Os anos passaram ao sabor e a velocidade do vento em um temporal. Com os dias se esvaindo como flocos de neve ao sol, Snape já estava com 16 anos e, a sua vida se transformava a passos largos. Mesmo que estivesse cada vez mais enterrado nos estudos e soturno, não renunciava aos seus raros instantes de prazer, ao andar pela beira do mar e olhar o oceano... era onde se sentia em paz.
Contudo, estar em Caerleon era impossível quando as aulas em Hogwarts já haviam se iniciado e tudo parecia se complicar. Sobretudo, a sua relação com Bellatrix, que oscilava sempre entre a taciturnidade absoluta, um apontamento desdenhoso ou algum gesto que a alegrasse plenamente... uma constante tortura com a qual se obrigava a conviver.
Maltratá-la havia se tornado uma espécie de vício permanente, um problema contínuo e interminável. Era como se precisasse a manter por perto... mesmo que, o seu suposto namoro, não tivesse durado mais do que dois dias no primeiro ano. Ou teria sido uma semana?
A única verdade, em meio a toda imprecisão criada, era que em uma silenciosa disputa de poder, entre dois complexos campos de força, nada mais obvio do que nutrir a afeição de alguém. Encantar com as suas palavras e depois abandonar como se não a conhecesse... ao mesmo tempo, buscava preservar um distanciamento seguro, claramente, indefinido e de causas cada vez mais inconfessáveis.
O estímulo oculto, para almejar a expulsão definitiva de Bellatrix de sua vida, era a sua intensa proximidade com Narcissa. Desde a primeira vez que se viram, não conseguiram mais dispensar a presença um do outro, passando cada vez mais tempo juntos. Somado a isso, o ciúme crescente e silencioso que ela apresentava, o preocupava. Não queria magoá-la por tão pouco.
Aquilo era muito mais do que a sua adoração, cultivada nas memórias mergulhadas em frascos e vistas na Pensieve, com relação à Hermione. Com aquela menina, as sensações que eram compartilhadas ultrapassavam várias barreiras e eram constantemente pujantes.
Era algo profundo, cuidadosamente semeado como a mais rara flor do deserto, os momentos em que passava ao lado dela. Narcissa era como um livro desconhecido cheio de palavras não ditas, caminhos proibidos e valiosas alegrias convertidas em lágrimas de felicidade. Uma verdadeira poesia tácita e serena, com suas luzes e suas sombras afáveis... devaneios por serem sonhados sem medo ou pavor de que não passassem de meras imagens criadas pela imaginação.
Sem necessitar de longos diálogos filosóficos ou grandes explicações, algo lhe afirmava que ela sempre compreendia os seus sentimentos e suas dúvidas. Por mais complexo e difícil que fosse, como pessoa, Narcissa não o abandonava e nem se prendia a críticas vazias. Ela sempre o apoiava... mesmo quando suas palavras saiam mais duras do que gostaria que soassem.
Mexendo na sua bolsa, para organizar os seus materiais, decidira não se chatear com o fato de que, no ano letivo seguinte, não contaria mais com a sua companhia. Narcissa estava perto de concluir os seus estudos e os seus encontros passariam a ser raros... na pior das hipóteses, ela seria obrigada a se casar após a formatura com Lucius, teria a sua vida destruída.
Aquele mero pensamento o deixava depressivo... o que poderia fazer para salvá-la daquele destino tão cruel? Não merecia viver sob um céu sombrio e desesperançoso, quando era uma criatura tão cheia de vida e sonhos por vivenciar. O único que merecia toda a ruína era ele mesmo, com suas constantes tendências niilistas que se reforçavam e seus atos abomináveis que se acentuavam.
Decidido de que o melhor a ser feito era convencê-la a ficar mais seis meses na escola. Narcissa poderia fazer alguma especialização em uma das áreas da magia dentro de Hogwarts. Ela era inteligente e esperta, possuía condições para seguir na profissão que desejasse... podia ser mais feliz do que imaginava.
Exigindo de si mesmo o esforço e o empenho fundamental para que seu plano tivesse frutos, identificou que o turbilhão de sentimentos contrastantes e violentos, apenas o atrapalhavam. Precisava organizar as suas ideias e se concentrar ao máximo... não podia mais se dar ao direito de perder o foco. De agir como um idiota apaixonado, especialmente, quando se negava a ser.
