Título: Diga a ele

Autora: Bélier

Categoria: Romance Yaoi

Retratação: Eu não possuo Saint Seiya/Cavaleiros do Zodíaco. Infelizmente (ou felizmente) eu não os possuo, pois do contrário eles teriam namorado mais do que lutado... De qualquer forma, eles são propriedade de Kurumada, Toei e Bandai.

Resumo: Eles são jovens, bonitos, bem sucedidos e estão apaixonados. Mas palavras não ditas e promessas vãs podem causar dúvidas e mágoas. E se não houver tempo para provar que o amor é verdadeiro?

Capítulo 3

Shaka observou o mostrador do relógio com as pálpebras ainda pesadas de sono. Surpreendeu-se. Dez horas. Jamais dormia até tão tarde!

Sentiu um movimento junto ao seu tórax e logo se lembrou do motivo para o seu sono desmedido naquela manhã.

Os dedos de Mu escovaram a pele de Shaka levemente, a mão delicada descendo devagar até enlaçar a cintura do loiro, segurando-o possessivamente. Shaka virou a cabeça com cuidado, apenas para constatar que o namorado ainda dormia. Pela penumbra que envolvia o quarto, observou a face perfeita do homem que repousava ao lado dele. Os cílios longos contrastavam com a pele clara da bochecha e os lábios traziam um leve traço de um sorriso. Shaka sentiu vontade de beijá-los, mas não quis acordar o amante.

Pensando em tomar um banho enquanto Mu descansava mais um pouco, Shaka virou-se devagar dentro do abraço, pronto a sair da cama. Seu gesto gerou uma reação imediata do namorado, que o segurou com mais força pela cintura. Shaka sorriu. Mesmo em seu sono, Mu exigia a sua presença.

Decidiu-se por ficar mais um pouco e virou-se novamente. Inconscientemente, Mu aproximou-se mais dele, afundando o rosto na junção entre o ombro e o pescoço de Shaka. O engenheiro acariciou o cabelo sedoso do amante, afastando algumas mechas que caíam sobre seus olhos. Sentiu todo o carinho que emanava daquele corpo que se ajeitava mais contra ele, como se buscasse abrigo e oferecesse calor em troca.

Sentiu-se a pior pessoa do mundo por ter entristecido aquele ser tão especial. Mu era uma jóia rara, não merecia ser tratado com pouco caso! Prometeu que jamais agiria daquela forma, novamente.

- Sono... – Mu resmungou junto ao pescoço de Shaka, finalmente acordando com as carícias do namorado.

Sentindo o peito apertar, Shaka envolveu os ombros de Mu, trazendo-o para mais perto dele. – Sono? Mas já passa das dez, dorminhoco! – Tentou esconder suas emoções verdadeiras com o tom de voz brincalhão.

Mu resmungou mais algumas palavras, das quais Shaka apenas entendeu "ontem", "fizemos", "tarde". O loiro riu e beijou a testa do namorado. – Eu tenho culpa se você é tão irresistível?

Mu suspirou e aconchegou-se mais contra o engenheiro. – Onde pensa que vai? Nem pense em sair dessa cama...

– Não podemos ficar na cama o dia todo... – Shaka acariciou as costas nuas do amante.

– Por que não? – Mu tentou disfarçar um bocejo, sem sucesso.

– Para começar, porque eu estou com fome. – Com pesar, Shaka finalmente conseguiu afastar o corpo morno de Mu do seu. – Você não?

– Hum, um pouco... – Mu ainda tentou agarrar Shaka, mas este saiu habilmente da cama. – Preferia você...

– Depois, meu amor... – Shaka vestiu seu roupão preto. – Descanse mais um pouco, eu vou fazer o café, eu o chamo quando estiver pronto...

– Sim... – Mu passou o braço por baixo do travesseiro e ajeitou-se entre os lençóis. Shaka sorriu. Não duvidava que o amante estivesse dormindo novamente em menos de um minuto.

