O sol trouxe os primeiros vestígios do amanhecer, já havia se passado dois dias em que esteve com Narcissa e que sentira uma mudança se desenhando em sua vida. Murmurando divagações, saiu do quarto ainda com os cabelos molhados, com um meio sorriso no rosto. Mesmo que não existissem respostas aparentes, para as suas perguntas que se somavam, ainda tinha a sua vida e seus sonhos. Até os seus pixies criavam expectativas a respeito do que pretendia fazer.
Snape decidira que, após aquela noite, seria o seu próprio líder e que abandonaria o que, agora, parecia um amontoado de escombros. Respirando fundo, andou alguns passos até o forte e ficou olhando as ondas do mar... teria de voltar, mais uma vez, ao único lugar em que se sentia seguro e as coisas pareciam sempre se encaixar. Ali, os seus pensamentos, sempre mostravam ter algum sentido lógico... parecia que aquela casa sempre lia a sua mente.
O Spinners End assimilava os seus sonhos, suas conjecturações e os seus sentimentos mais sombrios. Era lá que o seu lado mais obscuro vivia e esperava os instantes em que poderia viver a sua vida... andando em círculos, independentemente do que os outros considerassem, era o seu ponto de equilíbrio.
Revendo as memórias, que lhe foram deixadas, parecia encontrar uma suavidade em meio a toda a sua evidente indiferença. O seu lugar no mundo, envolto em vapores e com sabor amargo, sustentava os seus dias e noites que pareciam iluminados pela Lua Minguante.
Mesmo que lhe fizesse mal, o gosto acre e a cor castanha, nunca o abandonara à margem dos acontecimentos que o cercavam. Era o seu forte, o que lhe restava, tudo que tinha e o complexo mecanismo que o corrompia. O desvirtuando, o descontrolando, o fazendo crescer, o ensinando... abrandando a sua constante necessidade de pertencimento, levando Snape a crer que tais sensações eram essenciais para a sua existência.
Queria ser a cópia perfeita, daquele homem que conhecera quando criança, ainda que tanto esforço o esgotasse e o fizessem, constantemente, questionar se tudo aquilo valeria à pena. O fato é que, as suas lembranças, eram outras. Sua vida divergia muito das memórias vistas na Pensieve ou daquelas que recebera quando criança... detalhes que sofreram mudanças profundas em sua mente.
Realmente, a maior resposta do universo era a de que, não poderia fazer nada. Por mais que quisesse modificar as coisas, para trazer aquela realidade à tona, não havia nada além do que aquilo em suas mãos. Como sonho na noite, a constatação de que coisa alguma fugiria da reorganização temporal, o desolava.
Mesmo que tudo se tornasse diferente, não permitiria que o Tempo lhe roubasse às recordações que mantinha sobre Hermione. Elas haviam sido a felicidade e a segunda chance de alguém. As conservaria intactas até segunda ordem... as preservaria, quem sabe, em algum canto do coração ou em uma sala escura e silenciosa. Qualquer lugar reservado para aqueles que não sabiam perder e abandonavam os seus amores adormecidos ao esquecimento. Mas, era o que queria? Se rompesse aquele elo tão forte, faria o que da sua vida?
Com o rosto afundado na Pensieve, suas dúvidas se amontoavam, obrigando Snape a ficar por um longo tempo analisando tudo o que via. Atento e sério, olhava cada uma daquelas recordações que lhe eram tão distantes. Passavam, por seus olhos, sorrisos, abraços, beijos e uma vida maravilhosa. Uma sagrada geometria de chances, em que as cartas suspeitas eram entregues com a promessa de felicidade.
As espadas de um soldado, o ouro para as artes, os paus para se defender na guerra... entretanto, as copas não representavam o seu coração. Aquilo fora um sonho que outro homem vivera. Era um valete se ajoelhando diante de uma rainha e lhe prometendo amor. Talvez, se tudo não tivesse começado de um modo tão confuso, a ilusão não fosse interrompida pela violência inexplicavelmente cruel.
Por mais que visse inúmeras vezes todo aquele horror, não assimilaria como Bellatrix fora capaz de torturar a própria filha até a morte... ou como Sirius conseguira ser tão irresponsável. Sua imprudência o mostrava como um completo incapaz de proteger Hermione. Ambos aparentavam estar muito longe daqueles inconsequentes estúpidos. Pelo menos, não as pessoas que ele conhecia. Ou estava enganado?
Por isso, cada detalhe, traço ou pormenor mais simples, era novamente examinado até a exaustão. Nada poderia escapar do alinhamento dos pontos, dentro de um quadro cronológico difícil, em que seus objetivos eram planejados com exaustão. Cuidadosamente, como sopros de vento entrando pela janela ou um soldado resguardado atrás das trincheiras, as variáveis eram estudadas com afinco.
Como o desgraçado, que amaldiçoa a própria sorte, notava que aquelas cenas já não o abalavam mais. Era uma espécie de meditação, por conta de número de vezes que teve de rever, investigar e revisitar tamanhos horrores vividos na outra realidade. Uma forma de se convencer a respeito de seus propósitos e reaver a sua certeza inabalável de que faria tudo para ajudá-la e a fazer reviver.
- Severus... pense, ainda pode escolher entre os dois caminhos. O que você decidir agora ou aquele que lhe foi mostrado há anos – sussurrou para si mesmo, ponderando quanto às razões que o impulsionavam.
Isso o fez divagar por horas sobre as suas atitudes e as crescentes incertezas... já começava a ser um homem de muitas faces e, logo, se esconderia por trás de uma máscara de ódio próprio. Entretanto, quantos o conheciam verdadeiramente? Quem eram aqueles que o julgavam, a partir do que não sabiam? Quando descobriria, às próprias custas, o alto preço que pagaria ao vagar perdido e sem direção certa? Questões, cada vez mais, inconfessáveis que se somavam aos arrependimentos e culpas, dia após dia.
Teria de reaver as cartas para si e voltar a distribuí-las... fechar os olhos e parar de se torturar tanto com o fato de ter perdido a virgindade com Narcissa. Ela era alguém ao qual não queria machucar ou que sofresse. Contudo, como uma lei oculta de atração, não conseguia se afastar dela ou de se deixar hipnotizar com a ideia de que sempre ficaria ao seu lado.
Quando se tratava desse assunto, tudo se apresentava mais complexo... era possível que a sua flor de Narciso fosse mais do que apenas uma amiga. Provavelmente, se tratasse do seu amor e o seu verdadeiro recomeço. Aquela a quem era incapaz de mentir ou de fazer promessas que fossem passageiras. Ainda mais, quando seriam impossíveis de quebrar diante daqueles olhos celestes, sempre tão cinzentos e intensos.
- Deixe de ter ilusões, Severus... ela não é e nunca será destinada a alguém como você – disse em voz baixa e triste, como se fizesse a mais dolorosa constatação de sua vida.
Olhando para o teto do quarto, observava que passaria mais uma noite em claro, acompanhado somente pelos pensamentos que o atormentavam sobre esse assunto. Sua consciência pesava e já se considerava o pior dos crápulas. Aquele era um dos raros momentos em que se via frágil, como a lágrima de uma estrela zangada... alguém que merecia, nada mais que, a solidão.
Gostava de Narcissa. Amava a sua fidelidade, a sua inteligência, a sua paciência imensa, os seus silêncios, a sua timidez que a deixava retraída, as suas palavras doces que o faziam meditar, a sua elevação de caráter constante e, principalmente, a sua capacidade de unir os opostos. Ela era a mais perfeita tradução da flor que lhe dava nome... e, usufruir de sua companhia e conversar por horas os mais diversos assuntos, o faziam continuamente feliz e lhe davam uma sensação de paz.
O problema era que, por mais fantástica e bonita que a considerasse ou não estivesse livre de qualquer sentimento por ela, Snape julgava que uma hora teria de colocar um fim naquela relação estranha que desenvolveram. Como esconderia a dor? Aquilo não era um mero arrependimento por não controlar os próprios impulsos sexuais. Era algo mais complexo... diante de Narcissa, se via como um completo incapaz. Um ser inapto de atitudes decentes e corretas para lidar com quem amava de um modo respeitoso ou gentil.
- Deixe disso... esqueça! Você não serve nem para ser o canalha do Heathcliff, seu completo inútil! Contudo, infelizmente, assimila muito bem o significado das palavras dele, quando diz: "Nunca lhe confessei abertamente o meu amor, mas se é verdade que os olhos falam, até um idiota teria percebido que eu estava perdidamente apaixonado" – pensou, ainda mais atordoado do que antes, encarando as sombras que se formavam com os primeiros raios de sol ao amanhecer.
Seus olhos negros crispavam um brilho intenso de dúvida e hesitação, ao mesmo tempo em que, continuava convicto de que apenas Hermione seria capaz de amá-lo do jeito que era. Foi garantido que assim era feito o seu verdadeiro e inesgotável amor... o restante era meramente ilusão que o afastava de sua única fonte de esperança. Aquilo lhe partia o coração e o deixava arrasado. Quanto mais procurava alternativas, se achava mais distante de soluções reais.