Se ainda ambicionasse ter acesso irrestrito ao laboratório de Slughorn, teria de gabaritar todas as provas do OWLs e executar as tarefas de modo muito mais impecável, do que o já apresentado. Finalmente, parte de todo o seu esforço seria reconhecido e iniciar as suas pesquisas na elaboração de algumas poções curativas.
Refletindo quanto à aula de Poções, a qual já se via extremamente atrasado, acelerou os seus passos pelos corredores para que o professor não reclamasse de sua demora. Seu coração estava pesado e a sua mente cheia, quando entrou na sala, caminhando lentamente para não ser notado.
Foi com esses mesmos gestos, vagarosos e milimétricos, que abriu o seu livro Advanced Potion-Making na página referente à Immortuos, antes de se sentar ao lado de Bellatrix e Evan na bancada do fundo. Com os olhos presos, em suas anotações, reuniu os materiais necessários para a realização do trabalho que fora pedido. Constatava que precisava revisar as suas anotações, ignorando os dois colegas que o olhavam com curiosidade pela postura preocupada que adotara àquele dia... era urgente ser perfeito.
Todos os processos deveriam seguir uma lógica harmônica, para que nada saísse do controle e atingisse o nível de excelência exigido... não pretendia, ainda, matar ninguém envenenado quando a ideia era somente colocar a vítima para dormir profundamente. Esticando e crepitando as juntas dos dedos, para dar mais agilidade às suas ações, segurou firme a sua adaga de prata.
Medindo o tamanho da Vagem Soporífera e a pesando, para que tivesse as proporções propícias à atividade, iniciou procedimento com técnica e método admirável. Não precisava das palavras de Libatius Borage, na verdade as desconsiderava, para fazer aquela poção.
- Tolo... – sussurrou lendo rapidamente as instruções do livro.
Pegando uma folha de papel croqui, colocou sobre a mesa, pousando nela a vagem que seria amassada. Não perderia uma gota de seiva extraída dela... nem mais, nem menos. Algo preciso e absoluto, beirando a primazia desvendada, ao limpar a adaga com um paninho embebido em bicabornato de sódio, a guardou cuidadosamente. Não queria que ficasse manchada, principalmente, quando se tratava de um presente dado por alguém especial.
Dando mais um passo para o trabalho perfeito... escorreu o conteúdo no caldeirão, mexendo a substância uma vez no sentido horário a cada sete em anti-horário, contando mentalmente para não errar. Não admitia falhas. Seria mais uma vez magistral. Se envaidecendo um pouco com a ideia, sorriu olhando o caldeirão começar a borbulhar na sua frente.
Gostaria muito de agradecer a si mesmo por tê-lo ensinado, tão primorosamente, a arte das poções e a não ser tão teimoso. Mesmo quando ainda era pequeno e imaturo, verificou que a impertinência não contribuiria com o seu sucesso... precisava crer na própria intuição ao realizar aqueles tipos de labor.
Mais do que conhecimento, inteligência e expertise, era uma questão de percepções e instintos apurados para distinguir as mais simples nuances. Os vapores da água, as gotas de incenso, as fumaças mais densas, se convertiam para guiar os verdadeiros alquimistas no caminho correto. Os levavam por rumos tortuosos até a Magnum Opus.
- Brilhante, senhor Snape! Continua sendo o melhor da turma inegavelmente... eu acredito, sinceramente, que estou diante de um verdadeiro príncipe das Poções. Logo, o apresentarei ao meu amigo Nicolas Flamel – Slughorn disse em alto e bom som para que todos os alunos ouvissem.
- Uma pena que Jules Violle, que você deve conhecer como Fulcanelli, faleceu há dois anos. Certamente, ele adoraria saber que há um jovem tão talentoso quanto ele – prosseguiu se aproximando um pouco do jovem para analisar, novamente, a poção.
- Obrigado, professor – disse sério, com a voz contida, por ainda estar concentrado no trabalho.
- Por nada. Quanto à sua solicitação, o senhor não precisará gabaritar os OWLs para ter acesso ao meu laboratório. Depois de hoje, poderá utilizá-lo sempre que quiser... aproveito para reiterar o convite para a nossa reunião de final de ano – enfatizou, antes de liberar a todos para que saíssem da sala.
- Quando estiver mais próximo da data, lhe enviarei uma coruja, com o convite formal – concluiu se despedindo de Snape.
- Eu aguardarei, senhor – assentiu.
Arrumando os seus materiais para se retirar da aula, sentiu alguém segurar o seu braço. Apertando a varinha, com a determinação de atacar quem ousara tal gesto, se virou rapidamente a colocando no pescoço da pessoa.