Shaka foi até a cozinha e separou alguns pães e bolos que ele sabia serem do agrado de Mu, bem como várias frutas. Afinal, sempre poderia haver uma chance do namorado comer alguma coisa saudável no café da manhã... Frutas não faziam parte do café da manhã tradicional japonês, mas Shaka havia adquirido o hábito devido as várias viagens que fizera pelo mundo. Além disso, algumas delas eram bem difíceis de se encontrar e um tanto quanto caras, mas ele não abria mão desse luxo. Preparou um suco de laranja para ambos e enquanto esperava o café ficar pronto, foi até a sacada da sala observar a manhã bonita de sábado.

Quando terminou de colocar a mesa, Shaka foi até o quarto chamar o namorado. Ao entrar no quarto, entretanto, mudou de idéia. Mu realmente havia voltado a dormir e ele teve pena de acordá-lo novamente e tirá-lo da cama.

Voltando a cozinha, arrumou tudo que conseguiu em uma pequena bandeja e levou-a até o quarto. Lembrando-se de algo importante, voltou à sala e conseguiu retirar um dos lírios azuis do arranjo que havia sido colocado num vaso, na noite anterior.

- Mu? – Shaka chamou, apoiando a bandeja na cama e sentando-se ao lado do namorado.

O marchand deitou-se de costas com preguiça, seus olhos verdes sonolentos encarando o namorado. Mu levou uma das mãos até o rosto, afastando uma mecha do cabelo sedoso que o incomodava e distraidamente a enrolou entre os dedos esbeltos.

Naquele momento, Shaka esqueceu-se de tudo, até mesmo do café da manhã. Apenas observou o amante: o rosto claro emoldurado pelo cabelo violeta incomum, que se espalhava em profusão pela cama; os olhos verdes expressivos, que deixavam entrever seus sentimentos, sua força e sua fraqueza; a boca macia, que não tinha medo de sorrir e nem de dizer palavras de amor.

Imaginou como seria acordar ao lado dele todos os dias, pelo resto da vida. E em alguns segundos, tomou a decisão que vinha adiando há vários dias. Surpreendeu-o a forma calma e definitiva com que aquela certeza o bateu, sem chance de ser refutada.

– O que foi? – Mu ergueu a mão e tocou o rosto do loiro. – Alguma coisa errada?

A voz rouca do amante fez com que Shaka voltasse à realidade. – Não, eu... – Shaka tentou se concentrar, afastando os pensamentos que inundavam sua mente. – Eu te trouxe o café...

Mu apoiou-se sobre os cotovelos, finalmente notando a bandeja que Shaka havia trazido. O sorriso do namorado foi o melhor presente que o engenheiro poderia ter recebido pelo trabalho que tivera.

– Que gentil!

Mu sentou-se na cama, o lençol que cobria seu peito escorregando até seu colo. O marchand ajeitou os cabelos, enrolando-os e jogando-os para trás, e tocou suavemente as pétalas coloridas da flor, seus dedos finos acompanhando o contorno delicado. Em seguida, ergueu os olhos, fitando diretamente os do engenheiro. – Obrigado...

Com um esforço tremendo, Shaka conseguiu responder... – Você... você merece, Mu.

Para a surpresa do loiro, Mu pegou uma maçã e mordeu-a com gosto. O sumo da fruta escorreu um pouco e Mu limpou a boca com a ponta dos dedos. Depois de engolir o pedaço que arrancou, percebendo que Shaka não fazia movimento algum para se servir, indagou. – Não vai pegar nada? Não me diga que já comeu!

– Não, eu... – Shaka afastou os olhos do amante, caso contrário não conseguiria mesmo comer. Pegou uma pêra e cortou uma fatia. – Mu, eu... – Shaka hesitou e levou a fruta à boca, para ganhar tempo.

– O que é? – Mu perguntou, enquanto provava o suco.

– Eu... – Shaka suspirou, resignado. Ele tinha que fazer aquilo, caso contrário, não teria tempo de tomar todas a providências para poder concretizar o que ele havia decidido. Teria que ser naquela noite. – Eu preciso sair...

