Os dias voaram, mais rápidos do que o esperado, fazendo com que dezembro chegasse e, como um piscar de olhos, a semana do Natal e Ano Novo transcorresse coberta pela neve e envolta pelo frio gélido. Seriam horas difíceis e solitárias em que, o vento sonoramente uivante, rasgaria a alma e congelaria os ossos daqueles que ousassem o desafiar.
Momentos de solidão em que, o chicotear das árvores e dos cabelos rebeldes, seriam agente definidores de toda a hostilidade daquele inverno. Um belo palco para encenar toda a estética do frio e suas variações para quem desconhecesse...Hogwarts, Hogsmeade e todo o restante dos vilarejos bruxos, ou até mesmo os condados muggles, vivenciavam um cenário rigorosamente branco e lento do passar dos minutos.
O tempo se movimentava com passos vagarosos e displicentes. Tal como uma justaposição de eventos repetidos e desinteressantes, se somando um a um, o calendário parecia estar pausado.
Olhando para a rua, sem qualquer outra perspectiva, Snape apenas pensava na mesmice de vagar pelos corredores ou em como arranjar algum tipo de diversão para atravessar as horas mais tediosas. Tudo ao seu redor se expunha como uma obrigação, demasiadamente, cansativa.
Sua rotina se resumia a sair da cama para o banho, dali para o Great Hall e se alimentar, depois seguir para a biblioteca... se tornando quase como um ritual de sobrevivência em dias normais de recesso. Aquilo só servia para deixá-lo extremamente frustrado. Queria ter aulas, tarefas, leituras que o livrassem daquele cotidiano tortuoso e do nervosismo causado pela monotonia sem fim.
Definitivamente, estar naquele castelo não era vida. Respirando fundo, pensativo, encarou a paisagem monocromática e se viu capaz de narrar, detalhadamente, as suas tardes como um esquema intransponível e chato.
Foi assim que uma ideia transpôs a sua mente, de uma maneira sedutora e bastante persuasiva... se dedicaria a se aprofundar ainda nas áreas que os antigos mestres e pensadores fundaram na gaia ciência. A transformaria em sua companheira mais fiel para aqueles dias.
Intensa, obscura e apaixonante, a alquimia o chamava e exigia o seu total empenho. O fazendo ser acompanhado por dias e noites pelos sábios, que já o considerava velhos amigos como Paracelsus, Galeno, Avicena, Dioscorides ou Trithemius. Depois, se possível, com a autorização de Slughorn, se esconderia no laboratório para testar as suas descobertas.
Seus conhecimentos e a sua procura eterna por ilustração se ampliariam e se multiplicariam com a práxis, elaborando uma consciência forte de que era quase um novo Viktor Frankenstein, na busca pelos homúnculos... um novo Prometheus. No entanto, após desafiar o tempo, seria coerente realizar uma correlação à própria humanidade?
Quem sabe seria Dracula provocando os medos e afrontando todas as gentes?
Aqueles que o consideravam incapaz de amar, sofreriam amargamente as consequências de seus atos... todos impuros e vulgares, em seus atos e suas palavras. De qualquer modo, sua imaginação decretava que aquele era o rumo certo para a sua existência.
Não voltaria atrás e absorveria goles generosos do Lago da Memória. Como filho da Terra e do Céu, a sapiência e a inspiração o fariam clarear as suas convicções.
Seus dias seriam somente a soma de suas ambições e o atestar da sua certeza de que, essencialmente, todos possuem dentro de si a contradição entre Dr. Jekill e Mr. Hyde. Em síntese, de tudo o que conjecturava, o monstro era tão comente um reflexo de si e da confusão do próprio ser.
No meio do caos e da gritaria, dos poucos alunos que permaneceram em Hogwarts, o mais óbvio era verificar a sua desilusão ao confirmar que o tempo tudo destrói. O pior, era estar convicto de que existiam coisas dolorosas, às quais jamais se alterariam.
