Retratação: Saint Seiya e seus personagens, infelizmente e como sempre, não me pertencem e sim ao maluco do Kurumada. As situações descritas nessa fic não têm o propósito de nada mais do que entreter. Os nomes Dunstan e Kyriacos não são meus, obviamente, mas eu os busquei, portanto, vamos dizer que eles tenham sido "emprestados" de seus donos e origem verdadeiros.

Agradecimentos: à Shakinha, Ilía-chan, Litha, Chibiusa, Faye, Crow (Ju, você me paga!), Patty, Persefone-san, Ana P., Eris, Ophiuchus no Shaina, Anne, à dona Arsínoe, que me fez corar até o último fio de cabelo (e olha que isso é difícil), por todos os comentários. Muito obrigada mesmo, gente! O capítulo veio mais rápido devido a isso...me empolguei bastante! Mais comentários e respostas às reviews, no meu livejournal, o endereço está no final do capítulo.

Título: Um Fio De Suspeita

Sumário: Kamus e Miro estão em lados opostos. O francês é o melhor promotor da cidade de Nova York, enquanto o grego é um advogado de defesa que nunca perdeu um caso. Entre os dois, existe apenas uma coisa: um assassinato. Yaoi, suspense, romance

Capítulo 1

Cinco meses depois, no mesmo Tribunal

— Os membros do Júri chegaram a um veredicto? –o Juiz perguntou, olhando na direção dos treze jurados que haviam acabado de voltar da sala de deliberação. Uma mulher de meia-idade e expressão suave levantou-se.

— Sim, chegamos. –respondeu, colocando alguns fios de cabelo para trás de uma das orelhas, enquanto segurava, com a outra mão, um papel contendo o destino do réu, que, de pé, ao lado de seu advogado, esperava pela decisão.

Um oficial de justiça pegou o papel da mão da jurada e levou-o até o Juiz, que leu o conteúdo, sem mostrar qualquer mudança em sua expressão diante do que havia escrito ali. Devolveu, então, o resultado ao mesmo rapaz.

— Estão certos de sua decisão? –perguntou, fitando os jurados e todos balançaram a cabeça em concordância. O Juiz voltou-se para o oficial de justiça. — Prossiga. –finalizou.

— No caso O Povo de Nova York versus Paul Bennett, na acusação de homicídio duplamente qualificado, consideramos o réu. –ele suspirou por um segundo, promovendo um suspense característico. — Culpado.

Da mesa da Promotoria rompeu-se uma sonora aprovação diante daquela revelação. Kamus Dunstan estava sendo parabenizado e nem ao menos continuava a ouvir o restante das acusações nas quais o réu em questão estava sendo condenado. Seus assistentes lhe davam tapinhas nas costas, enquanto ele apenas se permitia sorrir.

Na mesa ao lado, o réu havia se sentado, mas mantinha a mesma expressão impassível, como se soubesse que aquele seria o resultado. Já seu advogado de defesa permaneceu na mesma posição, de pé, os olhos vidrados na direção do Juiz, que já havia pronunciado os ritos finais e se preparava para retirar-se da sala, assim como os demais presentes.

— Miro... –a assistente do grego chamou o advogado, segurando-o pela manga do paletó.

O grego piscou inúmeras vezes até trazer-se de novo à realidade. Sentou-se vagarosamente em sua cadeira, com uma sensação estranha que, se o perguntassem naquele momento, não saberia explicar. Em todos os anos de profissão, apenas uma palavra exemplificaria com exatidão o bolo que se formava em seu estômago, a garganta seca e os batimentos quase inexistentes de seu coração.

Derrota.

Pura, simples, crua e improvável derrota.

Olhou para seu cliente, que estava sendo escoltado por dois policiais para a prisão estadual, onde aguardaria uma nova audiência para a leitura de sua pena. Paul mantinha a expressão serena, de concordância com a decisão, mas Miro não conseguia sossegar diante daquilo.

Homicídio duplamente qualificado significava prisão perpétua, sem direito a fiança. Alguém morreria por sua incompetência.

