Os meses finais daquele ano de 1976 foram confusos e estranhos. As portas do inferno pareciam abertas dentro do castelo de Hogwarts e, por mais absurdo que pudesse figurar, tudo ocorrera desde que Bellatrix anunciara a sua gravidez. Ao invés de todos ficarem felizes com a chegada de uma nova vida, o que se observava era, praticamente, à instauração das trevas... sobretudo, para Sirius, que ao receber a negativa quanto à paternidade da criança, se apresentava muito mais raivoso do que antes.
Os dias seriam muito difíceis, especialmente, com a chegada do final do ano escolar. A formatura do sétimo ano aconteceria, independente das vontades alheias, com a sua entrega de diplomas, o cinismo por parte de algumas pessoas fingindo felicidade pelo sucesso alheio, apertos de mão, fotos, familiares emocionados ou nervosos e todo o tipo de coisas que se desenrolam em uma celebração. Entretanto, para Snape, aquele não era um momento de felicidade... estava tão ou mais zangado do que Sirius pudesse imaginar algum dia ser.
Odiava a ideia de que ficaria distante de Andromeda e, principalmente, de Narcissa. Muitas coisas deveriam ser ditas e feitas para que partisse sem olhar para trás... não tinha o direito de ir para França sem que tudo estivesse resolvido. Ela estava o abandonando ali.
Definitivamente, o ano de 1977, seria muito mais complicado do que imaginara nos seus piores e mais soturnos pensamentos. De fato, além do que já possuía, não existia mais qualquer outra perspectiva que lhe interessasse... essa era a mais dura realidade. Todos sempre o renegariam, inclusive, aquela menina a quem tanto amava. O seu outro eu foi correto ao afirmar que somente Hermione ficaria ao seu lado sempre e, danosamente, era alguém que sequer existia.
No entanto, nada era trágico o suficiente para que não pudesse piorar ainda mais. Durante a madrugada, daquele 30 de junho, Bellatrix foi retirada às pressas da festa de despedida de Narcissa e levada ao Saint Mungus.
Aos gritos e brigando com a família, conseguiu desviar completamente a atenção de todos, dando a oportunidade que Andromeda precisava. Invadiria a casa dos tios e alteraria a árvore genealógica dos Black, mais uma vez, para ajudar a irmã. Mais do que os laços de afeição e comprometimento que as uniam, aquilo se tratava de uma questão de vida ou morte... se descobrissem de quem Delphini era filha, certamente, matariam a criança.
- É, meu amorzinho, sua tia Bella fez besteira e eu terei de consertar tudo... você não faz ideia do quanto é difícil trair a confiança da tia Walburga, especialmente, quando ela nos amaldiçoaria sem pensar duas vezes – sussurrou para a filha, que cochilava em seu colo, em tom confessional.
- Eu já fiz isso para salvar você, Nymphadora... e até hoje me questiono sobre como eu tive coragem para ir com o Rodolphus fazer o mesmo com aquele dendrograma esquisito dos Lestrange – prosseguiu pensativa encarando a tapeçaria.
- Espero que seja o mais correto a ser feito e que eu nunca me arrependa de estar fazendo isso para protegê-la. Porém, a Bella precisa manter esse segredo muito bem guardado até que tudo se acalme – Andromeda murmurou apontando a varinha em direção à ramificação que começava a se formar.
Com uma sensação horrível lhe dominando o corpo, segurou às lágrimas ao máximo, ao ver o nome que se interligava ao de Bellatrix. A irmã havia destroçado a própria vida por muito pouco... e jamais teria como voltar atrás naquela decisão.
- O pior é que, com toda essa confusão, novamente o seu irmão não teve a chance de conhecê-la. Dora, você não faz ideia do quanto ele está ansioso por esse momento. Ele já a ama sem sequer ter tido tempo de vê-la uma única vez – falar aquilo pareceu lhe acalmar o coração.
Sorrindo tranquilamente, com a breve ideia que lhe passou diante dos olhos, observou o nome de Tom Marvolo Riddle desaparecer completamente... enquanto, em outra parte de Londres, o som alto de choro infantil ecoava. Andromeda, mal sabia que, Delphini chegava ao mundo naquele exato instante.
Era a vinda do Augurey... aquele que se sentaria ao lado do Lord das Trevas e que insistiria em fazer com que o futuro obscuro do mundo bruxo se concretizasse. Por Voldemort e Valor, aquela criança seria quem selaria a profecia de destruição dos Black. Porém, se fosse criada com amor, se transformaria apenas em uma quebra temporal irreparável para Snape.