Desejava, por um segundo que fosse, ter paz suficiente para se aproximar de Andromeda e conversar com ela. Especialmente, expressar o quanto ficara abalado com a punição a qual fora submetida.
Conhecia bem o desgraçado que abusou de sua amiga e o enojava imaginar todo o horror que ela sofrera nas mãos de um crápula. Porém, parecia quase impossível arranjar uma oportunidade descente e ir à Lestrange Manoir.
Aquela ansiedade ilógica e penosa pelo contato, quase impossível naqueles dias tão escuros, foi sanada por um golpe do destino. Assim que entrou no Common Room, com o olhar meio perdido, Snape viu uma coruja o aguardando com um convite para passar alguns dias naquela residência.
Era uma chance... ainda mais, depois que fora informado que Rodolphus e Lucius haviam se envolvido em uma briga por conta de Xadrez Bruxo. Uma questão idiota que os levou para o Saint Mungus com sérios ferimentos e uma série de explicações a serem dadas aos médicos.
O importante, para Snape, era que após arrumar as suas malas e ir o mais rápido que pudesse para lá, encontraria Andromeda sozinha e poderiam conversar tranquilamente. Como o esperado... foi assim que ocorreu.
Atravessando os portões e entrando na mansão, a encontrou absorta em suas leituras e pesquisas para decifrar um manuscrito rúnico que encontrara na biblioteca da casa. Decididamente, a ocasião perfeita após tantos desencontros.
- Andy? Com licença... eu acabei de chegar e agradeço muito pelo convite que me enviou – disse se aproximando, aos poucos, dela.
Deixando as malas perto da porta da sala, parou próximo à poltrona, com as mãos no bolso a olhando seriamente. Sem nada responder, com um convite mudo, ela fez um gesto para que se sentasse ao seu lado. Sabia que Snape queria conversar e estava extremamente ansioso por aquele momento... não lhe negaria àquela conversa.
- Eu posso ter um minuto da sua atenção? – perguntou em um tom aflito e repleto de expectativas não reveladas, por mais que tentasse controlar as suas próprias emoções.
Aceitando o convite e se ajeitando ao seu lado procurou agarra-lhe as mãos, para passar segurança e expor todo o apoio que queria destinar a ela há tanto tempo. Infelizmente, sempre lhe faltara coragem ou oportunidades e o tempo passara depressa demais... por que não tinha parado, pelo menos, um pouco?
- Claro... o que seria exatamente? Falta só um dia para o Natal e, eu creio, que esteja feliz em passar as festas aqui. Sei que queria estar com a senhora Prince, mas ela ainda está irredutível... infelizmente, não pude fazer muito mais – respondeu, com um ar interrogativo e um pouco triste, fechando o livro para focar o seu olhar no rosto dele.
Dando total atenção a Snape, Andromeda deitou o livro sobre os joelhos e esperou que desse seguimento ao que estava estabelecido ali, principalmente, quando a fisionomia dele revelava tons de preocupação e incerteza... era, de fato, uma postura que a colocava em uma posição de dúvida quanto às suas reais intenções.
- Eu imaginei que a minha mãe não iria querer me ver... contudo, o tema não é esse. Na verdade, eu queria aproveitar que o Lestrange não está aqui com você para questionar algo que eu considero muito importante – falou com um tom de seriedade, e pouca confiança se usava as frases certas, que o instante exigia.
- Andy, você permitiria que eu me apresente à Nymphadora como irmão dela? – indagou, contendo um pouco o suor de suas mãos causado pelo nervosismo.
Tinha a total consciência do quanto aquele assunto era delicado e que, Andromeda, não gostava de falar nada relacionado ao mesmo. Entretanto, necessitava de alguma conclusão que encerrasse a sua constante agonia.
