Caminhando apressadamente pelos corredores, Snape ignorava os sussurros dos quadros que comentavam quanto a sua inaptidão para executar uma tarefa tão simples. Porém, era difícil. Sua expectativa em relação ao que ocorreria, assim que atravessasse a porta e entrasse na sala de reuniões, o deixava ansioso e em dúvida sobre as decisões que tomara. Fazia sentido abandonar o que conquistara, reiniciando a sua vida praticamente do zero, para obter algo mais? Era complicado assimilar que todo o seu conhecimento, a medida em que crescia, o tornava mais ignorante em tantos pontos. Teria de reaprender e ordenar os pensamentos, para alcançar o cerne da questão... o detalhe que o salvaria do provável perigo que o aguardava.

Endurecendo os passos, ergueu a cabeça decidido, esqueceria as próprias indecisões antes que, as suas vontades, enfraquecessem as suas barreiras mentais. Sem se importar com o enorme grupo, que se aglomerava na entrada da porta, empurrou alguns jovens Death Eaters para que lhe dessem passagem.

Via naqueles novatos uma série de vermes de todos os gêneros. Jamais deixariam de ser soldados ordinários, que se sujariam de lama e de excremento, para proteger os que possuíam os melhores postos. E, tal insignificância, era notada pelas barreiras invisíveis que os impediam de ingressar no cômodo. Não era qualquer um que seria bem-vindo no espaço destinado ao ciclo mais íntimo, àqueles que realmente comandavam e sustentavam as decisões tomadas pelo Lord das Trevas.

Jogando a inquietação para recantos escuros de sua mente, com o olhar desfocado e sem brilho, aliviou a tensão esfregando as mãos dentro dos bolsos. Era uma questão de segundos, para entrar na sala e ter ciência de quem eram as vozes diversas e desconexas, que tratavam de múltiplos assuntos ao mesmo tempo.

Prestando atenção no que diziam, observou que os temas convergiam em um ponto comum... várias vítimas escaparam com ferimentos leves e denunciaram a invasão para o Ministério da Magia. Aurors se encontravam em todos os cantos caçando os responsáveis por aquele ataque e as casas de várias famílias de sangue puro foram invadidas nas buscas.

Os Knights of Walpurgis se mostravam revoltados com a audácia, contra os Sacred Twenty-Eight, fazendo pesadas acusações uns contra os outros. Realmente, aqueles tempos incertos, formando um cenário caótico que possibilitava a propagação de desejos indefinidos misturados à raiva ante o inevitável. De qualquer modo, estava convicto de que era o seu fim, quando nem ao menos tinha iniciado as práticas que imaginava... tudo dependia de Lucius ter ou não delatado a sua ausência.

Com o coração pulsando como se estivesse próximo aos tímpanos, encarou a todos com um semblante vazio e indiferente, como se fosse inocente das acusações que poderiam recair sobre seus ombros. Cada vez mais, estava certo de que, toda a sua arrogância e a sua eterna procura por adversários para competir, o levaram a matar o que verdadeiramente importava... porém, como a sua antiga confiança e a sua ânsia de autoafirmação o auxiliariam a se libertar dos horrores que impôs a si mesmo? Qual o caminho guiava à felicidade? Especialmente, naquele instante em que se enxergava sempre vagando com os braços vazios?

Sendo imediatamente avistado por Voldemort, Snape foi chamado para que se aproximasse e lhe contasse a respeito do que sucedera. Queria escutar quais eram as suas justificativas para tamanha vergonha em sua primeira grande missão. Respirando fundo e examinando, rapidamente, toda a situação que o circundava, refletiu um pouco. Verificando que, Lucius, se achava caído em um dos cantos, ensanguentado e inconsciente, ponderou se a melhor defesa seria o incriminar... contudo, tal atitude o transformaria em um covarde e isso o enojava profundamente. Não fugiria de suas responsabilidades e, como sempre fizera, assumiria os seus erros.

Baixando os olhos, mirando o chão fixamente, reverenciou o Lord das Trevas demoradamente. Carecia de um recurso que lhe desse alguns segundos para conjecturar todos os cenários prováveis e decidir qual se expunha como o menos sombrio... mas, era complicado. Isso o obrigou a se esforçar, ainda mais, para demonstrar o mais profundo comprometimento com a causa e ostentar o arrependimento por aquela imensa derrota.

Aparentando desconforto e pesar, antes de argumentar qualquer coisa para se proteger, permaneceu ajoelhado e imóvel. Não iria adquirir qualquer tipo de compaixão ou reconhecimento, ainda mais, quando Abraxas o acusava com uma veemência assustadora e, Eileen, se calava. O pior era reparar que, os seus amigos, sequer se encontravam ali para assessorá-lo ou socorrer, caso necessitasse de ajuda.

- Severus, achei que havia se perdido no caminho... o que me satisfaz é que, Lucius, cordialmente me informou das novidades associadas ao seu descuido. Como pode me desobedecer? Por que se considerou capaz de ignorar as minhas ordens e passar o comando para ele? – indagou o analisando, calmamente, com um sorriso diabólico emoldurando os seus lábios sádicos.

Tentava localizar qualquer esforço de fuga, para disfarçar as suas reais intenções e justificar a tortura a qual o submeteria, o prendendo na condição de exemplo para os demais. Se com Bellatrix atingiu os mais altos níveis de selvageria e loucura para puni-la, por sua rebeldia, qual razão o impedia de quebrar todos os ossos daquele que o desafiava?

