Os dias foram passando, astutamente, rápidos. Tão lépidos que pareciam querer voar. Eram pequenas provas de que o destino e o tempo já se mostravam implacáveis na sua vingança... Chronos ainda não perdoaria a tentativa de burlar as suas regras mais inabaláveis.

Severus se tornava cada vez mais forte e decidido quanto ao que faria. Estava focado e convicto de qual caminho deveria seguir, sem ter qualquer maturidade para uma deliberação de tamanha importância... ou vez e outra se questionar se aquela era a sua única oportunidade de ser feliz.

Aquilo se convertia em um jogo perverso em que machucava a si mesmo e se obrigava a ultrapassar os próprios limites. Se prendendo, obsessivamente, em aprender todos os detalhes comportamentais, os gestos mais corteses e rudes, os posicionamentos... um empenho quase cego em decorar as vírgulas e o domínio das emoções. Tudo para aprimorar as próprias qualidades. Qualquer coisa que o fizesse esquecer da sua verdadeira natureza.

Sua ânsia em deixar Snape sempre orgulhoso por conta de seus esforços, cegavam Severus e o faziam se sentir sempre inútil e cada vez mais decepcionado. Se enxergava como uma fraude. Um pequeno bruxo impostor que não merecia tudo o que estava recebendo... pensava, insistentemente, que não fazia jus àqueles ensinamentos que lhe eram sempre tão caros. Não era digno de tanto e buscava sempre mais.

Desejava demonstrar ter direito a tudo aquilo. Queria que Snape fizesse com que aquelas aulas se alterassem. Ficassem mais extenuante... que o levassem à exaustão física e psicológica. Almejava se metamorfosear no soldado perfeito para que aquele homem o amasse e se envaidecesse com o seu sucesso.

- Não se preocupe tanto... você está indo bem, pequeno Viktor Frankenstein. Logo poderá criar o seu próprio monstro e aterrorizar a humanidade. Contudo, agora deixe a sua mente livre e pare de fazer bobagens. Está perdendo muito tempo com emoções tolas e sentimentalismo barato – ressaltou se colocando em guarda.

Observando Severus ainda estirado no chão, um pouco cansado para conseguir se levantar sozinho, Snape estendeu a mão para ajudá-lo. Respirando fundo, encarou o menino pensativo. Aquela era mais uma, entre tantas, defesas equivocadas que fizera no treinamento... certamente, estava cansado demais para pensar direito. Entretanto, precisava de foco para não se perder daquele modo por tão pouco.

- Não adianta tentarmos prosseguir hoje com as suas aulas... – afirmou dando os trabalhos daquele dia como encerrados.

Com o tempo, nada mais o abalaria daquela forma e nem desabaria por não se resguardar. Por mais exausto que se encontrasse, não falharia e nem dependeria de seu oponente para ficar de pé... porém, ainda era muito pequeno para ter tamanha resistência física e mental. Necessitava de descanso e tranquilidade.

- Eu quero tentar novamente... vamos, senhor! Eu sei que eu posso continuar – disse se pondo em posição de combate.

- Ótimo, vejo que já está começando a assimilar que quem nunca comete erros, é porque não passa de um imprestável que nunca fez nada – afirmou lançando um feitiço para que Severus se defendesse.

- É o que senhor pensa – disse se esgueirando e desviando dos ataques.

Aquele era o único jeito de modificar tudo ao seu redor. Lutaria bravamente e não desistiria. Queria trilhar os novos caminhos que o conduziriam a se aprofundar cada vez mais nas Artes das Trevas. Mergulhar nas profundezas do Necronomicon sumério e ainda ser mais forte. Um bruxo poderoso que deixaria a todos sob os seus pés. Aquele que iria muito mais além do que qualquer outro que já tivesse existido e, sua sede de conhecimento e poder, o levaria a tal êxito.

Severus, com isso, foi gradualmente se isolando e se enterrando em meio aos livros. Preferia ficar usufruindo da própria companhia do que ter de conviver com Tobias... qualquer coisa era melhor do que estar perto de alguém a quem considerava extremamente nocivo.

- Então, príncipe Dracul... quais os seus planos? – Snape riu sem humor vendo Severus lendo compulsivamente mais um livro.

- Dominar o mundo e dizer a todos "este homem me pertence" – respondeu erguendo um pouco os olhos para olhá-lo.

- É uma boa frase... entretanto, creio que alguns podem interpretar mal a sua colocação – ponderou, retirando o livro das mãos do menino.

- Somos parte um do outro. Porque um amor verdadeiro é mais forte do que o tempo e o espaço. Ele vence a morte... Dracula no filme atravessou os séculos procurando encontrar a princesa dele e tê-la novamente. Isso fez com que Mina, de vítima no livro, se transformasse em cúmplice. Filme maravilhoso... pena que o Dracula é idêntico àquele pulguento – comentou reflexivo, folheando as páginas do romance de Bram Stoker.