- Sevie... você recebeu o convite para vir até a minha casa e, posteriormente, temos o casamento do Evan no próximo final de semana. Eu só não os apresentei antes, porque como sabe, meus pais não têm o conhecimento de que o Rods não é o pai dela – revelou, soltando a respiração ainda mais tristonha e pesada.
Com uma expressão séria e reflexiva, baixou os olhos, atenta às mãos firmes que apertavam as suas. Seus sentimentos eram complexos, densos, violentos... abordar aquilo trazia à tona um emaranhado de imagens confusas e descontínuas, conjuntamente à sensação de impotência absoluta.
Sempre vista e tida como a mais forte da tríade Black, ao ser atingida por uma maldição, apenas se viu assustada e machucada, incapaz de se defender. Lágrimas brotavam de seus olhos e queimavam como lavas, recuperando a dor compulsiva das frações de memória daquele dia de horror.
Em um impulso, como se retornasse de águas muito profundas e sombrias, oriundas de um lado bastante obscuro do oceano, Andromeda puxou as suas mãos das de Snape. Recolocando-as em cima do livro para retornar à leitura, previa que o assunto não cessaria.
Com a respiração ainda pesada, seus olhos firmaram nos gestos e no rosto dele por um longo tempo. Estava certa do quanto precisava desabafar e dizer o pouco que tanto queria saber.
- Creio que pressinta que não há muito a ser relatado quanto àquele dia maldito... – suspirou cansada e vencida, secando as lágrimas que lhe manchavam o rosto.
Por mais que amasse a filha e a visse como o seu pequeno raio de sol, recordar de como fora concebida era doloroso e insuportável. Só Andromeda poderia dizer o quanto era difícil pensar que, não era mais do que uma menina de 15 anos, quando se percebeu grávida e com medo do que os seus pais fariam quando descobrissem.
Sua magia foi forte o suficiente, para se centrar quase que inteiramente para protegê-la da insanidade e manter o seu bebê inocente a salvo. Porém, a mesma, havia sido insuficiente para a fazer esquecer de todo o horror vivenciado.
- Andy... não era para ter sido assim – afirmou, Snape, comovido com as lágrimas grossas que continuavam descendo pelo rosto dela.
A encarando, só conseguia pensar no quanto sempre a considerou como inatingível e testemunhar como a sua felicidade se esvaiu, ao ser violentada, o matava por dentro. Era algo que só servia para aumentar ainda mais o ódio que o consumia... mesmo que já tivesse assassinado o canalha que a machucou de forma tão vil, parecia que sua ira não se esgotava.
- Eu jamais me aliaria aos Death Eaters... quanto a isso, eu não me arrependo. Mesmo que a minha negativa tenha sido reprimida com a Ergo Imperium, nunca eu vou dar o sabor da vitória àquele porco! – um soluço alto e doloroso rompeu o silêncio das paredes de pedra.
Seu choro sentido e cheio de dor, chamou atenção até mesmo dos quadros que passaram a observá-la com preocupação. O sofrimento ecoava nos ouvidos e na alma de ambos... por mais que os motivos fossem diferentes, se somavam pelo fato de serem igualmente fortes e causados pela mesma pessoa.
- Minha tortura, Severus, foi a de transar com o primeiro muggle que eu encontrasse, para a minha absoluta desonra e desprestígio da minha família... aquele desgraçado se empenhou para que não fosse qualquer um. Ele planejou que fosse com o seu pai, para que eu me sentisse ainda mais suja e a sua mãe me odiasse – afirmou com as duas mãos no rosto.
Andromeda chorava bastante... trêmula, se sentindo fraca e frágil, foi abraçada por Snape. A apertando forte entre os braços, tentava acalmá-la, enquanto sua mente voava longe. Seu único sentimento era o ódio profundo por Tobias e, principalmente, por Voldemort.