Hermione não era mais a primogênita de Bellatrix. Parte do Unum estava desfeito e as consequências de tal ruptura ainda estavam por vir... muitas certezas desmoronariam, como um frágil castelo de cartas, uma a uma. Contudo nada machucaria mais do que as dúvidas, as confusões tão fortes quanto uma tempestade no deserto, que o desnorteariam e quebrariam o seu coração.
Foi com tais acontecimentos que as férias daquele ano iniciaram, acompanhadas pela ansiedade e o receio. Primeiro, por conta de todas as desavenças que se somaram entre os primos Orion e Cygnus, quanto às sucessivas negativas de Bellatrix em revelar a paternidade da filha.
Por uma obviedade, aquela menina era filha de Sirius e não fazia qualquer sentido ser a primeira da família a não ter o nome do pai reconhecido pela árvore genealógica... aquele absurdo abalara toda a família completamente e, por mais que investigasse as causas, não encontravam qualquer resposta lógica para tamanha restrição e segredo.
O segundo problema era Narcissa e a sua constante fuga do compromisso com Lucius. Ela parecia desesperada e sempre muito disposta a se esgueirar da sua obrigação que, aos poucos, se aproximava.
Secretamente, planejava não permitir que os seus medos se tornassem os maiores inimigos e os assassinos mais cruéis do amor que sentia. Lutaria até o fim para não ser forçada a se casar contra a sua vontade... particularmente, quando o noivo se tratava de um porco que sempre fazia questão de machucá-la.
- Já faz um mês que eu não o vejo... onde você está, Sevie? Por que não veio me ver até agora? – suspirou baixinho olhando para uma foto, até então, escondida em seu livro Les Chambres du cœur, de Anaïs Nin.
Como se tivesse ouvido o seu chamado, dias depois, em uma manhã ensolarada de Paris, Narcissa, prestou atenção no canto dos pássaros. Principalmente, no fato de que alguns pareciam estar bastante alterados, como se estivessem envolvidos em uma briga.
Ficando na ponta dos pés, para tentar ver o que ocorria, respirou fundo o ar do crepúsculo. Gostava daqueles pequenos instantes de solidão em seu quarto, longe das responsabilidades, das críticas, dos tormentos... distante dos pais e dos constantes atritos familiares, que lhe eram noticiados por Andromeda e Bellatrix, quase diariamente. Irrefutavelmente, sua vida estava melhor desde que se afastara de tudo e de todos os que deixavam os seus dias escuros e pesados.
Seus bons pensamentos e ponderações foram, abruptamente, interrompidos ao ter de desviar de Orestes que entrava às pressas por sua janela. Ainda um pouco assustada pelo desespero da coruja, que era perseguida por uma espécie falcão-peregrino, fechou os vidros rapidamente.
Tentando controlar a respiração, para abrandar o sobressalto e acalmar o palpitar acelerado do coração, Narcissa encarou o animal certa de que ele havia sido o causador do alvoroço que escutara. O lado positivo daquela chegada tão agitada era que, Snape, lhe enviara uma carta... não havia a esquecido desde a última vez em que se viram.
Queria acreditar que, embora o mundo dele estivesse mudando, ainda fosse possível notar que estavam lado a lado. Suas essências permaneceram as mesmas, com o passar dos anos, e isso apenas confirmava o que não podiam escapar dos laços fortes que sempre os trançaram tão intensamente.
- Por que você é tão mal-humorado, Orestes? Olha a luta em que você se envolveu! Aquele falcão arrancou várias das suas penas e por qual razão? Pode me dizer, sua coruja encrenqueira?! Eu queria entender como um animal tão bonito e fantástico pode agir assim... – comentou acariciando as penas.
Retirando o pergaminho da pata, com cuidado, Narcissa escutou Orestes chirriar para ela, como se estivesse lhe relatando alguma coisa. Parando para prestar atenção nas queixas da coruja, foi desenrolando à carta, para deixá-la sobre a mesa. Leria depois...
- Sei que você é bonzinho e que todos foram cruéis com você. Eu lhe darei o biscoito, Orestes. Só tenha um pouco de paciência, pois tenho que pegar água para lhe dar também – garantiu, saindo do quarto, para apanhar as duas pequenas vasilhas e entregar à coruja.
- Pronto... querido! Agora, eu vou ler o que o seu dono me escreveu e, você, se alimenta. Poderia me aguardar um pouco? Gostaria de enviar a resposta, sem depender da Berw para que isso ocorra – comentou recebendo um novo chirriar em resposta.
Narcissa,
Como estão os seus estudos? AAcadémie de Magie Beauxbâtons aceita mulheres inteligentes ou o único interesse dos franceses é a beleza efêmera? Certamente, aberrações iguais a mim não seriam bem-vindas em meio aos que se dizem símbolos da perfeição. Creio que meu lugar seria algo bastante próximo ao Durmstrang Institut för Magisk, não acha? Homens cheios de parasitas na cabeça e buracos negros ao invés de olhos... o mundo sombrio e nada bonito.