- Calma, Sevie! – Narcissa falou assustada, erguendo as mãos para que ele se afastasse.
- A Bella me disse que você ainda estava aqui... eu ia convidá-lo para ir comigo até o lago. Mas, esqueça – seguiu receosa.
- Me desculpe... na verdade, eu peço perdão, Cissy. Eu achei que fosse outra pessoa... eu a machuquei? Posse ver o seu queixo? – perguntou preocupado.
- Não há necessidade... está tudo bem. Você só me pegou de surpresa. Nada demais – sorriu gentilmente.
- Eu aceito o seu convite. A propósito, aquela fofoqueira a qual chama de irmã, deve ter contado que o professor Slughorn me autorizou a utilizar o laboratório dele. Você gostaria de me ajudar com uma poção específica? – Snape a questionou.
- Creio que, o Príncipe das Poções, não necessite dos meus serviços – respondeu divertida o encarando.
- Reclamo a urgência de sua presença, senhorita Black! – argumentou, com o tom de voz um pouco mais acentuado, manifestando todo o seu interesse para que aceitasse a oferta.
- Admita que você quer mexer nos materiais proibidos que existem naquele laboratório. Você é muito curiosa para abdicar de uma proposta como essa... além disso, posso ser muito bom em Poções, no entanto, não sou perfeito. O que eu pretendo executar é algo que eu nunca fiz – prosseguiu meditando a respeito do que teria de esclarecer.
- Sei... continue. Você está me deixando interessada na sua proposta – Narcissa expressou um entusiasmo contido por estar sendo alvo de elogios.
- Cissy, você é sensata, habilidosa e muito sagaz... é a única que pode me auxiliar e, se for necessário, a sequestrarei até terminar as minhas pesquisas – concluiu rindo da expressão incrédula com a qual era analisado.
- Se isso for um jeito de humilhar esse bando de imbecis que estudam nessa escola, eu concordo. Mas, prometo infernizar a vida do Prince de meio sangue ou mestiço, agora vamos! – piscou o segurando pela mão para que a acompanhasse.
- Como sabe? – perguntou fortuitamente com clara admiração ao fato de que ela houvesse descoberto o pseudônimo que empregava a si mesmo.
- É o sobrenome da sua mãe e eu sei o quanto gosta de ser o último da linhagem – refutou calmamente.
- Você é insuportavelmente impossível, flor de Narciso – disse dando um beijo no topo da cabeça da moça, entrelaçando os dedos nos dela.
- Preferia ter o nome de alguma estrela, como a maior parte da minha família – sussurrou.
- Você é especial por ser livre das constelações... e seu nome significa a chegada da primavera. Você é quem traz esperanças – argumentou, ainda com os lábios próximos aos cabelos loiros, dando um novo beijo.
Saindo da sala, caminharam lentamente pelos corredores até chegarem às proximidades da área sul de Hogwarts, onde se localizava o lago. O frio era cortante e a neve deixava a paisagem oscilando entre os tons de branco e cinza... era um lindo cenário de inverno. No entanto, o vento cortante era permanente e machucava a pele daqueles que teimavam em enfrentá-lo.
- Tem certeza de que quer ir até lá? – indagou pensativo, analisando o gramado congelado, tingido pela frialdade e alvura.
- Sim... é o único lugar nesse inferno no qual podemos conversar com alguma tranquilidade – Narcissa esboçou a sua contrariedade diante da pergunta recebida, revirando os olhos, com os braços cruzados junto ao peito.
- Vamos... – suspirou convencido de que era o melhor a ser feito naquele instante.
Não querendo contrariá-la, Snape a manteve o tempo todo atrás das suas costas, pensando o tempo inteiro em a proteger da friagem absurda. Com o vento, cada vez mais decidido a rasgar a sua pele, semicerrou os olhos para enxergar melhor o caminho que teria de fazer rumo a árvore onde se sentariam.
- Pode me contar o que faremos? – interrogou sem pensar muito.
- Eu estou lendo coisas muito interessantes. São livros de poções feitas por bruxos que se dedicaram às práticas curativas pelo mundo. São nomes como Dioscorides, Paracelsus, Galeno, Ascencio... e um bruxo espanhol, que se disfarçou de padre, para desenvolver suas habilidades. Isso possibilitou que ele desse prosseguimento aos seus projetos – Snape iniciou a explanação, enrolando Narcissa em sua capa, para que continuasse protegida do frio.