– O quê? – Mu parou a maçã antes no meio do caminho para a sua boca. – Acho que eu não ouvi direito!

Shaka sentiu-se mal, novamente, por estar fazendo aquilo com o namorado. Mas ele não queria estragar a surpresa. – Me perdoe, meu amor, mas eu preciso sair, hoje... Tenho que resolver algumas coisas importantes na empresa que não podem ser proteladas...

– Mas Shaka! – Os olhos verdes encheram-se de mágoa. – Hoje é sábado! Achei que pelo menos hoje poderíamos ficar juntos!

Shaka pousou sua mão sobre a do marchand, com delicadeza. – Eu sei, eu também adoraria ficar com você, mas quanto mais rápido eu terminar tudo, mais cedo poderei voltar para ficar com você!

Mu baixou os olhos e resmungou alguma coisa que Shaka não ouviu. O loiro não podia tirar a razão do outro homem por ficar irritado. Ontem mesmo ele havia faltado com sua palavra com o namorado e logo cedo ele já aprontava essa!

– Ouça, vamos fazer o seguinte... Vou fazer uma reserva naquele restaurante chique que você gosta... – Shaka acariciou o braço de Mu com a ponta dos dedos. – Eu prometo que vamos passar a noite juntos e o domingo também.

– Como posso confiar em você? – A voz do marchand soou bastante magoada. – Você sempre acha uma desculpa para não comparecer aos compromissos... aliás, você sempre acha um jeito de se esquivar de mim! – Mu afastou o braço, tentando evitar a carícia do namorado, mas Shaka segurou-lhe a face com delicadeza.

– Mu, eu lhe prometo que vou estar lá hoje à noite... – Shaka acariciou o rosto com o polegar. – E vai ser perfeito... Você vai ver. – Se ao menos ele pudesse dizer a ele o motivo da sua ausência! Mas sabia que Mu merecia aquilo e ele queria provar-lhe que as suas intenções eram verdadeiras.

– Eu não deveria... – Mu fechou os olhos e acabou apoiando o rosto na mão do engenheiro. – ... mas vou acreditar em você. – Súbito, o marchand agarrou o pulso de Shaka com firmeza. – Mas se você não aparecer... – Mu retirou a mão e encarou o loiro com seriedade. – Não se atreva a me procurar novamente!

Shaka, seguro de que não faltaria ao compromisso, não se abalou. – Não vou faltar.

Mu achou melhor não discutir mais, mesmo porque ele também tinha alguns compromissos na galeria. Já que não estaria presente à noite, precisava deixar algumas instruções com seus empregados.

Terminaram de tomar o café; conversaram normalmente, mas um pouco do encanto havia se perdido. Shaka foi tomar banho, enquanto Mu voltava a se acomodar sob os lençóis, um pouco emburrado. Viu quando, alguns minutos depois, o loiro saiu do banheiro, desfilando nu pelo quarto enquanto ia até o closet escolher suas roupas.

– Exibido, faz isso para me provocar! – Mu resmungou, cobrindo a cabeça com o lençol ao ouvir o engenheiro rir.

Ao sair do closet, já vestido, Shaka foi até a cama e sentou-se ao lado do namorado. Tentou tirar o lençol da cabeça de Mu, encontrando resistência. – Mu... – Shaka chamou, tentando conter o riso diante do gesto infantil.

– Você não está atrasado para os seus compromissos, não? – A voz abafada soou por debaixo dos lençóis.

– Não vou sair sem ganhar um beijo... – Shaka agarrou Mu, que começou a se debater, provocando uma batalha que logo terminou em um beijo apaixonado.

– Às nove horas está bom? – O engenheiro observou o rosto afogueado do amante.

– Pode ser... – Mu respondeu, ofegante. – Shaka...

– Eu vou estar lá, não se preocupe! – O loiro levantou-se, ajeitando a roupa. – Descanse bem... Aproveite a manhã para tomar um banho e relaxar.