- Faz sentido, já que o Dracula é capaz de se metamorfosear em cachorro preto, senhor. Pelo menos é o que é descrito no relato sobre o estranho acidente do navio – Severus argumentou pegando o livro novamente.

- Justo... tenho coisas a fazer e continue lendo. Toda a fonte de conhecimento será bem-vinda. Mágica ou muggle, tudo deve acrescentar ao seu intelecto exigente, para que solidifique as suas certezas – Snape afirmou dando às costas para se retirar.

Compreendia e reforçava toda a necessidade que Severus apresentava de assimilar tudo rapidamente. Esquecendo que, tamanho isolamento, serviria apenas para ampliar o problema que se criava em seu entorno.

A questão de ambicionar tanto a própria superação e transpor as próprias barreiras, físicas e emocionais, era preocupante. Aquilo poderia o destruir com uma facilidade absurda. Especialmente, quando era notória a criação de uma perigosa atmosfera ultrarromântica, que alimentava a sua sensação de vazio e insatisfação constante.

Nada era o bastante e tudo parecia nada... a tal ponto que, estava se distanciando da realidade em que vivia. Severus não passava de um estranho no mundo que, antes, conhecia tão bem. Queria ser somente bruxo e esquecer de todas as suas vivências no mundo muggle. Desaprender o que o fazia especial e único.

Sua mente e seu coração estavam voltados, exclusivamente, ao insano desejo da vida que teria e de como seria. Imaginava que, se Hermione viesse a vê-lo como um herói, teria de agir e se portar como tal.

O homem honrado, corajoso, que a tudo aguentava... uma verdadeira rocha diante dos perigos mais assombrosos que surgissem à sua frente. Nada mais o deteria em sua jornada. A estrada, certa ou errada, já havia sido traçada e por ela seguiria impassível. Acima de tudo quando, particularmente, nutria os seus próprios planos de vida.

- Eu serei o rei... mas será que eu quero ela como a minha rainha? – sussurrou o autoquestionamento com os olhos ainda fixos no texto.

Secretamente, imerso em seus próprios objetivos, Severus iniciava os seus projetos e estabelecia metas quanto a quem iria proteger e como viveria nos próximos anos. Já estava mais do que claro que, em pouco tempo, Snape o abandonaria... ou voltaria para a nova realidade e tudo seria esquecido, fazendo com que toda aquela situação significasse apenas uma questão de crer no futuro.

Por mais difícil e contraditório que fosse, ninguém seria capaz de desviá-lo. Nada o afastaria de seus sonhos. Prometera que faria o impossível para ter a sua rainha de volta... sua palavra era única e bastava. Não era de declinar das promessas que fazia. Hermione era a sua maior missão e honra. Um objetivo bastante razoável, independente do que pretendesse fazer com a própria vida, o qual respeitaria.

Por outro lado, Snape também não descansava um minuto sequer. Ensinava Severus com zelo, procurando dar atenção as suas necessidades e esclarecer as suas dúvidas. Porém, não parecia ser o suficiente... as sombras, que se instalavam na sua mente, murmuravam que perdia os detalhes. Que estava cego diante daquilo que, tão claramente, poderia ser observado.

Talvez, preferisse ignorar que, nos olhos de Severus, crescia um brilho maldoso de cobiça desmedida. Queria sempre ter muito mais do que poderia alcançar. Desejava voar alto, como Icaro com suas asas presas com cera até o sol, sem medir as consequências do seu ato.

A questão em torno do problema era que o mal já estava feito. O menino, mesmo que não dissesse, se vislumbrava como um verdadeiro e único Senhor do Tempo. O ser supremo e soberano, capaz de destruir tudo e todos aqueles que se impusessem no seu caminho.

Sentia tanta raiva e ódio, que se ressentia a ponto de quase sufocar. Os sentimentos fortes e violentos nunca abrandavam... queimando e fazendo com que suas forças transcendessem qualquer lógica.

Severus não sabia como agir e procurava uma maneira de pedir que Snape o ajudasse a não destruir sua própria natureza. Mesmo que ambos não se importassem se as suas escolhas iriam ou não afetar os outros... foi nesse ponto que a relação estabelecida entre os dois começou a se estremecer.

O adulto, finalmente, decidiu se sobrepor à criança, impondo limites claros e precisos. Não poderia mais deixar que as coisas continuassem saindo de seu controle. Principalmente, em um momento de máxima urgência, em que tudo parecia começar a ruir... normas claras e a recondução dos fatos se mostravam mais necessários do que imaginava.

O menino se deixara levar por uma mágoa profunda que não lhe pertencia... era arriscado demais. Acima de tudo, quando era algo capaz de rasgar a sua própria alma, sem ter a dimensão de o fazer.