- Paracelsus era o que investigava sobre os homunculus, não é? Ele era brilhante na medicina e nos experimentos que realizava... tanto que suas ideias inspiraram a Mary Shelley na composição do Frankenstein – comentou pensativa, se ajeitando no colo dele.
- Exato! Estava estudando os bezoares no livro dele até que descobri a existência de um outro tipo na América. Ao contrário do que usamos, esse vem de um animal muito curioso chamado anta – prosseguiu.
- Você chegou a ver que esse bicho rasga o peito com as unhas para morrer? – Narcissa o questionou.
- Não cheguei a essa parte... contudo, creio que deva ter alguma relação com todo o valor que dão a ele nos relatos – Snape ponderou refletindo quanto a informação.
- Não perca tempo com as onças e as caçadas que os indígenas faziam. O mais relevante são os estudos feitos com as cobras, os pássaros e as abelhas. Além, é claro, das plantas existentes na região – concluiu sorrindo com um ar vitorioso.
- Justamente isso que eu ia comentar, bruxa inteligente! Eu vi algo a respeito da utilização dada às plantas no continente americano e as essências que podem ser extraídas de cada uma delas. Acredito que, essa parte, a interesse também. Sobretudo, porque você cria os seus próprios cosméticos e, eu, investigo como essas poções são executadas. Ambos conheceremos materiais que nos serão úteis – Snape explicava animado.
- Eu já vi alguns... mas, o importante é que você já decidiu que será medibruxo, pelo visto. Isso é maravilhoso, Sevie! – Narcissa disse encantada com a constatação que acabara de fazer.
Não se interessava muito com as novas plantas que iria explorar, por mais empolgada que estivesse e a sua curiosidade lhe deixasse agitada. Naquele instante, o que mais deixava feliz era vê-lo preocupado com o futuro e, possivelmente, já escolhendo uma profissão para seguir após o término dos estudos.
- Não, muito pelo contrário! Eu quero ser engenheiro químico quando sair daqui... eu irei para o mundo dos muggles e vou me formar em Oxford, Cissy. Por isso, estou trabalhando nas férias! – relatou resolutamente.
- Quero fazer esse esforço para seguir o exemplo e continuar com o legado desses bruxos. Eles, e outros tantos gênios, revolucionaram a medicina e a farmacopeia muggle. Também quero ser o responsável por inovações e melhoramentos nas poções do nosso mundo – clarificou ficando um pouco reflexivo quanto ao seu destino.
- Sabe, Cissy... eu quero salvar a vida de muitas pessoas e já estou empenhado a aumentar os meus conhecimentos na área. O meu tempo livre é praticamente todo voltado apenas a isso. Da mesma forma, me interesso pela Bioquímica. Se possível, me formarei em ambos os cursos. Consequentemente, no futuro, poderei abrir uma botica, vender o que eu produzo e auxiliar no Saint Mungus – sorriu com a ideia esperançoso.
- Você será maravilhoso e terá êxito em tudo isso, eu tenho certeza. Quero que saiba, desde já, que pode contar comigo sempre – afirmou o beijando, algumas vezes, orgulhosa.
- Agora é a minha vez... tenho algo a lhe perguntar e, por isso, o chamei para vir aqui comigo – Narcissa falou, após interromper os beijos, com um semblante astuto de quem estava premeditando algo importante.
- Diga... – Snape a fitava um pouco desconfiado de suas intenções.
- Não é nada que deva se preocupar, querido – sorriu abertamente, com os seus olhos de tempestade mais brilhantes do que antes estavam.
- Sevie... eu quero que estude o Darkhold comigo – revelou confiante de que ele aceitaria.
- É um livro interessante, muito rico... contudo, Cissy, creio que não seja uma boa ideia pesquisarmos o livro dos condenados. Não será bom para nenhum de nós – ponderou considerando as problemáticas do tema.
- Tudo bem, então – declarou com uma voz bastante magoada.
- Você pode declinar dessa ideia e... – Snape iniciou o seu argumento, mas não conseguiu o concluir.
- Não, Severus... isso está decidido! Eu vou investigar essa matéria sozinha – Narcissa o interrompeu ainda mais contrariada diante da negativa recebida.
- Mudando de assunto, menina teimosa e birrenta... eu gostaria de saber se deseja ir junto comigo à reunião do Slughorn – sorriu travesso, entendendo que aquilo a animaria novamente.
