Capítulo 2 – Quebra de rotina
Severus subiu as escadas para o apartamento, mais do que satisfeito. Estava radiante, como há anos não se sentia. A conferência de estoque demorara duas horas menos do que ele previra, porque Derrick tinha se mostrado muito competente e entusiasmado. O aprendiz talvez não fosse tão idiota quanto ele imaginou a princípio, afinal. Harry gostaria de saber disso.
Naquele momento, contudo, só em que Severus pensava é que ele tinha pelo menos duas horas a mais em sua noite. Duas horas que ele planejava passar em uma sessão romântica com Remus, que provavelmente já chegara da Mansão Malfoy.
Portanto, foi com passos confiantes e um sorriso no rosto que ele entrou no apartamento, notando imediatamente os barulhos vindos do quarto. Teria Remus começado sem ele? Mas a audição aguçada de Severus podia distinguir uma segunda voz com seu namorado.
Severus tomou uma atitude absolutamente fora do normal: ele não pensou e entrou no quarto.
A cena jamais se apagaria de sua mente.
O homem com quem vivia há três anos estava nu, deitado de bruços na cama que partilhavam, embaixo de um entusiasmado e igualmente desnudo Draco Malfoy, cujos violentos movimentos de vaivém não deixavam dúvidas sobre o que os dois estavam fazendo. A entrada brusca de Severus chamou a atenção de Remus, que tentou se erguer, o rosto lívido. Por sua vez, Draco – que mal quebrara a concentração – saiu de cima dele lentamente, um sorriso irônico no rosto.
– Rem, você disse que ele ia trabalhar até tarde – zombou o chefe da casa Malfoy.
– Agora não, Draco – conseguiu dizer o lobisomem, finalmente se pondo de pé.
Severus notou que Remus teve ao menos a decência de perder a ereção. Draco, por sua vez, continuava erguido, como se nada tivesse acontecido.
– Exato, Draco – rosnou Severus. – Isso é entre mim e Rem.
– Bom, nesse caso, cavalheiros... – disse Draco, recolhendo suas elegantes roupas espalhadas pelo quarto – Com sua licença, minha esposa me aguarda para o jantar. Ela vai ficar feliz quando eu chegar mais cedo. Ultimamente, receio ter estado um tanto... ausente. – E desaparatou sem perder o sorrisinho superior.
Ficaram os dois no quarto. Remus tentava se cobrir com um lençol. Severus tentava colocar os pensamentos em ordem.
– Por quê?
Remus soltou uma sonora gargalhada.
– Você quer saber por quê? Como pode me perguntar isso? Você olhou bem para ele? Nem vou entrar no fato de que ele é Draco Malfoy! Pense apenas que ele tem 25 anos, um ar de ninfa, uma beleza loura inatingível... Sem contar que é um touro na cama.
Severus estava estarrecido:
– É isso que você buscava? Um loirinho sarado de 20 anos?
– Para começar, eu buscava alguém que não tenha problemas de ereção de tantas Cruciatus que tomou.
As palavras deixaram o Mestre de Poções lívido. E Remus não tinha encerrado:
– Encare a verdade, Severus, nem sempre você consegue manter o mastro em pé. Não é culpa sua, eu sei, mas é o tipo de coisa que broxa qualquer um, entende?
– Já que decidiu usar uma linguagem mais colorida, pode me explicar por que diabos você estava dando para ele quando nunca, em todo o tempo que somos íntimos, você me permitiu penetrá-lo?
– Um Malfoy não aceita um não como resposta. E pelo que ele me paga, eu achei que merecia. – Diante do olhar de Severus, ele logo se emendou. – Não, não virei prostituto dele, eu realmente ganho meu dinheiro ensinando os filhos de Draco. Mas a mansão é enorme, as horas são longas, então achamos outra maneira de passar o tempo. Droga, Severus, eu nunca conseguiria nem passar na calçada de um lugar como aquele.
