Severus andava de um lado ao outro, completamente desorientado com tudo o que havia testemunhado. Eram coisas terríveis e indescritíveis para qualquer ser humano e, mesmo que tivesse presenciado tantas coisas ruins, aquilo era um fardo extremamente pesado para a sua mente.

Enquanto caminhava, esfregava as têmporas, tentando afastar a perturbação que o dominava. Tudo parecia estranho. Sua cabeça latejava fortemente, como se mil tambores rufassem ao mesmo tempo. Era tempo de apenas refletir... muito.

Aos poucos, seus pensamentos foram se organizando... lentos e precisos. Como se estivessem se arrumando as ferramentas necessárias para trabalharem dentro de uma perfeita engrenagem. Armazenando os detalhes mais importantes, quase mecanicamente, não perderia qualquer lembrança com o passar do tempo... ou não.

Simultaneamente, Snape o observava com atenção, esperando por perguntas ou reações mais forte. No entanto, o que recebera foi um mórbido silêncio e o abandono do fogo negro de seus olhos. Havia soltado todos os demônios e não sabia como controlá-los para que não pusessem fogo em tudo à sua volta.

No entanto, os seus pixies estavam escondidos, como se refletissem de que modo lutariam pela própria sobrevivência e se salvariam da dor que sentiam. Seu luto havia transposto o seu peito e se compartilhado. Agora, Severus podia sentir toda a sua dor por completo.

- Severus? Não precisa se esconder e nem ter vergonha do que está sentindo agora... não esqueça que nós dois somos a mesma pessoa. Não tente fingir o que quer e o que é, mesmo que acredite que haja motivos – disse atento a qualquer movimento que poderia ser feito pelo menino.

Mas, o que teve, foi silêncio. Profundo e absoluto... sua resiliência estava se mostrando muito maior do que a que recordava possuir.

Aquele comportamento duro e pensativo, por parte de Severus, levantou em Snape inúmeras dúvidas gigantescas quanto a sua forma de proceder. Aculturar, inculturar, transculturar, doutrinar alguém era mais violento e sombrio do que imaginava. Havia tratado a si mesmo como um nada... um absoluto quadro em branco onde uma nova história pudesse ser reescrita a seu bel prazer.

Queria que, as lágrimas servissem para lavar as mágoas e tirar o peso da alma. Queria fazer com que Severus percebesse o óbvio... algo que nem ele mesmo tinha ainda pensando. Hermione era a sua maior esperança e a sua pior tristeza. O seu luto constante, tinha carne, osso, sentimentos e um nome.

A lembrança de um rosto que o torturava pela culpa... por não ter tido a oportunidade de dizer adeus e expressar o quanto sentiria saudades. O quanto lhe doía não ter se esforçado mais para protegê-la dos horrores daquela guerra. Da loucura da própria mãe.

Porém, o que via nos olhos de Severus era uma decepcionante frieza. Havia ali uma raiva que, apenas, mostrava que algo havia sido desfeito. Belo e triste, como lágrimas na chuva ou gotas de orvalho sob o sol da manhã, estava perdido. O que fazia, Snape, perguntar a si mesmo se ter exposto determinados cenários e horrores foram realmente necessários. Se todo aquele absurdo não se apagaria com o tempo... depois de muito, muito tempo.

Será que transformara a si mesmo em seu pior desafeto e o seu pior inimigo? Faria realmente alguma diferença na sua vida saber, tão cedo, tudo o que seria capaz? Estava se destruindo ou criando artifícios e passagens para o próprio crescimento? Ou pior, será que não acabara de assumir o lugar de Tobias como o responsável pela destruição completa de sua própria infância? Seria o vilão de sua própria história?

- Severus? Não tente brincar de porco comigo. Eu ainda acredito que seja muito mais esperto do que esses truques banais – o chamou pela segunda vez, com a voz mais incisiva.

Conseguindo tirar o menino de suas profundas ponderações, obteve a atenção esperada. Severus, mesmo olhando para Snape com determinação, ainda pensava em como agiria daquele momento em diante. Sua mente ainda estava abalada com toda aquela perturbação.

