Antes de entrar na casa, Snape, lançou sobre si mesmo o Praeteribunt e analisou o seu entorno com calma. Precisava ter certeza de que não estavam sendo seguidos ou vigiados por alguém. Era necessário ter calma. Sobretudo, quando estivessem no interior da residência.
Dando alguns passos, conduziu Severus para que subisse as escadas, lentamente. Ambos não podiam fazer qualquer barulho, tendo que observar com atenção a precisão de seus passos e evitar qualquer esbarrão em um móvel. O silêncio era o maior aliado da atenção em momentos tensos...
Caminhando pelo corredor da casa, até chegarem ao segundo andar, continuavam absortos no que poderiam encontrar. Ali sua atenção deveria ser mais do que redobrada... se Tobias ouvisse qualquer barulho, teria de se revelar para evitar que Severus fosse espancado. Isso seria o fim.
Segundos se passaram até entrarem no quarto... Snape olhou cada móvel velho ou quebrado ao seu redor, constatando o quanto era deprimente viver ali. Aquele cômodo só o lembrava do quanto se sentia um lixo como pessoa e que nunca se considerara digno de ter mais do que aquilo.
Lembranças de tristeza e miséria se reformulavam, tomavam conta de seus pensamentos, tornando o cenário ainda mais duro do que já era. Ver aquilo reabria cicatrizes profundas. Marcas forjadas a ferro e fogo, que só aumentavam todo o sentimento de intensa solidão.
Aquele lugar representava o lugar que sempre lhe deram no mundo... o de resto. Sempre humilhado, desmerecido e hostilizado por ser pobre. Mesmo quando se esforçava, algo parecia puxá-lo para baixo, para o esgoto que era a sua existência.
Sem dizer nada, Snape foi se aproximando da janela entreaberta e com um dos vidros estilhaçado. Lembrava de quando ela o chamava de "Príncipe Severus" e ele a chamava de "Rainha Hermione"... eram felizes, até mesmo quando estavam simplesmente andando em uma rua deserta, durante a madrugada. Isso fez os seus olhos se perderem na escuridão.
Os primeiros pingos de chuva começaram a cair e, ainda tímidos, emolduravam o traço depressivo que se desenhava no horizonte. O barulho do choque contra os vidros, os raios, os relâmpagos, os trovões e os ventos fortes, apenas refletiam o seu estado de espírito confuso e perturbado. Seu universo, como um todo, havia desabado completamente.
O desespero interno, e a nova sensação de impotência, contrastava com o semblante de êxito com que Severus se mantinha... o menino estava muito contente ainda com o que ocorrera. De tal forma que, já se via como o maior bruxo de todos os tempos.
Seria invencível, um ser poderoso e quase onisciente, que teria a chance de tornar os próprios sonhos possíveis. Quebrando correntes e atravessando fronteiras, ninguém o impediria de se tornar alguém respeitado e influente. Quem sabe seria Ministro da Magia? Talvez, não chegasse a tanto... contudo, seria interessante roubar o lugar destinado aos Malfoy, como conselheiro do ministro. Nem o céu continuava sendo um limite instransponível aos seus sonhos.
Severus ainda era tão inocente e imaturo que mal sabia o peso de suas ambições. Suas ideias de grandeza o obrigariam a trilhar um longo caminho, cheio de obstáculos e tristezas... ao mesmo tempo, o incapacitava de notar o quanto Snape estava, mentalmente e sentimentalmente, exausto. Na verdade, estava beirando a exaustão por ter sempre que lutar contra o mundo.
Suas feições e o seu olhar profundo revelavam o quanto lhe doía estar só. O quanto lhe custava diariamente vivenciar aquele eterno martírio... sentia que sempre havia algo lhe sendo negado, que deixara lhe roubassem a chance de seguir em frente ao lado de alguém que o amava... no entanto, a vida não quis.
A sua angústia explodiu, como uma avalanche sem qualquer controle, o dominando. Abraçando o próprio corpo, como se tentasse se proteger e reprimir o que sentia, via o quão difícil era dominar uma culpa maior do que poderia suportar. Viver longe de Hermione era estar em um luto eterno e cometer sucessivos erros.
