Cap. 14 – Em meio a lágrimas

O sol entrava como um pequeno feixe de luz e ia diretamente aos olhos de Ciça que acordou com o incômodo da claridade. Ela não sentia mais as cordas presas ao seu corpo, isso porque já não estava amarrada naquele tronco de árvore. Assim que se deu conta disso, a menina abriu os olhos.

Estava em um quarto, deitada em uma cama de dossel. Um quarto escuro, a luz penetrava apenas por uma brecha na cortina verde. Aliás, todos os detalhes da decoração eram na cor verde. Ciça sentou-se na cama e abraçou os joelhos, como se isso pudesse protegê-la de algum mal futuro. Lembrou-se dos últimos acontecimentos de sua vida, agora mais do que nunca se encontrava confusa. Não sabia se Harry viria resgatá-la, ou pior, não sabia se realmente queria que ele aparecesse. Encostou a cabeça nos joelhos, sempre fazia isso quando se sentia desprotegida. Ela enfrentou bravamente seus seqüestradores, não que tivesse lutado, mas não cedeu a qualquer tipo de pressão psicológica. Mas agora a pequena menina chorava baixinho com a cabeça nos joelhos. Ela era apenas uma criança, uma doce menina que experimentava tão cedo o gosto amargo do sofrimento.

Ficou ali, quietinha, pelo que pareceram horas, refletindo sobre sua situação. Ela não era uma heroína de histórias infantis. Há um ano atrás, se quer cogitaria a hipótese de ser capturada por bruxos. Há um ano atrás ela era uma menina comum, uma menina feliz.

Ciça estava tão perdida em seus pensamentos que não percebeu que alguém entrara no quarto e a estava observando.

- Cecília. – ela olhou confusa para o homem loiro a sua frente – Devo chamar-lhe de Cecília ou de Alicia?

- Use o nome que quiser. Acho que não fará muita diferença. – ela sorriu fracamente – Logo estarei morta e não poderei reclamar.

- Você é forte, menina. Mas é tola. Não deveria desistir assim da vida – ele se sentou na ponta da cama – você deveria me lembrar o quanto é importante mantê-la viva. Você não seria uma boa comensal. - constatou Draco, mais para si mesmo do que para a garota.

- Uma vez me disseram que eu posso ser boa no que quiser. Bastam esforço e força de vontade.

- Quem lhe disse isso?

- Otto Fogli ...– ela disse baixinho – meu pai – acrescentou ainda mais baixo.

- Gostaria de ser uma comensal?

- Isso me faria viver? – Draco sorriu pela pergunta da menina e acenou positivamente com a cabeça – Mas faria pessoas sofrerem, então não me faria feliz.

- Você teria poder.

- E você ficaria feliz. – o homem se assustou com afirmação da menina – Claro que ficaria. Posso ser tola, mas não sou idiota. Cecília Potter. Uma comensal.

- Seu pai morreria.

- Meu pai já morreu. - a menina abaixou a cabeça tristemente – Mas eu não seria uma comensal – ela olhou novamente para Draco – essa é uma luta em vão. Seu mestre não existe mais.

- Você não está aqui pelo meu mestre. Mas chega de conversa. Logo Symon trará o seu almoço – ele se levantou, e caminhou lentamente até a porta.

- Sr. Malfoy?

- Sim. – Draco se virou lentamente.

- Por que isso tudo?

- Simples. Seu verdadeiro pai não esta morto. Mas logo estará.

No castelo a tensão podia ser sentida em qualquer lugar. Os grifinórios estavam abalados pelo desaparecimento da pequena Alicia. Julius e Chris andavam muito calados, não comiam, não sorriam, eles pareciam os mais desolados, com exceção de Harry, pelo sumiço de Ciça. A notícia de seqüestro era segredo, mas como todo segredo que se preze, já estava na boca de todo e qualquer aluno de Hogwarts. As atividades no castelo continuaram normalmente; um grupo de busca foi formado para o resgate de Alicia, mas já era sabido que a menina não se encontrava mais nos arredores do castelo. A questão agora era por onde começar a procurar.