Dois canalhas, degenerados, que a destruíram de um modo inexplicável e intenso. Muito mais do que pudesse confessar ou perceber... eles a haviam rasgado e roubado uma parte de sua alma. Era uma vítima, uma criança que teve os seus sonhos destroçados pela barbárie. Agora, ele percebia que a morte havia sido pouco para vingar tudo o que causaram à Andromeda.
- Não se culpe por nada! O responsável foi aquele desgraçado... eu o matei, Andromeda, e não me arrependo – garantiu com voz abafada por seus lábios estarem tocando os cabelos castanhos dela.
- Você corrompeu a sua alma por conta daquele... do seu pai. Você não deveria ter feito isso – falou com um fio de voz, ainda chorando, o abraçando mais forte.
- Não, minha alma continua a mesma... eu fiz justiça, Andy! Eu fiz isso por tudo o que aquele animal fez com a minha mãe e com você – afirmou com a voz decidida e rancorosa.
Ambos externavam toda a dor que sentiam da forma mais pura e sincera que encontravam no momento. Snape estava enfurecido ao ver o quanto ela ainda se condenava e se julgava uma aberração por não ter lutado mais. O silêncio infestou o ambiente com uma imensidão desconfortável.
Minutos transcorreram na quietude misteriosa e reticente, dos pensamentos desconexos e urgentes, até que fosse quebrada. Olhando para ele com os olhos inchados e sem lágrimas, Andromeda ficou alguns segundos o encarando, como se refletisse o que iria dizer.
- Sua pequena irmã, já está prestes a completar 5 anos e lembra você em algumas coisas... particularmente, no gênio tempestuoso e por ser um pequeno pixie com feições meigas – comentou se afastando um pouco.
Retornando à sua postura aristocrática e altiva, abriu um sorriso contente com o emaranhado de lembranças felizes que começavam a surgir diante dos seus olhos. Mesmo que, fosse o resultado de um crime, ela era extremamente apegada àquele sorriso tão puro e cativante.
Nymphadora era uma chama que lhe dava vida e a impulsionada a cada instante. Fosse pelas risadas, as alterações de humor se refletindo na cor dos olhos e nos cabelos... era uma verdadeira princesinha nos gestos, nos atos e, especialmente, na doçura e na inocência.
- Sei que nunca lhe contei isso... mas, quando a minha Ninfa de Ouro nasceu, ela possuía os cabelos negros e, um dia depois, eles ficaram rosas. Seus olhos são azuis, puxando para o violeta, parecendo com os da Bella. Há ali uma intensidade e hermetismo profundos e intensos – o olhar de Andromeda brilhou vivamente ao descrever o rosto do seu bebê perfeito.
Na sua percepção, aquela criança se assemelhava a uma linda boneca de porcelana, com os seus cílios longos e a pele alva. A amava tanto que era difícil definir o quanto... na realidade, sequer assimilava a dimensão dos próprios sentimentos, quando não havia comparação à vastidão de tamanho afeto.
Nymphadora era, simplesmente, tudo! Vivaz, cheia de energia, atrapalhada e travessa, em seus primeiros passos já trouxe uma emoção à vida de quem a cercava. Podia, até mesmo, ser a luz tão sonhada pelos Black ao longo dos séculos... talvez, de fato e por direito, fosse.
- Eu estou convicto de que ela é belíssima e forte, igual a você – Snape disse com convicção.
Mesmo que, gradualmente, as suas memórias fossem modificadas e apagadas, pelo reajuste na linha do tempo, aquela era uma das recordações mais fortes que possuía... nada a faria sumir dos seus pensamentos. A sua encantadora Cara de Pato era importante demais para desaparecer da sua mente e não fazer parte da sua vida.
Definitivamente, era uma pessoa a qual amava e que já se infiltrara no seu coração, sem sequer ser notada. Na Pensieve, que a verdade seja dita, contemplou que a menininha era muito mais do que a sua meio irmã. Nymphadora era muito mais do que isso... era uma espécie de filha que o obrigava a descobrir o melhor de si mesmo. Isso apenas pelo simples fato de ser alguém tão adorável, pelo qual faria tudo para que se mantivesse sempre segura e feliz.