Mesmo que tivesse lhe prometido o triunfo na guerra, não admitiria fracassos que impedissem o seu futuro reinado. Se Snape era um fraco, que pagasse por toda a sua incompetência... sobretudo, quando era insubmisso e não implorava por perdão. Postura que sustentava a sua fúria e fundamentava a sua decisão de aumentar os graus de tortura a qual o subordinaria. Ele se dobraria diante do sofrimento e gritaria por misericórdia. Contudo, o que enxergava era um comportamento firme, por pior que fosse a dor infligida.

- Milorde... Lucius cobiçava a chefia de uma missão como essa. Não suportava a ideia de que, como sangue puro, não fosse posto na condição de general mais próximo ao senhor. Eu supus que ele fosse capaz de comandar uma tarefa tão simples... já que sempre foi acostumado a espancar mulheres e crianças. Contudo, compreendo que foi uma insanidade confiar isso a um desqualificado e... – sem conseguir concluir as suas explicações, quanto ao que sucedera, a agonia lhe cortou o corpo como se um raio lhe atravessasse.

Se debatendo compulsivamente, pelos espasmos musculares e o mal que quase lhe arrancava a alma, bloqueou os gritos na sua garganta. Mordendo a boca para suportar o padecimento, em segundos, experimentou o gosto ferroso e quente do sangue se espalhar. Foram ininterruptas sessões de Tormentis, com os pensamentos obstruídos e relegados ao esquecimento passageiro, o fazendo ouvir o som de seus ossos quebrando um a um. Tudo ficou mais fácil quando a sua consciência se esvaiu e se distinguiu atirado na mais intensa escuridão.

Longos minutos se passaram até a retomada da lucidez. Com a claridade machucando a sua visão e o seu corpo destroçado, se ergueu desestabilizado e cambaleante para se unir aos demais. Escutando, como se fosse uma voz distante, as novas instruções que eram dadas e a renovação de alguns postos de comando, se conservou de pé como se nada tivesse ocorrido ou que sentisse qualquer dor. Precisava se mostrar imune a tudo aquilo, para se conservar em um posto respeitável sob a visão dos demais.

Por horas extensas, a madrugada se arrastou preenchida por planos e táticas para as próximas invasões aos vilarejos bruxos. Outros projetos eram traçados e, em algumas oportunidades, Voldemort solicitava a sua opinião quanto às propostas que eram feitas.

Os Death Eaters já se dividiam em grupos para as próximas operações, indo dos mais graduados aos iniciantes, como uma forma de facilitar os empreendimentos pretendidos. Um novo capítulo à tragédia que idealizara para aqueles que detestava... o problema é que feria, igualmente, os que lhe eram próximos.

Entristecido e sem esperar a manifestação de outras sugestões, após saber quais seriam as suas atribuições e a quem lideraria na próxima missão, saiu da residência alheio às redondezas e a quem o observava. Se achava aflito, extremamente machucado e atordoado, experimentando o gosto ferroso e forte de seu sangue escorrendo pela garganta. Os ferimentos eram muitos, lavando a sua roupa esfarrapada em várias partes, dando tons vermelhos vivos às sombras da noite.

Possivelmente, dada a agonia, muitos dos seus ossos estavam partidos ou triturados... mais até do que presumia e não atinava nem como era capaz de andar, ainda que, os seus passos fossem arrastados e penosos. Por minutos, perambulando lentamente, seu corpo e a sua mente imprudente o conduziam pelas ruas sem deixar rastros.

Com a noção de tempo completamente perdida, se sentou próximo a uma árvore frondosa e frutífera, vomitando todo o conteúdo que lhe restava no estômago. Um claro sinal de que, um novo ataque de pânico o acometia, roubando o ar de seus pulmões e gerando uma compulsão que fazia o seu coração parecer prestes a explodir.

Desesperado e sem ter perspectivas, Snape chorou, vendo que as suas forças o abandonavam e a sua visão turvava. Se deitando na grama, as suas esperanças se esvaiam em face da ausência de ternura. O seu sofrimento parecia nunca terminar... se tivesse se afastado do que o magoava, largando a própria raiva, talvez, os seus monstros não estivessem o devorando por dentro. Por que não reunia toda a sua coragem para guerrear contra o que tanto lhe desestabilizava?

Empenhado em secar as lágrimas, como se fossem ácidas e nocivas, a descrença apenas crescia. Não era a rocha inabalável, o aço que suportaria qualquer tormento e, muito menos, o homem incapaz de se abalar na presença de contrariedades e crueldades irreversíveis. Era humano e cheio de sentimentos, dúvidas, medos e incertezas, se destroçando aos poucos. Penando por conta da saudade, que lhe apertava o peito, e o convencimento de que perdera Narcissa, se considerava o mais miserável dos homens. Entretanto, como o amor sobreviveria em uma época tão torpe e o seu individualismo exacerbado?

Durante anos, lutara para se preservar o mais distante possível de tais fragilidades, no entanto, a fragrância de jasmim com rosas sempre o arrebataria. Um amor romântico mal resolvido, um sonho remoto, limpo e sincero, que acrescentava uma sensualidade doce e pura aos seus dias por piores que fossem. Um sentimento ao qual teria de aprender a sobreviver sem desfrutar. Como continuar longe daquela única criatura que, com o seu jeito frio e postura superior diante dos mortais, se apoderava dos seus sentidos? Será que os seus pixies estavam corretos e ainda existia uma chance de recuperar o tempo perdido?

Se ela desejasse, o manipularia ao seu bel-prazer, como se fosse um mísero fantoche. Porém, não era desse jeito. Narcissa era distinta, magnífica, uma nobre rainha que transcendia aos pequenos deslizes humanos. Em outras palavras, era a sua verdadeira soberana e símbolo maior de sua perdição.

Diante disso, o afastamento entre eles e as pequenas decepções que causaram, um ao outro, o mortificavam. O pior era recordar a proximidade da data em que o casamento com Lucius fora marcado. Nem todas as maldições existentes o corroíam tanto quanto aquele fato... morreria, se preciso fosse, para evitar tamanha catástrofe. Não deixaria que destruísse a própria vida daquela forma.

- Cissy... onde você está? – sussurrou, desgraçadamente, perdido.

Fechando os olhos e permitindo que a escuridão o abraçasse, mais uma vez, negou a si mesmo o direito de ver quem se apressava para o ajudar. Correndo, atormentada e chocada com o estado em que ele se encontrava, faria tudo para socorrê-lo. Não aceitaria que morresse.

O resto era silêncio, quando as árvores eram chicoteadas pelo vento oeste, envergando os galhos por conta da intensidade com que eram empurrados. Suas folhas, se desprendendo insolentes e impetuosas, voavam ao longo do espaço nebuloso como se fossem plumas desorientadas naquele estranho dia nascente. Eram tempos árduos, atribulados, que gradualmente se tornavam mais incompreensíveis.

Tal qual os segundos, que se somavam repentinamente se modificavam em horas, o ato de sobreviver se convertia em um constante gesto insurgente e infeliz. Confuso, complexo e contundente... mais um ciclo se fechava e o perigo rondava as esquinas, sem qualquer preocupação.

A morte e as constantes perdas, se esgueiravam por cantos escuros e abandonados, como uma fera sedenta por sangue e pela alma dos inocentes, que detectasse cruzando os seus caminhos. Horrores que se traduziam, nas páginas cinzentas e nas fotos, anunciando o medo que esmagava a população bruxa. Representando a inatividade do Ministério da Magia e a inercia que atingia a muitos... a apreensão paralisava e parecia que nada mais poderia ser feito para modificar a situação. Não existiam possibilidades ou alternativas no horizonte, restando apenas aceitar que o mal já imperava nos contornos e no centro da sociedade.

As reportagens de capa do Daily Prophet, cotidianamente, expunham mortes e desaparecimentos misteriosos, quedas de pontes, membros do alto escalão do Ministério sendo atirados das janelas do Parlamento Inglês ou de algum castelo pertencente à Coroa... como superar o horror que se instaurara dentro das residências? Havia maneiras de não optar pela reclusão e o contínuo isolamento?

O pânico de sair às ruas, de caminhar, de viver ou, simplesmente, existir, era ininterrupto. O clarão dos raios e dos relâmpagos cortavam o céu, evidenciando mais uma tempestade e um novo ataque dos Death Eaters. Um transcurso natural da saga de abusos contra inocentes.

No interior da casa, segurando firmemente a edição do jornal, Narcissa, andava de um lado ao outro. Angustiada, lia atentamente os parágrafos, como se analisasse e pesasse cada frase absorvida. Sua investigação visava localizar um indício qualquer ou o nome de um dos seus primos entre os mortos nos combates. O que a matava era a incerteza e a falta de informações exatas, atordoando os seus nervos e a deixando completamente abalada.

Já não bastava Snape quase ter sido assassinado, após ser cruelmente martirizado e passar dois dias convulsionando, ainda tentava discernir e processar toda a atrocidade a qual Bellatrix passara nas mãos de Voldemort. Por quase uma semana, viu a sua irmã inconsciente e quase definhando em cima de uma cama.

A simples lembrança de testemunhar o seu estado e constatar que, o seu rosto sempre vívido, se achava irreconhecível, a entristecia. Um soluço amargo cortou a sua garganta dolorosamente... chorando sem qualquer controle, sabia que jamais fora preparada para enfrentar uma atrocidade daquelas. Era incapaz de atinar como a sua família se afundara de tal modo, que permitisse algo tão indigno, acontecendo dentro das próprias paredes.

Enxugando as lágrimas, chocada pela infâmia a qual fora atirada por aqueles em quem confiava, pensou em Regulus e Evan. Ambos, mergulhados naquela vida detestável, pareciam seduzidos pela cobiça e a promessa de um poder vindouro. A mesma lascívia hedionda que desestruturou Snape e Bellatrix, quase os matando... todos não eram mais do que adolescentes mimados e perdidos, que mal demonstravam ter a real noção do significado de uma guerra.

Em nome do orgulho de seus familiares mais próximos, fingiam não se importar com o que observavam diante dos próprios olhos, muito menos, recordavam de quem verdadeiramente eram. Quem sabe, estivessem entorpecidos pela ambição? Como ainda insistiam naquilo? Era um caminho triste, incerto e escuro. Será que haviam comprado, tão facilmente, a tortuosa orientação que lhes fora proposta? Como alcançar as reais intenções de cada um?

Uma sucessão de eventos, que se somavam, prenunciava a concretização de uma antiga profecia... a simples suposição, de tal circunstância, lhe causou um arrepio longo. Abraçando o próprio corpo, Narcissa, afastou as más reflexões para ponderar todas as hipóteses que se anunciavam, sem ter qualquer certeza do que julgar como verídico.