Contudo, interrompo esse assunto estranho que iniciei para dizer que sonho todas as noites com você. Espero que essas palavras não sejam uma nova ilusão e que, neste momento, esteja lendo o que eu digo. Eu, sinceramente, sinto a sua falta desde a última vez em que conversamos.
Ainda lembro da sua empolgação em me contar o quanto estava empenhada na criação de óleos e essências. Sua cabecinha perfeita e brilhante estava cheia de ideias extraordinárias e muito promissoras... por isso, agora estou curioso quanto ao andamento de seus projetos, especialmente, em atestar que não desistiu do que planejava.
Não esqueça do quanto é extremamente talentosa, mesmo que a senhora Druella Black insista em lhe afirmar o contrário, ao adjetivá-la como fraca ou incapaz... você está muito além de tais definições torpes e repressoras.
Na minha nem um pouco humilde opinião, você é uma navalha afiada, uma adaga de prata banhada em veneno desconhecido, uma força da natureza inexplicável e, acima de tudo, uma menina teimosa e dedicada. Você é especial e deve seguir os seus sonhos, mesmo que eles ainda lhe pareçam impossíveis de serem realizados. Em algum instante impreciso, tudo dará certo e você será coroada! Reconhecida por todo o seu talento inigualável.
Infelizmente, suas aptidões incontestáveis e habilidades incorrigíveis, devem ter sido notadas por toda a sua família. A maioria, inclusive, deve sentir profunda inveja de sua força ao se permitir ter sentimentos e, o pior, demonstrar fragilidade perante as incertezas cotidianas. Por isso, foi você que quase se tornou uma "filha de Rowena Ravenclaw" e não eles!
Já falei que eu sinto saudades? Se disse, repito... se não, estou enfatizando agora.
Minha linda Flor de Narciso, não tenha medo! Você é generosa, formidável, maldosamente inspiradora, engraçada, carinhosa e absurdamente inteligente. Na verdade, retifico o que acabei de comentar... você é cruelmente sábia e sagaz, minha impossível e graciosa criatura!
Continue sendo uma pessoa genuína e jamais renuncie ao que tanto deseja. Eu ficaria escandalizado com o desperdício e a crueldade a qual você atribuiria a si mesma. Não se machuque ou se martirize desse modo tão horrendo... e, sim, Andy me contou dos absurdos que os seus pais disseram.
Abraços,
Severus
Imediatamente, após concluir a leitura atenta, sua alegria se tornou contagiante. Pegando um pergaminho e a pena, embebida em nanquim no tinteiro, iniciou rapidamente à escrita de uma resposta. Como a portadora de um grande segredo, se via realizada ao refletir a respeito de cada palavra, cada detalhe em que Snape expressava toda a sua estima e afeição por ela.
Querido,
Não sei como iniciar essa carta... sinceramente, estou muito feliz que esteja tão preocupado com as minhas decisões e receios. Acredite, suas palavras encheram o meu coração de esperança e vontade de nunca mais abandonar nada do que eu almejo.
Também sinto muita saudade de você, das nossas conversas, dos nossos passeios e de como os nossos dias eram tranquilos. Lembrar de você, é recordar de lugares e situações que sempre me trouxeram uma sensação de estar em casa.
Sevie, eu não sei definir... mas, não lhe parece que há sempre algo secreto, intenso, proibido e único entre nós? Um entendimento mudo que se fortifica, violentamente, com naturalidade? Algo surpreendente que faz com que as frases falhem e minhas ideias não consigam decifrar tamanho enigma.
Quanto as minhas pesquisas, na verdade, eu as deixei de lado por não localizar alguns materiais que ainda faltam. Não há como dar continuidade sem as ferramentas e os insumos. Não preciso lhe explicar, pois você compreende muito bem o que isso significa para uma investigação científica séria.
Terei de esperar duas semanas para que a Académie de Magie Beauxbâtons consiga todas as matérias-primas e equipamentos que eu solicitei. No entanto, em meio a tais incertezas, tenho uma ótima novidade para lhe relatar... uma perfumaria se interessou pelo meu projeto!
Sim, creia no que eu lhe digo, homem! A Parfumerie Belles Sorcières quer me contratar como perfumista e pesquisadora para a criação de novos aromas para a marca. Estou, realmente, muito feliz!
Prometo, com todo o meu coração, que logo nos veremos!
