Retratação: Saint Seiya e seus personagens, infelizmente e como sempre, não me pertencem e sim ao maluco do Kurumada. As situações descritas nessa fic não têm o propósito de nada mais do que entreter. Os nomes Dunstan e Kyriacos não são meus, obviamente, mas eu os busquei, portanto, vamos dizer que eles tenham sido "emprestados" de seus donos e origem verdadeiros.

Agradecimentos: gente, antes de mais nada, me desculpem pela demora horrível. Eu odeio fazer isso, mas a vida simplesmente me chamou. Então, antes tarde do que nunca, aqui está um capítulo, espero que não tenham esquecido dela! Beijos em especial à Arsínoe, Ju, Ana P., Litha, Ilia-chan, Shakinha, Chibiusa, Uotani, Ophiuchus No Shaina, Patty, Athena Sagara, Prudence-chan, Camis, Gisele, Anne, Ureshi Sarah, Faye, Sakuya, Srta. Nina e Kate Scorpio por todas as reviews lindas e palavras de incentivo. Saibam que vocês deixaram uma pessoinha muito feliz, tá? E um agradecimento a quem leu e não comentou assim mesmo!

Título: Um Fio De Suspeita

Sumário: Kamus e Miro estão em lados opostos. O francês é o melhor promotor da cidade de Nova York, enquanto o grego é um advogado de defesa que nunca perdeu um caso. Entre os dois, existe apenas uma coisa: um assassinato. Yaoi, suspense, romance.


Capítulo 2

Homicídio.

A palavra pairou no ar e dali não saiu, não sumia. Kamus procurava algum tipo de reação nos olhos de Miro, que apenas o olhava, mas não conseguia enxergá-lo. Tinha certeza de que o outro não aceitaria o caso, pela maneira estranha, por seu comportamento quase...desorientado.

— Besteira a minha ter te chamado aqui. –começou, ignorando o azul dos olhos de Miro que se focaram nele rapidamente.

— Como assim homicídio? E de quem?

Kamus ficou em silêncio. Miro ainda parecia perturbado com a revelação. A voz do grego saía um pouco estrangulada e ele não parecia formar pensamentos muito certos naquele momento. Cogitou se deveria mesmo tê-lo chamado ali.

— Não acho que seja uma boa idéia...

— Você me chamou aqui por um propósito. Está sendo acusado de homicídio, certo? –o tom de voz do grego mudara e Kamus sentiu-se aliviado.

— Certo. –monossilábico, respondeu.

— E quer que eu te livre da cadeia a essa hora, certo?

— Certo. –aonde ele quer chegar?, Kamus pensou, reparando que Miro levantou-se da cadeira e caminhava em direção à porta.

— Espere um minuto. Eu já volto.

— Isso quer dizer que vai aceitar meu caso?

Miro virou-se para Kamus e sorriu. Debruçou-se sobre a mesa, fitando os olhos cereja do francês, que pareciam brilhar ainda mais, em uma natural e instintiva expectativa. Ele gostava daquilo; gostava que as pessoas dependessem dele.

— Se ele for bom o suficiente para que eu ganhe, talvez eu aceite. Mas, por hora, vou apenas te tirar daqui. É patético que um promotor como você fique preso em um lugarzinho como esse.

Assim que Miro cruzou a porta, Kamus sorriu, balançando a cabeça. O grego era louco e egocêntrico, mas realmente o melhor. E ele poderia ter uma chance.

Deixou sua mente vagar mais uma vez para lugares sombrios, contemplando o motivo pelo qual estava ali. Homicídio. Não era algo fácil de se livrar, nem mesmo com o melhor advogado da cidade ao seu lado. Balançou a cabeça, querendo apertar a ponte entre os olhos, passar as mãos pela nuca, esticar-se. Miro tinha razão ao dizer que ele não deveria estar em um lugar como aquele, especialmente ser tratado daquela maneira. Mas era algum tipo de perversão que os policiais e Connor gostavam de infligir a ele: prendê-lo, logo ele, que nunca tivera nada contra si, agora era acusado de homicídio.

Estava a ponto de encostar a cabeça no frio material de ferro que era a mesa da delegacia, quando Miro voltou para a sala, com um sorriso triunfante nos lábios. Kamus sentiu as faces ficarem ligeiramente quentes ao reparar novamente no grego, percebendo como as roupas informais transformavam as pessoas. Preciso me controlar, isso é ridículo. Ele pensou, não sabendo desde quando reparava com mais firmeza em um homem. Especialmente no advogado mais narcisista e egocêntrico que já havia cruzado seu caminho.

— Vamos? –Miro perguntou, interrompendo pensamentos que o francês não pretendia ter naquele momento.

— O quê disse? –Kamus replicou, piscando duas vezes seguidas, como se tentasse focar melhor seu trilho de idéias.

— Sair. Liberdade provisória. Essas coisas. A não ser que tenha gostado de ficar algemado à essa mesa. –completou, colocando as mãos nos bolsos da calça, de maneira prática.

— Como conseguiu? Eles disseram...

— Não importa. Eles não têm uma acusação formal contra você. Não pode ficar aqui. E, por favor, você é um maldito Promotor, não vai fugir.

— Como pode ter tanta certeza? –Kamus perguntou e sentiu-se estupidamente ridículo por dar margem ao grego formar qualquer tipo depensamento que levasse a uma suposta culpa. Mas, naquele momento, aquela parecia ser a única coisa que podia fazer, para esconder a surpresa com a rapidez que o outro conseguira lhe tirar da cadeia.

Miro, por sua vez, analisava o francês desde que entrara na sala da delegacia pela primeira vez. Seus instintos lhe mostravam que aquele era um caso quente e que de alguma maneira, mesmo sem ouvir a história de Kamus, considerava-o inocente. Imaginou o que Randy, seu melhor amigo, comentaria a respeito daquilo Especialmente por ele ser um advogado que, diferente da maioria, acreditava primeiro na culpa e depois na inocência. