No Common Room da Slytherin, alunos andavam por todos os lados, a passos lentos ou rápidos, se esbarrando... uma confusão de vozes e conversas paralelas que se sobrepunham umas as outras, criando um contexto envolto pelo emaranhado de sons incompreensíveis para quem estivesse de fora. Foi neste cenário que Snape entrou, com uma pilha de livros nas mãos, bufando baixinho e tecendo reclamações inaudíveis. Definitivamente, deixara de lado aquele menino que entrara meses antes.
Olhando no seu entorno, considerava um verdadeiro absurdo ter que se esquivar e, praticamente, se esconder em algum canto para ter o mínimo de sossego durante os estudos. Ir para o dormitório era uma opção impensável, ainda mais quando tinha absoluta certeza de que Avery, Mulciber, Evan e, o intratável, Godoffrey Greengrass já deveriam ter posto fogo nas cortinas ou estavam envolvidos em alguma brincadeira com grande potencial de terminar em assassinato.
Não era onde gostaria de estar... não naquele momento em que adoraria se sentar para estudar ou apenas ficar ao lado de Narcissa. Quem sabe, passar a tarde conversando amenidades? Ao som das ondas e com a brisa marítima batendo em seus rostos, balançando os seus cabelos, como se o tempo não importasse. Nessas horas tinha saudades de casa, dos seus passeios pelo Fort Adams e da sua vida amena em Caerleon. Mas, como ter essa sensação de felicidade quando, ao olhar para o lado, via que ela já estava acompanhada?
Respirando fundo por alguns segundos, ficou analisando todas as possibilidades que se apresentavam até encontrar um canto próximo à janela. Preferia permanecer solitário a ter que dizer palavras as quais, certamente, se arrependeria depois. Isolado, ninguém o importunaria e não teria de perder o seu precioso tempo ouvindo todos os tipos de drama ou fracassos alheios.
- Por que você é incapaz de ver que esse barco está afundando? – perguntou a si mesmo incomodado.
Olhando novamente para onde Narcissa estava sentada ao lado de Lucius, se irritou sentindo os seus olhos arderem. Podia estar sendo cruelmente mau, entretanto, decidiu que não iria se importar mais com a teimosia e o egoísmo dela. Não tinha tempo a perder... aquela menina amava apenas a si mesma.
- Bando de estúpidos... todos eles – pensou consigo mesmo, ao se sentar ali, secando uma lágrima que insistiu em descer pelo seu rosto.
Se distanciando ainda mais de todos, se deixou dominar pelo sentimento de abandono. Uma espécie de medo e terror que nunca experimentara, mas que, aos poucos, foram sendo substituídos por uma inexplicável sensação de tranquilidade.
Com os pensamentos em ordem e em paz consigo mesmo, decidiu iniciar a leitura. Retirando alguns materiais da sua bolsa carteiro, abriu cuidadosamente o seu The Dark Forces: A Guide to Self-Protection, se desligando do mundo ao redor. Nada e nem quem quer que seja merecia mais a sua atenção do que o aprimoramento de seus conhecimentos naquela vertente mágica.
Sem saber com exatidão quanto tempo se passara, Snape continuava atento à leitura, ignorando a aproximação de Bellatrix. Em silêncio, ela respeitou o momento dele de estudo, se ajeitando ao seu lado para iniciar o próprio aprendizado... estava cada vez mais interessada, na verdade obcecada, em compreender todas as possibilidades existentes dentro dos processos de troca equivalente. Sobretudo, no que condizia às suas proibições em alguns ramos da Transfiguração.
Com os dois de cabeça baixa, interessados no que liam tão atentamente, minutos da mais completa quietude se passaram. Mesmo que Snape já tivesse percebido a presença de Bellatrix, optou por não dizer nada. Não se sentia incomodado com a presença silenciosa dela, até que decidiu iniciar uma rápida conversa por conta do livro que a deixava tão interessada.
- Lucius trapaceiro pegou esse livro para você? – perguntou, rapidamente, voltando os seus olhos para o conteúdo de seu próprio interesse.
- Ele é detestável, porém, você sabe que eu jamais desistiria de aproveitar as vantagens de ter um cunhado monitor. Principalmente, quando o mesmo, não vê qualquer problema em me conceder acesso aos livros da seção restrita – riu baixinho com um ar ardiloso.
Após alguns minutos, em que retomaram as suas respectivas leituras, enrolando o cabelo nos dedos e reconsiderando algumas ideias, Bellatrix decidiu que era o momento de falar o que queria. Não perderia a chance de chamar a atenção de Snape.
- Severus? – o chamou um tanto incerta quanto às suas atitudes inexplicáveis.