- Qual é o seu problema? – Snape iniciou o diálogo, quebrando o silêncio que havia se estabelecido entre os dois, há alguns dias.

A pergunta livre de cobranças, restrições ou ordens a serem cumpridas, abriu um novo espaço entre os dois. Teriam a oportunidade de modificar o abismo existente, que insistia em distanciá-los. Era o momento para construir uma nova ponte que os interligasse.

- Eu quero ser diferente... – afirmou sem o temor de decepcionar Snape.

Sem os prováveis ressentimentos, gerados pelas expectativas projetadas e que não seriam correspondidas, desabafou. Estava farto de tudo e queria uma outra alternativa para decidir o que fazer da sua vida.

- Você já é bastante divergente do que eu era e sou, caso não tenha reparado – confessou um pouco incomodado com o pedido.

Não atinava com exatidão a gravidade daquelas palavras... embora ponderasse o quanto eram pesadas aquelas frases. Severus demonstrava a sua insatisfação e isso colocaria tudo a perder.

- Então, me livre daquela promessa! Só o senhor pode fazer isso... eu estou pedindo – disse irritado, dando alguns passos para se retirar.

A resposta veio sob forma de silêncio e um olhar de profunda reprovação, que aumentou a sua decepção com relação as atitudes de Snape e o modo como o tratava. Por mais que tentasse, fracassara mais uma vez... Severus se sentia preso diante de tamanha frieza e indiferença.

Realmente, era o seu pior inimigo e o seu juiz mais cruel. Alguém que se penalizava e não teria como fugir da autopunição... estava indignado diante de tamanha condenação.

- Volte aqui, menino insolente! – o agarrou pelo braço para que parasse e o ouvisse.

Não aceitaria que Severus lhe deixasse falando sozinho e, muito menos, que o enfrentasse daquela forma. Era mais velho e tinha de ser respeitado como tal.

- O senhor não manda em mim... não é meu pai e não se importa com o que eu sinto! Não defende nem a minha mãe daquele vagabundo desgraçado – disse com os olhos marejados.

Snape se mostrava incapaz de se incomodar com toda a violência sofrida, tampouco, com os pedidos feitos pelo menino. Era como se não se abalasse com os horrores que enfrentara durante a infância. Talvez, considerasse que os novos problemas só acrescentariam novas forças à sua personalidade.

Parecia não sentir mais nada ao ser ferido ou destroçado. Estava morto por dentro e isso só piorava ainda mais a situação que já era tensa. Algo apontava para que o rompimento seria irreversível... se não pudesse confiar em si mesmo, não acreditaria em mais nada.

- O senhor não passa de um covarde! É um maldito que morre de medo do Tobias... se eu estivesse no seu lugar, iria agora matar aquele desgraçado por tudo o que ele fez com a minha mãe. Mais errado ainda é o senhor querer me obrigar a gostar de uma pessoa que eu não faço a menor ideia de quem seja – gritou deixando a sua raiva explodir.

Aquelas palavras foram suficientes para estourar os problemas e animosidades existentes... atingindo Snape em cheio. Não sabia como proceder naquele ponto específico, sem arruinar tudo, definitivamente.

Muito menos, fazia ideia de como lidar com tantas expectativas que foram criadas por Severus, as quais jamais poderia corresponder. Notava que nunca conseguira lidar com as birras, os protestos injustificáveis, as feições fechadas, as tristezas... as esperanças de que fosse liberto daquele medo diário ao qual era submetido.

- Eu não posso fazer com que o Tobias desapareça da sua vida. Justamente, por causa dele, é que você não se tornará um abusador – disse em tom baixo, confuso com as acusações.

Se negando a responder a outra afirmação, sacudiu Severus pelo colarinho da camisa, para que parasse de espernear e tentar brigar com ele. Era uma dor compartilhada... ambos teriam de lidar com as incertezas e a contradição de confrontar os horrores cotidianos sempre com as mãos atadas.

Deixando que Severus partisse, sem impor qualquer empecilho, Snape pôs as duas mãos na cabeça e se encostou na árvore que estava mais próxima. As dores aumentavam dia após dia, fazendo com que as suas veias pulsassem rapidamente... nada o impediria de cumprir com a sua palavra. Faria daquele menino o bruxo mais forte e poderoso de todos, muito mais do que imaginava ser.

Se sentando na grama, massageava incessantemente as têmporas, repensando e reanalisando em que instante falhara tão gravemente. Reconstruindo o percurso feito, friamente, procurava os erros para desestruturar os equívocos e destruir toda a bagunça a qual foi o único responsável.

Não perderia a confiança de Severus, muito menos, se tornaria um mero expectador das decisões que ele tomaria. Quando voltara no tempo, se viu como o único responsável pelas decisões daquele menino e não permitiria que ele se desvirtuasse. Via o quanto era imprescindível continuar o guiando... não toleraria que o destino o golpeasse tão impiedosamente.

