Capítulo 11 – Antes do amanhecer
Uma vez espião, sempre espião.
Os sentidos apurados de Severus o fizeram ouvir o barulho da porta da frente se abrindo. Instantaneamente ele estava completamente acordado, sem qualquer vestígio de sono. Seus reflexos aguçados o alertaram de várias coisas ao mesmo tempo: o roupão estava ao lado da cama, o dia ainda não amanhecera e Harry não acordara.
Em silêncio total, Severus lançou um Accio para a varinha e o roupão, fechando a porta do quarto e indo atrás do intruso.
Que estava na sala, inspecionando o ambiente.
Ao reconhecer quem entrara, Severus sentiu um embrulho no estômago. Foi recepcionado por um olhar duro e acusador. Mas olhares nunca intimidaram o Mestre de Poções, que retribuiu à altura:
– O que pensa que está fazendo invadindo minha casa, Lupin?
O lobisomem usava seu faro aguçado e seus olhos vivazes para proceder ao escrutínio do ambiente.
– Vejo que esteve ocupado. Então é verdade. Você teve companhia. Eu sabia que você estava com alguém assim que Tom me disse que você fez o pedido da lagosta daquele restaurante de Piccadilly. Essa é sua senha para jantar e sexo de sobremesa.
– Não vejo em que isso possa ser de sua conta. Agora vá embora para que eu troque as fechaduras de meu apartamento.
– Você quis insinuar que sentia algo por mim, mas mal tivemos uma rusga e você já arrumou um substituto. É mesmo um Slytherin hipócrita, falso e fingido. Provavelmente você também tinha esse interesse "paralelo" há muito tempo.
– Fale baixo!
– Ah, o seu namoradinho está aí? Ou será que é apenas uma trepada de uma noite? Trepadinha cara essa, se pretende atraí-lo com lagostas e o enrolado de linguado.
– Lupin, pela última vez, vou lhe pedir delicadamente que saia daqui e não volte nunca mais. Não me obrigue a jogá-lo porta afora.
Remus adquiriu um ar feroz e partiu para cima do dono da casa:
– Acha que estamos terminados? Acha que pode simplesmente me esquecer, Severus?
– Não só acho como já fiz. Você é passado.
– Foi o que Draco tentou me dizer. Que nós dois estávamos terminados, que eu era uma brincadeira e que já tinha terminado de ser divertido – disse o amargurado ex. Ele parecia transformado, perdendo o ar de ironia e agressividade para se tornar melancólico, próximo à depressão. – Por isso mandei as flores para você. Para me desculpar. Assim podíamos ficar juntos de novo. Mas eu não pensei que... Não imaginei que... bom, que alguém...
Ele se interrompeu, mas Severus concluiu, o sangue subindo:
– Não pensou que alguém fosse se interessar por mim, é isso?
O rosto de Lupin se tornou agressivo de novo:
– Na verdade, foi exatamente isso. Deve ser alguém igualmente machucado e esquisito para se aproximar de você. Mas isso não importa. Você é meu, Severus, meu, está ouvindo? Nós dois, estragados pela vida. Não tem casal mais perfeito. E não tem lugar para mais ninguém. Entendo que você estivesse magoado, por isso perdôo essa transgressão – desta vez. Portanto, pode ir dando adeus ao comedor de lagosta. É a última vez que vocês vão se ver. Aliás, eu mesmo direi isso ao seu amiguinho.
Severus encostou a varinha na garganta dele:
– Não dê mais um passo, Lupin. E fale baixo, estou avisando!
– Você é meu, Death Eater – rosnou o lobo. – Não vou deixar ninguém pegar o que é meu.
E atacou, imobilizando o braço de Severus, que deu um passo para trás, mas era tarde. Lupin já o tinha agarrado entre os braços e pressionado os lábios contra os dele, forçando-o a beijá-lo.
Por um instante, Severus foi apanhado de surpresa e ficou sem ação. Por um instante, ele reconheceu a familiaridade daqueles lábios. Por um instante, ele se lembrou de três anos que aqueles lábios eram seus. Por um instante, ele se distraiu.
Como sempre, a distração foi fatal.
– Você prometeu!
A voz irritada fez os dois se virarem para a visão de um Harry pálido, entre raivoso e à beira das lágrimas. Os dois disseram ao mesmo tempo:
– Harry...!
Harry encarou Severus, acusando:
– Você mentiu para mim!... Me enganou!... Prometeu!
Severus tentou falar, mas Lupin o interrompeu, divertido:
– Que truque sujo, Severus. Enganar o rapaz dessa maneira. Não devia ter feito isso. Harry gosta de você, sabia?
– Eu não o enganei! – Severus estava rosnando, mas o que ele queria mesmo era abrir a garganta de Lupin a dentes. Ele se virou para o rapaz e garantiu: – Harry, eu não o enganei. Estou tentando expulsá-lo daqui, mas ele parece ser incapaz de compreender um pedido direto. Por favor, Harry.