Siga forte e sendo sublime em tudo o que faz, meu lindo Prince de meio sangue e único Príncipe das Poções. Porque eu também acredito muito no seu futuro brilhante e que, você, será melhor do que todos aqueles que o desmerecem nesse instante.
Com muito amor e saudades, da sempre sua,
Flor de Narciso
PS: Pare de ser tão ridiculamente dramático quando quer chamar a minha atenção. O conheço o suficiente, senhor Severus Snape, para estar mais do que ciente de que não é esse doce que sofre tanto. Além disso, o Durmstrang Institut för Magisk, não tem histórico de aceitar idiotas iguais a você. Lá estudou, ninguém menos do que Gellert Grindelwald, o maior bruxo que já existiu depois de Merlin! Você ainda tem muito o que aprender para chegar ao mesmo nível que ele, amor...
Snape sorriu com aquela carta animada. Narcissa estava feliz e isso bastava para que os seus dias se tornassem menos conturbados. Logo, voltariam a se ver quase que diariamente e, tudo, se ficaria ainda mais forte e intenso do que já era.
A questão era que ele já se encontrava totalmente hipnotizado e perdido. Pequenas nuances, expressões mais simples e sinceras que surgiam, se expondo tão abertamente, no rosto daquela moça de cabelos solares. Detalhes que iam sendo redescobertos ou notados com mais exatidão, diante das novas afinidades ou das constatações do quanto poderiam se completar nas mais diversas situações ou assuntos.
Claramente, a distância os aproximou, ao possibilitar que traduções não se perdessem em minúcias vãs ou divergências... uma relação, perceptivelmente, muito mais estranha e clara do que qualquer obra de ficção era o que os representava. Juntos eram uma soma de duas partes complexas e distintas. Unidos, como símbolos abstratos, formavam um todo inabalável e nem um pouco fugaz.
Tanto que, era capaz de escutar a voz dela em prece, como se os ventos soprassem em seus ouvidos o som das palavras. Eram doces, serenas e esperançosas, como Narcissa sempre demonstrara ser... como Snape a enxergava em cada pensamento ou sonho.
- Que a estrela se abra à sua frente. Que o vento sopre levemente às suas costas. Que o sol brilhe morno e suave em sua face. Que a chuva caia de mansinho em seus campos... E, até que nos encontremos de novo, que Deus lhe guarde na palma de Suas mãos – naquele mesmo átimo de segundos, ela recitava baixinho uma oração celta da Lua Rosa, com uma fé inabalável.
Mabon a protegeria, como já fizera no dia de seu nascimento, lhe conduzindo pelo caminho mais correto ao destino tão sonhado. Só poderia confiar na sabedoria dessa deusa... ela era a única que lhe descortinaria os olhos quando surgisse a oportunidade almejada.
O sangue de Narcissa fervia docemente, tanto quanto o de Snape, ao constatar que um dos seus anseios mais profundos estava muito perto de se efetivar. Desfrutaria das chances, por menores que fossem, para vê-lo e o abraçar novamente.
Faltava tão pouco... menos de três dias para que, o único motivo que a levava para casa, se concretizasse. Estar perto dele a fazia considerar toda e qualquer cenário como válido e aceitável. Por mais duro ou cruel que fosse, o amava e suportaria todos os empecilhos que lhe seriam colocados.
Utilizaria o dinheiro que recebera da Parfumerie Belles Sorcières para sair, viajar, conhecer o mundo. Iria aonde quisesse... o Evanescet e o Videntur seriam vetores para se sentir livre, os condutores que lhe encaminhariam aos seus sonhos.
Chegando o momento aguardado, mal abandonando as malas, Narcissa girou no tempo e no espaço. Soberana como o vento, percebia a si mesma sem as amarras que a prendiam e as obrigações que a soterravam. Encontraria Snape e seria feliz.
Estava decidida a passar o dia ao lado dele, em qualquer lugar do mundo se fosse necessário, para se divertir, sorrir e viver violentamente os segundos em que estariam juntos. Essa era a vida que sonhava.
Foi com essas ilusões que seus pés tocaram o chão. Mal atingindo o local marcado, seus passos eram ansiosos e rápidos. Queria saber o que Snape consideraria da proposta que lhe seria feita.
Refletindo e medindo as palavras, Narcissa respirou fundo, se enchendo de coragem quando o viu. Acelerando mais suas passadas, se jogou nos braços do rapaz, o abraçando com todas as suas forças. Tentava expressar, naquele gesto, toda a falta e a mágoa que experimentara durante o tempo de separação.
- Sevie... quanto tempo! Eu... eu estou muito feliz que esteja aqui – sorriu abertamente com os olhos um pouco marejados pela emoção.