Respirando fundo e se erguendo, chegara à conclusão de que não haveria outra saída. Não declinaria da decisão que tomara... por mais que lhe doesse e o machucasse. Estava amarrado e impossibilitado de agir diante de algumas situações.

- Por que você foi gostar tanto de mim, criança insuportável? – se interrogou baixinho.

Caminhando com passos lentos e dolorosos, foi se afastando aos poucos. Daria tempo suficiente para que Severus se tranquilizasse... mesmo que a noite fosse longa e seu corpo implorasse por descanso, não iria para casa. Queria evitar novos atritos desnecessários e turbulências que poderiam se desenhar mais à frente.

As ruas estavam escuras e sem direção específica, Snape vagava, sentindo o vento chicotear os seus cabelos. A cada passo, suavizava um pouco os pensamentos e as ideias, para voltar ao foco inicial... até que uma sensação estranha e inexplicável de medo se apoderou do seu peito.

Com a tristeza dominando os seus sentidos, desconhecia a direção de onde viera o primeiro golpe. Uma força oculta o agredia no rosto e no estômago, o impedindo de se defender do seu algoz invisível. Progressivamente, tudo foi escurecendo... com a vista turva, Snape, foi tateando as paredes das casas, pubs e fábricas.

O padecimento se espalhava por todo o corpo... ao pular o muro, para entrar pelos fundos da casa, ouviu os primeiros gritos. Seu coração deu um salto, acelerando descompassado, a medida em que andava em direção ao interior da residência.

Sua respiração parou alguns segundos, como se o seu coração estivesse falhando... estava tudo ficando claro. Severus decidira enfrentar o pai e estava sendo cruelmente espancado no porão.

As cenas de objetos quebrados na cozinha, o barulho de coisas se partindo ecoando pelas paredes, os baques de cada soco capaz de fragmentar ossos sensíveis... tudo remetia a um filme de terror e os seus sons aterradores. Teria que correr para tirá-lo dali.

Não poderia deixar passar um segundo que fosse. No entanto, se desse um passo equivocado, seria tarde demais. Todos seriam mortos em questão de segundos e, aquilo, deixava Snape desesperado.

Com o olhar assustado, Severus estava em pânico. Seu rosto infantil, inquieto e lavado de sangue, era a pior imagem a ser confrontada. Muito mais assustadora do que o brilho insano de ódio nos olhos de Tobias... em grau superior a todos os horrores que protagonizara como Death Eater.

Reluzindo sombriamente, como um demônio, Tobias continuava a chutar o estômago do menino. O xingava de todos os tipos de coisa... Severus, silenciosamente, implorava por socorro. Já estava sem forças e cuspia sangue. Não tinha qualquer chance de se defender de tamanha perversidade.

Chegando à porta, Snape ficou parado e fez um sinal para que Severus não tentasse qualquer coisa para se proteger. Cada vez era pior... aproveitando que ainda não tinha sido visto por Tobias, se esgueirou sem qualquer medo de enfrentá-lo. Colocaria um ponto final naquela monstruosidade.

- Achou que eu não descobriria todo esse lixo? Você, seu moleque estúpido, não passa de uma aberração! A vagabunda da Eileen destruiu a minha vida no momento em que você nasceu – esbravejou dando mais alguns pontapés.

Percebendo que o menino desmaiara, se distanciou, se aproximando de Eileen caída em outro canto do cômodo. Com um sorriso sádico nos lábios, retirou o cinto para surrá-la mais. Porém, de sádico se tornou maligno, denunciando as suas novas intenções. Faria pior. A humilharia na frente do filho.

- Tobias, por favor... a culpa não é dele. Severus não fez nada para que o odiasse... ele é só uma criança – a voz falha de Eileen fez com que o coração de Snape se partisse.

Mesmo tão machucada, ela estava tentando fazer o possível para evitar o pior. Se apressando, Snape desceu os últimos degraus e pegou Severus no colo. O menino estava com a respiração falha. Certamente, um dos pulmões estava perfurado e, pela quantidade de sangue, seu baço devia ter se rompido... teria de fazer a opção e retirá-lo dali, antes que pudesse salvar a mãe.

- Foge, mãe... – sussurrou, sem ser ouvido, subindo depressa a escada para deixar o menino a salvo.

Segurando a cabeça de Severus, deu a ele uma poção cicatrizante para conter os sangramentos. Ficaria desacordado, mas se recuperaria... ao mesmo tempo, os gritos no porão aumentaram.

Em dúvida quanto ao que faria, foi pelo mais lógico... não se sentia morrendo, o que significava que Severus estava curando e ficaria bem. Poderia esperar mais um pouco, antes de ser levado ao hospital e se restabelecer completamente. Aquela era uma das decisões mais difíceis que tomava na vida e não recuaria.