Snape, percebendo que Andromeda se distanciava ainda mais, notou que seria igualmente questionado, antes que pudesse subir para o andar superior da casa. Já sentia que o tema era, certamente, assuntos que não queria ter que abordar tão cedo.
Mesmo que não admitisse ou declarasse abertamente, se via extremamente desconfortável ao ter de falar sobre as suas conturbadas relações. Ainda mais, quando sequer era capaz de definir a real amplitude delas em sua vida e as consequências futuras que teriam as mesmas.
Tais ligações afetivas, formavam um complicado e complexo enredo, gerando dores de cabeça e obstáculos que, na sua visão, acarretaria uma absoluta tragédia. Dúvidas, indecisões, incertezas... uma perda de foco, talvez, em que os sons do silêncio ecoavam o tambor de seu coração. Mediante o compasso dos segundos e os caminhos da tempestade que se aproximava em seu horizonte.
- Minha vez... e o senhor Snape poderá subir para conhecer a sua irmã. Me diga se pode me relatar quais são as suas reais intenções com as minhas duas irmãs? – interrogou o encarando com um sorriso meio malicioso e duro, por conta da atenção que lhe reservava.
Assimilava o quanto aquilo o deixava inquieto e o perturbava, por isso, não via qualquer impedimento ou objeção em que provocar com tal questionamento. Ainda mais, quando essa vinha carregada de farpas subliminares. Gostava muito de Snape. Contudo, adorava muito mais a ideia de o deixar irritado nas raras chances que surgiam. Era algo que a divertia demais.
- Cissy é a minha melhor amiga, como já deve muitas vezes ter observado. Quanto à Bella, eu nunca tive absolutamente nada com ela. Você sabe como age a sua irmã e, certamente, ela deve ter espalhado algumas coisas para fazer ciúmes ao Pulguento de quem está noiva – respondeu impaciente e quieto.
Encarando a lareira, para evitar o olhar fixo de Andromeda, investigava a própria mente em busca de desculpas para se esquivar das perguntas e se preservar, dando algumas respostas ainda mais vagas. Odiava admitir que não era capaz de se defender das demandas indesejáveis e, extremamente, inoportunas dela. Sobretudo, no instante em que permitia que o envolvesse em sua mansidão sempre ardilosa.
Resumidamente, ela era muito apta e perspicaz na arte de capturar os detalhes que nem o próprio Snape podia perceber. Ainda mais, quando se tratava de problemas que rondavam somente o seu espírito e o seu coração.
- Entendo... a Cissy, sua melhor amiga, viajou com você para Roma e outros lugares por 15 dias. Depois, vocês passaram uma madrugada inteira no Spinner's End e ela veio, às escondidas, para a minha casa... ou melhor, chegou às 3h da manhã toda dolorida. Posso saber o porquê? Pois, bater nela, eu sei que você não seria capaz – seguiu com o olhar interrogativo e acusatório para o amigo.
Analisando Snape, friamente, atestava cada particularidade nas suas expressões ou mudanças no semblante e no gestual. Se encontrava muito próxima da descoberta que desfaria as suas desconfianças alimentadas por meses. A verdade era que, Andromeda, estava mais do que decidida de que, daquele dia não iria passar a resolução da sua curiosidade. Mesmo que tivesse de esganá-lo até arrancar uma confissão satisfatória, iria até o final.
- Em que ponto, exatamente, quer chegar com tanta enrolação? – perguntou com o cenho franzido de impaciência e falta de vontade em dar prosseguimento ao assunto.
O questionando, com um olhar tão carregado de significados e sentimentos exigentes, andava por um terreno bastante perigoso. Se o gênio de Snape explodisse, a revelação estaria totalmente perdida e seria em vão as tentativas alcançar a lisura dos fatos. Ao mesmo tempo, Andromeda era capaz de o estripar se as suas suspeitas fossem confirmadas... Narcissa era uma jovem delicada e romântica demais para merecer ser usada e, posteriormente, abandonada.
