cheiro de defunto. O Mestre novo gosta.
A outra pouco dava ouvidos, apenas abraçava Saga, emocionada e feliz.
—O Mestre aqui na praia, eu sou uma abençoada! Quantas vezes eu agradeci, quantas vezes eu lembrei do senhor, de toda a ajuda que o senhor me deu! Eu quase não tenho mais as feridas, estou boa, e o senhor ainda veio me ver ontem, me trouxe mais remédio. E o menino já arrisca um passinho, o senhor viu, e pensar que ele não andava de tudo, tinha as pernas moles, nem parava de sapato. O senhor é um santo na terra, um anjo do céu! E é um moço bonito também, esse jeito de ator de cinema, tem uns olhos tão lindos, é até pecado usar a máscara...
Saga abriu um sorriso tímido, algo vexado. Mas não podia negar: a alegria sincera daquela mulher mexia com ele. Era como uma recompensa pelos esforços empregados, a certeza de estar fazendo aquela gente de tantas necessidades um pouco mais feliz. O menininho estendeu-lhe a mão, carinhosamente. A ex-serva cega o tomou pelo braço, amistosa.
—É, uma ocasião dessas é para comemorar. E o senhor deve estar mesmo com fome. Vamos todos na minha casa, vamos comer juntos e beber retsina, vou abrir uma garrafa. Eu também devo muita coisa para o Mestre, fui muito feliz no Santuário, muito feliz mesmo. O senhor nos acompanha? Faço questão de fazer um almoço especial hoje.
Não recusou o convite, acompanhou gentil as duas senhoras humildes. Aquela manhã parecia especialmente bonita, própria às boas conversas com os amigos e às reuniões mais descontraídas. Na verdade, estava sentindo o momento como uma dádiva rara, à qual jamais tivera acesso igual. Conversa de gente simples. Foi com elas pela enseada afora., alegremente puxando assunto.
—Você então mora aqui perto, Deina?
—Moro na vila, com a graça da Deusa, e de seus Cavaleiros. Os comandantes dourados sempre foram muito bons para mim. Foi o comandante índio com nome difícil mais o rapazinho estabanado, o irmão do proscrito Aioros que me ajudaram a comprar a casa. Uns anjos, me dão remédios sempre, o índio disse que um dia ainda hei de enxergar de novo. Me envergonho de não decorar o nome dele, sou boa de conhecer mãos mas um fracasso com nomes. Mas todos foram bons, todos, até o italiano que tem fama de ruim, esse sempre me dava uma garrafa de vinho doce quando eu limpava o jardim dele, muito gentil. Eu sinto saudades...
A gorda interrompeu as lembranças, rindo.
—É muita conversa, perdoa dela ser tão tagarela, senhor. Vai ver que ela cozinhando é bem melhor que falando: a Deina prepara uma comida que é uma delícia! O senhor vai provar os Kourambiethes que ela faz, são pequenos e tão gostosos, acho que é porque ela é cega, ficou mais habilidosa. É um prato para o Mestre mesmo, da altura de um Mestre do Santuário. Mestre...ai, o Mestre comigo, e sem a máscara, imagina até as pessoas ficarem sabendo que eu vi o senhor, e que o senhor é tão bonito assim! Vou contar para minhas amigas, elas vão morrer de inveja, ah se vão...
Um dia perfeito. Mais tarde, em sua cama, ainda recordava de tudo, a madrugada, o dia e o sonho que já nem parecia tão insólito. Ao contrário, dele tirava uma energia consoladora, a certeza de que estava no caminho certo, sem se enganar ou trair.
"Quem é você?"
Desta vez não se abalou. Abraçou o travesseiro sorrindo, a pergunta não o incomodava mais. Seu cosmos voltou a ouvi-lo.
"Eu sou o que sou".
continua...
Nota: Kourambiethes são pãezinhos de manteiga açucarados, perfumados com aguardente e especiarias. Retsina é um tipo de vinho doce, resinoso. Ambos fazem parte da culinária tradicional e do cotidiano da vida grega.