Ainda ignorando Severus, Snape soltou a respiração pesada e secou as lágrimas com as costas da mão, se agarrando a esperança de recomeçar. Se formaria em Oxford, faria suas pesquisas em Bioquímica, Engenharia Química e Farmácia... quem sabe se livrasse da tortura de dar aulas em Hogwarts, podendo se dedicar a trabalhar em algum hospital ou dar ser professor universitário?
Precisava daquela ilusão de que não ficaria rico, mas daria uma vida digna à sua esposa e para as suas crianças. Teria tempo o suficiente para planejar tudo até poder ter novamente Hermione como parte de sua vida e do seu mundo. Esse era o seu maior alento... principalmente, quando esperava que Severus fosse paciente e que não se deixasse levar por novos sonhos sem futuro.
Preso a esses pensamentos, demorou alguns minutos para perceber que o menino o observava com um ar de grande contemplação e obediência. Esperava que lhe dissesse alguma coisa antes de dormir... e não sabia exatamente o quê. A questão era que, inegavelmente, o admirava e, seu rosto infantil, apresentava a certeza de uma dúvida inconfessável.
Estava inseguro quanto à gravidade do questionamento que lhe surgira... encarando firmemente Snape, era como se a sua vida dependesse da resposta que receberia. A ansiedade se evidenciava em sua face, levemente rosada, pela aceleração de seus batimentos cardíacos.
Analisando as reações de agitação e inquietude por parte de Severus, friamente, Snape decidiu responder as suas perguntas que ainda não estavam reveladas. Talvez o medo e a timidez o impedissem de se expressar abertamente. Dizer em palavras o que os seus pensamentos quase gritavam.
- Eu o tornarei mais forte e esperto do que eu sou hoje, como você me pediu. No entanto, compreenda que, a cada aprendizado, alguma coisa se altera de uma forma ou outra. Eu também garanto que, o Lord das Trevas, cumprirá com as suas obrigações. Não se preocupe com relação a isso – assegurou sem qualquer rasgo de preocupação.
Severus avaliava o que tinha escutado, prestando atenção a tudo o que lhe era exposto, fazendo com que Snape desse um meio sorriso. Se via como um menininho irritante e metido a sabe tudo, porém extremamente inteligente e perspicaz. Como não o considerar uma criança fascinante?
- Eu não confio no Lord das Trevas, senhor – sussurrou incomodado.
Cruzando os braços junto ao peito, instintivamente, ficou por algum tempo emburrado. Olhando para a parede, se calou por alguns minutos. Não era exatamente aquilo o que queria saber... Além disso, estava indignado por ter dado a sua palavra para um monstro.
- E quem lhe disse que eu afiancei todas as minhas esperanças no que ele afirmou? Acredito somente na questão de que, o Lord das Trevas, não vai querer perder um aliado forte e que lhe ofereceu lealdade tão cedo – afirmou sigilosamente dando um sorriso sarcástico.
Não era por acaso que quisera e fizera questão de fazer um voto inquebrável. Sobretudo, um pacto de sangue para selar o acordo estipulado. Não era tolo de crer em promessas que poderiam ser desfeitas a qualquer instante... principalmente, quando sabia com quem estava lidando.
- Ótimo... mas e se eu gostar de alguém que não está nesse acordo? O que acontecerá comigo? – perguntou, já começando a coçar o topo da cabeça, para espantar as dúvidas.
Mesmo que não estivesse disposto a admitir seus temores, se sentia bastante acusado e amedrontado. A vaga ideia de ter de se aproximar novamente daquele homem o deixava em alerta. Havia algo maligno impresso em seu rosto, com uma constância e certeza assustadora... o pior era perceber que havia algo a mais em tudo o que não fora contado por Snape a ele.
Algo lhe afirmava que se aliar com Voldemort não era a melhor alternativa. Entretanto, como diria ou faria algo que pudesse alterar aquele equívoco? Aparentemente, tudo o que fizera se tratava de algo irrevogável... inclusive, a inevitabilidade do que Snape decidira para a sua vida.
