Capítulo 9 – Gourmandises
Como era de se esperar, Harry estava um tanto quanto agitado quando bateu à porta de Severus naquela noite. Ele passara o dia inteiro numa espécie de nevoeiro embaçado, mal podendo acreditar que seus sonhos iam se realizar, após anos apenas observando à distância. Passara horas diante do espelho, tentando decidir o que usar. Aquele era seu primeiro encontro com Severus, ele queria ficar bonito. Decidiu-se por vestes bruxas de meia estação, pretas com detalhes em verde.
E levou uma flor.
Severus ergueu uma sobrancelha ao ver a flor, assim que abriu a porta.
– Narcissus jonquilla. Uma espécie peculiar de narciso. Você sabe o que essa flor quer dizer, não, Potter?
Harry corou para responder:
– Quer dizer "desejo" ou "retorne o meu afeto".
– Muito bem. Vejo que andou pesquisando. – Severus deu um sorrisinho antes de aceitar o arranjo com o junquilho e abrir a porta. – Oh, desculpe minha falta de modos. Seja bem-vindo.
Harry atravessou a porta se sentindo novamente com 16 anos, nervoso por estar em um encontro com a pessoa da qual gostava. Então ele notou que o apartamento de Severus estava diferente.
Bom, não tão diferente. Estava ostensivamente arrumado, sem os costumeiros milhares de livros e revistas técnicas espalhados por todos os locais. Também havia pequenos arranjos de flores arroxeadas discretamente posicionados. Eram fragrantes, deixando um aroma suave no ambiente, notou Harry de maneira aprovadora.
– Está muito elegante, Sr. Potter. – Severus retirou-lhe a capa. – Se você estava esperando uma noitada na cidade, lamento desapontá-lo. Decidi optar por uma refeição em casa, se for de seu agrado.
– Sem problema. Você cozinhou?
– Apenas uma parte. O plat de résistance veio de um excelente restaurante Muggle especializado nesse tipo de cuisine. Tom, do Leaky Cauldron, é o intermediário para essas encomendas especiais.
– Hum, fiquei curioso. Que maravilha é essa que você não se arrisca a cozinhar sozinho?
– Você verá em breve. Podemos começar com champanhe? Na verdade, hoje é só o que teremos para beber – a menos que prefira outra bebida, claro. Como alternativa, tenho um Chablis 1996 de uvas Chadornnay, uma safra bastante aceitável.
Harry estava embevecido. Severus parecia tão confiante, tão exuberante e sexy como um anfitrião atencioso e gentil. Era óbvio que ele colocara grande esforço naquele jantar. Harry se sentia tocado de ser o receptáculo de tanta atenção.
– Não, não, champanhe está ótimo.
– Excelente. Brut Royale, safra 1995. Deve acompanhar muito bem os filés de linguado enrolados com mousseline de salmão regados a molho véronique clássico.
Com os olhos arregalados, Harry se sentou à mesa:
– Puxa, Severus, não sabia que você era um gourmet.
– Parece que há um bom número de coisas a meu respeito que você não sabe. Além do mais, você conhece o ditado: o caminho mais rápido para o coração de um homem é seu estômago.
Harry não evitou soltar uma risada alta e sincera. Severus ergueu uma sobrancelha, divertido.
Eles se sentaram e Harry se entregou ao delicado prato de entrada (servido à inglesa) que Severus lhe presenteou. A champanhe estava na temperatura certa e a entrée aguçou o paladar. Severus lhe parecia tão refinado, tratando-o como um príncipe honrado, cobrindo-o de mimos. O rapaz mal se continha de felicidade.
– Isto está fabuloso, Severus. Não devia ter se dado a tanto trabalho.
– Oh, sim, eu devia. – Ele pousou os talheres de maneira elegante e garantiu. – Você está me dando um presente maravilhoso, Harry. Gostaria que soubesse que sou grato. Espero que esta noite crie memórias agradáveis, lembranças que desejo ver você manter por toda a sua vida.
– Eu... eu me sinto honrado.
– Mas eu sinceramente não entendo por que você nunca mencionou nada a este respeito. Desde quando isso vem acontecendo?
O filé de linguado quase parou na garganta de Harry, que não esperava a pergunta. Ele tomou um gole de champanhe.
– Desculpe, Severus, eu não queria esconder isso de você, mas... você parecia feliz com Remus. E eu gosto de vocês dois, achei que seriam felizes.
– Oh, bem, veja aonde isso nos levou.
– Eu só não queria me meter em algo que podia estar dando certo.
– Mas você não tinha como saber que não ia dar. E se eu me acertasse com o lobisomem, você ia continuar dentro de sua casca na casa de Black?