– Não acha que já passou da idade de se impressionar com ostentação? E o que está pensando? Que Draco está apaixonado por você?
– Não seja ridículo. Não tem ninguém apaixonado aqui.
– É, isso qualquer um pode ver, Lupin. – Ele inspirou amargamente. – Você algum dia teve qualquer sentimento por mim?
– Claro que sim. Você me excitava, me atraía: era sexy, proibido, perigoso. Ex-Death Eater. Humor cáustico. Sem contar que também era meio danificado emocionalmente. E eu pensei comigo mesmo: nós dois temos tanto em comum, somos duas criaturas das trevas. Ninguém vai nos amar mesmo, porque seres como nós não inspiramos amor. Mas nada podemos fazer quanto a isso e por que não aproveitarmos para, pelo menos, conseguirmos transar regularmente? Sem contar que eu ainda teria o benefício extra de Wolfsbane da melhor qualidade.
Severus sentiu o coração diminuir ainda mais. A lógica de Lupin parecia falha – tinha que ser falha – mas de algum modo, fazia sentido. Severus não podia mesmo ter imaginado que alguém pudesse amá-lo. Lupin tinha se dado conta dessa realidade inexorável de maneira mais adulta e agira racionalmente. Agora, ele estava seguindo adiante com sua vida.
O lobisomem continuou:
– Só que, depois de um tempo, lamento dizer, você ficou previsível, chato e enfadonho. Mas eu fiquei com você mesmo assim. Sou um lobisomem, não posso ser muito exigente com quem entra em minha cama. Além disso, devo confessar que você era uma variação interessante, depois de tantos anos com Sirius. Ele, sim, era imprevisível, imaginativo, insaciável... Ele me satisfazia em todas as formas, de todos os ângulos.
Severus sentiu a irritação aumentar, e rosnou:
– Não será necessário repetir a ladainha de que Black foi o único homem que amou. Eu entendi a mensagem.
– Ah, Severus, não me diga que ficou incomodado? Sim, eu amava Sirius, é isso que o deixa fulo? Admita, é isso que o corrói por dentro. Você nunca conseguiu substituir Sirius na minha vida. Ao contrário, teve que se contentar com as sobras dele! E você nunca se conformou com isso, nunca aceitou. Mesmo morto, Sirius ainda é melhor que você.
A dor no coração tornou-se insuportável. Parecia que seu peito inteiro estava sendo esmagado lentamente. Severus fechou os olhos e ficou de costas para Remus, pronunciando apenas uma palavra, em voz baixa e bem articulada – uma voz que qualquer aluno de Hogwarts reconheceria como a que carregava o mais alto nível de periculosidade:
– Fora.
Lupin não respondeu, apenas suspirou. Dirigiu-se ao armário, disposto a recolher seus pertences, mas Severus o deteve, no mesmo tom:
– Mais tarde você pega suas coisas. Agora você vai embora daqui, ou, Merlin me ajude, desta vez não vou escapar de Azkaban, porque vou matá-lo com minhas mãos nuas. Entendeu?
O lobisomem vestiu-se, dizendo:
– Está exagerando, Severus. Não é como se você também estivesse loucamente apaixonado por mim. Tivemos uma etapa de puro desejo sexual; no máximo nós nos acomodamos em conforto mútuo e você sabe disso. Não há necessidade de ninguém se magoar.
Desta vez, Severus se virou para ele, com a varinha em riste. Remus Lupin arregalou os olhos, pois nunca tinha visto tamanho ódio e fúria nos olhos negros de Severus. Eram dois carvões em brasa, o rosto de um Death Eater determinado a matar infligindo dor e tendo prazer nisso:
– Dê-me uma razão, lobisomem.
Remus tremeu. O lobo pôs a cauda entre as pernas e, mesmo apenas semivestido, desaparatou em menos tempo que seu coração levou para bater uma segunda vez.