- Foi o que combinamos... eu jamais a deixaria esperando aqui ou desistiria de vê-la – respondeu a beijando na testa, igualmente animado, com o reencontro.
- O que você acha de viajarmos na próxima semana? – perguntou inesperadamente o deixando surpreso.
- Claro... ótimo! Eu adoraria. Porém, para onde iremos? – respondeu ainda surpreendido e curioso, sem entender a aflição dela ao fazer uma simples indagação.
- Roma, querido! – afirmou com o seu rosto se iluminando por conta da alegria.
- Certo... se todos os caminhos ao seu lado me levarão às ruas de Roma, eu arrumarei uma pequena mala. Farei tudo para melhor servir a minha duquesa Black – comentou, segurando o riso pela expressão de incômodo e descontentamento exposto ao ouvir aquele apelido.
- Você sabe que eu detesto quando me chama assim... – Narcissa cruzou os braços, se afastando um pouco, soltando um pequeno bufar inconformado.
- Cissy, eu não consigo ser muito agradável... é o meu defeito, confesso. Contudo, prometo não brincar mais desse jeito, se a deixa tão chateada – disse a puxando pela mão delicadamente.
- Está perdoado – sussurrou o encarando obliquamente.
Assim, passaram a manhã e a tarde envoltos às mais diversas conversas e assuntos mais sérios. Tinham muito a relatar e o tempo parecia correr mais depressa do que os ponteiros permitiriam normalmente. Ou era essa a sensação primorosa e ambígua, que se experimenta ao estar com alguém tão especial?
De qualquer modo, os dias foram passando, parecendo cada vez mais tranquilos e sonhadores. O universo se mostrava, conspirativamente, favorável as suas ambições e vontades mais ocultas. Não era como deveria ser?
A vida, agora, principiava um curioso estabelecimento de perspectivas leves, naquela semana tão aguardada. Com a impossibilidade do uso dos feitiços de Evanescet e Videntur para uma distância tão longa, foram diretamente comprar um Itinerantum para chegarem em Roma o mais rápido possível. Seria um processo rápido e indolor, depois de serem sugados por aquela espécie de cano luminoso e caleidoscópico... em segundos, chegariam nas proximidades da Via Appia Antica.
- Daqui fica mais fácil chegarmos na Lungotevere Raffaelo Sanzio, onde meus pais têm uma casa. Não é nada muito luxuoso, mas se trata de um bairro tradicional e muito bonito. Além de que, há uma bela visão do Rio Tibre – comentou, o segurando pela mão para, em milésimos, desaparecerem.
Olhando para a paisagem do Trastevere, Snape, comprovou que se tratava de um lugar bastante charmoso e sossegado. Com seus bares, lojas, cafés e trattorias, onde artistas se reuniam para pequenas apresentações, aparentava ser um ambiente bom para se viver. Estava em paz... como não se sentia há anos. Na verdade, sequer lembrava da última vez em que estivera tão sereno.
Certamente, a alegria de Narcissa o contagiava, com suas ondas e mensagens de amor indecifráveis. Talvez, estivesse manipulando os seus sentidos, dada a proximidade com a água... quanto mais próximos ao rio, mais a magia dela reverberava, como se vibrasse perante a vicinalidade do seu elemento regente.
- Cissy, qual é o nome daquela ponte? – questionou apontando com o queixo para o local, enquanto ajeitava com o ombro a mochila nas costas.
Não seria descortês em colocar a mala, que pertencia a ela, no chão para se arrumar. Aquele gesto seria mais do que o suficiente para que tudo ficasse bem e pudessem seguir com a pequena caminhada.
- Aquela é a Ponte Garibaldi e, mais adiante, você encontra a Ponte Cestio. Aqui temos muitos locais lindos para serem conhecidos, muitos que remetem ao Antigo Império, como sabe. Acredito que deve ter existido algum senador com o seu nome. Inclusive, pode ter auxiliado no incêndio de Roma... – riu abertamente, dando um pequeno empurrão em Snape, que revirava os olhos.
- Bem, podemos deixar as nossas bagagens em casa para visitarmos o Giancolo... ainda está cedo e será interessante. É uma colina fantástica! Embora não esteja entre as sete principais, tem uma vista fascinante – comentou o olhando com os olhos brilhantes de expectativa.
- Se você diz, eu acredito... podemos ir sim – disse dando de ombros com um falso desinteresse.
Seu coração pulsava forte, batendo descompassado como um tambor sem ritmo certo, ao chegarem à residência. Ao contrário do que Narcissa havia lhe relatado, o local simples, se tratava de uma mansão com 10 quartos e um exército de elfos à disposição do que desejassem.