Uma lágrima rolou dos olhos verdes:
– Vocês estavam se beijando...
– Ele me forçou. Harry, vamos conversar sobre isso.
– Ele vai te trair, Harry – avisou Lupin. – Aliás, ele já te traiu. Não estava me beijando agora mesmo? Ele e eu vamos ficar juntos, e acho bom que você tenha tido boas memórias dessa noite, porque, lamento informar, você não vai ter outra.
Severus sentiu uma raiva branca cegando-o. Num reflexo, virou-se, usando a varinha em Lupin:
– Expeliarmus!
O lobisomem voou para trás e estatelou-se no chão, caindo de braços abertos. Com um movimento rápido, Severus voou para cima dele, sentando-se em suas costelas, apontando a varinha para a garganta:
– Silencio!
Lupin sabia que não conseguiria articular mais nem uma palavra. Aos rosnados, Severus avisou, mostrando os dentes, como se fosse um animal predador sobre sua presa:
– Em respeito a Harry, eu não vou incapacitá-lo permanentemente. Mas vou lhe dar um aviso, lobisomem, e algumas palavras às quais faria bem em prestar atenção. Você está fora da minha vida e isso é um fato. Não está em debate. Em conseqüência disso, é bom observar algumas condutas básicas, a saber: não fale comigo, não me procure, não diga que me conhece. E se você tentar me envenenar contra Harry, nem Merlin vai poder ajudá-lo, porque eu vou acabar com sua raça. E farei isso de tal maneira que você nunca vai saber o que o atingiu. Afinal, agora eu tenho Harry em minha vida e não quero passar o resto dela em Azkaban por ter livrado o mundo de alguém como você.
Lupin deve ter feito alguma expressão, mas Harry não viu. Só viu a reação de Severus, que ficou ainda mais pálido e a voz, ainda mais perigosa:
– Não me tente, lobisomem. Nem pense em tentar me enganar. Eu era um dos homens de confiança do Dark Lord e, acredite, ele tinha motivos para isso. Teste os meus limites e você vai conhecer o verdadeiro significado da palavra dor. Se Harry ainda quiser alguma coisa com você, em respeito a James e Lily, isso é com ele. Por mim, você desapareceu da face da Terra no momento em que se juntou com seu riquinho afetado em busca de emoções baratas. Portanto, você tem duas opções para sair daqui. 1) Você desaparata por si mesmo para nunca mais voltar. 2) Eu posso alegremente jogá-lo escada abaixo para você nunca mais voltar. Você pode escolher opção número 1 agora, porque se tentar protestar, se tentar se explicar e se tentar me irritar, será automaticamente a opção número 2. Então, Lupin? Gostaria de fazer sua escolha? O que vai ser? Um ou dois?
A mão dele tremia quando ele apontou o indicador para mostrar que optava pela alternativa número 1.
– Boa escolha. – Severus desmontou de cima dele. – Agora ponha-se daqui para fora. E eu juro que se tentar de novo falar comigo, vai desejar estar perto da lua cheia. Ah, antes que eu me esqueça. – Apontou a varinha para a porta, e lá apareceu uma caixa grande de papelão. – Eu ia queimar suas coisas, mas, em consideração a Harry, estou lhe devolvendo seus pertences. Portanto, fora!
Pela primeira vez, Severus tinha levantado a voz. Por experiência, Harry sabia que aquele era um péssimo sinal. Aparentemente Lupin também sabia, porque ele se levantou do chão, olhando para os dois longamente antes de pegar a caixa de papelão e deixar o apartamento. Harry soltou a respiração num longo suspiro, e nem tinha percebido que tinha ficado tanto tempo a prendendo.
Severus virou-se para ele e havia algo tão profundo em seus olhos que fez o rapaz prender a respiração de novo.
– Por favor, me perdoe. Eu deveria ter sido mais firme com ele, eu deveria...
– Shh, está tudo bem. – Harry se adiantou para colocar um dedo nos lábios de Severus. – Não precisa dizer nada. Remus disse tudo o que eu precisava saber. Desculpe ter duvidado. Desculpe ter acreditado em coisas que não eram verdade.
Severus o abrigou em seus braços, suspirando aliviado. Beijou-lhe o cabelo revolto:
– Pensei que tivesse perdido você. Isso... teria sido muito doloroso.
– Então estava falando a verdade? Você quer... ficar comigo?
– Enquanto me quiser. Agora estou decidido.
– E pretende cumprir as promessas que me fez?
– Cada uma delas.
– Ótimo. Porque tem uma que eu pretendo cobrar agora mesmo.
– Agora?
– Você me prometeu que, assim que acordássemos, você seria criativo com os chocolates e os morangos lá do quarto.