Mu observou o namorado. Pelo menos ele não o estava enxotando do apartamento! Lembrou-se de um detalhe importante. – Ei... Não tenho as chaves. – Arrependeu-se no mesmo instante, ao ver o olhar preocupado do engenheiro.

– Eu... – Shaka mordeu o lábio inferior, em graça. Sem dúvida era uma falta de consideração ele não ter providenciado chaves extras para o namorado. Mas agora aquilo já não tinha mais importância. Depois daquela noite, tudo se resolveria. – É só fechar ao sair. Mas por favor, certifique-se de que pegou tudo antes de fechá-la! Não quero vir aqui abrir o apartamento por que você esqueceu as chaves do carro! – O loiro evadiu-se do assunto, provocando o namorado.

– Ora, seu...! – Mu jogou o travesseiro em Shaka, irritado. – Está insinuando que eu sou distraído?

Shaka devolveu o travesseiro. – E não é?

– Bem... – Mu corou adoravelmente. – Ás vezes...

O engenheiro sorriu. – Bem, vejo você à noite.

– Bom serviço! – Mu não conseguiu evitar a alfinetada.

Ao se ver sozinho, Mu jogou-se na cama novamente. Mas não conseguiu mais dormir. Sua mente remoia os acontecimentos recentes. Por quê Shaka não podia dispensar pelo menos um dia a ele? Aquilo o magoava tanto... Shaka estava sempre apressado, sequer conseguiam fazer amor pela manhã ou simplesmente ficar na cama um pouco mais.

E se o loiro não comparecesse à noite ao compromisso? Mu nem quis pensar nessa hipótese! Amava muito Shaka, mas não sabia se conseguiria aceitar a falta de consideração dele por duas vezes seguidas!

Cansado de pensar sobre aquilo, Mu finalmente decidiu levantar-se. Vestiu o roupão elegante que Shaka havia separado para ele, e levou a bandeja com o que havia sobrado do café da manhã para a cozinha.

Mu já estivera algumas vezes no apartamento de Shaka durante aquele quase um ano em que estavam juntos. Gostava muito do estilo que o engenheiro havia imprimido ao lugar. A personalidade do loiro estava por toda parte. Os cômodos tinham visual limpo e arejado, os móveis modernos e funcionais não deixavam dúvidas de que o morador era organizado e não gostava de excessos. A decoração era esmerada: poucos objetos, todos de linhas fortes e sem detalhes e os poucos quadros retratando formas abstratas de linhas retas. Mu de forma alguma conseguia apreciá-los, mas como sabia que aquele tipo de arte era a que melhor combinava com o seu amado, jamais insistiria para que ele mudasse os quadros.

Mas o que Mu mais gostava no apartamento do Shaka era o espaço. Com seus cômodos de medidas generosas e quartos bem arejados e iluminados, era um imóvel bem caro, Mu podia avaliar. Sem falar da localização privilegiada. Mas mesmo assim, não era o que Mu poderia chamar de "lar".

Com o dinheiro que ganhara com a galeria, Mu podia dizer que morava bem. Seu apartamento não podia ser comparado com o de Shaka, mas era bom, tinha um tamanho razoável e era bem aconchegante. Mu se esmerara em torná-lo um lugar com que ele se identificasse e sentia-se bem nele. Mas o grande sonho de Mu era morar em uma casa. Um lugar onde ele pudesse montar um pequeno ateliê e, quem sabe, cuidar de um bonito jardim...

Sonho bem distante, este. Jamais teria condições de comprar um terreno em Tóquio! Com o problema de espaço que afligia os japoneses, as moradias geralmente eram minúsculas e estava cada vez mais difícil encontrar lugares onde uma boa casa pudesse ser construída. Pelo contrário, muitas eram derrubadas para que, em seu lugar, fossem construídos prédios gigantescos... Até mesmo os antigos templos sofriam com aquela construção desenfreada.