Nem sequer ousou olhar para a mesa da Promotoria. A derrota seria ainda mais amarga quando encontrasse o rosto elegante e deliciado de Kamus Dunstan. Não poderia culpar o francês. Se estivesse em seu lugar, agiria da mesma maneira.

Arrumou suas anotações e tudo o que estava em cima da mesa, dispensando sua assistente, com a mensagem de que ela deveria voltar ao escritório para narrar o ocorrido aos chefes e dizer-lhes que só voltaria no dia seguinte. A mulher acatou as ordens prontamente, sentindo uma pontada de pena ao cruzar com a expressão vazia nos olhos do chefe.

Quando Miro resolveu sair do Tribunal, uma chuva fina caía sobre a cidade coberta de tons cinza e branco, característico daquela época do ano. Fechou o sobretudo de cashmere bordô até último botão e colocou as luvas pretas de couro, descendo as escadas sem se preocupar quão molhadas suas roupas poderiam ficar.

Respirou um pouco do ar gelado daquele início de tarde e foi tempo suficiente para que uma pessoa, protegida debaixo de um enorme guarda-chuva preto se virasse para trás, olhando-o com uma expressão indefinida.

Kamus Dunstan. Justamente quem ele não queria encontrar.

— Parabéns. –o francês disse sem mostrar qualquer emoção na voz, enquanto o grego descia o restante dos degraus, pretendendo ignorá-lo.

— Essa deveria ser a minha frase, creio eu. –Miro respondeu, pronta e rispidamente, sem dar muita atenção a Kamus.

O francês sorriu. Era divertido jogar aquele joguinho de palavras, especialmente quando ele estava no comando ou no lado vencedor. Agora entendia como Miro se sentia cada vez que ganhava um caso. Não que ele não tivesse ganhado, muito pelo contrário, mas ganhar em cima de um oponente de peso era muito mais prazeroso.

— Posso lhe pegar uma tequila? –perguntou, notando que o outro já se encontrava na calçada.

— Não bebo com vencedores.

— Achei que fosse com os perdedores. –Kamus sorriu, enviesado, como Miro costumava fazer.

— Esses também.

O diálogo entre os dois era tão mínimo e intenso que era quase um alívio para ambos, se comparado às lutas intermináveis ou à guerra de nervos que se estabelecia em cada audiência.

— Algo me diz que seu problema é comigo. –o francês finalizou, fechando o guarda-chuva, reparando que a chuva parara, mas que ainda deixava aquele cheiro gostoso e aprazível de terra molhada misturados aos aromas do inverno.

Miro balançou a cabeça, observando o promotor com uma certa atenção. Não podia negar que estava diante de um belo espécime exótico. Aqueles cabelos ruivos sempre trançados e os olhos em um tom que mesclava entre a própria cor de seus cabelos a um cereja vibrante, quase lhe davam uma aparência suave e gentil. Curiosamente, não percebeu que o aperto em seu peito pela derrota sofrida havia diminuído um pouquinho e ele até permitiu-se sorrir na direção do francês.

— Suas palavras, Promotor. Suas palavras. –disse, conseguindo arrancar mais um sorriso em concordância de Kamus.

As palavras ficaram escassas naquele momento e o francês apenas observou o derrotado advogado fazer o mesmo caminho de sempre, em direção ao estacionamento. Quando pretendia sair dali também e pegar um táxi até seu escritório, viu a figura loira virar-se novamente para si.

— Antes que me esqueça, Dunstan. Parabéns.

A figura de Miro Kyriacos virou a esquina e Kamus Dunstan deu uma gargalhada gostosa. Era realmente muito bom vencer.


Miro abriu a porta do apartamento, com uma certa impaciência. O elevador novamente havia quebrado e ele teve de subir os cinco andares que levavam até seu apartamento pela escada, não gostando de encontrar um casal de adolescentes aos beijos em um dos degraus.

Jogou tudo o que estava em suas mãos, incluindo o sobretudo, no chão, quando foi surpreendido por uma enorme criatura que pulou em cima dele, fazendo com que seu humor melhorasse consideravelmente.