- Eu, espero que não cometa a tolice de se envolver com outra pessoa e ir contra o seu destino – argumentou ríspido.
Retornando o seu olhar para a rua, ignorava o fato de que Severus mordia o lábio preocupado. O menino, ainda contrariado, decidiu andar de um lado ao outro para espantar o sono e refletir. Necessitava fazer outras perguntas... entre tantas e tantas dúvidas que agora se somavam na sua cabeça. Porém, precisava medir as palavras que usaria. Isso o fez decidir mudar o assunto.
- Claro... e quando eu vou conhecer as meninas Black? É no próximo ano? Elas vão gostar de mim? Eu vou ter que conversar com a Bellatrix? Será que ela já é ruim e louca, senhor? – questionava, agora, um pouco aflito.
Parecia que os seus nervos, imediatamente, tinham começado a incendiar com tais questões. Queria estar convicto de que tudo daria certo, que nada lhe fugiria do controle, antes de dar qualquer passo. Se elas o odiassem, certamente, não teria amigos... não desejava fracassar nos detalhes.
- A Bella, eu não sei... contudo, eu ficarei se prosseguir me infernizando – respondeu.
Diante do silêncio do menino, que apenas bufava, diante da resposta recebida, Snape decidiu explicar. Não havia motivos para tratá-lo daquele jeito, quando da parte de Severus, estava só recebendo carinho e admiração.
- Bella ainda é apenas uma menina mimada. Talvez já seja um pouco sádica em algumas atitudes... e a resposta é positiva para as demais perguntas que fez – argumentou com um pouco mais de calma.
- Bom saber... – Severus falou olhando para o lado, o ignorando.
- Você é um pirralho insuportável, caso também queira ser informado da minha opinião a seu respeito – Snape disse, novamente, massageando as têmporas e bufando baixo.
Sua cabeça voltava a doer... fortes pontadas nas laterais se intensificavam a cada minuto. A sacudindo negativamente, buscava afastar o mau humor que começava a atacá-lo novamente. Devia ser por esse motivo que a enxaqueca crescia e teria de evitar um ataque de fúria diante de Severus. Ele não merecia ver uma cena horrenda como a que estava prestes a protagonizar.
Meditando quanto a tudo aquilo, chegou a uma conclusão... se Hermione, criança, o perturbava com a sua capacidade inesgotável de elaborar infinitas questões, Severus era outro perguntador nato. Suas indagações pareciam nunca ter fim. O pior era ver o crescente desassossego interior que assolava o menino. Enxergava o quanto ele se preocupava com o que aconteceria na sua vida.
- Não vai falar mais nada? – perguntou o alfinetando.
- O senhor quer que eu diga o quê? O senhor é um chato e não faz qualquer esforço para me ouvir ou entender o que eu falo... só fica me mandando fazer as coisas e não me explica nada direito – o encarou decidido.
Estava revoltado. Não tinha feito nada de errado para ser atacado daquela forma e, muito menos, para ser ignorado. Como Snape não lhe respondeu qualquer coisa, iniciou o lento processo de arrumar o seu pequeno colchão no chão frio.
Posto em um canto próximo à janela, não passava de um fiapo de pano encardido para que não deitasse direto no piso. Atento ao que fazia, sequer reparava que Snape, agora, o olhava com bastante atenção... com o coração bastante apertado. Observando Severus esticar o cobertor esfarrapado e fino com cuidado.
Seriam aqueles trapos que o protegeriam do frio durante toda a noite... era uma cena de cortar a alma em mil pedaços, como o corpo de Osíris no Egito. Aquilo fez com que Snape se desse conta do quanto era pequeno e frágil aos 7 anos.
Era somente um menininho magricelo, sujo e desnutrido... era muito mais difícil de lidar com aquela realidade do que quando ela não passava de lembranças distantes. Não sabia como lidar com aquele sofrimento. Aquilo não era algo que uma criança deveria passar.