Mu foi até o banheiro, decidido a tomar um bom banho de imersão. Enquanto esperava a banheira encher, escovou os cabelos com vigor, desembaraçando-os enquanto tentava afastar os pensamentos pessimistas da mente.

Ele estaria lá. Apesar de já ter faltado a vários compromissos, havia notado que o namorado tinha sido sincero.

Retirou o roupão e entrou na banheira, sentindo a princípio sua pele se ressentir da temperatura alta da água, mas relaxando logo em seguida, acostumando-se rapidamente. Para ele, a melhor maneira de relaxar sempre fora um banho bem quente e naquela manhã não seria exceção.

Mu afundou até o pescoço na água previamente preparada com espuma e sais de banho e descansou seu pescoço na borda da hidro. Olhou o teto do banheiro, pensativo. Lembrou-se da conversa que tivera com Shaka, pouco antes dele partir e sentiu um pouco de remorso. Não tinha o direito de cobrar aquilo do namorado. Era bem verdade que ele desejava, mais do que tudo, morar com o loiro. Não porque ele tinha um apartamento belo e espaçoso, nem pelo dinheiro dele, mesmo porque ele também desfrutava de boas condições financeiras no momento. Mas pelo puro e simples prazer de estar ao lado dele, pelo máximo de tempo que ele pudesse.

A vida estressante do engenheiro o incomodava. Durante a semana quase não conseguiam se encontrar devido aos compromissos infindáveis do loiro. Muitas vezes Shaka chegava tão cansado que apenas trocavam algumas palavras pelo telefone, tarde da noite. Mu o compreendia, muitas vezes tinha vontade de pegar o carro e ir até o apartamento do namorado, mas ele parecia não lhe dar liberdades para isso. Raras eram as vezes em que Shaka o convidava para passar a noite lá, como havia feito ontem. Mu tinha a impressão de que o loiro tinha medo de se comprometer, tinha medo de deixá-lo entrar completamente em sua vida, como se isso fosse lhe tirar não a liberdade – pois esta Mu desconfiava que o loiro já entregara a muito tempo ao trabalho – mas a sua individualidade.

Mu suspirou e fechou os olhos aborrecido. O que ele poderia fazer, a não ser esperar que Shaka se sentisse seguro o suficiente ao seu lado para assumir a relação? Não ia mais cobrar dele resposta para a proposta que lhe fizera há um mês atrás.

Deixaria o engenheiro em paz para que ele decidisse, quando achasse mais conveniente, se desejava ou não dividir sua vida com ele.

-x-

Shaka chegou ao escritório por volta das três da tarde, cansado mas satisfeito. Não fora fácil encontrar o corretor naquele sábado. Ao contrário do que muita gente poderia imaginar, muitos trabalhadores usavam o sábado para visitar imóveis e fechar negócios. Depois de várias ligações e muita espera, finalmente conseguira se encontrar com o homem – que felizmente era seu amigo – caso contrário não teria mantido a promessa que lhe fizera.

Já há algumas semanas Shaka o persuadia a manter aquele terreno fora da lista de imóveis disponíveis e, conseqüentemente, longe da vista de outros compradores. O engenheiro havia achado o local ideal para o que ele queria e não desejava abrir mão dele. Como não conseguia tomar uma decisão, pedira ao corretor aquele favor, garantindo que em breve lhe daria uma resposta.

E finalmente ele havia se decidido.

Sentou-se a sua mesa e observou a papelada com cuidado. Logo na segunda feira ele cuidaria da escritura do terreno e se o tempo lhe permitisse, em poucas semanas poderia começar as obras. A idéia o agradou profundamente. Pela primeira vez ele trabalharia em um projeto pessoal.

Abriu uma das gavetas, retirando de dentro dela um canudo longo. Destampou-o e deixou os papéis escorregarem fora dele. Desenrolou-os com cuidado, estendendo-os pela mesa com as mãos. Observou com orgulho a planta. Perdera noites após o expediente trabalhando nela. Era como se, mesmo ele não tendo se definido, seu subconsciente o obrigasse a voltar sempre àquilo.