O que ouvira, na mansão dos pais, quando fora com Sirius visitar Bellatrix, era trágico demais para que aceitasse como natural. Tudo estava desordenado e, todos, pareciam querer contar a sua versão do que se realizara. Enigmaticamente, nesse cenário confuso, Andromeda adotara uma postura soturna e reclusa, que a deixava assustada em frente à probabilidade de perder aquela que sempre a protegera do mundo.

Qual coisa escondia? Sem dúvida, temesse que algum segredo fosse descoberto... valeria a pena perguntar? A única convicção que mantinha era a de que se formaria em Farmacologia e que, algum dia, acabaria desmaiando por conta da exaustão que sentia reverberar por todo o seu corpo.

Experimentava o peso das noites mal dormidas sobre os seus ombros. O desassossego e a crescente ojeriza que vivenciava, desde que mentira ao dizer que se casaria com Lucius, se somavam e a sobrecarregavam insuportavelmente.

Sentia o ódio vibrando e a sua única vontade era a de reunir todos os seus pertences, fugindo para muito longe sem olhar para trás. Ansiava por desaparecer e se perder pelo mundo. Iniciando uma nova vida, conhecendo novos rostos e se dedicar ao que gostava, vivendo tranquilamente e sem enfrentar tantas cobranças. Ao fundo, o rádio tocava baixo uma série de músicas, as quais não identificava devido aos seus pensamentos distantes.

Guiando as suas silenciosas percepções, ao mesmo tempo em que mirava a janela embaçada pela respiração, os versos de How Deep Is Your Love começaram a reverberar em suas emoções. Snape sempre se encontraria, em uma posição chave, nas suas ilusões. Mesmo que fosse incapaz de amá-la ou, pelo menos, sentir um terço da afeição que sempre lhe devotara, Narcissa ainda se percebia irremediavelmente apaixonada e entregue.

Com o coração apertado, relembrava dos minutos que passaram juntos, instantes bonitos que se perderiam nas areias do tempo e teriam de ser totalmente esquecidos, para que pudesse seguir em frente. Mas, era isso o que almejava para si? O correto era encerrar uma história que não expunha qualquer sinal vindouro. O clima agitado e bravio refletia o seu estado de espírito... a vidraça úmida pelos pingos revoltos da chuva, que ali colidiam furiosamente, eram sinais das lágrimas da sua alma.

Dando um ar mais deprimente ao cenário que se emoldurava, o sempre triste, cinzento e ultrajante Spinner`s End não modificara em nada no decorrer dos anos em que vivera ou visitara a região. Os dias prosseguiam se configurando como representações da dor, da fome, da violência, do sofrimento, das humilhações e das inconstâncias, pelas quais os seus moradores eram constantemente submetidos.

Um espetáculo de profunda miséria e penar que sugava a vida e as esperanças, daqueles insurgentes que ousavam vagar por suas ruas destruídas pelo abandono, ostentando uma rara dignidade. Até mesmo o sol se vangloriava em negação, ao se esconder entre as nuvens, convertendo até as mais belas manhãs em uma assombrosa obscuridade e dureza encardida.

Como, aquela imensa massa de pessoas, suportavam tamanha opressão? Testemunhar aquelas crianças esfarrapadas, procurando por comida em latões de lixo, lhe rasgava o peito. A desolação era mais pesarosa do que os cortes causados pelas navalhas ou canivetes, orgulhosamente carregados pelos adolescentes e pelos adultos a cada esquina.

Analisando as conjunturas, com o olhar perdido, Narcissa considerou todas as coisas mais absurdas as quais vira Snape ser capaz de realizar e se questionou quais eram as razões que o levavam a insistir tanto em viver em Birmingham. Principalmente, quando aquele posicionamento era quase uma afronta a si mesmo. Simultaneamente, pressentia que havia algo mais... uma quietude que ocultava o desejo de suportar uma dor constante, de cortar a própria carne e expor as feridas como troféus. Quais eram os motivos? Inúmeras vezes, lhe dissera que coordenar os ataques àqueles que conceituava como traidores de sangue, fazia com que saboreasse uma sensação de completude absoluta e preenchesse o seu vazio. No entanto, escondia o estímulo para seguir rastejando em meio a tamanha imundície.

Sua cabeça doía, devido aos incontáveis receios e as desconfianças que surgiam. Silenciosamente, sua mente implorava por instantes de descanso. Massageando as têmporas, cogitou que ele estivesse preso às lembranças ruins que tanto o assombravam desde a infância. A cada ponderação ou conjecturação, que rondava as suas ideias, seus pensamentos se tornavam mais caóticos e ambíguos... incapazes de mostrar alternativas plausíveis que respondessem as suas múltiplas indagações.

Possivelmente, aquele contratempo e os abalos que sofrera ao longo das semanas, desequilibraram a sua magia elemental novamente. Detestava como a sua existência se assemelhava tanto a uma escultura de prata que vira quando criança. A figura de Niniane, ainda aterrorizava Narcissa, pela similaridade e a sua imensa capacidade de afugentar o clima estranho e envolvente que cercava aquele lugar perdido.

Deixando escapar um lamento baixo, se sentou no sofá e meditou um pouco, com o rosto apoiado nas mãos. Ignoraria os gemidos de Snape, que ecoavam pelas paredes do andar superior, por alguns minutos. Precisava daquele tempo para si. Sobretudo, quando sabia que ele estava bem e que, aquelas queixas, eram o resultado das dores em seus músculos e ferimentos em processo de cura.