- Preciso mesmo afirmar? É sério, Severus? Eu a vi entrando na minha casa, disfarçadamente, e instruindo o Japeto para que não relatasse a quem quer que fosse onde estava – respirou fundo, segurando a sua revolta.
O encarando, massageava as têmporas, antes que se sentisse obrigada a amaldiçoá-lo eternamente por ser sonso e dissimulado. Na verdade, queria o estapear ou socá-lo até que assumisse sua responsabilidade e parasse de negar o óbvio. Diante do silêncio de Snape, Andromeda seguiu com as suas considerações, ficando aos poucos irritada com aquela postura defensiva que ele adotava.
- Minha linda e adorável irmã, esqueceu que aquele elfo me pertence e me conta qualquer segredo que eu deseje ser informada. Então, querido, se está tão tímido, só me responda sim ou não – enfatizou bufando um pouco.
A postura de ambos demonstrava uma rigidez absoluta, como se o ar não entrasse em seus pulmões. A tensão no ambiente era palpável e, os olhares que trocavam revelavam uma discussão calorosa e densa, beirando uma hostilidade perigosa entre eles.
A eclosão de uma briga era, meramente, uma questão de tempo. Qualquer palavra mal colocada, dada a animosidade do momento, seria como uma fagulha caindo próxima ao rastilho de pólvora que se estabelecera naquela sala.
- Sim... e foi mais de uma vez. Garanto que a Cissy não foi obrigada a nada e as coisas sucederam conforme todas as vontades que ela apresentou. É isso que quer saber? Eu jamais a machucaria – respondeu bufando baixo.
Snape, no fundo, estava se dando por vencido e temia ser assassinado por algum tipo de maldição desconhecida. Algo bastante típico das artes das trevas e das magias ocultas que rondavam os Black... porém, não deixaria transparecer o seu receio. Afrontando Andromeda, com uma expressão livre de sentimentos e um olhar vazio, voltou a fixar a sua atenção na lareira e o crepitar do fogo.
- Eu sempre soube que você era um canalha, Severus... o que mais me enoja é que eu gosto e tenho muita consideração por você! Peço que nunca destrua o coração da Cissy. Quanto à Bella, eu creio que não tiveram nada... a conheço muito bem para saber quando está mentindo e querendo contar alguma vantagem. Além de que, ela não se importa muito com essas questões do coração, tanto que a vida dela é aquele eterno vai e volta com o Sirius – sorriu abertamente, como se não houvesse acabado de fazer uma ameaça de morte.
Simultaneamente, os seus traços suaves e gentis, apontavam para uma crescente curiosidade e divertimento, relativos aos pensamentos a respeito do relacionamento de sua irmã com o primo. No seu entendimento, nunca deixaria de ser estranho... não pelo grau de parentesco próximo, mas, pelo modo fluído com que Bellatrix transitava de um namoro ao outro sem remorso algum.
- Severus, eu não estou brincando... se você magoar a Cissy, eu vou destruir a sua vida e você vai se arrepender amargamente do dia em que nos conheceu. Avisado? – afirmou, interrogativamente, com um novo tom de intimidação gentil.
Era como se estivesse comentando a variação do tempo ou que aquele inverno estava mais frio do que o anterior. Snape, a olhando atentamente, assentiu ainda absorto nas suas próprias considerações.
Incontestavelmente, se tal aviso viesse de qualquer outra pessoa, se protegeria imediatamente. Para, em algum momento mais oportuno, atacar. Contudo, estava preso ao profundo carinho e imensa admiração que sentia por Andromeda... sempre tão soturna, enigmática e perigosa.