Isso era algo que o deixava confuso... por mais que a conhecesse, jamais assimilava as suas perspectivas quanto aos espaços que a cercavam. Tampouco, o que diferia a simplicidade do luxo. Quanto mais convivia com ela, mais enigmática e singular se transformava. Nada era exato. Às vezes, desconfiava que Narcissa fazia isso, intencionalmente, para deixá-lo perdido. Entretanto, como afirmar com exatidão os seus pensamentos sempre secretos?
Após se alimentarem e deixarem os pertences sob os cuidados dos elfos, saíram pelas ruas sem uma direção exata. Apenas caminhavam de mãos dadas, observando as vitrines e os transeuntes que circulavam por ali.
Era um dia ameno, ensolarado, em que o vento fresco convidava para um passeio. As construções históricas, praças, igrejas, vias, os silêncios sendo rompidos por vozes altas e alegres, as crianças correndo livremente... tudo o deixava interessado e guiava os seus passos, como se os sons o regessem.
Olhando para Narcissa, pensou naqueles antigos romanos, atravessando mares e enfrentando tempestades. Abandonando suas vidas e seus sonhos, se entregando à água escura do mar para ampliar os limites do seu império. Guerreiros orgulhosos que, junto aos inigualáveis pensadores gregos, nunca deixaram de dominar o mundo e deixar os seus rastros em todos os lugares.
Observando tudo e prestando atenção à cada frase dita por ela, apenas atestava que a destruição de tamanha supremacia se deu pelo próprio brio e pretensão. Uma história bela e trágica, de ascensão e declínio, iniciada por Romulus e Remus ao serem alimentados pela loba. A potência que serviu de estrutura para as bases do catolicismo... por aceitar todos os deuses em seu Panteão.
- Dizem que aqui foi onde São Pedro foi martirizado e crucificado de ponta cabeça... pobre homem – apontou Narcissa para a Chiesa di San Pietro in Montorio, nas proximidades do Giancolo, lhe chamando a atenção.
- Não foi essa que você me disse que ocorriam muitos casamentos? Esses muggles só podem ser loucos ao decidirem se casar em um lugar como este! Um homem foi torturado aqui e as pessoas julgam que serão felizes em cima de desgraça?! Depois, nós somos os estranhos... – comentou com uma expressão de asco no rosto.
- Ora, Sevie... se pararmos de frequentar cada região, local, casa ou praia em que alguém foi morto, nós termos de deixar de existir. Caso tenha esquecido, a Europa já foi cenário de duas guerras horrendas! Bruxos e muggles lutaram lado a lado, houve mortes em todos os cantos e todos sofreram – o repreendeu seriamente.
- Se você não distingue as obviedades que estão diante de seus olhos, eu lhe explico que as pessoas são movidas pela fé. Seja para o bem ou para o mal, é o que as faz seguir em frente, por pior que as coisas estejam ao seu redor. Eu creio, sinceramente, que elas acreditam que estarão abençoadas aqui – continuou olhando para a construção de uma forma reflexiva.
- Sei... – bufou baixinho em discordância, porém não iria discutir com ela por tão pouco.
- Eu me casaria aqui... deixaria a minha família completamente escandalizada com a afronta. No entanto, eu não seria e primeira bruxa a transgredir às regras ao entrar em uma igreja. Não me vejo derretendo, tal qual, a Bruxa Má do Oeste – Narcissa disse com um sorriso sonhador avivando o seu rosto.
- Realmente, uma igreja parece um lugar bastante cômodo e pacífico para uma bruxa. Em segundos, uma horda apareceria com tochas e a amarrariam no primeiro tronco que encontrassem... em qualquer parte do mundo, esses animais a queimariam viva! – Snape ironizou.
- Você é muito grosso, Severus! Nem todos são ignorantes como os anormais com quem conviveu... e, agora, eu entendo com clareza toda a predileção do Lord das Trevas por você – disse indignada o empurrando para que se afastasse dela.
- Narcissa, você confia demais nessa gente! – Snape afirmou a olhando dentro dos olhos.
- O seu problema é levar tudo sempre muito a sério! Eu posso ter acabado de fazer um comentário infeliz, mas essa é a mais pura verdade. Você, realmente, crê que se os muggles soubessem da nossa existência não armariam planos de genocídio em massa? Podem ter lutado ao nosso lado nas guerras mundiais, porque não passam de interesseiros e oportunistas. No entanto, Narcissa, nós somos aqueles que continuam tendo de viver escondidos – reiterou, andando a passos largos atrás dela, para que fosse ouvido.
- Você sempre se enche de orgulho para se proclamar como o homem mais inteligente e sábio, mas não passa de um idiota que sempre arruma um modo de rir do que eu digo. Eu acho isso estúpido e desnecessário! Nunca eu ri dos seus planos ou desmereci os seus desejos – esbravejou apontando o dedo em direção a ele.