— Spike! Sua dona ainda não veio te buscar? –perguntou, acariciando a cabeça do labrador de corcaramelo que o olhava. — Pergunta tola a minha. Espero que não tenha destruído meu sofá mais uma vez.

Caminhou até a cômoda onde ficava o telefone e notou que a secretária eletrônica piscava o número quatro. Despiu-se de todas as peças de roupa, permanecendo apenas com a calça social, quando finalmente sentou-se no sofá preto, ouvindo as mensagens. Spike deitou-se a seus pés.

"Miro, cheguei hoje. Pode trazer seu traseiro lindo e meu Spike mais tarde? Você esqueceu de deixar a chave, seu burrinho! Te amo!".

— Louca. –murmurou para si mesmo, um pequeno sorriso aparecendo em seu rosto. Esperou a próxima mensagem. O barulho ao fundo o fez saber na hora de quem se tratava.

"Ei, você! Tô trabalhando nessa droga de oficina, mas vou passar na tua casa mais tarde. O Jack vai levar o povo pro bar. E você vem comigo. Eu sei que teu caso terminou hoje...vamos comemorar!"

— Fica pra próxima, Bill. –disse, chateado, seu pensamento vagando até o promotor que lhe tirou a invencibilidade no Tribunal.

"Não sei se o Bill falou alguma coisa. Dez horas estamos passando aí. A primeira rodada é por sua conta!"

— Isso que dá ficar alimentando as idéias dos outros de que eu sou o melhor. Você tem que aprender a ficar calado, Kyriacos...

"Fiquei sabendo do resultado do julgamento. Me liga assim que chegar, ok? Se precisar de alguma coisa, você já sabe..."

— Ah, Randy...só você mesmo.

Pegou o telefone e discou para Jack. O amigo trabalhava em um restaurante e sempre que conseguia alguma folga, tinha os melhores contatos nos bares da cidade, algo que Miro e o restante da turma aproveitavam até a última gota. Literalmente.

O amigo lhe pareceu cansado ao telefone, mas assim que o identificou, mudou o humor, fazendo planos para dali a pouco. Miro teve que contar até cem para não gritar e dizer que queria ficar sozinho naquele dia porque se sentia pateticamente derrotado por alguém como Kamus. Mas preferiu apenas omitir aquele detalhe, dizendo que aquele não era um bom dia para beber.

Ainda vestindo a calça que usara no Tribunal, mais cedo, Miro saiu pela porta, levando Spike consigo. Iria deixar o cachorro de uma vez na casa da amiga para depois afogar-se tranqüilamente em uma banheira e em pizzas. Nada melhor do que comida gordurosa para lhe fazer esquecer algo ruim. Bem, sexo é uma opção boa, o pensamento prático veio à sua cabeça, mas não estava com vontade de conquistar. Não naquele dia.

— Vamos, Spike! –gritou e o cão o olhou pesadamente, para ignorá-lo e voltar a comer a ponta do sofá de couro. — Spike. –disse em tom ameaçador e o cachorro foi até ele. Miro sorriu. Aquele grandalhão era mesmo um frouxo.

Desceu dois andares de escada e bateu à porta do 309. A porta foi aberta por uma morena baixinha, de cabelos lisos e olhos escuros. Ela sorriu abertamente para Miro e o observou de maneira detalhada, quase obscena.

— Se prometer bater à minha porta vestindo apenas isso, eu juro que deixo Spike na sua casa mais vezes. –ela disse, sorridente, maliciosa.

— Se não ensinar seu cachorro a não comer porcarias, eu juro que peço indenização. E você sabe que eu ganho, Pam. –devolveu, no mesmo tom.

Observaram-se por alguns segundos e ambos caíram na gargalhada. A morena pendurou-se no pescoço de Miro e deu-lhe um beijo estalado nos lábios, que foi correspondido prontamente. Trocaram algumas palavras, mas ela percebeu que o amigo não estava muito disposto a conversar. Aquilo era algo novo. Talvez devesse perguntar. Ou não.