- Como ousa, sua puta?! Onde você enfiou aquele pirralho maldito? Quem você pensa que é para me impedir de fazer qualquer coisa nessa merda de casa? Eu mando aqui! – Tobias gritava a esmurrando.

A agarrando pelo pescoço, bateu com o rosto de Eileen contra a parede, usando todo o peso de seu corpo para prendê-la. Estava decidido a estuprá-la e a assassinar ali mesmo. Depois, procuraria por Severus e terminaria de surrá-lo até a morte... era o seu plano perfeito. Se livraria dos dois e incendiaria a casa, podendo ir viver impunemente com a amante que arranjara no bairro ao lado.

- Tobias, para... – chorava se debatendo na tentativa de se desvencilhar.

- Você deveria chamar o seu filhinho para que ele veja como um homem deve tratar uma vagabunda. Você diz que ele é um menino, não é? Uma hora terá de aprender – continuou a forçando.

- Quem sabe eu o ensine de outro jeito? O que acha? Ele tem jeito de ser mais um viadinho com aquele cabelo comprido... pode ser até que goste – prosseguiu usando uma das mãos para rasgar as roupas dela.

- Solta ela agora! – a voz de Snape saiu mais grossa e calma do que imaginara.

Vertiginosamente, os minutos correram, como se fossem segundos... com um soco, jogou Tobias para longe de Eileen. Assustada, ficou estática o encarando. Estava atordoada demais para entender o que estava sucedendo...

- A senhora está bem? – perguntou, quase mecanicamente, sem encará-la.

Ela apenas assentiu, antes de subir as escadas correndo e desaparecer. Vendo Tobias se levantando do chão, o chutou no rosto... descontaria toda a raiva que sentia durante todos aqueles anos. Sobretudo, o ódio que a cena presenciada lhe despertara.

Perdendo a noção do tempo, continuou batendo, cego pela ira... sem parar para pensar no que estava fazendo, Snape não previu a rasteira que Tobias lhe daria. Parecia ter esquecido, por alguns minutos, com quem estava lidando.

Ao cair sentiu os primeiros socos em seu rosto... tudo parecia muito rápido. Mesmo que retribuísse cada golpe, Tobias ainda era mais forte. Precisava fazer algo para se defender melhor. Pegando o objeto abandonado, por anos em seu bolso, rasgou o rosto do próprio pai.

Aproveitando que o homem se desestabilizara, Snape o empurrou com as pernas para longe... se erguendo rapidamente. Poderia usar a varinha e o explodir com um simples feitiço, contudo era uma questão de honra.

- Você deve ser o amante daquela vagabunda... o porquinho é idêntico a você! – Tobias limpava o sangue do rosto gargalhando.

- Você sabe, não é seu canalha, que aqui somos criados com a cara rasgada? Acha que um bosta, magricelo, vai me colocar medo?! – acusou, partindo para cima, se calando com o murro que Snape lhe dera na boca.

Estava transtornado... cada vez mais cego de raiva, prendeu Tobias com uma das mãos e colocou a navalha próxima à jugular. O mataria ali mesmo se ousasse respirar.

- Eu tenho alguns dentes quebrados e cicatrizes graças a essas ruas – sibilou perigosamente.

Aturdido, Tobias fingiu se acalmar... não lutaria mais contra aquele desconhecido. Não enquanto ele estivesse armado. Os segundos se encarando foram rompidos... uma cotovelada nas costelas de Snape o fez se afastar.

Instintivamente, a mão se movimentou e a navalha abriu o queixo de Tobias, pouco antes do seu corpo atravessar o piso da cozinha... se esforçando para se proteger, via que aquilo era em vão. Snape o chutava para fora da casa, parecendo estar por todos os cantos o agredindo. Trataria aquele ser como o animal peçonhento que era... o canalha que espancava o filho e violentava a esposa.

- Se você não sumir da minha frente em 10 segundos, eu juro que eu vou esquartejá-lo vivo no meio da rua – sua voz saiu ainda mais ameaçadora.

Queria que aquele monstro experimentasse o medo de ser morto a qualquer instante. Não seria mais capaz de segurar todo o ódio que estava prestes a explodir. Sua magia pulsava por suas veias...

- Tobias, eu ainda vou caçar você até no inferno – a promessa o intimidou.

Como um covarde, que não arriscaria tentar voltar até aquele bairro, o homem cambaleou até se distanciar. Correndo desesperado pela calçada, fez com que Snape abrisse um leve sorriso, ao fazer com que um galho de árvore caísse próximo a ele... aquele homem não ressurgiria na sua vida tão cedo.

O mais importante era perceber que nunca mais teriam monstros e demônios rondando prestes a invadir o seu quarto durante à noite. Não correria mais o risco de morrer sendo surrado... sua pele seria menos marcada por cicatrizes. Um nariz quebrado e uma semana no hospital, não significavam nada perto de tantos outros horrores que poderia ser vítima.