- Tudo bem, então... vamos recomeçar, certo? Você se casaria nessa igreja e, certamente, entraria com uma coroa dourada sobre a cabeça. Não apenas porque isso significa a realeza a qual os Black pertencem, como também, a ideia de halo. Você ingressaria ali ainda mais iluminada do que já é... desafiando a tudo como Morgana fez. Embora, eu acredito com sinceridade que você nasceu para ser a Lady of the Lake – comentou, seriamente, sem qualquer traço de ironia ou sarcasmo em sua voz.
- Exato! Todas as mulheres com o sangue dos Black se casam como rainhas, por isso, eu o faria sem refletir muito – enfatizou ainda um pouco contrariada.
- Eu li algo a respeito da existência de uma estátua do Giuseppe Garibaldi no alto da colina e que se tem uma visão esplendida de diversos bairros e da Basilica Sancti Petri... mais exatamente, da cúpula – falou, rapidamente, desviando o assunto para que Narcissa melhorasse o humor abalado.
- Veja só! Então, o príncipe decidiu tocar o céu com as mãos? Aproveite que tem o nome de um romano e ataque a cidade... mate a todos! Ou o grande futuro general tem medo dos canhões? – o indagou com um sorriso maldoso e sarcástico no rosto.
- Quem sabe, pode ser que eu inicie as minhas novas contravenções aqui, flor de Narciso – riu baixinho, notando que ela já estava um pouco mais tranquila, ao permitir que novamente segurasse a sua mão.
- Segure firme... assim chegamos ao lugar certo – disse o puxando para que fossem, rapidamente, para perto da estátua citada.
Realmente, a vista panorâmica era muito bonita e acabava lhes entregando uma atmosfera romântica, que o momento tanto exigia. Era mágico estar ali, tão próximos às nuvens sem tirar os pés do chão... com as mãos em volta da cintura de Narcissa, a abraçava apertado, parecendo ter medo de perdê-la a qualquer instante ou que tudo aquilo não passasse de um sonho.
Sem o medo de punição ou olhares de reprovação, Snape identificava o quanto estava feliz ao lado dela, mesmo que lutasse para que essa sensação não fosse tão clara. Faria qualquer coisa para que aquilo nunca terminasse... para que dias, iguais àquele, cercados pelo azul profundo e a imponência de todas as religiões, não findassem. Mas, como se estava preso às promessas e, quem sabe, feitiços de sangue? Sua vida estaria arruinada se nada pudesse ser rompido.
O tempo parou... no exato instante em que Narcissa se virou para beijá-lo. Com os dedos entrando em seus cabelos, a maneira como movimentava os lábios o enlouquecia, o levando a apertá-la ainda mais contra o seu corpo. Ela era doce e suspirava baixinho, a medida em que o seu corpo se aquecia pelo desejo, o acariciando com uma crescente voracidade.
Após o ar de fazer necessário, mantendo os braços entorno do seu pescoço, ficou por longos minutos o olhando sem dizer nada. O silêncio se tornou ainda mais tranquilo e confortável, quando Narcissa encostou o rosto em seu peito, se permitindo fechar os olhos e aproveitar o som das batidas do seu coração. Estar com ela, definitivamente, era ficar em paz...
- Creio que nós temos que almoçar – comentou um pouco tímida dada a exposição pública de afeto.
- Sua barriga fofa já está reclamando de fome? – Snape perguntou erguendo a sobrancelha direita, dando um sorriso.
- Um pouco... – respondeu olhando em direção ao restaurante para o qual iriam.
Para o almoço escolheram Cacio e Pepe e uma Bistecca alla fiorentina, acompanhados por duas taças de vinho, enquanto conversavam amenidades. Ainda encantados com o cenário maravilhoso que os cercava, ouviram os tiros de canhão que marcavam o meio-dia, vendo a fumaça se perder no ar. A vida deveria ser assim... poética e sem preocupações.
Ideias que foram confirmadas, após optarem por passar o restante da tarde visitando o Parco Savanello. Teriam outras oportunidades de ver o Colosseo e outros pontos turísticos... andando pelos jardins, com o frescor proporcionado pelas árvores, se sentiam em um verdadeiro oásis de calmaria.
Com os olfatos seduzidos pelos odores das laranjeiras, esqueceram das horas e de outros temas importantes... o universo poderia aguardar mais um pouco e deixar as suas urgências para outra ocasião. Principalmente, quando sentados, em um dos bancos, apreciavam o local e Narcissa deitava a cabeça em seu colo para olhar os raios solares que atravessavam insolentes o verde soberano.