No entanto, como ele a chamara antes, não teria grandes possibilidades de ser menosprezada novamente. Talvez, finalmente, obtivesse o êxito nas suas expectativas de ser correspondida. No fundo, nunca assimilara por qual motivo Snape era incapaz de gostar dela. Principalmente, quando se esforçava tanto e o tempo inteiro para que fossem amigos.
Algumas vezes, chegou a considerar que isso se devia ao fato de que sempre se mostrara afoita para algumas questões e desligada, em outras tantas. Contudo, estava mais do que convicta de não ser uma cabeça oca ou uma completa tola... apenas precisava buscar, dentro de si mesma, mais coragem.
Identificando que Snape a olhava inquisitivamente, sorriu esperançosa e convencida de que as suas motivações tinham chances de funcionarem. Ele lhe daria atenção. A mesma que sempre dispensara para Andromeda e Narcissa.
- No que eu posso ajudar, Bella? É alguma dúvida que surgiu a respeito desse livro de Transfiguração que está lendo? Acredito que não necessite do meu auxílio... você é uma Black, conhece bem a Mão dos Mistérios e não há motivos para que fique confusa quanto a esse tema específico – argumentou tranquilamente.
Deitando o livro sobre os joelhos e guardando alguns pergaminhos, decidiu prestar atenção ao que escutaria. Certamente, pela maneira que ela agia, deveria ser algo importante. Imperceptivelmente, Snape analisava cada uma das expressões faciais e gestuais de Bellatrix, averiguando uma clara sombra de felicidade se refletindo no olhar. Fosse pelas palavras ouvidas, ou porque a encarava com interesse, estava radiante.
Por um lado, a odiava e sequer sabia mais o real motivo. Ela não lhe fizera absolutamente nada e, possivelmente, até se tornasse alguém completamente diferente daquela mulher horrível. A bruxa das trevas que o assustava nos seus piores pesadelos. Por outro, seus sentimentos, com relação à Bellatrix, não ultrapassavam as barreiras da compaixão e do desgosto.
Era cada vez mais complicado... essencialmente, quando tudo se tratava de erros cometidos pelos outros. De insultos e violências que machucaram vaidades, orgulhos e sonhos, os quais não possuíam e que não tinham o poder de construir absolutamente nada. Principalmente, quando observava que ambos seriam duas pessoas completamente diferentes do que foram.
Independentemente do que imaginava ou do quanto se auto interrogava com relação ao quanto aquela vingança ainda seria válida, manteria a sua promessa. Não voltaria atrás em nada do que dissera a si mesmo. Sua palavra era uma só para declinar como um canalha.
- O mal que você me fez não me atinge mais... porém, o que eu faço me destrói – pensou consigo mesmo ainda a olhando.
De qualquer forma, optaria por esconder as suas verdadeiras intenções e dúvidas. Aos poucos, começaria a presenteá-la com todo o zelo desejado. A trataria com bondade, carinho e afeto, todas as vezes em que estivessem próximos. Não lhe custaria nada tentar ser minimamente gentil... ou significava?
O fato é que as suas próprias obrigações serviam para aumentar e perpetuar o turbilhão de dúvidas e confusões íntimas. Respirando profundamente, para moldar a sua postura e a forma como ela deveria ser apresentada, vagarosamente seus traços adquiriram a luminosidade forte de uma fera cruel.
Seus pensamentos e ponderações transitavam, agora, entre o que ainda lhe restava de inocência e a representação do jovem vampiro. Com qual dos dois seria melhor viver? O fardo seria o mesmo de qualquer modo...
Se esgueirando pelos cantos, admirando e vigiando os passos, estava sempre à espreita. A espera do instante mais precioso em que atacaria sem qualquer remorso. Entretanto, a vítima seria totalmente indefesa e desprotegida?
O acometimento e a destruição se misturavam, se dissolviam sob uma máscara impenetrável de prematura sobriedade e decência... aquele homem não o treinara tanto e com tamanho empenho para que fracassasse. O jovem Frankenstein se metamorfoseava no seu próprio monstro. A aberração que Tobias sempre o chamara, talvez o definisse verdadeiramente. Quem sabe era isso o que era?
- Eu queria conversar com você! A Andy me disse que existem muitos lugares interessantes aqui pelo castelo... bem, ainda está cedo e eu gostaria que me acompanhasse no passeio, já que terminamos a leitura. Vamos? – Bellatrix expôs as suas ideias com uma certa ansiedade.
O puxando para que se levantasse e a seguisse pelos corredores de Hogwarts, o fez se levantar da cadeira rapidamente. Estava confuso e um pouco perdido quanto ao que faria... não sabia ao certo como proceder naquele momento em que tudo deveria ficar claro e preciso.