Andando, com passos lentos, refletia que nunca mais seria chamado de aberração pelo homem que deveria amá-lo. Matar o seu pai, mesmo que metaforicamente, significava liberdade e esperança... arrancava de si sentimentos que o sugavam internamente. Se via mais leve. Sem humilhações, tristeza, a aversão a si mesmo, a sensação constante de impotência. Tudo parecia se esvair.

Indo cada vez mais fundo no problema, não teria mais medo de construir uma família e falhar. Não seria, definitivamente, um homem tão odioso quanto Tobias... se tornara, irrevogavelmente, o herói e o pai de si mesmo. Por mais estranho que parecesse, essa era a verdade.

Em uma nova realidade, o alegrava ser o único responsável pelo rompimento de todos os laços que o prendiam ao único ser que o aterrorizou. Estava feliz de ter se livrado dele... mesmo que soubesse que tal ato teria consequências futuras, as quais, não podia medir.

- Quem bebe do enigmático sopro dos espíritos, tem os seus pensamentos curtos e nublados... quem não nasceu admirado pelos deuses, não sonha. Mas, pior é aquele que teme a morte, pois se torna alguém que não vive – sussurrava para si mesmo.

Respirando fundo, entrou na casa novamente, com passos silenciosos. Não tinha pressa de chegar até a cozinha e ter de confrontar a mãe. Era difícil constatar que seria obrigado a lhe contar toda a verdade... atravessando o corredor, entrou demoradamente no cômodo. Caminhando, passava os dedos sobre a mesa, olhando para Eileen que segurava Severus em uma postura defensiva. Era claro que sentia medo e o estava protegendo.

- A senhora deu as poções a ele? Não seria melhor levá-lo ao médico? – perguntou preocupado.

- Eu vi que ele bebeu uma poção cicatrizante e lhe dei algumas de reposição de sangue – disse, puxando o ar, para encher os seus pulmões e criar mais coragem.

- Eu consegui curar os ferimentos internos... Severus só terá algumas dores nas costelas que foram quebradas. Você sabe que, mesmo depois de restabelecidas, elas ficam doloridas por alguns dias – respondeu permanecendo na defensiva.

O desespero e o horror diário, muitas vezes, bloqueavam toda a sua força e o seu poder. Foi com Eileen que aprendeu o quanto o sexo feminino, por mais inteligente e sagaz que fosse, acabava subjugado por homens medíocres. Violadas, espancadas, humilhadas de todas as maneiras... um ciclo de violência que vira muitas vezes se repetir.

Primeiro com a mãe, depois presenciou os mesmos horrores sendo vivenciados por Narcissa... como tantas e tantas outras desconhecidas, silenciadas e, talvez, mortas após sofrerem nas mãos de porcos covardes. Era um destino muito cruel para qualquer pessoa.

Olhando para a mãe, sorriu. Há anos não conseguia, simplesmente, por vê-la ali viva. Estava feliz e a sua vontade era de abraçá-la... enquanto refletia sobre a sua obrigação moral de responder a uma série de perguntas que lhe seriam feitas. Não era um tema simples. Não era algo resolvido com explicações curtas para explicar o todo.

Quanto mais o tempo passava, mais ficava difícil de dizer quais as suas motivações para tais atitudes. Não tinha mais certezas absolutas... não adiantava tentar mentir ou omitir informações. Eileen era excelente em reconhecer qualquer tentativa de engano.

Seu rosto abismado e contemplativo, tinha uma espécie de brilho curioso. O olhar dela percebia que, aquele homem sofrido e amargurado, era a sua criança suja e esfomeada. Com os seus olhos escuros, de luminosidade sombria e cheia de raiva, repleto de ressentimento.

Snape, por mais forte e corajoso que fosse, jamais conseguira deixar de ser alguém que fora duramente torturado pela vida. Uma pessoa que foi inúmeras vezes injustiçada e violada em prol dos outros. Era um homem que carregava uma dor imensa, impressa nas suas feições duras, demonstrando que o futuro não fora nada generoso com ele.

Em meio a toda aquela confusão de sentimentos conflitantes e parcialidades, fora incansavelmente machucado, de um modo que não tinha como expressar. Se sentia sempre preterido, sem ter as razões para que isso ocorresse constantemente...

Ainda em silêncio, Eileen e Snape, se olhavam. Examinando atentamente o semblante um do outro, Severus os aguardava com expectativa para saber o que conversariam. Simultaneamente, tentava se soltar dos braços da mãe para ir agradecer ao seu salvador.

- Não precisa ser grato... – Snape disse abaixando os olhos para vê-lo.