— Miro...qualquer coisa, pode me ligar, ok? Não importa a hora.

O grego observou a amiga e sorriu-lhe em aprovação, mas por dentro odiava-se por ser tão transparente aos olhos daqueles que lhe conheciam bem.

Jogou um beijo para ela e voltou para o apartamento. Fechou a porta, olhando à sua volta, constatando a solidão que se encontrava. Era sempre a mesma história, se parasse para pensar. Ganhava um caso, comemorava com os amigos, dormia com alguém e voltava para casa, sozinho. Naquela primeira derrota, a bebida e o sexo não estavam presentes, mas a solidão continuava a acompanhá-lo.

Karma da família Kyriacos. Já devia me acostumar, pensou, lembrando-se da mãe, abandonada pelo pai quando ele tinha apenas doze anos.

Depois do banho demorado banho que o reconfortou por algum tempo, Miro resolveu passar aquele restante da noite vendo TV e comendo pizza, hábitos extremamente americanos que ele havia incorporado à sua vida. Ignorou solenemente as ligações dos amigos para seu celular. Lidaria com eles quando estivesse com seu orgulho restaurado. Seria melhor assim.


A música alta do bar não incomodava os ocupantes de cinco mesas, colocadas em linha, em um canto do lugar. As rodadas de cerveja e tequila iam e vinham quase sem intervalo e somente risadas podiam ser ouvidas ali.

— Diz mais uma vez, vai! -um homem moreno pediu, fitando um outro, que estava à cabeceira de uma das mesas.

Kamus sorriu, balançando a cabeça negativamente, mas levantou-se, ajeitando a gravata cinza e descendo as mangas arregaçadas da camisa branca, tentando ficar sério. Todos pararam para lhe dispensar atenção.

— Nós do Júri consideramos o réu... culpado! –disse, arrancando palmas euivos de aprovação dos outros.

Voltou a se sentar e todos gargalharam. Desde que saíra de sua sala, na Promotoria, só havia recebido elogios a respeito de sua atuação. Não havia sido pela vitória em si, mas a vitória em cima de Miro Kyriacos, a pedra nos sapatos de todos ali. Ele não queria aquele tipo de comemoração, achava, no fundo, que havia feito apenas seu trabalho. Mas não podia deixar de sentir uma certa arrogância gostosa correr por todo seu corpo ao ver a expressão do belo advogado de defesa derrotado. Eu sei que peco...mas é tão maravilhoso esse sentimento mesquinho de vencer..., ele pensava, quando alguém jogou uma bolinha de papel em sua cabeça.

— Aí, Promotor...qual foi a reação do nosso querido derrotado?

Kamus sorriu mais uma vez. Aqueles nunca iriam aprender. Antes de responder, deixou a mente vagar até o outro, a expressão vaga, o sorriso escondido. Nada parecido com o que estava acostumado a ver. Por um segundo, pensou que nunca mais queria ver aquela expressão em Miro, mas tão rápido como aquela idéia lhe ocorreu, ela sumiu de repente, ao lembrar-se da vitória esmagadora.

— Derrota. Vai pensar duas vezes antes de cogitar a possibilidade de ser invencível diante da nossa Promotoria.

— Falou o Incrível Dunstan! –um dos amigos de Kamus gritou, levantando o copo e todos os outros repetiram o gesto.

— Bom, eu vou embora... –comentou, levantando-se quase meia hora depois.

— Ô Kamus, deixa de ser certinho!

— Eu tenho que dar o exemplo, vocês sabem como é o protocolo. –disse, sorridente, colocando o paletó da mesma cor da gravata por cima de um dos ombros. — Os vejo amanhã. E sóbrios, espero.

— Até amanhã então. Mas não espere ansioso pela sobriedade! –um loiro respondeu, arrancando risadas dos outros e do francês também.

Kamus saiu do bar, em passos um pouco trôpegos. Não que estivesse bêbado, mas a mistura das doses de tequila e algumas cervejas não lhe fazia muito bem. Estava mais acostumado e preferia até um bom vinho, mas sabia que ali naquele bar não encontraria algo de seu gosto. E se pensava em comemorar com os amigos, tinha que ser no estilo rude e americanizado: cerveja e tequila.

