Capítulo 4 – Plano B no café da manhã

O rosto estava pálido, os olhos arregalados, uma fina camada de suor podia ser vista na testa. Derrick era um retrato do pavor.

– Ah, Sr. Harris, desculpe – disse o jovem aprendiz, sem conseguir esconder o tremor nas mãos. – O Mestre está de péssimo humor hoje. Acho que não vai atendê-lo.

Harry temia que isso acontecesse. Então ele ativou o Plano B:

– Oh, isso seria terrível. Eu estou com muitas dores hoje. – Fez um careta e suspirou. – Muitas mesmo.

– Ah... Er... Bom... – O rapaz hesitou, claramente relutante. – Posso falar com ele e tentar convencê-lo, senhor. – Dava para ver que aquilo era a última coisa que o pobre aprendiz queria fazer. – Isto é, se o senhor realmente não puder agüentar.

– Não, não. Se Severus não está bem hoje, eu posso ir para St. Mungo's tratar disso. Não há necessidade de incomodar Mestre Snape. Mas você poderia me fazer um favor, Derrick? Eu vou levar um pouco de uma poção analgésica para agüentar até chegar ao hospital.

– Sim, claro. – O rapaz não escondeu seu alívio por não ter que falar com Severus. – Vou pegar um pouco da Poção Tira-Dor agora mesmo.

– Na verdade, eu preciso de algo mais potente. Que tal a Poção Anestésica, que é bem mais forte? Acho que eu estou precisando dessa.

O sorriso de Derrick se desfez imediatamente e ele começou a gaguejar:

– Oh, m-mas eu sou só um ap-aprendiz... N-não posso vender essa poção sem consultar o M-Mestre Snape. Ele precisa... ah... autorizar a venda.

Harry sabia disso. Mas fez o possível para parecer estar morrendo de dor:

– Puxa, desculpe, Derrick, mas eu realmente preciso dela. É só perguntar a ele se pode me vender um frasquinho. Pode ser um pequeno, um que dê até eu chegar a St. Mungo's sem desmaiar no meio do caminho.

Derrick soltou um gemido e saiu, trêmulo, para o interior da botica. Cruzando os dedos, Harry ouviu uns gritos (como esperava) e depois Severus apareceu, claramente irritado:

– Sr. Pot-er, Harris, por que precisaria da Poção Anestésica?

Harry reparou no estado do Mestre de Poções. Estava ainda mais pálido que o normal, as linhas no rosto mais acentuadas, imensas bolsas debaixo dos olhos. Mas Harry procurou disfarçar, encenando grande dor:

– Oh, Severus, meu joelho está me matando e as costas também. Eu mal dormi essa noite e só não o chamei antes para não incomodar.

– Mas o que você andou fazendo de ontem para hoje que o fez piorar tanto?

– Oh, bem, eu ontem fiquei sem a bengala.

– E por que você fez isso, pelo amor de Merlin? Isso piora seu joelho e sobrecarrega a coluna!

Harry desviou o olhar e pareceu constrangido ao responder:

– Bom, eu queria impressionar alguém.

Como ele esperava, Severus explodiu:

– De todas as coisas irresponsáveis e estúpidas que você poderia ter feito, essa bateu qualquer recorde! Você pode ter atrasado seu tratamento em meses! Se quisesse desperdiçar meu tempo, certamente você poderia inventar dispositivos menos tediosos e enfadonhos! E tudo por causa de algum rabo-de-saia, ou algum garotão musculoso de cérebro galináceo!

Agora a pele de Severus estava cinza, notou Harry, e ele estava à beira de um ataque parecido com aquele do quinto ano, quando ele arremessara um jarro de baratas contra seu relutante aluno de Oclumência.

– Eu deveria mandá-lo para St. Mungo's e deixá-lo à mercê daqueles carniceiros!

Derrick parecia ainda mais assustado que Neville, na época de estudante, em dia de prova de Poções. Harry fez o que podia para parecer constrangido:

– Desculpe, Severus.