Aquilo foi o suficiente para dar o espaço que Eileen precisava para começar a interrogá-lo. Teria as suas dúvidas sanadas... ele, por sua vez, avaliava todos os passos dados até aquele instante. Evitaria ainda mais danos ao futuro que modificara. Mais uma alteração e tudo estaria perdido. Isso se já não estivesse.

- Filho? – o chamou com um ar incerto e cheio de dúvidas.

Colocando Severus sentado em uma cadeira, lhe entregou um novo pano úmido, com poção para desinchar os olhos. Ainda atenta a Snape, o encarou novamente, querendo escutar a explicação que lhe daria para ter feito tudo aquilo.

- Diga logo o que a senhora quer saber, mãe... – falou encarando os próprios pés.

Cogitando e medindo quanto à urgência de omitir a respeito da existência do Time-Turner de ouro, pertencente aos Malfoy, que ainda estava em sua posse. Aquela era uma informação muito forte e perigosa... principalmente, quando se tratava de Eileen. Era um segredo que não poderia ser revelado de qualquer forma.

- Como fez isso? – questionou bastante série e curiosa.

Precisava assimilar tudo o que ouvisse o mais rápido possível o que lhe seria dito. Senão, seria bastante difícil de compreender toda aquela situação. Especialmente, quando reconhecia que, por maiores e mais surpreendentes que fossem os poderes de Severus, nunca imaginou que ele seria capaz de desafiar o tempo. Muito menos, fazer algo de tal magnitude.

- É simples... o mundo deixou de fazer sentido e a vida perdeu a graça. Então, eu decidi que o obrigaria a fazer o que eu quero – ironizou.

- Eu estou falando sério, Severus... – disse indignada.

- Me desculpe... eu decidi recomeçar a minha vida e ter a minha Hermione de volta. Foi apenas isso o que aconteceu, caso a senhora ainda não tenha entendido – falou com sinceridade ríspida.

Antes de expor os detalhes mais obscuros e absurdos por trás daquela frase, justificaria as causas e enumeraria as questões. Uma a uma com os seus pormenores... contou as suas outras intenções.

Os olhos de Severus brilhavam, intensamente, ao ouvir cada frase. Refletindo todos os seus desejos, se animava com aquilo que estava sendo relatado. Estava ansioso por girar o globo terrestre com as próprias mãos. Não mediria as consequências... devoraria o mundo antes que esse o dizimasse.

Uma estranha sensação de poder que reverberava em suas células. Tudo lhe dava convicção, quase absoluta, de que nunca mais os seus sonhos seriam roubados por quem quer que seja. Seria só ele contra tudo e controlando a todos... não era o que Snape sempre lhe falava?

- Eu entendi muito bem... você, por conta de uma Black, decidiu se tornar um Senhor do Tempo. Ou o pior, se transformou em seu verdadeiro dono e mestre, é isso? – afirmou, interrogativa, acusatoriamente.

- Creio que esteja ciente das consequências e das sequelas irreparáveis que, as suas atitudes, ainda irão acarretar – o repreendeu com ainda mais veemência.

Não importava a idade que ele tivesse naquele momento. Talvez, até já fosse mais velho do que ela, porém ainda era o seu filho. Independente do que já havia acontecido, ou que fosse suceder, apontaria os seus defeitos e os seus inúmeros erros. Principalmente, quando os seus atos se chocavam com a vida de outras pessoas.

Bruxos extremamente poderosos já tinham sucumbido diante de Chronos... a loucura e a morte eram o único porvir daqueles que o desafiaram. Daqueles que ousaram mexer com a ordem dos fatos.

- Não, eu não sou... e não tenho pretensões de ser. Apenas quero ter novamente o que me foi tirado. Uma questão forte e básica de justiça – revelou encarando o piso da cozinha.

- A sua atitude foi irresponsável e egocêntrica. Você pensou, por um segundo que fosse, que está brincando com todos à sua volta? A vida das pessoas não é uma bobagem ou algo irrelevante – expôs contrariada e revoltada com aquilo.

- Severus, você me disse que era amigo da Narcissa... a filha do Cygnus Black. Contudo, sua completa falta de sensibilidade e senso, o impediu de ver que ela o amava tanto que sacrificou a própria felicidade – ponderou.

- Narcissa, ao que eu compreendi, foi capaz de renunciar aos próprios sonhos para que você buscasse os seus... como você pode ser tão egoísta? – colocou as duas mãos no rosto de Snape, o obrigando a encará-la.

Observando a confusão impressa em seu rosto, com o que acabara de escutar, abriu um sorriso confiante para o filho. Suas palavras desestruturaram as certezas tão alicerçadas na mente dele.

- Meu menino sempre tão arguto e engenhoso, em muitos aspectos... porém, é extremamente fraco para outros tantos. Querido, uma mulher não faz algo tão grandioso e absurdo, ou abandonaria algo importante, se não fosse indiferente a você e aos seus sentimentos – respirou fundo.