Se obrigaria a fazer daquela menina a representação de sua alma, o seu projeto de vida, o seu objetivo, o seu ar e nunca mais viveria longe dela. No entanto, temia estar abrindo mão da própria vida por conta de uma promessa remota. Respirando fundo, se levantou em silêncio, naquele que parecia o instante mais longo e duradouro de sua vida... o momento em que decidiria se aquela ideia não era só um combustível que servia para incendiar e lhe rasgar a alma.
Sua confusão se fundia em sua ilusão, o confrontando e o fazendo morrer... entretanto, por mais difícil e doloroso, era o necessário. Não teria posto cada segundo da linha temporal no lixo e visto os primeiros focos de incêndio, no mundo o qual pôs em chamas, se não fosse para cumprir a sua promessa. A teria novamente ao seu lado.
Não daria às costas para a sua tão calculada vingança, especialmente, depois que os primeiros passos já haviam sido dados. Delphini nascera, Bellatrix estava rendida a Voldemort, Narcissa se casaria com outro... que não seria Lucius, obviamente. Quanto ao seu plano, já havia demorado mais do que o previsto, porém, daquele ano não passaria. A condenação e o devorar de sua presa viriam como o golpe final. Depois, a vida, não era mais do que fragmentos das ruínas do tempo.
Como se os dias voassem, em um ritmo vertiginoso, os segundos, as horas e os dias, não passavam de ínfimos grãos de areia em uma imensa ampulheta invisível. Na sua mente, parecia que havia transcorrido meses insanos e intensamente obscuros, entretanto, sequer chegara perto do final de agosto... seus pensamentos, cada vez mais raivosos, eram abastecidos pela insuficiência de sangue e ferro.
A ira de Snape se dilatava, consumindo as suas entranhas, esgotando as suas forças a cada momento. Era o caos e o acaso estendendo os braços, acalentando a sua constante busca por um porto seguro em que pudesse se esconder e se abrigar.
Teria de ser forte e negar o quanto estava perdido e incerto quanto às suas atitudes e decisões. Mas, não se seguraria mais e seguiria em frente. Não se permitiria abater ou tentar olhar para trás... o melhor centro de treinamentos para Death Eaters, era o local em que nascera.
Olhando para o céu, o entardecer era deslumbrante, com os seus rastros vermelhos desafiando o azul... ao longe, nuvens carregadas se aproximavam, expondo que a chuva cairia chorando. Por qual razão jamais notara o fenecimento da luz para o nascer das trevas? Não havia ocorrido o mesmo com a sua alma? Será que algum dia teve uma? O que sabia era que, toda aquela água, lavaria as manchas deixadas pelo chão. Mesmo que, essas, se aprofundassem na alma e permanecessem cravadas nas memórias do temporal.
Snape se interrogava e pensava sobre tudo aquilo que tanto o preocupava, enquanto permanecia imóvel naquela esquina imunda, fétida e sórdida. A noite iria muito mais além daquela própria noite... quando suas motivações eram bastante claras. Ao encontrar Tobias, faria o acerto final de contas, para encerrar o argumento de uma vida inteira de sofrimentos que esse homem impôs a tantos inocentes.
A espera o deixava ansioso. Mordendo a ponta dos dedos, mastigava os pequenos pedaços de pele arrancados pelos dentes... não havia outro argumento, além da violência, que o parasse. Faltava muito pouco e não demoraria para que o pai cruzasse a rua, ao término de sua jornada de trabalho na carvoaria, se esgueirando dos pingos que já caiam do céu.
Se escondendo pelas sombras, Snape o seguiu de longe, atento a cada passo, gesto ou sorriso dado ao esbarrar com os amigos de bebedeira. Aquela era a ocasião a qual aguardara a vida inteira e não desistiria da sua intenção, principalmente, quando essa era um impulso para planos futuros.
Ao atacar Tobias, no beco escuro e sujo, no meio da tormenta, despejaria todo o ódio guardado por anos em seu peito. Não daria àquele homem uma morte digna e tranquila. Muito menos, o consideraria merecedor de um fim rápido... seria juiz e executor do seu maior carrasco. O faria sofrer por toda a dor que causara.