Mas, por mais triste e desorientado que estivesse, não se mostraria fraco. Não fraquejaria jamais. Não diante daquele homem... não perante a si mesmo.

Ainda sem responder, se manteve olhando para Snape com seriedade. Ele, por sua vez, entendendo aquele silêncio não se romperia com perguntas, optou por dar prosseguimento ao que diria.

Em algum instante, Severus, teria que falar... fazendo com que os sentimentos ruins parassem de queimar e seguissem estragando tudo. Ou deixaria se prolongar? Não era de sua natureza ficar quieto diante das próprias dúvidas. Muito menos deixar que as coisas seguissem tão confusas...

Snape esperava que Severus fosse questionar, como qualquer criança curiosa, não conseguindo mais guardar as indagações que lhe surgiam... o menino tinha que fazer isso para que tudo ficasse bem e sua consciência se apaziguasse. Era difícil constatar o real significado daquela quietude que o assolava.

- Como eu avisei, anteriormente, eu vou levá-lo a um lugar. Lá o apresentarei para alguém muito importante e que será útil aos nossos planos e ao que queremos. Você está pronto? – perguntou caminhando em direção ao menino para transportá-lo o mais rápido possível.

Mesmo demonstrando uma postura aberta e receptiva, não aceitaria uma negativa. Não daria qualquer espaço para que desistisse da ideia e revelasse o seu desejo de não ir para onde quer que fosse. Snape estava dividido entre o dever e a culpa...

- Vamos... vamos sim. Mas, eu posso saber quem nós veremos, senhor? – questionou com o olhar bastante apreensivo, apertando um pouco os lábios finos.

Sua necessidade de respostas começava a voltar aos poucos. Seu cérebro se reorganizava incessantemente, trazendo à tona, a força com que aquelas informações tão pesadas haviam o atingido. Mesmo que Snape tentasse explicar delicadamente suas razões e para onde iriam... Severus se sentia enjoado e doente com tudo aquilo.

Entretanto, Snape nada respondeu. O encarando com um semblante tão inexpressivo que deixou Severus assustado, lhe deu a certeza de que toda aquela carranca soturna e vampiresca não se iria se desfazer... muito menos a sua timidez, criminosamente, vulgar o abandonaria. Nem que passassem mil anos deixaria de parecer hostil aos outros.

- Aprenda que eu posso ser viciosamente insensível e que eu posso ler o que está pensando – disse rapidamente o agarrando pelo braço.

Ainda o segurando Severus firmemente, colocando uma certa força para não permitir que escapasse, utilizou o Evanescet para desaparecer. Girando no tempo-espaço, borrões se formaram em volta dos dois, os puxando para dentro de uma espécie de túnel cinzento e desfocado. Em um tipo de caleidoscópio, sem qualquer lógica, o mundo não passava de borrões multicoloridos.

Os segundos se transformaram em milésimos, o Videntur os fez chegar ao lugar que Snape falara. Severus, olhou rapidamente a sua volta, percebendo que aquela construção e todo o seu jardim eram completamente sombrios e perigosos... como voltar para casa?

Ainda tonto e perdido, seus sentidos e sua percepção se aguçaram com aquela breve constatação. O horizonte que se descortinava era mais obscuro e assustador do que aquele que vira... e, por mais corajoso que fosse, suas mãos suavam frio. Severus estava tão assustado, se sentindo tão sozinho, que se permitiu agarrar o braço de Snape com força. Precisava de um abrigo, de alguém que lhe passasse segurança e conforto.

A cada passo, um frio cortante atravessava a sua espinha. Abaixando um pouco as mãos, apertando com veemência o pulso do homem, o seguiu. O medo corria por suas veias, pulsando em brasas, e crescia a medida em que se aproximavam do prédio alto.

Cercado por homens trajados de preto, dos pés a cabeça, parecia o cenário de uma seita... ou um grupo genocida. Todos encapuzados, buscando ocultarem as suas identidades por completo, tornavam ainda mais suspeitas as intenções de Snape.