- É possível que, a própria, não tenha se dado conta do quanto estava apaixonada... mas, é tão óbvio o quanto Narcissa o amava. Isso chega a ser risível que nunca tenham percebido isso – ressaltou diante do silencio de Snape.

Dando pequenos tapas no rosto do filho, que estava envergonhado por conta daquela situação, continuou sorrindo. Sua timidez estava ressaltada pelo assunto estar sendo tratado na frente de Severus. Principalmente, porque o menino acompanhava tudo atentamente.

- Cissy é somente uma grande amiga! Não tente colocar ideias na minha cabeça... principalmente, na dele, que ainda é muito pequeno para se defender – acusou.

- Eu estou fazendo isso? Quem veio do futuro e encheu uma criança de absurdos foi você, seu irresponsável – Eileen retorquiu apontando o dedo para ele.

- Ah, claro! A culpa é minha... a senhora já deve estar envolvida nas tratativas para que eu me case com a Bellatrix ou com a Elizabeth Burke. Eu sou uma pessoa horrível em mostrar a ele que o futuro dele é outro? – afirmou revoltado.

- Quem garante que é isso que vai acontecer? Só porque você quer o mundo beijará os seus pés? Ora, não seja idiota! Você é bem mais inteligente do que isso – argumentou acintosamente.

Soltando a respiração pesada, a qual não tinha reparado o tempo que estava segurando, cruzou os dedos sobre a cabeça. Novamente doía... e muito. Por mais que tivesse 37 anos, se sentia um inútil sem saber debater e esclarecer para Eileen que ela estava equivocada. Tampouco, conseguia se afirmar.

- Oh, sim... tudo bem, você não quer se casar com a Bellatrix ou com a Elizabeth. Porém, no caso da primeira, você não vê qualquer impedimento em se apaixonar pela filha dela – deu de ombros o afrontando.

- Também, essa mesma menina, lembra muito a mãe nas feições... como você mesmo disse. Além disso, por conta dela, você viajou no tempo e virou o mundo do avesso. Certamente, pensa que pode fazer o que bem entender... e eu estou errada em toda essa história? É isso? – perguntou sem paciência ao vê-lo com raiva.

Encarando o chão, novamente, Snape a evitava. Preferia ficar em silêncio a ter de iniciar uma discussão. Enquanto isso, Severus os olhava sem entender os motivos que os deixaram com os nervos tão aflorados.

Mesmo que o considerassem egoísta, estava contente com algumas coisas que tinha ouvido. Seu caminho não era mais único... existia outra alternativa. Uma escolha que gostaria de fazer. Essa possibilidade começava a deixá-lo alheio a toda a nova discussão que se iniciava...

- Até onde me consta, o meu objetivo é o de casar meu único filho com uma das herdeiras da realeza do mundo bruxo. Alguém que tenha a idade dele! Você sabe o quanto eles relutam em casar uma filha com um mestiço? Contudo, eu continuei insistindo! Faço isso para que não continue vivendo na merda... O problema, Severus, é que você age de um jeito obtuso e grosseiro. É tão obstinado que se nega a entender o óbvio – berrou.

Bufando indignado, com as mãos dentro dos bolsos para controlar a raiva e a revolta, olhou para Severus. O menino se alegrava com os seus próprios pensamentos, o que deixava o homem incomodado... sabia que deles não sairiam boas coisas. Entretanto, isso não era importante. Não naquele momento.

- É mesmo? Só por isso? Como a senhora é abnegada! Usando das suas próprias palavras, mamãe... ao que me consta, eu só fui gerado para ser um dos generais do Lord das Trevas e me unir com uma Black para dar o parceiro ideal ao Augurey dele! – esbravejou também.

- Essa é a mais pura verdade e a senhora deveria ter dito isso para essa criança boba que está à sua frente – incriminou deliberadamente.

- Veja só, você está fazendo justamente isso! Segue o plano com perfeição... não é maravilhoso? – Eileen gritou ao vê-lo lhe dar as costas para sair da residência.

Não queria fazer nenhuma besteira ou dizer cosias que se arrependesse depois. Seria melhor se afastar por alguns dias até se sentir melhor e ter tempo de recolocar as suas ideias no lugar.

Snape permaneceu uma semana meditando a respeito de tudo o que fizera e escutara. Sua mãe tinha razão em muitos aspectos e censuras feitas. Realmente, não deveria ter jogado com a vida de todos, de modo tão imprudente, sem pensar nos efeitos posteriores.

Após aqueles dias vagando pelas ruas pensativo, refletindo quanto a tudo, dormindo em casas abandonadas... retornou ao Spinner`s End para treinar e fazer de Severus alguém mais comedido. Também teria que se esforçar para retirar algumas ideias, que deveriam já estar florescendo, na mente dele.