- Talvez... se me revelar com quais intenções esse convite está sendo feito – disse ainda um pouco enraivecida.
- Ter a sua companhia e passarmos uma noite agradável, quem sabe? Todavia, se não quiser, eu não vejo qualquer problema – Snape se adiantou antes da provável negativa.
- Eu aceito, porém quero que saiba que ainda o considero um bobo. Um insuportável que não quis aceitar a minha proposta – respondeu, contendo o riso, ao dar um tapa no ombro dele.
Os dias passaram e, com eles, a noite da confraternização chegou. Com a temperatura típica do inverno escocês, o vento batia forte contra as árvores, irritando o Salgueiro Lutador. Os indícios de neve se tornavam, gradualmente, mais extensos pelos terrenos do castelo, deixando tudo mais monótono... dentro do dormitório feminino, do Common Room da Slytherin, Narcissa olhava as profundezas do Great Lake. Enquanto se vestia, vez ou outra, observava pela janela a passagem de alguns merpeoples ocupados com tarefas ou se recolhendo para iniciar a sua jornada ao amanhecer.
- Não vou usar o Venusto no meu rosto... Pulchra resolverá tudo por hoje – pensou alto, ponderando com relação à maquiagem que usaria.
Se virando para se admirar no espelho, contemplou os poucos detalhes prateados que emolduravam o seu vestido preto, suspirando baixo. Nunca trajara um cetim seda, tão minuciosamente ajustado, para acentuar os seus traços mais marcantes. Aquilo a incomodava um pouco... ao mesmo tempo, refletia que jamais precisaria se embelezar, quando já era naturalmente bonita.
Seus olhos cinzas, agora meditativos, pareciam dois faróis... mesmo que tentassem esconder toda a felicidade que sua dona experimentava naquele instante, simplesmente fracassavam. Com o coração batendo acelerado, sua vontade era a de sair abraçando a todos que surgissem no seu caminho. Necessitava extravasar o quanto se sentia realizada.
A mera ideia de que, certamente, Snape a pediria em namoro naquela reunião, deixava o seu mundo inteiramente completo. Aquilo era o suficiente, quando tudo o que mais sonhava era ter uma vida tranquila ao lado de quem amava.
Enquanto isso, no andar inferior, Snape caminhava de um lado ao outro. Sua ansiedade crescia a cada minuto que passava e Narcissa não descia aquelas escadas. Estava desaparecida...
- Por que ela demora tanto tempo para se vestir? Será que desistiu? – pensava incessantemente.
Esfregando as mãos, decidiu pegar o relógio para, novamente, averiguar o horário. Se demorasse mais um segundo, buscaria um modo de invadir o dormitório feminino para descobrir o que sucedera ali. Ainda mais quando, Bellatrix e Andromeda, já haviam partido com os seus respectivos acompanhantes.
- Vamos aos Clube do Slugh? – Narcissa questionou, segurando no corrimão para se dirigir até onde ele se encontrava.
Descendo as escadas, com um sorriso aberto e vaidoso, seus lábios estavam desenhados com um batom vermelho. Snape estava sem palavras para descrever o quanto seu peito queimava ao vê-la tão deslumbrante. Simultaneamente, a reação dela não divergiu, ao analisá-lo de terno e gravata em estilo ascot... inevitavelmente, seriam um casal trajando roupas negras ao longo da festa e isso a agradava profundamente.
- Claro... senhorita Black – Snape lhe estendeu o braço para que fossem juntos.
- Sinceramente, eu consideraria bem mais prático se pudesse segurar a sua mão – comentou a olhando com o canto dos olhos.
- Estou de salto e você anda depressa... melhor continuarmos assim – argumentou, sentido que ele a puxava para que ficasse mais próxima.
- Não tenho culpa de que você é baixinha e gosta de usar esses instrumentos de tortura nos pés, Cissy – sorriu a abraçando rapidamente.
- Pare de ser bobo e insuportável! Nós temos que chegar nessa festa de uma vez – deu meio sorriso, sacudindo a cabeça em negação, com um semblante apaixonado.
O jantar transcorreu tranquilamente... com conversas paralelas, risadas, Slughorn comentando sobre a sua coleção de nomes influentes entre os seus ex-alunos, com os quais ainda mantinha contato. Aproveitava para incentivar alguns a procurarem quem lhes auxiliasse nas futuras carreiras e se propunha a fazer as pontes necessárias, se preciso fosse. Nada que fugisse do habitual naqueles encontros.