- Seus pais sabem que nós estamos aqui? – perguntou, Snape, alisando os cabelos loiros da moça.
- Não... eu só contei para a Andy. Eu teria dito à Bella também, porém ela está muito envolvida com os cuidados da pequena Delph. Além de ocupar outra parte de seu tempo brigando com o Sirius que quer registrar a menina – ponderou tentando esconder a preocupação que a dominou.
- Sinceramente, eu não julgava que a minha irmã fosse se apegar tanto a um bebê. Embora, eu ache estranho o fato de que ela trata a filha como se fosse uma boneca viva – comentou, fechando os olhos ainda meditativa.
- Bella é surpreendente quando quer, Cissy. Contudo, se me permite dizer, creio que se sairá muito melhor do que ela como mãe. Essa é a minha mais sincera opinião – afirmou, olhando para o nada, com os seus pensamentos distantes formando a imagem de um menininho loiro com os olhos iguais aos dela.
- Obrigada! – disse alegremente o encarando, sem compreender exatamente por que Snape havia se distanciado tanto após aquela frase.
Nos dias seguintes, optaram por seguir viagem... Habsburgo, Paris, Glasglow e Amsterdam foram os destinos escolhidos, inicialmente. Eram felizes, até mais do que imaginavam ser possível, com tão pouco. Narcissa se fascinava em descobrir que, a cada dia passado ao lado de Snape, era uma aventura diferente.
Um lugar novo, um passeio de ônibus, um filme no cinema, parar na frente da vitrine de alguma loja para assistir televisão enquanto comiam sorvete, leituras compulsivas nas bibliotecas universitárias... fotos que não se mexiam, telefones e tantas outras coisas que, embora já tivesse visto em suas pequenas fugas, ainda a deixavam encantada.
Em outras palavras, estar com Snape era vagar pelo desconhecido e desvendar um mundo totalmente diferente. Uma espécie de ilusão repleta de possibilidades e novidades inenarráveis. Como não se jogar no abismo que a chamava o tempo inteiro?
Coincidentemente, ele se admirava ainda mais ao observá-la fazendo as coisas mais simples... com um semblante sempre sereno e parecendo estar constantemente iluminado por raios solares, seu olhar de fascínio ante tudo o deixava sem palavras. Ao contrário do que muitos pensavam, Narcissa era muito amável e tranquila, quando se tratava de pessoas a quem amava.
O seu maior mistério era esconder toda a sua docilidade e bondade, o tempo inteiro, por trás de uma máscara de arrogância e presunção sem limites. Na verdade, não passava de uma pessoa bastante tímida e difícil de se abrir para quem lhe fosse estranho. Ou, pior, que se mostrassem desagradáveis aos seus gostos graciosos de princesa.
Contrastando demasiadamente das irmãs... era uma moça alta, magra e delicada. Com seus longos cabelos loiros, como raios dourados de sol que cintilavam, traindo a sua atenção como o fogo chamando a mariposa, sua feminilidade se definia nos seus modos doces e corteses. Era uma espécie de luz ardente que, sem ter total domínio de sua força, definia qual era o centro da vida.
Sempre irresoluta, calma e leve, seus trejeitos eram suaves, dando sentido ao seu nome de flor. Principalmente, quando tocava nas coisas, como se estivesse dedilhando a mais bela canção, nas teclas de um piano.
Livre da lascívia e da crueza, quase perversa das Black, parecia ter sido feita a partir da estátua de alguma deusa grega. Entretanto, qual seria? Narcissa se apresentava terrivelmente corajosa e extremamente humana, na sua fragilidade e, sobretudo, na sua força ao retirar bravura de lugares desconhecidos para seguir em frente. Aquela que aparentemente era vulnerável, na prática, sempre fora uma gigante em suas certezas.
Nem Afrodite se comparava à beleza que atribuía a sua Flor de Narciso, tampouco, à sua ternura e sensualidade. Aquela moça era capaz de arrebatar o coração daqueles que a conhecessem e a observassem mais atentamente... porém, isso era um desafio dado apenas aos mais destemidos.
Era essa a verdade, Narcissa era devastadoramente graciosa e elegante. A flor devastadoramente frágil era a estrela mais brilhante em toda aquela constelação e galáxia infernal. Era única, profunda e inigualável... o que o fazia entrar em dilemas enormes e debates quanto à própria consciência ou motivações.
No que dependesse de sua vontade, ela permaneceria exatamente como a contemplava o tempo inteiro. Com seus traços inocentes e comportamentos incorruptíveis, continuaria sendo uma menina, mesmo que já tivesse 18 anos e os seus desejos já estivessem mais do que aflorados.
