Capítulo 5 – Noite de vinhos e queijos

O tema não voltou à baila durante dois dias. Harry sentia Severus tenso, irritadiço, mas não forçou mais o assunto. Eles tentaram conversar sobre outras coisas, mais especialmente o tal interesse romântico que Harry trouxera. Mesmo que fosse algo relacionado a romance, notou Harry aliviado, falar sobre o tal "pretendente" não deixava Severus desconfortável. Já era alguma coisa.

Mas a falta de progresso fez Harry ficar ansioso para entrar novamente em ação. As conseqüências dessa inquietação toda sugiram numa noite em que ele apareceu no apartamento de Severus.

O Mestre de Poções ouviu a batida na porta com certa apreensão. Não esperava ninguém àquela hora e não queria pensar em quem poderia ser. Rapidamente escondeu sua surpresa quando abriu a porta e viu ninguém menos do que Harry Potter, parado na sua soleira, exibindo aquele sorriso franco que dizia para Severus "ingenuidade" mais do que qualquer outra coisa:

– Olá, Severus. Atrapalho alguma coisa?

– Só a minha leitura da revista técnica de Poções. O que aconteceu, Potter?

– Trouxe vinho e queijo. Precisava lhe dizer uma coisa.

– Não podia esperar até amanhã?

Ele deu de ombros, sorrindo de maneira inocente e piscando os olhos verdes brilhantes:

– Aí eu não precisaria trazer o queijo e o vinho.

Severus revirou os olhos e abriu a porta:

– Entre, pirralho miserável.

Harry lhe entregou o vinho e Severus o abriu para respirar alguns minutos, enquanto preparava uma tábua para acomodar os queijos. O dono da casa ergueu uma sobrancelha, impressionado:

– Vinho élfico, Potter? A safra não é ruim.

– Sabia que você ia gostar. Esse eu nunca provei, mas foi muito recomendado e achei que um apreciador como você poderia me dizer se é mesmo bom como disseram.

– Entendo. – Severus serviu dois copos e trouxe a bandeja de queijos para a sala. – Mas não acredito que tenha vindo aqui apenas para uma conversa sobre enologia.

– Não, não, claro que não. – Harry tomou um gole do vinho e torceu as mãos, angustiado. – Desculpe ter aparecido sem avisar, mas isso está me incomodando.

– Do que se trata?

– É aquela pessoa de quem lhe falei outro dia. Sabe, aquela a quem eu tentava impressionar.

– Você não voltou a andar sem bengala, voltou?

– Não, não, não é nada disso. O problema é que ele acabou de sair de uma relação. O rompimento não foi exatamente dos mais civilizados. Mas ainda assim eu temo que ele possa ter sentimentos pelo ex.

Severus interrompeu o gole de vinho no meio para olhar ferozmente para Harry:

– Foi para isso que veio? Para brincar de "meninas adolescentes" falando sobre os gostosões da escola? Pensei que você brincasse disso com Weasley ou Granger!

– Quer parar com isso? Você é meu amigo. E eles têm bebês e outras preocupações. Para não falar que eles vivem me pressionando para ter uma "relação estável" e me assentar na vida. Se eu disser para Hermione que estou de olho em alguém, ela vai querer reservar o salão do Leaky Cauldron para a festa de casamento. – Harry suspirou. – Não, eu só precisava de um amigo para conversar porque estou com essa dúvida e... estou ficando angustiado.

Severus o encarou, sentindo a ansiedade do rapaz. Então ele tomou mais um gole de vinho antes de dizer:

– Gostaria de me falar mais sobre o seu... pretendente?

– Oh, bem, não há muito o que falar. Exceto que eu realmente gosto dele. Queria muito que desse certo.

– Mas o tal ex pode ser um problema?

– É. Como eu disse, eles terminaram feio, e ele parece não estar muito inclinado a aceitá-lo de volta. Mas se o ex aparecer, pedindo para voltar, talvez ele aceite o cara. Tenho medo dessa rejeição.

– Não vejo por que você deveria temer. Eles já estão separados, a separação foi drástica e você é o maldito Garoto-Que-Sobreviveu. O que mais este indivíduo poderia querer?

– Eu já disse que ele não se impressiona muito com isso.

– Já estou gostando dele.

– É, você gostaria dele. Mas eu o vi primeiro. – Harry viu Severus levantar os cantos da boca e sorriu também. – Agora eu só queria alguma segurança. A última coisa que eu desejo é vê-lo correndo feito um cachorrinho para o ex, se ele aparecer.

– Não entendo por que você acha que essa pessoa escolheria o outro ao invés de você. Ele gostava tanto assim do tal ex?

– Acho que sim, mas ele não me falou muito sobre isso. De qualquer modo, o ex é bem capaz de tentar algo assim. E ele está vulnerável, pode cair na conversa do outro.

– Nunca imaginei que você fosse atrás dos "vulneráveis".

– Não é bem assim. Eu gosto dele há tempo, mas sempre respeitei a relação que ele tinha, então nunca falei nada. Mas agora... eu quero me arriscar, porque acho que pode dar certo, eu e ele. Mas se o ex tiver chance...