– Olhe, eu não sei. Acho que fui me acostumando a ver você todos os dias e assim não sentia tanto. Eu nunca... – Harry quase engasgou e dessa vez o linguado não teve nada a ver com isso. – Nunca imaginei que você algum dia pudesse me olhar... deste jeito.
– Confesso que me senti do mesmo modo. Devo ter feito um espetáculo na loja de flores, olhando aquela tulipa. Era tão... tão impossível. Harry Potter... interessado num boticário pobre, velho, amargurado? Alguém que nem conseguiu manter um lobisomem em sua vida?
– Olha, o que eu falei sobre Remus ainda vale. O que ele fez foi terrível e eu disse a ele que não concordava com isso de jeito algum. Não foi fácil fazer isso com o último dos amigos de meus pais, mas ele mereceu. Ele disse palavras horríveis para você, palavras que não são verdadeiras. Severus, eu amo você. – Harry esticou o braço para tocar no de Severus. – Lamento que você não acredite que seja possível alguém amá-lo, mas eu gostaria de provar que está errado.
Severus tentou conter as emoções diante das palavras de Harry. Muitas delas tinham um quê de verdade. Por isso ele se esforçara tanto para que aquela noite fosse perfeita: assim ele se sentiria digno de Harry. Mas o rapaz o surpreendera de novo, logo na entrada, e tocara seu coração.
– Severus, eu preciso fazer aquela pergunta agora, antes que qualquer coisa aconteça.
– Que pergunta?
– Sobre Remus. Aquela que você não soube responder antes. Eu preciso de uma resposta, Severus. Se ele aparecer e pedir que volte para ele, você o aceitaria novamente?
Severus tomou o maior cuidado para encarar Harry diretamente nos olhos e responder, de maneira firme e decisiva:
– Claro que não. Eu nunca faria isso. Por que aceitaria de volta alguém que disse na minha cara não me amar?
– Mas... você sente alguma coisa por ele?
– Eu achei que sentia – confessou. – Acho que na verdade eu queria muito sentir. Mas não se compara ao que senti desde que soube que você tem sentimentos verdadeiros e sinceros por mim. Como poderia comparar ou trocar essas duas experiências?
– Tem certeza? Olhe, não pense em me magoar, pense apenas em fazer o que é melhor para você.
– Tenho certeza – Severus pegou a mão de Harry mais uma vez. – Não tem a menor chance de eu mudar de idéia.
Harry abriu um de seus sorrisos brilhantes, um que fez Severus mal acreditar que era por sua causa. E sim, o Mestre de Poções tinha aquele fantasma dentro de si, aquele que não o deixava acreditar:
– E você também pode desistir, se quiser. Digo, se achar que cometeu um erro, eu vou entender.
– Não, Severus, isso nunca. – Harry apertou a mão dele. – Agora que estou aqui com você, não vou desistir até você me expulsar de sua vida.
– E seus amigos? O que eles pensam disso tudo?
– Ainda não falei nada sobre o que está acontecendo. Na verdade, eles nunca souberam. Oh, bom, provavelmente Hermione tenha adivinhado.
– Ah, sim. Poucas coisas escapam à Srta. Granger. – A um olhar de Harry, ele corrigiu, com meneio de cabeça. – Desculpe. É Sra. Weasley, fato confirmado por uma pequena criatura de três anos e um cabelo muito ruivo chamada Percival, se não me engano.
– Isso mesmo, Percival, mas ele só tem dois anos. Eu estava pensando em organizar um pequeno jantar e convidá-los. Também chamar Neville e Ginny. O que você acha? Gostaria de chamar alguém?
– Esse jantar vai ser... nossa... apresentação oficial?
– Só para os amigos mais íntimos. Por isso, se tem alguém que queira chamar...
Severus mal escondia o sorriso sarcástico.
– Francamente, creio que tudo sairá bem mais satisfatório se deixarmos os meus amigos bem longe desse jantar. Afinal, os que não estão mortos, estão em Azkaban.
Era para ser um comentário irônico, mas terminou saindo amargo. Harry mais uma vez pegou a mão de Severus:
– Eu sei que você fez escolhas das quais se arrepende. Mas sei também que você passou o diabo para fazer a coisa certa e consertar o estrago.
Severus não respondeu, apenas olhou Harry, e o rapaz quase perdeu a respiração com a intensidade do brilho dos negros olhos. Para aliviar o clima, ele deu um tapinha no braço e fez um ar exagerado de resignação.
– Só sei que meu jantar vai ser um fracasso antes mesmo de começar. Não sei o que vou fazer para superar esse jantar de gourmet.