Horrores demasiados para uma pessoa só... mesmo que o seu futuro não tivesse sido dos mais exitosos, era menos duro e indigente quando comparado a todo aquele terror sem fim. Não deixaria que aquilo continuasse.
Com alguns passos, em direção a Severus, o segurou e o impediu de prosseguir. Não permitiria que se deitasse ali e nem que passasse frio. O olhando e vendo que tinha novamente a sua atenção, o menino decidiu iniciar uma nova conversa.
- Eu estou pensando que nós temos que bolar um plano para que eu me livre da Bellatrix, senhor... – disse convicto.
Concordando consigo mesmo, sorriu abertamente, por achar que estava correto nas suas ponderações. Olhando, novamente para Snape, viu que não estava obtendo o sucesso esperado... o homem parecia estar cada vez mais entediado e frustrado com as suas conclusões.
- Mas que inferno! Se quer um conselho, tente desviar o foco dela para o que e quem lhe trará poder – falou tranquilamente, enquanto reorganizava o cômodo com a varinha.
- Apenas isso é o que importa à Bella. Ela ama a ideia de ser poderosa e forte. Porém, isso não se estende à forma como ela lida com as pessoas – deu de ombros com uma postura, novamente, arrogante e taxativa.
Como se não pensasse em medir um pouco o peso das palavras, falava sem se preocupar com os danos causados a cada frase. Muito menos, em como tais conjecturações seriam interpretados por uma criança de 7 anos... alguém pouco preparado para entender, com exatidão, o que elas realmente significavam.
- O que lhe interessa é que eu pensei muito em tudo o que eu farei com relação a você e decidi que vou aprimorar mais os seus sentidos. A sua legi mentis e seu mens angustos serão, igualmente, melhorados. O ensinarei também a voar sombriamente, usando o Volantem in aenigmate... – pausou reflexivo o que dizia.
- É interessante pensar que, dessa vez, serei eu mesmo o responsável por isso – comentou passando a varinha sobre os trapos.
Transfigurando aquilo em uma cama confortável e com cobertores suficientes para que o menino ficasse protegido. Era necessário que o ar gélido, que entrava, não o atingisse... seu corpo não suportaria uma pneumonia ou danos irreparáveis nos pulmões por conta de tanta umidade.
Com mais alguns gestos simples, deixou tudo arrumado e mais acolhedor. Por um breve momento, refletiu a respeito do que fizera com os seus dois bebês... o destroçava lembrar que os abandonara para a destruição do tempo. Porém, não havia mais o que fazer.
Olhando para Severus, que afofava os travesseiros e se ajeitava entre as cobertas, supôs que Marte possuiria aquele mesmo cabelo preto. No entanto, cheio de cachos... Gaia, por sua vez, seria igual a mãe. Teria cabelos castanhos, só que lisos. A Terra e a Guerra, o que os uniu e os separou, nomeando as suas duas crianças perfeitas.
Ambos teriam uma infância muito melhor do que a que ele teve. Em um futuro distante, quando houvesse a possibilidade de tê-los novamente nos braços, os amaria tanto que seria capaz de sufocá-los de carinho. Se esforçaria ao máximo para conseguir, mesmo não sendo bom em demonstrações de afeto, para que soubessem o quanto eram amados.
Isso o fez pensar em tudo o que fizera desde que chegara ao Spinner`s End. Havia ofertado a si mesmo todo o afeto que queria ter recebido. Inconscientemente, se transformara no pai que sempre sonhara ter.
Severus desfrutava, naquele instante, da sorte e da liberdade de crescer menos amargurado. Talvez, fosse até mais amoroso... o ponto crucial, então, se pôs diante de seus olhos. Agora, o destino e o futuro lhe reservavam uma vida um pouco melhor.
Seria um bom pai, um irmão justo e um amigo sincero de quem merecesse... o homem honrado e decente que criaria os seus filhos. Aquele que seria capaz de protegê-los e os colocar antes de si. Aprenderia a amar pessoas e não sentimentos.
Ao se perder, em tais reflexões tão profundas e demasiadamente importantes, se deparou com os olhos fixos no menino quase adormecido. Severus também o encarava, com um semblante cansado.