Snape, vez ou outra, segurava a mão de Narcissa por debaixo da mesa, dando leves apertões nos dedos. Ela permanecia com um semblante impassível, aristocrático, como se nada a abalasse no mundo... talvez, constatasse que a felicidade não deveria ser compartilhada abertamente. Queria evitar a inveja e os comentários impertinentes que surgiriam caso descobrissem toda a verdade.
As carícias tímidas que trocavam, perduraram até o final da reunião, quando se despediram dos demais. De mãos dadas, seguiram com passos lentos, pelos corredores vazios, até o Common Room da Slytherin. Parando, algumas vezes, para trocarem alguns beijos, sorriam um para o outro sem se importarem com as preocupações que poderiam vir.
- Nós temos que entrar... senão o Filch nos pega aqui – Snape sussurrou próximo ao ouvido de Narcissa a deixando arrepiada.
- E ele fará o que exatamente? Nos punir? Ele não pode! Temos autorização do diretor da nossa casa para retornarmos aos nossos aposentos... estamos agindo corretamente – comentou dando um sorriso.
- Depende muito do que estivermos fazendo - retorquiu sarcástico e cheio de segundas intenções.
- Você é terrível, Sevie! Se você fosse um ótimo rapaz e tivesse um bom coração, agora me levaria no colo... não tenho condições de caminhar pelos próximos dois corredores. Eu estou com dor nos meus pés e meus dedos queimam – mencionou fazendo um beicinho choroso.
- Suba nas minhas costas, então. Eu estou impedido pela moral de carregá-la de ponta-cabeça até lá – riu, semicerrando os olhos, com o tapa que levara na nuca.
- Ridículo! – Narcissa se manifestou, com falsa indignação, colocando os seus ombros em volta do pescoço dele.
Vagando pelos passadiços restantes, logo entraram no Common Room, se sentando ambos no sofá próximo à lareira. Narcissa retirava os sapatos, massageando os próprios pés, com uma expressão de dor, enquanto Snape, ficara pensativo. O ambiente era o mais completo e absoluto silêncio, durante o tempo em que os dois gravitaram dentro de suas próprias mentes, sem emitir qualquer som... nada além das suas respirações inquietas e constantes.
Deixando os calçados de lado e se aproximando calmamente, Narcissa iniciou uma série de carícias, o fazendo fechar os olhos em contemplação muda. Gostava de sentir o toque daquelas mãos macias no seu rosto... ela tinha o poder de tranquilizá-lo e lhe passar uma sensação profunda de segurança. Mesmo que fosse através de pequenos gestos, aquilo o fascinava cada vez mais.
Abrindo os seus olhos e fixando nos dela, impulsivamente, a beijou. Lentamente, o beijo foi se tornando quente e molhado, servindo como uma espécie de laboratório em que poderiam experimentar todas as emoções que eram capazes de proporcionar um ao outro. Por mais confuso que estivesse, naquele momento, Snape aproveitava o sabor daqueles lábios carnudinhos que ela possuía.
Cheirando a pergaminhos, livros, rosas e jasmins... ela era tudo aquilo que o seduzia profundamente. Narcissa se encontrava igualmente hipnotizada e entregue. Sentindo a fragrância dele, se via seduzida pelo aroma de terra molhada após a chuva. Seu cheiro o representava perfeitamente, pois nada mais era do que o vestígio que se espalhava pelo ar, expondo o quanto a natureza estava repleta de vida e lutava bravamente pela própria sobrevivência.
A isso se somava o odor amadeirado, após a queima da seiva em meio às ervas e da fumaça que sai da canela torrada, balsamizando tudo ao seu redor. Estar nos braços de Snape era como passear em meio à tempestade.
Os dois não se continham mais. Apenas agiam por instinto, levados a explorar o corpo um do outro, desejando ardentemente sentir o calor que emanava entre os corpos e lhes dominava os sentidos. Estavam prestes a completa rendição... os beijos e os carinhos já eram ardentes e lhes restava muito pouco para transporem a última barreira que os impedia.
- Não... ainda não, Cissy. Eu não quero machucar você – Snape segurou, gentilmente, as mãos dela para impedi-la de desabotoar a sua camisa.
- Desculpe o frustrar dessa forma, Sevie – disse ofegante, ainda sentada no colo dele.
- Não há nada para ser perdoado aqui... eu sei que ainda não está pronta para isso e ainda há muito pela frente – comentou a abraçando forte, fazendo com que Narcissa deitasse a cabeça em seu ombro.