– Espere – disse Severus. – Então esse é seu amor misterioso? Aquele que quebrou seu coração?

Harry se constrangeu:

– Eu não colocaria a coisa dessa maneira... Severus, posso fazer uma pergunta pessoal?

– Pode perguntar.

– Se você estivesse na posição dele, o que faria? Digamos, se Remus aparecesse e pedisse para voltar... você o aceitaria de volta?

Harry observou atentamente a reação de Severus. O rosto dele endureceu e ele pousou a taça antes de responder:

– É uma situação totalmente diferente. A separação de seu amigo pode ter sido drástica, mas as circunstâncias não são as mesmas.

– E se fossem? Severus, só me dê uma luz, é só o que eu peço. Sim ou não?

Severus suspirou, desconfortável, e Harry sentiu seu coração se acelerar de tanta ansiedade. Depois de um longo tempo, ele respondeu:

– Não sei. Sinceramente, não sei.

– Mas e se você soubesse que outra pessoa estava interessada em você? Alguém como eu, que gosta de você há tempo mas que nunca se aproximou porque...

– Espere um minuto – interrompeu Severus. – Está me dizendo que não falou com o rapaz que está interessado? Potter, eu pensei que vocês dois se conhecessem.

Harry enrubesceu e comeu um pedaço de Roquefort, nervoso:

– Eu disse antes. Esse cara é importante para mim. Se ele me rejeitar, eu... eu...

– Vai se retrair para dentro de sua concha de novo?

– Olhe, Severus, você é meu amigo e não me importo de dizer isso a você. Eu gosto dele mesmo. Acho que posso me apaixonar por esse cara, se é que já não estou. Tenho medo, tá bom? Medo de me machucar.

– Medo?

– É, medo! – De repente, Harry estava vermelho, envergonhado e defensivo. – Vergonha de Gryffindor! Derrotei Voldemort, mas tenho medo de levar um "não" de um cara que nem é meu namorado. Pronto, pode gozar de mim. Vamos, comece. Diga aí que o grande herói do mundo bruxo pode derrotar Voldemort, mas morre de medo de levar um fora de um namorado. Mora numa casca porque vive apavorado que a pessoa que adora possa machucar seu coraçãozinho frágil!

Severus olhou a reação de Harry com alarme crescente. O garoto tinha terminado seu desabafo ofegante, lágrimas ameaçando saltar dos olhos. Seja lá de quem ele estava falando, era sério. Por natureza, Harry era passional sobre as coisas, atirando-se com gosto naquilo que acreditava ou no que perseguia. Essa persistência tinha permitido que ele localizasse e destruísse as horcruxes do Lord das Trevas. Então era pouco característico que ele tivesse ficado nas sombras, amando à distância durante todos esse tempo que vivera enclausurado.

A menos que Harry realmente estivesse apavorado com a perspectiva de ser rejeitado.

Severus reparou que Harry ainda ofegava e, num tom casual, serviu mais vinho, comentando:

– Não seja dramático. É uma situação... apavorante para qualquer um. Ainda assim, creio que o mais recomendável é você ultrapassar seu pavor e dizer a seu escolhido.

– Mesmo?

– Não estou sugerindo que peça a ele um compromisso bruxo de união de almas – reforçou Severus sarcasticamente. – Apenas dê a ele uma evidência de que está interessado. Talvez um presente significativo. Por exemplo, se ele for um homem refinado, pode se comunicar com a linguagem das flores.

– Flores?

– Há não muito tempo, os costumes vitorianos associavam flores a mensagens específicas. Ao invés de articular as palavras, ofereciam-se flores correspondentes. No seu caso, você pode pensar num narciso amarelo, que pede o retorno de um afeto, ou quem sabe uma rosa ou outra flor vermelha, uma declaração mais clássica de amor. – Severus encarou Harry. – Isto é, claro, se seu escolhido souber interpretar a mensagem.

– Hum – Harry ficou pensativo. – Vou ter que dar um jeito de consultá-lo a esse respeito. Não sei se ele sabe dessas coisas. Afinal de contas, de que adianta mandar uma flor se ele não souber o que ela realmente fala, não é?

Severus deu um de seus sorrisinhos sarcásticos:

– Você conhecia essa linguagem?

– Não, eu... – Harry deu de ombros. – Acho que não sou refinado.

– Tem certeza? Você trouxe queijos e vinhos. E, confesso, os queijos combinam com os vinhos. Não sou um connaisseur, claro, mas eu sei que sua seleção foi bastante apropriada, Potter.

– Que bom que você gostou, Severus. Se eu fizer a mesma coisa por meu pretendente, acha que vai impressioná-lo?

– Oh, sim, certamente. Eu diria que você tem boas chances, sim.

– Se o ex não se intrometer.

– Nunca vi você tão pessimista antes. Onde está o lendário otimismo Gryffindor?

– Isso é importante para mim, muito importante. Se eu fizer uma bobagem...

– Repito que está indo muito bem. – Severus deu outro sorrisinho. – Talvez seja o vinho, Potter, talvez seja um sinal do fim dos tempos, mas repare que desta vez eu estou lhe mostrando o lado ensolarado do problema.

Harry tinha que admitir: por essa, ele não esperava.