– Venha logo para dentro! – rosnou o Mestre de Poções. – Deixe-me ver o que posso fazer para reparar o dano! – E virou-se dramaticamente, entrando nos fundos da botica esvoaçando suas vestes. Harry seguiu-o, tentando esconder o sorriso nos lábios.

Normalmente, ele não teria conseguido se safar com um truque como esse, não diante de um legilimente poderoso como Severus Snape. Mas Harry calculara que ele estava tão irritado e desgostoso que não usaria suas habilidades naquele momento.

Foi num silêncio tenso que Severus preparou a poção. Quando foi recolher o sangue de Harry para adicionar, ele comentou:

– Então o Sr. Potter está à caça de alguém... É a primeira vez que ouço isso. Alguém que eu conheça?

– Na verdade, sim – respondeu Harry.

– E posso saber o nome dessa pessoa?

– Eu não gostaria de dizer antes de ter alguma coisa mais concreta.

– Entendo. Prudente. E surpreendente, vindo de você. – Severus voltou-se para o caldeirão, de costas para Harry. – Estamos falando de uma moça, ou será um garotão...

– ... de cérebro galináceo? – completou Harry, sarcástico. – Não, garanto que ele não é nada disso.

– Ah, então é mesmo um garotão que captou a atenção do Rapaz-Que-Matou-Voldemort.

– Ele não se impressiona com isso. É que nós nos conhecemos antes da batalha final. Foi um reencontro há relativamente pouco tempo. Ainda é muito cedo para afirmar qualquer coisa.

– Entendo. Uma palavra de cautela, Potter. Não entregue seu coração. – A voz se tornou amarga. Mesmo de costas, Harry viu que ele abaixara a cabeça. – Acredito que já esteja ciente do ocorrido.

Por um segundo, o rapaz pensou em mentir e bancar o desinformado. Mas não serviria a qualquer propósito. Então ele respondeu:

– Sim. Mas acho que não quer falar sobre isso.

– Tem razão. Não quero.

– Só quero lhe dizer que eu não concordo de jeito algum com o que Remus fez. Ele acabou entrando em minha casa e dormindo lá sem minha permissão, mas eu já o avisei que ele não poderá fazer isso de novo. Vou trocar as fechaduras ainda hoje.

– Não deve fazer isso por minha causa. Ele é seu amigo. Sei que gosta muito dele.

– Sim, mas isso não quer dizer que eu concorde com o que ele fez. Se quiser conversar sobre isso, eu posso ouvir.

– Falar nada vai resolver, Potter. O que está feito, está feito. Resta-nos seguir adiante e aprender as lições.

– Olhe, não é por que não deu certo com Remus que não dará também com outra pessoa. Tente se manter aberto a novas oportunidades, está bem?

– Por que está dizendo isso?

– Porque eu conheço você. Vai se fechar em sua casca, sem deixar ninguém entrar. – Recebeu um olhar fulminante e emendou, quase em tom de acusação: – Ei, você é quem estava me dando esse mesmo conselho ainda outro dia. Se vale para mim, vale para você também.

– É onde está errado, Potter. Somos muitos diferentes. Por exemplo, estamos falando demais sobre um assunto no qual eu preferiria não tocar. Se não se importa, gostaria que respeitasse meus desejos.

Harry percebeu o tom de Severus e ergueu os braços:

– Desculpe. Eu me entusiasmei, só isso. Então vamos falar de outra coisa. E que tal os Cannons, hein?

Severus revirou os olhos: Quidditch era o seu segundo assunto mais desagradável. Que Potter tivesse levantado este tema era um indicativo de que ele realmente precisava polir suas habilidades sociais. O tal candidato a namorado que se cuidasse, ou ia passar por esta mesma agonia com um Potter socialmente inepto.

Harry, por sua vez, considerava um avanço que Severus tivesse falado sobre o rompimento de seu relacionamento com Remus, mesmo que induzido. Não havia sido um desperdício total de sua manhã.