- É obvio que devemos ir direto à casa do Malfoy. – Harry estava desnorteado com a possibilidade de perder de novo sua filha, e desta vez para sempre.

- Ótimo. Chegamos lá, arrombamos a casa dele, e dizemos: Ei, Malfoy, devolva a nossa garotinha! – Hermione falava como se pudesse enfiar as palavras na cabeça do amigo – Harry, acalme-se, não podemos entrar assim na casa dele, precisa de um mandato.

- Eu consigo a porcaria do mandato! Só não me faça ficar aqui sentado esperando, sem ter a menor idéia do que pode estar acontecendo à minha filha!

- Não é assim Harry, mesmo que sejamos influentes no Ministério, tudo isso leva um tempo, e...

- ONDE ESTÁ SEU FILHO HERMIONE? Onde está? Eu te respondo, está dormindo na torre da Grifinória. Salvo. – Harry estava realmente desesperado, ele se sentia impotente diante de tudo aquilo, e parecia que ninguém compreendia sua dor.

A tensão no escritório de Dumbledore estava tão densa que quase podia ser tocada. Os nervos a flor da pele. Depois do breve ataque, Harry se sentou e chorou, não gostava de chorar na frente de ninguém, mas sua dor era maior do que seu auto-controle. Ele sentia que tudo o que estava acontecendo com sua filha era culpa única e exclusivamente dele. Hermione se sentou ao seu lado e passou a mão pelos cabelos do amigo que continuavam exatamente como eram quando ele era apenas um menino. Um menino. Era exatamente isso que Harry queria ser agora. Ele queria voltar no tempo em que era criança e poder mudar todo o seu destino. Queria crescer de novo e fazer tudo diferente. Queria ter atendido ao pedido de Nathalie e ficado em casa. Queria ter sua mulher e sua filha ao seu lado agora. Por isso chorava. Chorava como um menino que fez algo muito errado e queria poder consertar seu erro.

- Pare com isso Potter. Lágrimas não trarão sua filha de volta. Eu conheço muito bem o Draco, ele não quer fazer mal a garota. Ele quer você. Está disposto a se entregar?

- Severo – Hermione interrompeu – também não é assim. Não podemos simplesmente trocá-los.

- Claro que podemos Hermione. Quem você acha que tem mais chances de sair vivo de lá? A menina ou o seu amiguinho? – Hermione ameaçou questionar a afirmação do marido, mas o mesmo fez um aceno com a mão a fim de calá-la – Escutem-me, Draco não quer machucar a menina, mas se demorarem muito a fazerem o que ele quer... Ele pode perder a cabeça, não sei o que ele pode fazer. Não seria a primeira vez que Draco Malfoy tiraria uma vida inocente.

No salão comunal da Grifinória, duas cabecinhas estavam extremamente estressadas. Dois amigos tentavam se consolar. Todos os alunos que estavam na torre eram solidários a dor das duas crianças sentadas em uma poltrona grande perto da janela. Estava tudo mais quieto que o normal. Estava tudo mais triste que o normal.

- No primeiro dia de aula, a Ciça e eu ficamos aqui conversando. Nesta cadeira olhando por essa janela.

- É, eu sei. - Chris concordou, rancorosa. - Ela adora a vista dessa janela.

Silencio.

- Julius, eu estou com saudade dela.

- Eu também, Chris, eu também.

- Eu queria que ela sorrisse e dissesse que vai ficar tudo bem. Eu quero minha amiga de volta.

- Não chore, Chris. Vão trazer ela de volta.

- A gente devia ter ido atrás dela. – ela se levantou e foi para perto de uma mesa.

- Realmente. Então seríamos três desaparecidos. – Julius falou calmamente como se isso fosse a coisa mais óbvia do mundo.