Foi então que, um novo afogo a assolou, aumentando a aflição em seu peito... sentindo as paredes diminuindo e o ar rarefeito, se levantou decidida. Subindo as escadas, rapidamente, para chegar ao andar superior, atravessou o corredor frio com passos ansiosos e urgentes. Ignorava que a própria visão escurecia, pegando algumas peças de roupa, seguiu para o banheiro gélido pela ausência de calefação. Sua urgência se perdeu ao escutar o som da água caindo e se chocando contra o piso.

Se despindo, calmamente, como se desconsiderasse o ar frio que arrepiava os seus pelos, Narcissa, aquietava o seu coração afoito. A água quente lavaria o seu corpo, aliviaria a sua essência e tranquilizaria o seu espírito... uma imagem tão linda e reconfortante que diminuía a sua desgraça. Lentamente, se colocou debaixo do chuveiro, permitindo que novas lágrimas se perdessem em meio aos inúmeros pingos que caíam.

Ensaboando milímetro por milímetro de pele, aproveitando os momentos de paz que a acompanhavam no mais absoluto silêncio, respirou fundo. Plena, em longos minutos de tranquilidade, atritava os seus dedos no couro cabeludo e acariciava os próprios músculos com delicadeza. Pequenos gestos para atenuar os tormentos que restavam, como indícios invisíveis, impregnados em sua pele. Precisava se ver limpa, em vários aspectos e nos mais diversos significados, para se acalmar.

Abandonar todo o medo, experimentado no decorrer dos dias e noites anteriores, era primordial para a manutenção de sua sanidade. As cenas que presenciara a traumatizaria até o fim, quando o localizara caído no chão, inconsciente chamando pelo seu nome... como se fosse a sua única salvação.

Segundos, minutos, horas do mais completo e violento terror. Os cortes extensos e profundos se estendiam por todo o corpo de Snape. Arranhões pela face, ossos dos braços e costelas fraturadas, torções nos pulsos e nas pernas, as lesões internas que quase o levaram ao coma... nada se comparava com os pedaços da varinha quebrada cravados como estaca, rasgando e rompendo o abdome, preso ao ombro e ao antebraço direto. Uma monstruosidade que a chocou. Fora algo, gradativamente, refletido para adicionar toques mais efetivos à tortura implementada. A varinha destruída rompia a alma, os cacos de vidro, laceravam a laringe e o esôfago.

Retirados com cuidado, um a um, deixaram rastros que se destacariam no transcorrer dos anos. O mais importante, no seu entendimento, era que se conservaria vivo. Isso bastava para que, Narcissa, se sentisse mais leve e mais tranquila. Definitivamente, não era uma completa inapta, como alguns ainda insistiam em alegar, mesmo após todo o sucesso que a Elixirs estava fazendo em Hogsmeade.

Podia continuar não sendo vista como tão poderosa quanto as irmãs, mas conseguira sozinha curar todos aqueles ferimentos até beirar a esgotamento. Mesmo que, ela e Snape não fossem ficar mais juntos, não aceitaria perdê-lo. Não daquele modo tão bruto e injustificável. Ninguém merecia encontrar a morte no meio do nada, sozinho e agonizando.

O ar lhe faltou, a obrigando a se sentar no piso e abraçasse as próprias pernas para afastar o nervosismo que se aproximava. Fechando os olhos, puxou o ar com força para os seus pulmões, apreciando o último jato de água furtivo que a atingia. Se debruçando nas suas curvas, removendo a vertigem, antes de desligar o chuveiro e se enxugar, preferiu se demorar sem pesar a duração de seu gesto.

Se erguendo do chão, concluiu o banho e, em um breve segundo quase contemplativo, ao secar o seu corpo e os fios de seu cabelo, se concentrou nas novas ideias que lhe surgiam. Sua imaginação se evidenciava com toques mais alegres e serenos.

- Narcissa... Narcissa... – a voz distante e urgente a chamava, rouca e sôfrega, como se saísse de uma jornada exaustiva no deserto.

Aquele som profundo e desafortunado, quase um sussurro ressoava somente em sua cabeça, a retirou de suas reflexões. Um apelo desesperado e necessitado que a fez se apressar em colocar as roupas, organizadas à sua frente, para constatar se havia alguma emergência.

Se vestindo o mais rápido que pode, girou a varinha para ajustar aquelas roupas masculinas ao seu tamanho. Descalça e com o suéter cinza surrado, deu um meio sorriso, ao se encaminhar ao quarto. Estava satisfeita com a sua imagem refletida no espelho e com as suas esperanças renovadas.

- O que aconteceu, Severus? – perguntou, ainda no corredor, segundos antes de entrar no cômodo e verificar se ele se mantinha acamado e carecendo de sua ajuda.

Com um semblante mais pálido que o habitual e as olheiras profundas, o seu rosto magro assumia tons mais fúnebres e sombrios. A sua expressão era de alguém desnorteado e perplexo, avaliando todos os cantos do quarto em silêncio. Não compreendia como chegara em casa e temia que, de alguma forma, o seu esconderijo tivesse sido descoberto. Se fosse o caso, mataria o intruso com as próprias mãos e fugiria dali empenhado a localizar um novo refúgio.

Infinitas eram as hipóteses levantadas... cenários catastróficos e homicidas se desenhavam nas suas fantasias, até notar a presença de Narcissa o encarando séria e com os braços cruzados. Observando a repentina quietude que se estabelecera, olhando com uma espécie de vislumbre contemplativo, percebia que estava a deixando irritada. Ao mesmo tempo, tal fato, a enchia de coragem e confiança quanto ao que afirmaria.