- Vamos, então... – concordou.
Tomando para si um pouco de iniciativa quanto ao que viria a acontecer. Mesmo que, particularmente, toda aquela situação lhe trouxesse uma estranha sensação de dejà-vù, se conteve.
Ao se convencer do que sucederia assim que cruzasse à porta juntos, agarraria a oportunidade que estava surgindo... o faria, ainda que soubesse o quanto tal comportamento lhe traria arrependimentos posteriores. Bem como, se considerava um ser repulsivo por dias.
O seu caminho começava a ficar mais difícil a cada segundo que passava, porém, não retornaria. Estava decidido a não desistir de nada, por pior que fosse... inspirando, para encher o seu espírito de coragem e certeza, analisou toda e qualquer alternativa identificável naquele contexto que se mostrava diante dos seus olhos.
A vida seria o teatro de suas proezas e, aquela, teria de ser somente uma cena entre tantas outras representáveis ao longo dos anos em uma farsa. Era isso, sua vida seria um emaranhado de mentiras tão elaboradas quanto uma gigantesca teia repleta de acromantulas.
Como vira nas memórias preservadas na Pensieve, supostamente, a ideia de Bellatrix era beijá-lo contra a parede próxima ao corredor dos calabouços. Isso ocasionaria inseguranças e incertezas, de sua parte, fazendo com que ficasse sem qualquer reação lógica diante de tamanha atitude inesperada.
Determinado a se apropriar de todo o protagonismo do plano e não perder o controle de nada, ao atravessarem o corredor, Snape inverteu as circunstâncias a seu favor. Encostando os lábios nos de Bellatrix, deu um beijo rápido, a deixando tonta.
- Mas, o que... Severus, eu... – estava confusa e sem conseguir articular ao certo o que queria expressar.
Aquilo não era bem o que pretendia e, em todos os cenários possíveis, jamais cogitara que seria surpreendia daquela maneira e se encontrava desnorteada. Bellatrix sentia os seus joelhos falharem terrivelmente e, como se enxergando como uma boba miserável, se achava à mercê da ajuda de Snape para que não desabasse.
Ele, por sua vez, a segurava para que não cedesse ou desmaiasse na sua frente. Pensava e considerava o quanto seria patético ter que acordá-la ou explicar para alguém o que havia acontecido ali. Seria, no mínimo, estranho... e acarretaria uma briga com Sirius, assim que recebesse a notícia.
Simultaneamente, começava já a se julgar como um completo bastardo por cismar tanto naquela vingança. Não fazia muito sentido fazer com que Bellatrix se apaixonasse por ele completamente... não existia lógica para que estivesse tão revoltado a ponto de machucar Narcissa daquela maneira tão baixa.
Passo a passo, dia após dia, avançava no cumprimento do seu projeto imperfeito e perigoso... nem um suspiro viria de imediato, algumas coisas sequer seriam ditas, mesmo que os silêncios estivessem o revirando por dentro. Tudo era calculado, milimetricamente, para vivenciar um sonho que não lhe pertencia. A completude voltada, exclusivamente, para o desenrolar de uma vingança lenta, dolorosa e gradual.
Aprendera a duras penas que os grandes estragos ou as tragédias são aquelas que desencadeiam sofrimentos contínuos. Catástrofes subidas eram danos momentâneos e passageiros. Ensinaria a ela o quanto o mundo machucava, cortava e marcava o espírito com cicatrizes profundas. Quando seu paraíso perfeito desabasse e seu coração fosse quebrado, só lhe restaria a escuridão e os anseios por um novo dia... algo que jamais seria visto novamente.
Do menino doce, adorável e inteligente, se revelaria plenamente rústico, violento, desagradável, sono, impiedoso e devorador. Snape se dera conta, muito cedo, de que sua alma fora corrompida de um modo irreparável... um coração demoníaco, talvez, o conduzisse diariamente.
- Era isso, Bella? – questionou com um olhar enigmático e vazio.
- Não exatamente... – respondeu o encarando sem grandes reações visíveis.
- Podemos voltar ou pretende mais alguma coisa – fez uma nova pergunta.
Mantendo as feições indecifráveis e os gestos contidos, evitava pensar no que havia acabado de fazer. Não pesaria as imprecisões e os desacertos, tampouco, lamentaria do que lhe aguardava.
Com uma clara expressão de desentendimento, a analisava friamente, sem assimilar por quais motivos ela estava tão pensativa. Precisava de alguma atitude para confirmar a sua conduta perante a indagação que acabara de ser feita.
- Bem... isso foi interessante. Melhor que... pensando bem, tem algo sim, Severus. Você aceitaria ser meu namorado? – perguntou, arrumando os ombros para adotar uma postura mais altiva.