- Ai, que raiva! – Chris pegou um tinteiro e jogou no chão - Detesto não poder fazer nada.

- Isso aí Chris! – Julius se levantou, foi para perto da amiga, pegou uma cadeira e jogou no chão, atraindo alguns olhares de alunos que estavam conversando perto da lareira – Isso mesmo! Porque quebrando o Salão Comunal vamos trazer a Ciça de volta. – Chris recomeçou a chorar – Temos que ser racionais. Um Comensal da Morte capturou a nossa melhor amiga, mesmo que quiséssemos, não podemos fazer nada. Se fôssemos atrás dela, apenas colocaríamos as nossas vidas e a dela em risco. Temos que nos preparar, porque quando ela voltar vai precisar muito da gente.

Symon trouxe o almoço de Ciça e ficou esperando até que ela terminasse para que pudesse levar a bandeja de volta a cozinha. De vez em quando, ele reclamava sobre isso ser papel para elfos domésticos, e Ciça dizia que se ele queria ser um comensal da morte, primeiro tinha que aprender a obedecer seu mestre sem reclamar – isso é claro só fazia Symon ficar mais revoltado com a situação, e era exatamente isso que Ciça queria, implicar com o garoto.

Depois da refeição, que a menina comeu quase alegremente, tamanha era a sua fome, Symon se retirou do quarto. Mas Ciça reparou que ele havia esquecido de proferir o feitiço que lacrava a porta. Alguns minutos após a saída do rapaz, a menina resolveu verificar se a porta estava realmente aberta. E para a sua alegria, estava.

Ciça abriu a porta lentamente e começou a vasculhar pela casa. É óbvio que tinha a intenção de fugir, mas não agora. Ela achava que primeiro precisava conhecer o lugar e as possíveis saídas. Nem sabia em que parte do país estava. De que adiantava sair da casa se não pudesse voltar a Hogwarts? Talvez pudesse usar a lareira para se comunicar com alguém durante a noite. Mas primeiro tinha que achá-la. Então colocou isso como prioridade: saber onde ficava a lareira.

Assim que saiu do quarto percebeu que estava em um corredor revestido de papel de parede verde. Era possível ver algumas tapeçarias estranhas, e uns quadros de pessoas com pose de aristocratas. Os quadros a olhavam como se tivessem nojo dela e franziam o nariz como se estivessem sentindo algum cheiro desagradável. Ela achou melhor ignorar os quadros, pois era bem possível ter sonhos ruins durante a noite se os observasse muito. Continuou seguindo o corredor, quando passou por uma porta que tinha como maçaneta uma figura parecida com uma cobra em prata, se convenceu que realmente o dono da casa era um sonserino - como se por acaso tivesse alguma dúvida.

Ao chegar à escada que levava ao andar debaixo se deparou com um salão enorme, devia ser o saguão de entrada. Desceu os degraus devagar para não fazer barulho, já no saguão ela pode perceber que se fosse para a sua direita passaria por um cômodo que tinha como entrada um arco e se fosse para a esquerda encontraria a porta de saída. Ela achou melhor seguir pela direita.

Ciça caminhou o mais silenciosamente que pode, passou pelo arco que dividia os cômodos, era uma sala de estar, com um sofá grande, tapetes, poltronas e uma lareira. Ela havia encontrado a lareira. Agora restava saber se esta lareira estava ligada à rede de flú. A menina percebeu que havia um pequeno pote em uma mesinha no lado esquerdo da lareira, então ela se encaminhou para lá. Suas mãos estavam a centímetros do pequeno pote quando ela ouviu um barulho vindo da direita.

Havia uma porta entreaberta, e o barulho que a Ciça escutou era como um urro de dor. Ela correu até a porta tomando cuidado para não fazer barulho, quando colocou o rosto na fresta da porta seus olhos foram diretamente para onde havia sangue.