Em um rápido lapso, Severus arregalou os olhos, e tentou puxar Snape para que voltasse... aqueles homens eram os temidos Knights of Walpurgis. Figuras quase míticas no mundo bruxo, por conta de que muito se falava a seu respeito, mas pouco ou quase nada se sabia sobre quem eram e o que faziam exatamente.

Snape estava tranquilo... ignorando ou fingindo ignorar com quem estaria lidando, simplesmente saudou a todos. Aquilo deixou Severus em dúvida. Nas lembranças, ele era um Death Eater, os Knights of Walpurgis não existiam mais e apenas serviam de inspiração àqueles que queriam seguir os ideais de Lord Voldemort. Todavia, não podia ser possível. Snape não faria isso consigo mesmo.

- Senhor... – sussurrou, puxando Snape para que lhe desse atenção.

- Fique calmo – responde, dando um leve aperto na mão de Severus para que se aquietasse um pouco.

Esperando alguns minutos, para que o seu acesso fosse liberado, reparou nos detalhes do espaço que percorreriam até entrarem no prédio. Definitivamente, era ali que se aquartelavam os homens de confiança do Lord das Trevas... aqueles que nunca deixaram de segui-lo e o apoiavam, cegamente, desde que eram seus colegas em Hogwarts. Estavam quase todos lá.

Respirando fundo, Severus, continuava quase em pânico. Seu coração batia acelerado, sua visão nublava, seus joelhos tremiam e não havia como sair de lá... logo, estaria diante de Voldemort e não tinha a menor chance de se defender.

- Deixe de pensar bobagens... ele não fará nada contra você – rosnou sem paciência alguma, o puxando para seguir em frente.

Severus estava ansioso... sem ter a dimensão do tempo transcorrido durante o trajeto ou o quanto mais teria de andar, atravessaram corredores que pareciam sussurrar maldições. Um inexplicável vento frio parecia querer atrasá-los, porém, não conseguiu os impedir de entrar na sala mal iluminada.

Os tons avermelhados do fogo projetavam sombras fantasmagóricas nas paredes, tornando o cômodo ainda mais macabro. As paredes, o piso, os móveis... tudo cheirava a umidade e sangue, deixando o menino ainda mais enjoado. Sabia que aquilo significava apenas sofrimento e morte. Sua vida, definitivamente, seria horrível.

Sem nada dizer, automaticamente, Snape se curvou diante da figura mórbida que saíra das sombras e parara à sua frente. Reverenciando, se manteve com os olhos fixos no chão.

Voldemort, por sua vez, o encarava com um semblante de profundo interesse e curiosidade. Seus olhos vermelhos da cor de sangue e suas estranhas feições pareciam se iluminar pouco a pouco, enquanto os analisava... era um exame quase animalesco. Um predador, com marcas encovadas e traços retorcidos, rondava suas duas vítimas em potencial.

Não era por acaso que tinha mergulhado nas artes mais obscuras e solenes das trevas... aquele ódio parecia alimentá-lo e a sua magia era intimidante. Parecia se divertir com a criação de uma atmosfera tão opressiva à sua volta. Certamente, aquela era a sua ideia de mundo perfeito.

A cabeça de Severus latejava, doía, como se estivesse sendo vasculhada atentamente... fazendo com que o Lord das Trevas sorrisse maquiavelicamente. A mente do menino parecia um verdadeiro parque de diversões para aquele homem de olhos peçonhentos.

- Milorde... – Snape o chamou.

Enrijecendo o corpo, fingindo ignorar o que ocorria ao seu lado, permanecia firme com os olhos no chão. Obrigando Severus a repetir o gesto, sem dar tempo para contestação, cortou aquela tortura desnecessária. Voldemort estava o testando...

- O que você quer exatamente? Pelo pouquíssimo que eu vi na mente desse jovem rapaz, você veio do futuro e possui muitos conhecimentos sobre duas guerras. Não é verdade, Severus Snape? – perguntou com uma voz assombrosamente calma e decidida.

Era como se nada pudesse lhe tirar o foco do que, naquele momento, realmente lhe interessava. Aquela visita, inusitada, se tornava cada vez mais intrigante... aproveitaria o máximo possível cada minuto na presença daqueles dois estranhos.