Lutando para que a sua voz passasse o máximo de segurança possível, o encarou assertiva. No fundo, detestava o fato de que, Snape, a tivesse desestabilizado e lhe roubado todo o plano que elaborara... queria ser apenas sua amiga, entretanto, a opção de tê-lo como namorado também lhe parecia bastante agradável. Finalmente, teria toda a atenção dele voltada para si, em tempo integral, sem qualquer restrição.
Aquela era a sua maneira de retomar às rédeas urgentemente. Era uma Black e teria o completo controle do que viria. Sempre as coisas saíram ou ocorreram exatamente do jeito que desejava e, com ele, não se modificariam... em nenhuma circunstância o seu coração sangraria por aquele menino. Por isso, regeria toda aquela relação.
- Sim... por que eu não desejaria isso? – indagou com um olhar extremamente sonso.
- Por causa da Cissy, talvez... eu vejo que vocês parecem muito próximos. Algumas vezes, suponho, que até demais – comentou dando de ombros.
- Ela é só minha amiga e você deveria ser a primeira a atestar esse fato – desconversou se sentindo invadido em sua intimidade.
- Então, ótimo... nós estamos resolvidos! – Bellatrix sorriu animada com a ideia.
- Eu quero colocar uma condição para o nosso namoro. É algo irrevogável – se aproximou, ardilosamente, como um pequeno morcego.
Seu olhar dissimulava muito bem o esconderijo profundo de seus pixies. Antes, o que eram apenas demônios e medos escondidos em sua alma, agora eram os seus melhores conselheiros. Vigilantes e astutamente analíticos, examinavam os movimentos que Bellatrix fazia diante de si. Ainda mais, por ver o quanto ela se sentia vitoriosa com tudo aquilo.
- Ora, qual? – interrogou, franzindo o cenho, desconfiada.
Exteriorizava, naquela dúvida, todas as suas suspeitas e dúvidas diante do comportamento sempre dúbio que Snape expunha. Uma sensação estranha parecia gritar em seu íntimo, avisando para que não confiasse, para que saísse dali e o deixasse sozinho.
Embora estivesse se mostrando inocente e disposto, com um olhar que remetia às melodias tristes, havia detalhes que não se encaixavam. Provavelmente, fossem as suas próprias questões e inseguranças a traindo, diante da novidade.
- Não se preocupe! Não é nenhum pedido absurdo, eu garanto. Eu quero que seja nosso segredo por um tempo. Não gostaria de confusão com aquele seu primo maníaco ou que as pessoas sejam maldosas nos comentários feitos a seu respeito – fez um gesto cortês e cismado como se algo o inquietasse.
Baixando os olhos, vigorosamente reflexivo, pôs as mãos nos bolsos. Com um semblante muito sério e absorto, Snape, parecia estar acometido por uma enorme aflição quanto ao que poderia acontecer ou com as opiniões que surgiriam sobre os dois. Bellatrix, sem saber ao certo o que falar, ficou agoniada e ficou pensativa. Precisava refletir a respeito do que ouvira... necessitava formar uma opinião com a máxima urgência.
- Veja, Bella, tudo o que já inventaram com relação as suas irmãs! Andy é motivo de comentários maldosos, por aqueles desocupados que se aglomeram na Gryffindor, por estar noiva do Rodolphus. Cissy é julgada, o tempo todo, por estar prestes a noivar com o Lucius... como se isso desqualificasse ambas por qualquer razão que seja. Enfim, não preciso ir mais além para que entenda o ponto ao qual quero chegar – deu de ombros um pouco arrogante.
Soltando um longo e doloroso suspiro angustiado, fez um novo gesto de inconformidade. Seu fingimento havia ficado muito melhor do que idealizara. Dando passos lentos, andando de um lado ao outro, a fitava com o canto dos olhos, para verificar os seus gestos mais sutis.
- Tudo bem... mas exijo segurar a sua mão quando sairmos daqui – afirmou o encarando com um olhar firme e perseverante.
Mesmo se sentindo insegura, não se daria por vencida... jamais se dobraria a quem quer que fosse. Olhando para Snape, atestava que sua proximidade era semelhante ao vagar em um terreno pantanoso e hostil. Não teria como adiantar os seus passos ou descobrir o que pensava. Sua mente parecia sempre muito nebulosa e confusa.
Enquanto caminhava junto a ele, cada passo apenas lhe despertava uma desconfiança inexplicável e um estranhamento sem precedentes. Na verdade, já se perguntava se havia tomado a melhor decisão. Não faria mais sentido esquecer daquele equívoco e, simplesmente, fingir que nada acontecera?