– Se você quiser ajuda, ofereço meus humildes serviços.
– Sério? – O sorriso de Harry podia iluminar todo o mundo bruxo por dias. – Sev, ia ser ótimo!
– Excelente, temos nosso projeto para sábado à noite. E enquanto estamos falando em projetos conjuntos, posso lhe pedir que se restrinja a usar esse... nome... er, afetuoso... apenas entre nós?
– Que nome? Sev? Se não gostar, posso chamá-lo de Severus.
– Na verdade, eu preferiria. Um dos tais amigos costumava me chamar de Príncipe Sev, como forma especial de zombaria. Mas quando você fala... não soa desse jeito.
– Não, é um nome afetuoso, como você mesmo disse.
Eles trocaram sorrisos, e Severus se ergueu, recolhendo os pratos:
– Se você já terminou a entrada, podemos prosseguir ao prato principal. Gostaria de um pouco de Gouda para abrir o paladar? – Pegou um prato com uns pedaços do queijo branco e macio já cortado.
– O que você achar melhor. – Harry mordiscou um pedaço de Gouda, confessando: – Estou curioso para saber que prato misterioso é esse.
– Não fique com suas expectativas muito elevadas. – Severus falou, da cozinha. – Na verdade, é um prato relativamente simples.
Ele trouxe, em porções à inglesa, o tão aguardado prato. Harry esperou que ele se sentasse e exclamou, admirado:
– Nossa... é lagosta?
– Lagosta à Termidor, uma das receitas mais tradicionais do crustáceo. Como eu disse, não é um prato complicado, mas tem seus segredos. Tais segredos revelaram ser um mistério para mim, e, francamente, parei de tentar descobri-los depois que encontrei esse restaurante Muggle em Piccadilly. Sempre peço para entregarem a Tom, no Leaky Cauldron. Eles fazem uma lagosta de arrasar, pode acreditar. Eu juro que ela chega a ser afrodisíaca.
– Hum, então você está tentando tirar vantagem de mim? Com intenções bem pouco honrosas, aproveitar-se da minha virtude?
– Oh, mas essa sempre foi minha intenção, Potter. Já se esqueceu?
– Harry.
– Como?
– Por favor, me chame de Harry. – A voz dele era baixa, solene. – Por favor.
Severus notou que aquilo era importante para ele e assentiu.
– Claro. Por favor, não faça cerimônia e pode experimentar. A lagosta não vai a lugar algum.
Com apenas uma garfada, Harry constatou que Severus não exagerara. A lagosta estava absolutamente deliciosa. Ele estava extasiado. Não só por ter seu paladar estimulado com artigos tão finos e requintados, mas pelo esforço de Severus. O Mestre de Poções não era um homem de posses e um jantar como aquele certamente não seria barato. Harry ficara extremamente tocado que Severus tivesse comprometido seu orçamento daquela maneira apenas para agradá-lo.
Após a lagosta, Harry se lembrou de que estava encarregado da sobremesa. Ficou feliz de também ter feito o esforço extra e comprado chocolates finos.
– Você tinha sugerido uma seleção de chocolates. Ainda bem que optei por chocolates finos, não aqueles conhecidos da Honeydukes.
Severus observou a caixa com um olhar apreciativo:
– Chocolaterie Arns, Gèneve. Impressionante. Você se deu ao trabalho de ir à Suíça?
Harry efetivamente ruborizou:
– Mr. Harris optou por Floo Internacional. E veja que coincidência: trufas de champanhe e uma variedade de petit-fours.
– Foi uma escolha perfeita, Harry. Parabéns. Mas eu planejava continuar com isso no quarto. É lá que está a champanhe que combina com chocolate. Mas antes preciso lhe perguntar uma coisa muito, muito importante. Não podemos prosseguir sem isso.
O jovem franziu o cenho:
– O quê?
– Você tomou todas as suas poções religiosamente? A Tira-Dor e o bálsamo curativo?
– Todas. Não precisa se preocupar.
– É meu dever me preocupar. Quero você relaxado, sem dores, ágil e até... flexível.
A cor dos olhos de Harry mudou, escurecendo de desejo diante do tom na voz e da expressão no rosto de Severus. O anfitrião se ergueu e estendeu a mão para seu convidado:
– Se você não se importa, eu estou ansioso pela... sobremesa que nos espera no quarto. Gostaria de me acompanhar?
Ao ver o brilho nos olhos de Severus, Harry sentiu uma sensação no estômago que nada tinha a ver com a lagosta. Pegou a mão oferecida e respondeu:
– Adoraria.