Longe dos mais genuínos e autênticos traços físicos que a marcavam como uma mulher extremamente bonita e encantadora, sua admiração por ela estava nos detalhes mais densos. Seu olhar, quase sempre impenetrável, sempre o faziam ficar atento e envolvido.
Andromeda era forte, generosa, sagaz e com um coração tão grande que era capaz de salvar o mundo inteiro com o seu poder... quem sabe, sua incompreensível arte de iludir os mais imprudentes, fizesse jus ao seu nome. Como a princesa do mito que nomeava uma constelação ou uma galáxia inteira, ela era uma quebradora de correntes nata, uma força inexplicável da natureza que a tudo sobrevivia.
Nymphadora era a sua tradução, sem as obrigações e os medos, diferindo na inexplicável honradez e virtuosidade. Em outras palavras, quando crescesse, teria toda a pureza que sempre fora negada à mãe.
Por conta do que conversaram, Snape preferiu ficar mais alguns minutos sentado no sofá olhando para o nada. Andromeda, por sua vez, voltava a ler despreocupadamente. Seus pensamentos eram agitados e necessitava refletir sobre tudo o que havia sido exposto e a ênfase dada por ela com relação à Narcissa... lutaria para não machucar o seu coração gentil, pois não merecia qualquer rasgo de crueldade ou frieza.
Ela era uma flor e nada poderia abalar a sua vida perfeita... nem os seus próprios desejos e vontades. Refletindo tudo aquilo, Snape se via sempre conduzido a seguir os seus impulsos, as suas vontades mais particulares. Quando se tratava de Narcissa, qualquer rompante era motivo de arrependimentos violentos e arraigados.
Por um instante, teve a estranha sensação de que a amava e jamais se arrependeria de tê-la tornado sua... não era algo que sabia definir com exatidão, por não parecer com nada do que havia imaginado. Nada se enquadrava em suas ideias de afeto duradouro. No entanto, era algo comovente que exigia um imenso cuidado e uma fidelidade absoluta aos próprios sentimentos.
As suas incertezas, naquele ponto, pouco apontavam para os seus mais profundos temores... não poderia trair a promessa que havia feito a si mesmo e não existia meios que rompessem o elo que o ligava à Hermione. Definitivamente, se sentia um amaldiçoado e sem qualquer alternativa.
Passando as mãos nos próprios cabelos, sua mente fervilhava e suas considerações colidiam umas às outras. Queria que tais constatações não passassem de um cruel engano ou de uma armadilha do tempo. Entretanto, como poderia saber?
Foi ainda com tais ponderações confusas, contraditórias e complexas, que decidiu subir às escadas em silêncio. Finalmente, chegaria perto da pessoa que mais queria ver no mundo... com o coração acelerado, deu alguns passos apressados pelo corredor, até chegar à porta que estava aberta e observar a menina brincando despreocupada.
Como se a magia de sangue, tão utilizada pelas Black desde os tempos imemoriais, estivesse exercendo o seu domínio e força naquele momento, os dois imediatamente se reconheceram. Era uma experiência boa e acolhedora ter Nymphadora como parte de sua vida e sentir o seu cheirinho de criança.
Olhar o seu sorriso radiante, que trazia brilho às trevas internas de sua alma e, principalmente, ver em seu rosto infantil a confiança que já lhe depositava, o enchia de felicidades. Ela sequer o conhecia direito e, de imediato, dava um espaço para que a conhecesse. Era a alegria que precisava ter no meio de tanta confusão.
Seus dias seriam assim... perambulando com ela no colo, para todos os lados, dando completa atenção ao seu diálogo embolado de alguém que estava começando a deixar de ser um bebê. Para Snape, estar perto dela, fazia ter esperanças de que o seu futuro seria melhor do que o que planejara.
Querendo ou não, Nymphadora era o raiozinho de sol que o enchia expectativas e o levava a crer na existência de novas possibilidades no seu destino. Quem sabe essa era a realidade que tanto procurava?