Deixou o vento cortante daquela noite lhe passar um pouco de sobriedade, para só então caminhar pela rua, ainda com algumas pessoas caminhando, passeando, com sacolas de compras nas mãos. Colocou o paletó, sentindo o frio atingir-lhe de maneira mais forte.

Forçou os olhos ao ver alguns policiais caminhando em sua direção, mas não se preocupou. Ronda, provavelmente. Bêbados em épocas como aquela sempre causavam problemas. Continuou sua caminhada e passou pelos policiais, que lhe olharam de maneira estranha. Conhecia os três, viviam passeando pelas salas da Promotoria. Havia algo errado ali.

— Senhor Kamus Dunstan! –o ruivo ouviu seu nome ser chamado e ele reconheceu imediatamente a voz. Era um de seus companheiros de trabalho, um bem insistente e, diziam as más línguas, extremamente invejoso do trabalho que o francês realizava.

Virou-se para se deparar com o loiro alto à sua frente. Connor Jackson era bem truculento, se comparado a ele. Tinha os olhos verdes que pareciam querer arrancar qualquer coisa das pessoas e achava que com aquilo conseguia intimidar a todos. Ledo engano, a maioria dos colegas de trabalho, o achavam uma piada. E Kamus estava na lista dos que tinham aquela opinião.

— Chegou atrasado para a minha comemoração. Mas aceito os parabéns agora. –disse, sorridente.

Connor permanecia sério. Olhou para Kamus por um segundo e logo sinalizou com a cabeça para os policiais que o acompanhavam. Rapidamente, eles se aproximaram do francês, que deu um passo para trás, em visível reflexo.

Os três homens seguraram Kamus pelo braço e o viraram na direção dos carros que estavam estacionados ao meio fio. O francês sentiu-se sóbrio no instante seguinte, sabendo que aquilo estava indo longe demais. Os amigos tinham a mania de fazer-lhe surpresinhas, mas Connor não tinha a mínima intimidade com ele para aquilo.

— Qual é a brincadeira, Connor? Sabe o quê está fazendo? –perguntou, quando foi empurrado brutalmente de encontro ao capô de um sedã verde estacionado ali.

— Nenhuma brincadeira. Senhor Kamus Dunstan, o senhor está preso. –disse, ordenando mais uma vez com a cabeça para os policiais, que começaram a algemar o francês.

Kamus tentou se livrar, mas o aperto em seus braços eram fortes demais. Não estava entendendo nada daquilo que estava acontecendo. Só poderia ser algum tipo de brincadeira estúpida. E Connor iria pagar caro quando ele descobrisse tudo.

— Posso saber qual a acusação pelo menos?

O promotor loiro apenas sorriu, maquiavélico. A noite estava realmente sendo proveitosa.


Miro desligou a televisão, entediado. Tentou pensar no que poderia fazer para remediar tudo o que estava sentindo, mas não havia nenhuma idéia produtiva. Dormir parecia ser a melhor opção mesmo. Resolveu procurar algum livro bem chato em uma de suas prateleiras, quem sabe algo de auto-ajuda não o faria dormir mais rápido? Não preciso dessa baboseira, mas é bom manter a mente aberta à novas tendências..., pensou.

Caminhou pelo corredor estreito que levava aos quartos quando o telefone da sala tocou. Cogitou a possibilidade de não atender, mas seu bom senso o traiu. Sabia que os amigos estavam na rua e , se de repente tivesse acontecido alguma coisa?

— Alô? –perguntou, sem olhar para o identificador de chamadas.

— Você está perdendo, seu velho! Tem cada coisinha apetitosa aqui...

— Boa noite, Bill... –Miro disse, antes de desligar o telefone, percebendo que os níveis de álcool do amigo estavam altíssimos. Mas daquela vez não seria ele a se preocupar.