Ainda não estava pronta, mas não faltava muita coisa. Se trabalhasse com afinco, estaria terminada até o início da noite. Foi até a prancheta e fixou o papel vegetal a ela. Apesar de usar bastante o computador para trabalhar, Shaka quis que aquele projeto fosse diferente. Queria todo o seu capricho nele, por isso o estava fazendo à moda antiga.

Compenetrado, pôs-se a trabalhar na planta.

-x-

– Boa tarde!

– Boa tarde! – A funcionária respondeu, notando a animação do dono da galeria, que havia ficado tão chateado na noite passada.

– E então, tudo pronto para iniciarmos as vendas? – Mu retirou os óculos escuros e analisou alguns papéis.

– Sim! – A mulher afirmou. – Várias pessoas se interessaram pelos trabalhos ontem mesmo no vernissage. Muitas deverão voltar para buscar os quadros dentro dos próximos dias...

– Que bom... – Mu olhou ao redor, avaliando as telas que já haviam sido vendidas. – Aquela ali... – O marchand apontou para uma escultura trabalhada em bronze que representava o deus hindu Shiva. – Já foi vendida?

– Não... – A funcionária observou a peça. – Muitas pessoas demonstraram interesse, mas nenhuma foi além disso...

– Bem... – Mu chegou mais perto da estatueta e abaixou-se para olhá-la melhor. – Eu já imaginava!

– Não fique triste, senhor Mu... – A funcionária apontou para outras esculturas. – Aquelas já foram vendidas! Alguém vai comprar esta também!

Mu riu. – Acho que não! Bem, valeu a tentativa! – Apesar da exposição ser totalmente dedicada ao seu conterrâneo, Mu havia colocado algumas peças de sua autoria à venda, aproveitando-se da temática hindu presente nas telas do amigo. Sua especialidade eram as esculturas, que ele elaborava com paixão e delicadeza, mas nunca havia exposto nada. Finalmente tomara coragem, mas estava triste por ninguém ter se interessado pela que ele gostava mais. Shiva representava o eterno movimento do karma. O fato de não ter sido vendida, dentre tantas outras, lhe parecia uma ironia. Era como se sua vida estivesse, naquele momento, estagnada.

Balançou a cabeça, afastando os pensamentos. Não, sua vida era ótima. Tinha sucesso profissional, comodidade financeira e uma pessoa para amar... O que mais ele poderia desejar?

Mu caminhou pela galeria, pensativo. Avaliou se seria bom deixar o lugar sem a sua presença naquela noite, a primeira depois do vernissage. Chegou à conclusão de que não haveria problema, uma vez que dispunha de três funcionários muito bem qualificados, que ele havia treinado pessoalmente. Por nada nesse mundo deixaria de comparecer ao jantar romântico que Shaka lhe prometera pela manhã.

– Ouça... Eu não poderei vir hoje a noite... Pode cuidar de tudo para mim?

– É claro! – A mulher concordou, confiante.

– Ótimo! Estarei em meu escritório, se precisar de alguma coisa.

Continua

Comentários da autora:

Como prometido, aqui está o terceiro capítulo, sem muita demora.

Às leitoras que perguntaram sobre o fanart dos lírios: ele pode ser encontrado no meu blog (endereço no meu profile), no post do dia 16 de novembro. Interessante: aparentemente, ninguém prestou muita atenção nele. Caso contrário, muitas já teriam desconfiado do rumo da fic! (risos) Ou talvez não. Pode ser que eu e a Verinha tenhamos fantasiado demais! Mas foi uma fantasia legal.

Agradecimentos especiais a Madame Verlaine, que betou mais esse capítulo! Apesar da correria de fim de ano, a Joyce ainda teve a gentileza de fazer isso por mim...

Agradecimentos também a todas que comentaram por review ou por e-mail! Desculpem-me a falta de tempo para responder uma a uma.

Mais comentários no Missão Complicada. Mas não sei bem quando...

Beijos!