Eram tantas vidas e sonhos destruídos por aquelas mãos sujas, hostis e criminosas, que seria difícil perdoar. Deixando que o vento forte sacudisse os seus cabelos e o encorajasse a dar mais alguns passos à frente, Snape só conseguia enxergar o rosto de Tobias... imaginar os seus gritos de dor. Urrando como o monstro animalesco que sempre fora. Os golpes seriam desferidos, naquele que considerava um vagabundo, canalha, covarde e miserável.
Aquela verdadeira escória da humanidade que seria abatida, com socos e chutes... toda a raiva de Snape seria despejada sobre ele, mesmo que, não apagassem as lágrimas de Andromeda ou, o sofrimento e a humilhação, de Eileen. A morte era um preço muito baixo para pagar o valor da alta conta que devia.
Com essas imagens se formando na sua cabeça, acelerou os passos, quase correndo para alcançá-lo. Sem dar tempo de reação, Snape, emparelhou com Tobias e iniciou a agressão a socos sem pensar ao certo no que estava fazendo. Só sentia a ira crescendo em suas veias, seu sangue fervilhando... uma pancada atrás da outra, todas guiadas pela fúria insana que o cegava. O seu corpo começava a cansar.
Ao puxar a navalha de seu bolso traseiro e rasgar o rosto do pai, abandonara qualquer possibilidade de assumir a sua postura de bruxo e nem o mataria usando feitiços... aquele ser não lhe daria a passagem de ida para Azkaban. Faria melhor, pior do que tudo o que sofrera e não se arrependeria de experimentar a sensação de sangue respingando em sua face.
Rindo do gosto ferroso que penetrava em sua boca, suas feições transpareciam o mais puro sadismo e crueldade... sua mente perdera a noção do tempo e o seu único pensamento, quase que fixo, era a crescente felicidade que lhe aquecia o peito a cada nova agressão. Foi, então, que em meio ao seu transe, refletiu sobre todos os ensinamentos que recebera de Voldemort.
Ele, um dia, lhe dissera que os assassinatos nunca eram doces. Porém, com muito empenho, tinham grandes possibilidades de se transformarem em momentos divertidos para aqueles que os executavam. Era essa a resposta... o ardil ia o levando, sem que percebesse, envolvido em um vai e vem sem fim. O impulsionava a viver o que nunca pensara seriamente.
Quem nascera no lixo, como era o seu caso, tinha entranhado o conhecimento de que, crimes contra os marginalizados, não geravam comoção. Investigações, sequer eram cogitadas... era apenas mais um corpo estendido no chão.
No caso de Birmingham, a única preocupação era a de sobreviver em meio à violência, às apostas e a mais absoluta pobreza. Fosse financeira, ou a de espírito, a miséria era quem ditava as regras. Por que se preocupar com o outro?
Todas as histórias sempre se cercavam de segredos... muitos, se perdiam pela estrada ou pelo canal, quando a fuga era a única alternativa. Se meditasse um pouco, a crônica de seus dias naquela área, já havia sido carregada pelo vento para lugares remotos em que as vidas eram esquecidas.
- Saudades de mim, papai? – perguntou com a voz mais ríspida e grossa do que imaginara.
Era como um sonho ou uma viagem psicodélica, o modo como as cores e as luzes gravitavam diante de seus olhos. Seria tudo aquilo real? Se tratava de uma ilusão? Ou, quem sabe, o efeito de alguma droga alucinógena que experimentara antes de chegar ali?
Para todos os efeitos, não beberia mais chá de lírio antes de espairecer as suas ideias... muito menos, para entorpecer os seus sentidos e aliviar as suas dores. Aquela flor era, definitivamente, algo que só ampliava os sentimentos ruins e incentivava às péssimas ações. O próprio nome, já denunciava as suas pretensões soturnas. Roubaria a alma, ao se alimentar das lágrimas e do remorso alheio. Era a perdição, a entrada exclusiva para uma temporada sem fim no inferno.
Entretanto, agora, pouco importava para Snape as verdadeiras motivações que o levavam a ter intensas náuseas e vertigens. A flor da Tailândia seria usada depois, para comemorar o seu êxito na sua primeira grande tarefa... a qual atribuíra a si próprio.
Ainda observando o sangue brilhar cintilante, piscou os olhos algumas vezes, tentando retomar o foco. Naquele momento, tudo o que queria era continuar torturando Tobias e testemunhar a vida se esvaindo pelos cortes... porém, parecia muito mais difícil do que pensava.