Deu as costas para o telefone e o bendito tocou mais uma vez. Miro fechou os olhos e pegou-o com raiva. Se Bill queria se divertir ligando pra casa dos outros, que fosse pra outra casa. Tinham muitos outros amigos que adorariam ouvir as besteiras dele.

— Olha aqui, Bill! Vai encher o saco de outro! –gritou, impaciente e já ia desligando sem ouvir a resposta quando percebeu que não havia barulho do outro lado da linha.

— Kyriacos?

Miro arregalou os olhos, seu sono, tédio e qualquer outro tipo de sentimento, sumindo, quando ouviu seu sobrenome ser pronunciado daquele jeito seco, quase displicente. Estou alucinando..., ele pensou, prático.

— Eu... –ele murmurou, rouco, surpreso, mas logo recompôs-se. — Eu acho que você discou o número errado.

— Duvido que exista outro Kyriacos em Nova York.

Após uma breve troca de palavras, Miro desligou o telefone. Aquela, sem sombra de dúvida havia sido a coisa mais estranha que lhe acontecera em toda sua vida. E se pensasse bem, sabia que já havia passado por situações aterradoras, estranhas, bizarras, cretinas. Mas nada que se comparasse aquele telefonema

Talvez fosse sua curiosidade nata que o fez trocar de roupa em menos de cinco minutos e sair do apartamento, na direção da delegacia no centro de Manhattan. Ou talvez fosse outra coisa, que ainda não havia passado por sua cabeça.


Miro entrou na delegacia sob os olhares curiosos dos policiais. Alguns fizeram piadas, enquanto outros apenas sorriam. Porém, apenas um resolveu se aproximar para trocar palavras com o grego.

— Passeando? –o policial perguntou. — Não acha que esqueceu o uniforme em casa? –completou, irônico. Miro apenas virou os olhos, em desaprovação.

— Onde se encontra seu capitão?

— No lugar de sempre, você sabe.

Miro ignorou novamente o homem e subiu a pequena escadinha de madeira, seguindo pelo corredor. Diante de uma porta fechada, deu duas batidas, para anunciar sua presença e logo entrou na sala, sem cerimônias.

— Miro Kyriacos, que surpresa! Qual bandidinho endinheirado você veio visitar hoje? –o capitão perguntou, de trás de sua mesa, sem preocupar-se em apagar o cigarro que fumava ou com a entrada do advogado.

— Acredito que todos têm direito a uma defesa bem feita. –respondeu, ironicamente, puxando uma das cadeiras à sua frente, sentando-se pesadamente.

— Quanta generosidade. Mas acredito que nenhum dos detidos hoje seriam capazes de pagar seus honorários.

— Coloque Dunstan em uma sala. Estou aqui para vê-lo.

O capitão, que estava prestes a tomar um gole de café, parou no meio da ação, fitando o advogado à sua frente com extrema curiosidade. Um segundo depois, abriu um sorriso, que se transformou em uma gargalhada histérica. Porém, o grego não acompanhou seu sorriso, o que fez com que o capitão realmente considerasse aquele pedido.

— Está falando a sério?

— Pareço estar brincando? –Miro devolveu a pergunta, levantando uma das sobrancelhas.

— Diabos, esse caso é quente mesmo. É o fim do mundo, você e Dunstan do mesmo lado.

— Não estamos... –Miro preparava-se para protestar, mas o capitão já havia saído da sala.

Ficou por alguns segundos imaginando o que pensariam quando soubesse que ele estava ali, atendendo a um chamado de seu maior rival nos tribunais. Era loucura, ele tinha certeza. E o capitão de polícia não tinha a menor culpa de reagir daquela maneira. Se lhe contassem a mesma coisa, ele faria a mesmíssima coisa.

Estava tão absorto nos pensamentos que não ouviu quando o capitão voltou à sala, lhe dizendo que seu cliente o aguardava. Miro teve vontade de corrigi-lo, mas não o fez, saindo apenas do escritório cheirando a cigarro e caminhando até o final do corredor, onde uma porta aberta indicava a localização de Kamus.