- Isso é tudo, senhor? – perguntou, sonolento, se sentando na cama.
- Não, não é... eu lhe darei dicas de como melhorar poções e feitiços. Ao ensiná-lo, com relação a esses aspectos mais profundos da magia, creio que irá aprimorar os seus dons naturais e saberá engarrafar a morte antes do seu 5º ano – comentou.
- Um outro ensinamento é que a maioria dos bruxos não sabe brigar... não são peritos em surrar alguém com as mãos e os pés. Use isso como vantagem quando se envolver em problemas. Agora, durma! – ordenou apagando a vela, que ainda estava acesa, em um prato no chão.
- Eu não queria que o senhor fosse embora... queria que ficasse comigo – falou esfregando os olhos.
Lutando para permanecer acordado e conversando com Snape, se ajeitava melhor na cama para não adormecer. Em silêncio, ele estava se sentindo surpreendido com aquela revelação tão sincera e inesperada. Não imaginava que o menino fosse gostar dele daquela maneira tão genuína.
- Severus, não esqueça de que eu sou você daqui 30 anos. Eu sou uma pessoa que, agora, sequer existe! Compreenda que eu não sou o seu pai. Não se torture projetando em mim as suas expectativas. Isso não é nada saudável... – ponderou preocupado.
Soltando a respiração, tenso, via que tamanho apego não seria bom. Não queria causar um sofrimento desnecessário, quando o maior motivo para tudo era, justamente, acabar com qualquer fato que lhe provocasse dor.
- Eu não quero que o senhor morra, é só isso... eu gosto de saber que eu serei uma pessoa boa. Que eu vou ser um homem forte e inteligente. Senhor, lhe vendo eu sei que eu não sou igual ao Tobias... isso me deixa feliz – sorriu tímido.
- Não seja teimoso e oportunista, seu pigmeu metido a esperto... eu já disse que é para dormir – exigiu, rispidamente, pondo as duas mãos para fazê-lo se deitar.
A reação de Severus de se encolher, novamente, o deixou abalado. Não esperava que se ressentisse daquela maneira tão notória. Muito menos, que tivesse tal atitude.
- Eu não vou lhe machucar. Não há motivos para reagir assim... – Snape afirmou sem saber como agir.
Perceber os pequenos músculos enrijecidos e a sombra do medo, que atravessou os olhos negros do menino, o entristeceu. O pior era constatar um pequeno rasgo de decepção no rosto de Severus.
- O senhor não precisa morrer, eu sei que não... eu mexi nos livros da minha mãe e está tudo lá! Tem um capítulo inteiro falando sobre a questão do tempo – gritou indignado quase apontando o dedo para o acusar.
Com o sangue corando as suas bochechas, deixando clara a sua fúria, se levantou decidido. Retirando a mão de Snape, que ainda se mantinha pousada em seu braço, se viu livre para continuar sem ser interrompido.
- Eu não entendi muito bem o que está lá. Mas, nós somos a mesma pessoa e o senhor só teria que voltar ao ponto de onde veio... – disse mais calmo, já próximo à porta.
Percebendo que Snape o olhava com uma expressão interrogativa, grave e reflexiva, se calou. Entendendo que aquele era um assunto que deveria ser pensado e ponderado, na busca do seu significado real, daria o tempo necessário para que chegasse a uma conclusão.
- Qual o livro que você se refere? - perguntou seriamente.
Pegando Severus pelo braço e o fazendo retornar para a cama, se preparava para descer ao primeiro piso. Ponderando apor alguns segundos, abriu a porta do quarto para pegar o livro no antigo esconderijo de Eileen na casa.
- É o Secret of the Dark Arts. Ele está debaixo de um livro sobre Transfiguração e de um outro que trata a respeito de Teoria Elemental – respondeu cocando, mais uma vez, os olhos cansados com as costas das mãos.
- Aquela mulher ardilosa e terrível sempre deixou todo o tipo de livros destinados ao ensino da Arte das Trevas ao alcance de uma criança inocente... Eu, sinceramente, queria entender por qual razão ela nunca usou o que sabia para matar aquele porco imundo – comentou incomodado.