- O que está fazendo aqui, maldita aberração? Está ficando louco? Eu posso esquartejar você com as minhas próprias mãos, se eu quiser... moleque magricelo de merda! Você pensa que é quem para brigar comigo?! – gritou dando um murro no queixo de Snape, que havia se ajoelhado para encará-lo.
Cambaleando, Tobias conseguiu se levantar completamente do chão. Passando a mão pelo rosto, atestou o quanto estava ferido, demonstrando não se importar. Era apenas mais uma marca... e não daria o gosto de ver o filho se alegrar, ainda mais, quando o afrontava e sentia ao vê-lo apenas repulsa.
Avançando contra ele, o fez rir alto como um louco, fazendo gestos para chamá-lo para a briga. Snape queria mais sangue, desejava o confronto, pretendia que um dos dois saísse morto dali... ansiava em ferir mais aquele homem que, por um engano do destino, era o seu pai. Queria que Tobias estrebuchasse no chão e que, o seu sangue, lavasse aquela calçada.
Cada segundo, que se arrastava, atiçava os seus mais sórdidos ímpetos. Sem pensar nos seus atos, avançou contra ele com a navalha em punho... foi tudo muito rápido, como um piscar de olhos, a sensação de sentir a faca atravessando a sua barriga mais de uma vez.
As lágrimas nublaram a visão de Snape... não teria a sua vingança e o seu sonho, mais íntimo, não se realizaria. Antes de se tornar um cadáver, não se deixaria abater e lutaria até o final. Levaria Tobias junto para onde quer que fosse. Era uma questão de honra.
Em um movimento rápido, impensado e totalmente por reflexo, como se esquecesse da dor que o atordoava, deixou que a navalha rasgasse a jugular. No segundo seguinte, Snape arrancou os olhos de Tobias, com uma impetuosidade assassina... uma sequência de flashes, se ajoelhou e permaneceu socando o rosto inerte até cair ao lado sem forças.
O pai já não respirava mais e o tempo havia parado após a sentença ser dada. Todos os horrores se encerravam ali. Se sentando no chão, Snape olhava para o nada, sem demonstrar qualquer reação.
Parecia estar em estado de choque. Seus pensamentos e a sua consciência se digladiavam... não assimilava ainda o quanto o seu rancor o levara ao limite. Sua humanidade havia sido abandonada quando assassinara Tobias com toques de crueldade. Quando se convertera naquele ser hediondo?
O silêncio e a retomada da sensatez, com relação às próprias ações, deixaram tudo ainda mais estranho e ambíguo. Parecia que, o tempo, voltara a correr com passos largos.
Como um bom selvagem, tal qual o descrito nos livros dos viajantes, se reconhecia apenas como um ser guiado por instintos. A dor e a aflição se convertia em uma corrida cega e sem rumo. Queria voar para longe, o mais distante que pudesse, e esquecer de tudo. Porém, os espasmos e o arfar desesperado de seus pulmões, o impediam.
Snape se sentia desorientado. O seu coração descompassado e oprimido pela culpa, o fazia recordar da emoção de fazer amor pela primeira vez. Era estranho, intenso, profundo e louco... as suas intenções ou sentimentos eram conflitantes. O medo de estar sendo seguido o obrigavam a tentar acelerar ainda mais os seus passos. O desespero era como um propulsor, uma droga que lhe injetava sopros esporádicos de vida nas oportunidades mais inexplicáveis e repentinas.
Tinha que parar e colocar as suas ideias em ordem. Se desejava tanto ser o general do Lord das Trevas, teria de jogar todo o arrependimento para os confins de sua mente e do seu espírito. Se orgulharia de seu ato, de como realizara uma execução sumária e impiedosa.
Sem testemunhas, uma prática de horror que traumatizaria as almas mais sensíveis e até os Aurors mais experientes... era o que precisava para ser o mais jovem a receber a Dark Mark em seu antebraço esquerdo. O que indicava a sua ambição de ir muito mais além do que um simples Death Eaters.
Queria mais e iria mais adiante. Nem todos os que vivenciaram, a plenitude de beber o elixir e respirar o poder perverso, saíram ilesos. Muitos se assustaram ao ver o destroçar da própria alma.
A partir daquele momento, em que cruzava a linha entre a vida e a morte, respirando o sopro e os vapores espectrais, se tornava livre. Todos os dias seriam um novo recomeço e um renascimento... não existia mais motivos para ter compaixão com aqueles que ousassem cruzar o seu caminho ou barrar os seus projetos. Nada mais iria o ferir e, muito menos, o fazer desistir do caminho tortuoso que trilharia rumo ao seu destino manifesto.