Quando Miro entrou na sala, Kamus sentiu o chão faltar-lhe por alguns segundos. O advogado à sua frente parecia um maldito raio de sol naquela delegacia cinzenta e burocrática. Mas o que mais lhe chamava a atenção era que o grego não usava suas roupas formais. Os cabelos loirossoltos aliados à calça jeans, à grossa blusa de gola alta preta eà jaqueta de couro no mesmo tom davam a ele uma aparência mais jovial, menos sisuda, menos tribunal. Sentiu-se sorrir e tentado a elogiar o homem que o observava.

— Fica bem com essas roupas. –disse, e no mesmo instante se arrependeu, não sabendo quando as palavras tomavam forma antes mesmo de seu cérebro processar quais as implicações daquilo.

Miro sorriu e se aproximou. Reparou que o Promotor ainda usava as mesmas roupas da audiência que participaram e soube que aquilo deveria ser por causa da comemoração de sua vitória. Sentiu raiva no instante seguinte, mas apenas respirou profundamente, puxando uma cadeira e sentando-se de frente para o ruivo.

— Posso saber por quê me chamou aqui? Aliás, como conseguiu meu telefone?

— Me disseram que você era um dos melhores advogados da cidade. E uma mulher muito rude do seu escritório por sinal. Pedi a ela por um número e ela me disse que ali não era a Central Telefônica.

Meg...sempre tão espirituosa...preciso falar com Josh para dar um aumento à ela. Dava tudo para ver a cara do senhor promotor quando ela lhe respondeu daquela maneira..., Miro pensou, ainda fitando Kamus.

— A propósito, eu sou o melhor advogado da cidade. É bom que você se lembre disso.

— Bom saber. Até porque, eu preciso do melhor mesmo. –Kamus respondeu, contidamente, fugindo dos olhos azuis de Miro, que franziu a testa. Pela primeira vez, notou algum tipo de indecisão e até mesmo um certo medo vindo do Promotor.

— Dunstan...

— Me chame de Kamus. –o francês pediu, colocando os cotovelos sobre a mesa. Não conseguiu ir muito longe, as algemas presas na borda da mesa, inibiam seus movimentos. Miro torceu o nariz, odiando aquilo. Kamus Dunstan era um promotor renomado, não deveria ser tratado como um bandido qualquer! Aquilo era absolutamente idiota!

— Kamus. Me diga por quê está aqui. E por quê eu. –Miro disse, não entendendo em que parte ele se encaixava naquilo tudo.

Kamus suspirou profundamente, recostando-se na cadeira. Passou a língua pelos lábios finos antes de começar a falar e ajeitou os cabelos como pôde, sem usar as mãos. Miro sentiu-se tentado a colocar os fios ruivos para trás das orelhas do francês, mas conteve-se, esperando por respostas.

Por fim, elas vieram.

— Você é o melhor, como mesmo disse. –respondeu, contido.

— Sim, mas por quê precisa de mim. Por quê está preso? Qual a acusação?

Kamus mordeu os lábios, sabia que o que viria a seguir cairia como uma bomba na cabeça de ambos. Para ele, seria como chegar a conclusão do quê realmente era acusado. E para o grego, bem, se ele decidisse não representá-lo, seria mais uma arma contra sua pessoaem qualquerTribunal.

— Homicídio.

Continua...

Já estou fugindo de pedras que virão, mas tudo bem...eu aceito algumas, se forem jogadas com carinho e eu puder me desviar. O quê acharam desse primeiro capítulo?Já deu pra perceber o que vem por aí? Será que Miro vai aceitar defender o Kamus?

Bem, muito obrigada mesmo por toda essa recepção calorosa já no prólogo! Sei que os personagens estão com uma conduta meio diferenciada, mas, uma mudançazinha de nada, não vai matar, não é mesmo? Comentários e respostas às reviews (sim, acharam que elas não iriam vir?) no mesmo bat-lugar de sempre, mas só amanhã, já que o capítulo tá sendo postado meio tarde: livejournal (ponto) com (barra) users (barra) mscellym