- Também me pergunto por que eu finjo esquecer de como ela era como mãe... foi graças a Eileen que a escuridão invadiu os nossos planos – argumentou quase saindo do quarto.
- Não durma até eu voltar, menino insolente! Eu quero que me mostre onde você leu essas informações – sussurrou antes de desaparecer por completo no corredor.
Mergulhado no breu da noite, que se espalhava por toda a casa, andou com passos vagarosos. Atravessando a sala e rumando até o porão abandonado, seus sentidos estavam atentos a qualquer barulho ou movimento alheio. Não temia por sua própria segurança... seu medo era do que Tobias poderia fazer com Severus e Eileen se o encontrasse ali.
Longos minutos se passaram, enquanto procurava o livro. Não podia fazer qualquer ruído que chamasse a atenção. Era uma busca minuciosa que precisava de todo o seu empenho... nada poderia dar errado. Mais alguns movimentos e desvios de pergaminhos, livros e fotografias, encontrou o que tanto desejava.
Já estava prestes a sair quando ouviu um ruído suspeito vindo da cozinha e um pequeno foco de luz se movendo... ficaria em silêncio, aguardando para que fosse embora, antes de subir novamente e entregar o livro nas mãos de Severus.
A espera demorou mais do que calculava e, sem saber por quanto tempo ficara ali, rapidamente ultrapassou os degraus para atingir o andar superior e entregar ao menino o livro. Queria que ele folheasse e lhe mostrasse onde estavam as respostas.
Mexendo no livro, tranquilamente, Severus vagava pelas páginas não numeradas. Folios, com ser versos e retroversos característicos de um manuscrito original, por vezes dificultavam a pesquisa em questão. Após tanto silêncio, o menino apontou para que Snape lesse e se arrumou para ficar bem ao seu lado.
Snape se sentou também, se encostando na cabeceira da cama e iniciou a leitura. No capítulo em questão, estava descrito uma longa narrativa relacionada à viagem no tempo, detalhando o quanto à criação de fendas temporais e novas realidades. Aquilo o prendeu, o levando a ler e analisar atentamente cada frase.
Voltando em alguns pontos, para melhor compreender o que estava sendo afirmado, franziu o cenho absorto no texto. Precisava aprender o máximo do que estava ali escrito. Assimilar as falhas que poderiam existir em todo o seu planejamento.
Sem se dar conta, ergueu um pouco o braço esquerdo, permitindo que Severus deitasse a cabeça em seu colo. O menino estava tão cansado que não lutou mais contra o sono, adormecendo rapidamente, com o braço segurando Snape... como se pudesse o impedir de ir embora.
Concluindo a leitura, ao se deparar com aquela cena, perdeu totalmente a coragem de se levantar. Não iria se mover para não acordar Severus... não queria ser o responsável pelo fim de um sono tão tranquilo. Não depois de tudo o que fizera.
Vagarosamente, Snape se recostou melhor na cabeceira. Sentia que o seu corpo estava, igualmente, exausto. Precisava também descansar um pouco... ainda mais quando, o dia seguinte, já se mostrava extremamente mais longo e intenso do que o que terminava.
O sol se escondia, novamente, naquele amanhecer frio e chuvoso. Como tão bem recordava, o céu ali parecia nunca ser azul... em alguns minutos, sua mãe subiria as escadas para chamá-lo. Aquela sensação de expectativa o deixou um pouco feliz, mesmo sabendo que o café da manhã não fosse nada mais que chá aguado e algum pão velho. Talvez, não tivesse nada, dado o fato de que Tobias sempre fazia questão de se alimentar bem antes de sair.
Sempre com a desculpa de que estava em busca de emprego, todas as manhãs, ele sumia e só retornava à noite para descontar toda a sua raiva. Sempre bêbado, cada vez mais irado e agressivo, arrumaria qualquer razão que surgisse para gritar, humilhar e bater em quem aparecesse na sua frente.