- Sim, milorde... eu estou aqui para relatar todos os detalhes do que aconteceu para o senhor. Acima de tudo, queria demonstrar todo o meu arrependimento pelos erros e desvios cometidos. Eu sinto muito por ter falhado... – disse dando uma pausa estratégica.

- A primeira guerra, senhor, eu posso narrar a partir do momento em que me tornei um Death Eater. Quanto a segunda, posso lhe contar todos os fatos que presenciei e os quais fiz parte ativamente – enfatizou.

Valorizaria ao máximo os seus conhecimentos para conseguir tudo aquilo o que desejava e, depois, iria queimar o mundo inteiro com sua fúria. A chama da vingança estava acesa, sem qualquer sombra de emoção ou incerteza, deixando clara toda a sua indiferença com os demais naquele momento.

- Qual o preço para tamanha lealdade, Severus? Vejo que me é fiel. Porém, como um bom Death Eater, deve ter me pedido algo em troca e eu concordei... não foi? – questionou encarando Snape.

O olhando para o Lord das Trevas, Snape apenas assentiu. Havia ali um acordo silencioso sendo selado. Como dois cúmplices de um crime, apertaram as mãos com firmeza.

- De fato, senhor. Eu prometi que lhe exporia todo o seu futuro, para que soubesse o que lhe aconteceria e pudesse evitar qualquer possibilidade de derrota. Isso se o senhor não se opusesse ao meu desejo de ter a minha Hermione novamente – começou a explicar, sem qualquer pressa.

- O senhor terá o seu Augurey com a Bellatrix Black... não permita que ela se case com o Rodolphus Lestrange. Muito menos, deixe que o pai dela invente que ela deve se casar comigo – pontuou.

Pensando em cada passo a ser dado, cada palavra para que nada fugisse do seu controle. Não deixaria qualquer brecha ao fazer suas exigências e apontamentos. Tudo teria que ser muito claro e específico para que Voldemort não pudesse tirar qualquer vantagem de seu desespero.

- Como bons amigos que somos, selaremos esse acordo sem qualquer problema – o Lord das Trevas disse dando alguns passos ao redor de Snape.

- Milorde, o senhor mesmo me garantiu que, para impedir algum rompimento do nosso acordo, faríamos não apenas o Suffragium perpetuum, como também, o Sanguine foedus – permaneceu impassível e ereto argumentando quanto aos pontos mais importantes daquele trato.

Estava mais do que decidido no que estava fazendo e não hesitaria em ir mais além. Seguiria firme nos seus propósitos de aliança, com o voto perpétuo e o pacto de sangue que estava prestes a fazer, como o verdadeiro general que era. Sua arrogância, coragem, imponência e confiança, deixavam Severus admirado com o homem que se tornaria.

- Interessante... Penso que é uma proposta de troca bastante justa a sua – ponderou avaliando os detalhes da proposta.

- Rosier será o nosso avalista e eu sei que o acordo será feito com o menino. Ele se tornará o meu mais jovem líder e o meu servo mais fiel... não é? Posso dizer que eu tenho um braço direito e que ele será treinado para me representar na nova posição que eu adotarei de agora em diante – afirmou se virando para Severus o analisando atentamente.

Enxergava, naquela criança, um ótimo agente que desestruturaria a população bruxa. Embora, naquele momento, Severus não fosse nada além do que um menino assustado, tinha futuro.

Voldemort conseguir sentir a força do seu núcleo mágico vibrando. Era uma magia fria, trepidante e intensa... a presença de Severus, logo, quebraria qualquer resistência à ascensão de seus planos. Com palavras de ordem e postura de comando, imporia a ideia de que o perigo estava sempre à espreita. A culpa era de todos aqueles que insistiam em se opor às ideias sábias que estavam sendo propostas.

- Vejo que você é um rapaz muito ambicioso, inteligente e astuto... sei que castigará duramente aqueles que ousarem nos criticar. No futuro, se tornará um homem sábio e eu lhe darei tudo o que você quiser. É só me dizer quais presentes deseja, que eu lhe entregarei de bom grado... e só pedirei o seu conhecimento em troca – prosseguiu o examinando demoradamente.