– Oh, claro. Não vamos querer desperdiçar aquelas delícias da Chocolaterie Arn de Genebra. – Os olhos negros se acenderam com um fogo inequívoco, um que acendeu também o fogo de Harry. – Hum, posso sentir minha criatividade começando a funcionar agora mesmo. Mas vamos precisar de mais champanhe.
Harry riu alto e o som mexeu com algo dentro de Severus. Ele não se lembrava de ter ouvido Harry rir assim, tão abertamente, tão direto de dentro de si. Fez mais uma promessa: a de tentar fazer Harry rir assim mais vezes.
Era um som mais que agradável. O tipo de som capaz de mandar vibrações por todo o seu corpo.
Severus não perdeu tempo em responder a essas vibrações e o fez de maneira bem peculiar. Ele escondeu alguns dos suculentos morangos pelo corpo de Harry, em lugares bem criativos e bem difíceis de achar, lugares que fizeram o rapaz enrubescer. Mas quando chegou a vez de Severus caçar os morangos escondidos e retirá-lo de seus esconderijos sensuais usando apenas os dentes e os lábios, Harry reagiu de maneira bem diferente, uivando alto e cobrindo Severus de creme.
Na continuação, o desafio era ainda maior, pois havia também uma questão de tempo envolvido na brincadeira. Severus não só optou por repetir tudo com os chocolates, mas também se deu conta de que tinha que encontrar as delicadas guloseimas suíças antes que derretessem. Afinal, os chocolates estavam escondidos em lugares bem quentes no corpo de Harry.
Depois foi a vez de Harry derramar champanhe sobre alguns lugares do corpo de Severus, uns lugares que serviam muito bem como recipientes do líquido. E depois Harry bebeu a champanhe diretamente do corpo de Severus, que também produziu seu creme especial. E a brincadeira com os morangos e chocolate se repetiu.
Foi um café da manhã inesquecível.
O primeiro de muitos, aliás.
Epílogo
– Bom dia, Derrick.
– Bom dia, Mr. Harris. Como se sente esta manhã?
– Excelente. As aplicações de seu Mestre estão cada vez melhores. Ei, o que tem de tão interessante no jornal?
– O Quibbler! – Derrick parecia excitado, agitando o jornal. – Eles conseguiram uma entrevista exclusiva com Harry Potter!
– Mesmo? Pensei que Potter estivesse fora do país.
– Sim, aqui diz que ele esteve na Suíça tratando de sua saúde. Veio fazer uma visita a amigos. Será que ele vai aparecer aqui na loja? Sabe, ele e o Mestre lutaram juntos na guerra.
– Não sei não, Derrick. Eu estudei com Potter em Hogwarts e, pelo que me lembro, os dois não se davam muito bem.
– Estudou com ele? – O jovem parecia embevecido. – Mesmo? E como ele era?
– Bem, ele era de uma casa diferente da minha. Não havia muito contato. Sabe como é: ele era um dos Gryffindors importantes e eu era um reles Hufflepuff mais novo.
– Puxa.
– Hoje eu acho que provavelmente ele estava envolvido com a guerra e com Você-Sabe-Quem para prestar atenção no resto da escola. Mas naquela época Severus e ele pareciam querer se matar. – Ele deu um sorrisinho. – Ao menos, era o que parecia.
O aprendiz mordeu a isca direitinho.
– O que o senhor quer dizer, Sr. Harris?
O Sr. Harris olhou para os lados e fez sinal para Derrick se aproximar. Depois, ele abaixou a voz de maneira conspiratória:
– Derrick, você pode guardar um segredo?
– Claro, Sr. Harris.
– Não pode falar para ninguém, nem para o seu patrão.
– Pode contar comigo. – O aprendiz fez um gesto de fechar um zíper imaginário formado por seus lábios. – Que segredo é esse?
– Harry Potter nunca saiu do país. – Cochichou o mais baixo que pôde. – E ele namora seu Mestre já faz algum tempo.
Derrick abriu a boca tão grande que parecia que o queixo ia encostar no peito.
– Eu queria lhe contar isso antes – acrescentou o Sr. Harris. – Mas Severus não me deixava.
– Mas... Mas... Sr. Harris... Mestre Snape só tem saído com... com... o senhor.
O Sr. Harris deu um sorrisinho cheio de conspiração e confirmou:
– Eu sei! Não é emocionante?
Do fundo da botica, veio Severus, as capas esvoaçando:
– Ah, Sr. Harris, finalmente. Pensei que fosse se atrasar. Pronto? Pode me acompanhar, por favor.
– Claro, Severus.
O Sr. Harris seguiu o Mestre de Poções para dentro da botica e cada movimento seu foi acompanhado pelos olhos arregalados de Derrick. Aliás, os olhos ameaçavam saltar para fora de suas órbitas.
O Sr. Harris mal podia conter um risinho interno.
Bem como o Mestre de Poções.
The End