Era o momento de sustentar a mentira e relatar quais eram os seus projetos, o obrigando a aceitar que deveriam resolver a situação em que se achavam ou finalizar aquela excruciante e contínua despedida. Suas negativas de firmar um relacionamento sério e, acima de tudo, aquela sucessão de eventos absurdos, a cansaram demasiadamente. Continuaria com a sua vida e pararia de se fazer presente, em todas às vezes que precisasse de auxílio.

A insatisfação de se ver sempre o colocando de pé e sendo estimada como uma espécie de bote salva-vidas, em meio ao oceano, a deixaram farta. Não queria mais bancar a tola e, muito menos, ser usada como um consolo permanente. No fundo, se culpava por, inconscientemente, lhe oferecer a certeza de que estaria ao seu lado sem impor restrições. Especialmente, em todas as chances que decidisse se atirar no breu absoluto, por acreditar que as suas mãos estariam dispostas a resgatá-lo.

- Como você me achou, Cissy? – questionou, com a voz mais áspera e grave, enquanto ela media a sua temperatura e examinava o estado das novas cicatrizes que se formavam.

Verificando as mãos grandes e os dedos longos, atestava que as marcas adquiridas após o padecimento, notava que as feições de Snape expunham o seu desconforto e a dor que se empenhava tanto em esconder. Discretamente, massageando a área próxima ao pescoço para aliviar o incômodo, ele sentia uma estranha sensação percorrer o seu corpo e lhe causar espasmos.

Seus músculos se contraíam como se estivessem prestes a se romper. A sua garganta ardia e o gosto ferroso de sangue se espalhava por sua boca... como brasas que lhe queimavam e facas cortando os seus nervos, o sofrimento crescia. A cada contrição, sua vontade era a de chorar, mas não podia. Estava convicto de que, se o fizesse, seria pior.

- Eu o encontrei na rua desmaiado... mais especificamente, em uma praça próximo a uma árvore. No entanto, peço que não se esforce para falar. Você teve lesões sérias na sua laringe e no seu esôfago, consequentemente, qualquer esforço vai causar novos sangramentos – comentou com uma falsa indiferença.

Se sentando ao seu lado na cama, Narcissa lhe alcançou um frasco de poção para aliviar os sintomas que se refletiam na sua expressão tão ferida. Persistindo em seu comportamento fechado, ponderava vertiginosamente nas diversas maneiras de reunir toda a sua força para declarar, em voz alta, a sua decisão. Se apegando aos seus propósitos para ter coragem e resistir, fortificou o seu empenho em amansar o próprio coração e a respiração que teimava em acelerar. Dizer adeus, a um dos seus maiores sonhos, era mais difícil do que imaginava.

- Severus, eu suponho que a nossa amizade deva se encerrar a partir de hoje. Pois, como já deve ter sido informado, meu casamento com o Lucius será em duas semanas... eu... eu não acho correto que essa história confusa, que nós temos, tenha continuidade – afirmou, mentindo com o rosto endurecido e quase impassível, como se não experimentasse qualquer sombra da dor que, naquele momento, partia o seu coração.

Interrompendo as próprias palavras, o encarou, ansiando perseverar em suas certezas. Queria acreditar que aquela era a decisão mais correta a tomar. Daquele dia em diante, abdicaria de qualquer contato. No entanto, a mera hipótese a torturava, muito mais do que imaginar que se sentiria completamente sozinha.

Atenta e experimentando a sensação de que ele quase invadia a sua alma, para assimilar o que acabara de ouvir, queria se convencer de que não existia qualquer possibilidade de voltar atrás. Não achava causas ou circunstâncias fortes para que declinasse. Snape teria que concordar. Era tempo de mudanças para ambos e nada do que alegasse refutaria o que escolhera.

- O que está me escondendo? Por que, simplesmente, parou de me escrever e sumiu da minha vida? – interrogou, unindo as sobrancelhas, como se desprezasse cada frase escutada.

Sua aparência estava mais fechada e soturna do que o normal, com um brilho intenso nos seus olhos faiscando em cima das próprias incertezas... a conhecia o suficiente para distinguir um mero morder de lábios ou qualquer movimento involuntário. A postura adotada por Narcissa lhe transmitia muito mais do que mil palavras ou reflexões que pudessem lhe ser declaradas.

Em resposta a sua indagação, veio uma taciturnidade, quase chorosa e inoportuna. O que, realmente, teria para lhe contar? Impetuosamente, ele se ergueu com alguma dificuldade. A segurando firme pelo braço, a puxou para que o encarasse, a obrigando a olhar dentro de seus olhos.

O impulso precipitado e impensado, gerou uma forte tontura, que os fez cair lado a lado. Firme em seu objetivo, enchendo os seus pulmões de ar, continuou detendo a probabilidade de qualquer afastamento. Descobriria qual era o problema que a afligia tanto. O coração dela acelerou perante tal ato.

- Me solte, Severus! Eu vou repetir, eu decidi me casar com o Lucius e nada vai me fazer reconsiderar... você deveria retornar à residência da sua mãe e me esquecer. É o melhor a ser feito depois de tudo o que houve entre nós. Eu não desapareci da sua vida... foi você que decidiu partir e sequer me perguntou se eu estava disposta ou não a lhe acompanhar. Não contente com isso, se envolveu com uma série de coisas abomináveis. Você presumia o quê? – falava, procurando justificativas plausíveis, o empurrando acusadoramente.