Ainda havia muito a ser estudado e treinado ali, para que se tornasse o que Voldemort começava a projetar... Severus teria que se tornar muito mais forte e invulnerável para aguentar o peso das obrigações que teria.

- Olho para você, meu jovem amigo, e vejo o seu futuro brilhante entre nós. Pense... daremos segurança aos sangues puros e você será grandioso ao meu lado. Não é o que todos querem? O que você tem a temer? Só existe poder e êxito no seu caminho – sorriu maleficamente, estendendo a mão gélida para que Severus a apertasse.

Com um sorriso, cada vez mais aterrorizante nos lábios, vislumbrava todo o cenário de horror àqueles que o desafiassem. O medo os paralisaria, mataria as suas individualidades aos poucos... a melhor arma seria não atacar os seus adversários diretamente. Havia sempre os pontos fracos a serem trabalhados.

Isolaria e mortificaria cada um de seus opositores, perseguindo as suas famílias e todos aqueles que amassem. Através de Severus, teria todas as armas para uma completa dominação e as utilizaria até ter certeza de que todos estariam ajoelhados implorando por sua misericórdia.

O silencio se estabeleceu entre eles. Jules Rosier entrava, desconfiado, na sala. Não entendia os motivos para tamanha urgência naquele chamado... algo estranho e suspeito estava sendo planejado ali. Uma conspiração, a qual, fora convidado a participar ativamente.

Vendo a dubiedade na postura de seu aliado tão próximo, Voldemort explicou o acordo que seria feito... estava sob suspeita e, antes de ser o avaliador, receberia o Uiolare para que nada do que ouvisse ali fosse revelado a quem quer que fosse. Não poderiam arriscar o destino por bobagens.

Rosier concordou com tudo, sem impor qualquer restrição ao que lhe estava sendo proposto, baixando os olhos. Não seria tolo de contestar as ordens de um maníaco genocida e nem arriscaria a vida de seus familiares. Sobretudo, quando imaginava que aquela criança havia sido sequestrada.

Atento a tudo, fez com que Severus e Lord Voldemort segurassem, firmemente, os pulsos um do outro. Observando as linhas de fogo se formando a cada promessa feita, as linhas de fogo os ligavam com força, confirmando o Suffragim perpetuum. Foram segundos, até que se soltassem, com os fios do voto perpétuo se desfizessem um a um... estava feito e o segundo passo seria dado.

Era o momento de fortalecer ainda mais os votos, já marcados na carne, com Sanguine foedus. Nada era mais forte do que um pacto de sangue, principalmente, quando realizado por bruxos... sangue, saliva e sexo eram os elementos que conduziam os feitiços mais fortes. Raros eram os bruxos que conseguiam desfazê-los. Ainda olhando para as pessoas na sala, Rosier fechou os cortes e se afastou.

Aquilo havia o deixado ainda mais confuso do que quando entrara... ainda próximo à porta, fez uma reverência antes de se retirar completamente e seguir com o trabalho que estava realizando anteriormente. Estava chocado. Não imaginava que crianças já estavam sendo convocadas. Aquilo ia além dos limites aceitáveis.

Snape, por sua vez, ao ver que tudo se encerrara, já estava prestes a sair de lá e seguir o seu caminho. Não havia mais para onde ir ou o que fazer... seu destino já estava selado. Porém, antes de dar o primeiro passo, em direção à porta, foi chamado.

- Eu quero que passe a noite aqui me contando sobre a sua viagem no tempo e não aceito recusas ao meu convite – Voldemort disse sem desviar os olhos da lareira.

Mesmo que o convite não tivesse sido acompanhado pelo aviso, Snape acataria. O preço de uma desobediência poderia ser alto demais e reverberar em Severus... e aquilo o preocupava profundamente. Pois, mesmo que pensasse apenas na própria morte, não queria que o menino sofresse com as suas rebeldias.