Sua presença fazia com que, aquele ano para Snape, se tornasse ainda mais difícil do que imaginava. Seria impossível não se envolver e acabar revelando a sua presença. Era um ponto que o enraivecia profundamente. Estava amarrado ao fato de que não poderia intervir... sua cabeça pesava demais com essa dúvida. Como proceder?
Sua vontade era a de descer junto com Severus e contar para a mãe tudo o que fizera. Sentia falta de Eileen, mais do que poderia admitir, e não houve dia em que não tivesse se entristecido com a ausência dela. Aquela era uma constatação que lhe doía profundamente... mais uma vez, pensou em como seria tirá-la dali. Quem sabe, só assim, descobriria como era o seu sorriso?
Eileen era sempre tão distante, triste e fria... com os olhos nublados e desesperançosos, mesmo quando o abraçava e lhe dava algumas palavras de conforto. Ela parecia lidar com um estranho. Talvez, não o amasse com sinceridade?
Talvez, quando ela o olhasse, visse apenas o trabalho que Lord Voldemort lhe atribuiu? Não existia nada mais relevante do que gerar um servo leal aos planos do Lord das Trevas. O último dos Prince. Mas, quem se importava? Quem sabe Eileen não se alegrasse ao conhecer os netos?
Suas ponderações, quanto a esse assunto que o afligia, foram interrompidas pelo som das batidas na porta e da voz que não ouvia há mais de 20 anos. Agora, apenas uma porta de madeira os afastava... e um abismo temporal.
- Severus? O seu pai já saiu... você pode descer agora – falou com a voz soando em um timbre temeroso e triste.
Aquela tristeza devia significar que ela foi acordada sendo agredida, novamente, física e moralmente por aquele ser repulsivo. Como odiava Tobias... como sentia raiva daquele homem que espancava as duas pessoas as quais deveria proteger.
- Já estou indo, mãe! – respondeu o menino apressadamente.
Com o olhar atento e um pouco assustado, se virou para Snape, com uma expressão bastante curiosa e urgente. Queria saber o que deveria fazer e como agir. Não sabia se podia contar ou não a respeito da sua presença ali.
- E agora? – perguntou baixinho.
Em postura defensiva, olhava para a porta, atestando que não podia ser ouvido. Temia que Snape fosse descoberto e tivesse que partir imediatamente... tinha que fazer o possível para evitar que isso acontecesse.
- O que eu li é muito curioso, sabe? Teremos um ano inteiro para estudarmos e pensarmos muito sobre este tema. Vou treinar você, meu jovem Padawan – riu com um ar triste.
- Quanto a Eileen, ela não deve e não pode ter qualquer indício de que eu estou aqui. Isso quem decide sou eu e quero refletir muito antes de tomar qualquer decisão sobre esse ponto. Certo? – indagou.
Ainda rindo um pouco de Severus, apenas fez um gesto com a mão para que saísse do quarto e fosse se alimentar. Não queria que o menino desmaiasse de fome novamente.
- Não se preocupe, senhor. Mas, o que significa o que disse? Eu sou um jovem o quê? – questionou.
Franzindo o cenho, ainda sem entender o que acabara de ser dito, olhava para Snape de uma forma interrogativa. Aquele homem parecia fazer questão de sempre deixá-lo confuso e perdido... parecia até considerar bastante divertido.
- Esqueça! Vai demorar, pelo menos, uns 10 anos para que entenda o que eu falei. Agora desça de uma vez – argumentou, dando leves empurrões para que Severus saísse do quarto.
- O senhor não vai comer nada? – perguntou antes de sair do quarto, enquanto trocava a camisa.
- Não, eu tenho que meditar um pouco quanto ao que aconteceu ontem. Também tenho que refletir quanto aos próximos passos. Você desça e me espere perto da árvore em que se esconde. Nós vamos sair depois – concluiu, vendo o menino sumir no corredor e seus passos ecoarem nos degraus da escada.
O som de seus pés se chocando com a madeira era um prenúncio do que estava por vir. Havia muitas lutas e esforços ainda a serem travadas durante aquele ano de ensinamentos que mal começava.