Utilizaria frases contundentes para que não restasse qualquer perspectiva de contraposição ou réplica ao seu ponto de vista. Não suportaria dar margem para que isso ocorresse. Paralelamente, seu peito parecia prestes a explodir por conta da proximidade e da saudade que sentia. Tão perto, o cheiro que a enfeitiçava e que derrubava as suas defesas, entrava em suas narinas sem pedir permissão.

Snape estava tão nervoso quanto ela, sem ser capaz de considerar como teria de agir. Mesmo que tentasse mascarar as emoções, era quase impossível... estranhamente indecifrável, similar ao mais raro sopro leve do luar, as fragrâncias de jasmim, de rosas, de ervas, de seiva e de suor, se misturavam com uma precisão jamais vista. Tal qual uma extraordinária e invulgar poção do amor, exclusivamente preparada para atraí-lo, a atração era mais forte que o juízo.

Ambos ficaram sem saber o que dizer, pelos mesmos motivos, segurando os seus impulsos para aumentar ainda mais a proximidade. Virando o rosto, na direção oposta, Narcissa se afastara um pouco. Queria recuperar o foco, senão cometeria o erro de beijá-lo e abandonar os seus planos. Não lutara tanto e tão bravamente, durante aqueles meses, para se deixar levar por um arroubo. Continuaria firme e forte.

- Eu não sei o que lhe contaram, porém eu não fiz nem a metade do que andam espalhando por aí... eu queria ter levado você comigo, contudo, eu não pude. Eu não posso crer que julgue aquele estúpido como apto a lhe fazer feliz! Lucius é um canalha que já lhe agrediu, mais de uma vez, e repetirá em todas as chances que encontrar. Aquele anormal não a ama. Você é inteligente e é impossível que esteja se enganando com a promessa de ser feliz encenando o papel de Lady Malfoy – asseverou, ansioso e desesperado, a agarrando pelos ombros com o olhar fixo e sem medir a própria força.

Tencionava que o ouvisse, desistisse daquele absurdo e percebesse o erro terrível que estava prestes a cometer. Seria um crime contra a própria existência, permitir que aquele homem a atacasse e a violasse, após o matrimônio. Ela se destruiria... por mais que tivesse se equivocado ou agido de um jeito desastrado, nunca a desrespeitaria ou a obrigaria a algo. Não consentiria que, um completo covarde, a ferisse.

Queria assassinar Lucius, com lentidão e crueldade, remediando todas as lágrimas que foram derramadas por sua culpa. O sangue e os gritos de dor, que intentou maltratá-la um dia, abrandariam toda a tristeza que lhe fora causada por anos. Embora, no seu entender, o martírio e a consequente morte, seriam muito pouco para restabelecer todo o mal que já havia causado. Na verdade, seria um prêmio para alguém tão vil deixar de existir e não pagar por seus delitos.

- Lucius, ao contrário de você, me assumiu. Em momento algum cogitou me trocar por alguém que cresceria debaixo do seu enorme nariz, me usando até que ela chegasse em uma idade aceitavelmente fodível para que a tornasse sua esposa. Ou você acha que eu não descobri toda a sua história envolvendo a amada imortal? A sua rainha Hermione... a minha própria sobrinha que sequer nasceu? A sua mãe me procurou na Elixirs e me relatou tudo! Eu nunca passei de uma prostituta de luxo que você usufruiu. Alguém que serviu como campo de treinamento para a sua preparação... pensou que eu jamais desvendaria toda essa merda? – Narcissa interrogou, raivosa, com rancor e violência na voz.

Não concordaria que lhe ordenasse qualquer coisa ou que a impedisse de empreender o que resolvera. Se desvencilhando de Snape, se retirou da cama, revoltada. Quem ele se julgava para lhe dizer o que fazer, principalmente, depois que a enganara? Com passos obstinados, saiu do quarto, batendo com a porta para não mais escutar a sua voz. Não havia mais argumentos e partiria definitivamente.

Sem se dar por vencido, apesar das dificuldades em se mover, ele se levantou e a seguiu. Inconformado e indignado, com o modo com que fora confrontado e abandonado, sem ter qualquer direito de se defender, tentou caminhar o mais depressa possível. Tinha motivos para não ter revelado aquele segredo antes... justamente, por imaginar que era exatamente aquilo que sucederia quando fosse informada de toda a verdade. Não se perdoaria que, por sua responsabilidade, a sua adorada flor de Narciso estivesse tão ofendida.

- Se você se dispusesse a falar comigo ou com a Andromeda, ao invés de guardar para si as informações dadas por aquela velha fofoqueira, nada disso estaria acontecendo. Eu estou tentando resolver toda essa merda, caso queira saber... porém, eu estou com as mãos atadas até que a menina nasça e eu possa desfazer o Unum. Sua irmã irá cooperar comigo, para que esse elo maldito seja destruído. Eu nunca a considerei uma cabeça oca ou uma puta, Narcissa! Jamais a usaria e me enfurece perceber que você me incrimine desse jeito – expos exigente, impositivo e ríspido, com um semblante decepcionado.

Assustado, com o tom de voz que utilizara para que parasse, a puxou para si. Queria dificultar a sua saída. Necessitava que ouvisse as suas explicações. Sua respiração estava acelerada e, os seus pensamentos, extremamente confusos e afoitos. Era impossível que ela estivesse imune a tudo aquilo... inaceitável que supusesse que, o que viveram, havia sido uma mentira.