Ao mesmo tempo, via ali uma oportunidade de colocar outros planos em prática. Fingindo refletir quanto à proposta, aceitou e informou que teria de levar Severus para casa. Não queria que notassem a sua ausência e fizessem algum tipo de escândalo. Se é que fariam... na verdade, estava convicto de que sequer haviam reparado no desaparecimento da criança.

Enquanto isso, o Lord das Trevas pensava e repensava na oportunidade de conversar com alguém que quebrara as regras do tempo e do espaço. Que tipo de bruxo das trevas conseguira uma façanha daquele porte e estar ali, ileso e são? Ainda mais quando se pusera diante de si mesmo e revelara como foi toda a sua vida. Era impressionante...

Snape era um homem misterioso que estabelecera modificações, irrevogáveis, no mundo bruxo. Em troca, pedia muito pouco e, por isso, despertara a sua curiosidade... teria de descobrir qual era o seu segredo.

Para tanto, não negaria uma saída rápida. Teria uma madrugada inteira pela frente, para obter os esclarecimentos que desejava. Quem sabe, sairia daquela conversa ainda mais forte e poderoso?

Saindo da sala com passos largos, carregando Severus consigo, Snape ficou calmo. Aqueles instantes serviriam para respirar um pouco mais tranquilo e, tão logo resolvesse, retornaria ao seu posto.

Sabia que teria de responder tudo o que o outro quisesse ouvir e aquilo já o deixava cansado e farto. Embora já estivesse pensando em todos os pontos que omitiria durante a conversa, estava certo de que seria uma noite longa e sem grandes alternativas.

Ao regressarem ao Spinner`s End, Severus não suportou mais... Suas pernas frágeis fraquejaram e, firmando as duas mãos nos joelhos, vomitou o pouco alimento que o sustentava. Estava exausto, quase perdendo os sentidos. A sua visão turva anunciava o desmaio.

Quase caindo sobre o próprio vômito, sentiu que Snape o segurava forte, o levantando no colo. Estava assustado e sentia o ar lhe faltar nos pulmões. Seu corpo tremia violentamente... estava tendo um colapso nervoso sem precedentes.

- O que está acontecendo com você? – foi a última coisa que ouviu antes da escuridão chegar.

Longos segundos se passaram até que Severus reabriu os olhos. Perdido e desorientado, sem entender onde estava, teve uma sensação de segurança. Não fora jogado em algum canto, como se fosse um nada... pelo contrário, seu frágil corpo estava protegido.

Instintivamente, Severus, abraçou Snape e começou a chorar. Por conta da ansiedade e da ojeriza profunda, se sentia fraco... estava novamente com medo de morrer.

- Me ajuda... – disse ainda tonto pela fome e a sede.

- Você desmaiou, Severus... antes de deixá-lo em casa, eu o levarei a algum lugar em que possa se alimentar. Não quero mais ter que presenciar cenas grotescas como essa – afirmou tentando se desvencilhar do jovem que o agarrava com força.

Como se o visse como um bote salva-vidas, em meio à tempestade no mar aberto, não queria mais se afastar. Snape era a sua companhia naquele imenso oceano de solidão e tristeza, não o deixaria partir.

- Eu sei que o senhor não gosta de demonstrações de afeto... só que... obrigado por tudo! Eu gostei muito de conhecê-lo, senhor – falou um pouco tímido.

Por mais estranho que fosse, era ao lado dele que se sentia seguro e protegido. Não se veria obrigado a viver com uma sensação de constante vazio...

- Eu quero que fique com a minha varinha, entendeu? Obviamente, ela já é sua e pode usá-la quando precisar se defender. Também desejo que fique com isso – entregou para Severus a varinha e uma corrente com duas alianças.

Piscando algumas vezes, o menino segurava os presentes ainda incrédulo. Não compreendia totalmente o que aquele gesto significava... mas, entendia o seu grau de importância.

- Não perca ou permita que lhe roubem essas coisas. Elas são importantes – enfatizou.

- São alianças de casamento? – perguntou, examinando atentamente, para não esquecer de qualquer detalhe.