Os momentos de tensão, quando se encararam, se arrastaram indefinidamente. Sem condições de compreender quais os termos corretos e mais assertivos que deveriam usar um com o outro, permaneceram novamente em silêncio. As palavras escasseavam e lhes faltava o ar. Os ânimos descompassados e perdidos denunciavam o nervosismo, a preocupação, que os assolava. Incapazes de encerrar algo que era infinito. A quietude se rompeu junto com a perda de paciência por parte dela.

- Você acha que eu também não fui comunicada de que procurou outras? – esbravejou, enfurecida pelo ciúme, o recriminando com o dedo em riste.

Meses guardando aquela perturbação e animosidade, causaram tamanha explosão de raiva. Em hipótese alguma imaginara que o odiaria tanto e com tamanha força. Havia a traído da pior forma e a negava. Alterada, em virtude daquela recusa e por se sentir enganada, o empurrou para longe. Perdendo o equilíbrio, Snape torceu o joelho para o lado e tombou. O baque, que acompanhou a queda, a assustou.

Com os nervos e o ânimo em chamas, destruída pelo o que acabara de fazer, se ajoelhou diante dele. O olhando com lágrimas nos olhos, pediu um silencioso perdão. Foi a sua vez, então, de o ver desviar o olhar para não a afrontar.

- Como é possível, Narcissa? Você deliberadamente está empenhada em me acusar de inúmeras coisas... você realmente confia que eu sou o único errado em toda essa infâmia? Há coisas que estão além das minhas forças ou dos meus desejos! Como eu poderia brigar contra uma praga que, até agora, está prestes a desgraçar toda a minha vida? Passou pela sua cabecinha bonita que eu não poderia a assumir como namorada? Que por mais que eu quisesse gritar, para o mundo inteiro, que sempre foi você? Eu me vi preso e impedido... – gritou, firme e segurou, desolado por constatar as distancias e ausências que, aos poucos, os separavam irreversivelmente.

Pretendia ficar longe para não a destroçar com frases duras e ácidas, relativas a tudo o que imaginava ou agir impulsivamente. O autoconhecimento era um dom que o assegurava evitar eventualidades ou ações dos outros, alicerçando a sua sanidade. Sobretudo, evitava que machucasse a quem amava. Contudo, o seu temperamento colérico e bruto, em vias de estourar, se expunha em seu rosto emburrado e ressentido. Refletindo, exasperado, com respeito a como poderia ter sido julgado tão mal, a olhava decepcionado.

Narcissa reagira às circunstâncias que a cercavam e o agredira fisicamente para extravasar a sua raiva... algo que nunca cogitara que, um dia, fosse possível. Ainda mais, quando esse ataque desmedido vinha de alguém que sempre considerara gentil e elegante, no modo de agir e se comportar. Se levantando e se aproximando dela, a segurou outra vez pelos ombros, fazendo com que encarasse e não o deixasse falando sozinho.

- Como eu poderia reivindicar você como minha, quando eu vivia em uma constante incerteza de como seria o meu futuro? Você supõe que eu não imaginei como seria fugir, ao seu lado, para muito longe? Porém, se o fizesse sem resolver a questão, aí sim seria uma tragédia para nós dois... eu escondi essa ligação com a Hermione para que você não sofresse. Eu me importo com os seus sentimentos o tempo inteiro e tive medo de a magoar – falou com a voz baixa, dolorosa e resignada, se apoiando na parede para se firmar.

Com o corpo rente ao dela, cheirava os fios bicolores com aroma de jasmim com rosas, a abraçando forte. Aquilo o tranquilizava, acalmando o seu coração, a tratando com todo o carinho possível. Ela era alguém que necessitava de gentileza e amor. A admirava com uma profundidade absurda, beirando a veneração incontestável, ainda que as suas considerações duras e hostis, ressoassem em seus ouvidos o desmontando impiedosamente. Não se enxergava como alguém que merecesse ser alvo daquele olhar tão cheio de dor que o açoitava.

- Eu apenas necessitava ouvir a verdade de você... mas, você deixou que me machucassem ao me fazer acreditar que eu não significava nada – desabafou, mirando os próprios pés, sem assimilar exatamente o que dizer.

Estava abalada, abandonando a sua postura sempre implacável e fria, dando lugar a fragilidade do desencanto. Era difícil agir quando as emoções se expunham, demasiadamente, afloradas e lhe doíam no coração. Fechando os olhos, devido ao toque, se questionou se o fazia pela delicadeza do gesto ou porque o amava.

- Acredite que eu me sinto o pior dos homens por não ter você, mulher impossível e teimosa. Quer que eu me ajoelhe e implore o seu perdão por ser um completo cretino? – perguntou, acariciando delicadamente o rosto, firmando o queixo para que continuasse o encarando.

Não suportava ser a origem de tamanha desilusão e tristeza. Sua alma era arrasada em cada traço de desapontamento, transparecendo nas feições de Narcissa, que chorava copiosamente. O agarrando, com força pela gola da camisa, o paralisava. Incapacitado de lidar com tão grande provação, somente seguiu a apertando entre os braços, a deixando aliviar as suas amarguras e os seus desconfortos. Em tempo algum, supôs ter outra que não fosse ela. Muito menos, a subordinaria a toda a sujeira com a qual se envolvera e se envergonhava. A desejava de muitas maneiras e intensidades. Aquilo era muito mais do que luxúria ou destino, era amor em seu estado mais puro e nítido.

- Isso não é mais relativo a você, Sevie... sempre foi sobre o quanto eu o quero – murmurou baixinho, o impedindo de ouvir as suas declarações ou entendesse os seus medos.