Via naquelas alianças um sentido, uma proposta de virada para a sua vida e uma possível chance de felicidade. Talvez, um destino tranquilo e indulgente... algo bom aconteceria na sua vida. Pelo menos, queria ver por esse ponto.

- Sim... e eu espero que não deixe que lhe roubem as esperanças de que, um dia, terá Hermione ao seu lado. Seja forte e resista firme a tudo aquilo que terá de enfrentar. Lembre-se que você não precisa de proteção... os astutos se aproveitam do que lhes é conveniente. Apenas os fracos correm para ter abrigo – argumentou se abaixando para ficar na altura de Severus.

- O que lhe é de direito são as escolhas de qual o caminho irá seguir. Contudo, não esqueça que o seu destino é um só... principalmente, quando perceber que, junto à Hermione, sua força será imensa a ponto de desafiar a tudo e a todos – prosseguiu com clara tristeza, deixando claro que aquilo era o início de uma despedida.

Não havia mais nada que o prendesse ali ao cumprir a missão que dera a si mesmo. Encarando o menino, com um simples gesto, fez com que Severus escondesse rapidamente os pertences antes de entrarem no pub.

- Que maravilha... só essa imundície – pensou.

Era uma sensação estranha. A última vez que estivera ali foi com Tobias, no ano anterior, para assistir a final da Copa do Mundo... foi um dia feliz. Talvez, porque a Inglaterra tivesse se sagrado campeã, tenha sido a primeira vez que não fora espancado pelo pai. Por que os dias não seguiram assim?

Perdido em pensamentos, Severus assim como Snape, não davam atenção ao que os homens diziam. Entretanto, ao contrário do menino, estava atento ao que ocorria no seu entorno. Analisava todos os passos que davam e quem se encontrava no estabelecimento.

Com o semblante irritado, encarou dois bêbados que gritavam obscenidades, enquanto pagava sanduíches e bebidas. Mais uma vez, pensava no quanto odiava aquele lugar. O cheiro, a pobreza e, principalmente, a mediocridade das pessoas, o irritava... só sentia nojo e raiva com relação a todos ali.

Pegando o que comprara, saiu carregando Severus para o lado de fora. A calçada era um ambiente mais limpo e seguro para que o menino se alimentasse tranquilamente.

- Continuando o nosso assunto, guarde isso até o momento em que se casarem – avisou, dando as costas para ir embora.

Sobressaltado, Severus, se levantou do meio fio, onde se sentara, quase gritando. Correndo desesperado para alcançar Snape e impedir de que o abandonasse.

- Fique... nem que seja por um ano. Me ensine o que sabe e o que é capaz de fazer. Faça com que eu me torne muito melhor... se me ensinar, eu sei que vou ser muito mais forte e esperto. Nós dois seremos insuperáveis – pediu com sinceridade.

Seus olhos, readquiriram rastros de inocência e esperança. Havia ainda chances de que se recuperasse... ônix para obsidiana, escuridão e luz. Os dois pixies não desconfiavam de seu único dono e mestre. Na verdade, se mostravam bastante esperançosos por uma resposta positiva para a sua proposta.

- Um ano e nada mais, esse é o tempo máximo que eu posso ficar. Mais do que isso, eu esqueço da minha própria identidade. Compreendido? Eu não posso ficar vivo... é muito arriscado – disse com um ar cansado e resoluto.

Não queria ter de explicar tudo novamente. Ainda mais, quando Severus abriu um pequeno sorriso vitorioso, como se estivesse vencido uma batalha. Intimamente, sabia que vencera e estava grato por ter tanta coragem de lutar pelo o que desejava. Snape ficaria...

Segurando, ao máximo, sua vontade de pular de felicidade apenas assentiu com uma falsa indiferença. Havia aprendido, desde muito cedo, a dominar determinados rompantes para não ser alvo de críticas ou ataques desmedidos. Em outras palavras, evitava ser surrado por estar alegre.

Era doloroso desaprender a sentir para não sofrer mais. Ou, tão cedo, considerar que a felicidade era uma mentira. Uma ilusão tão efêmera quanto qualquer miragem. Mas, a mentira seria a salvação?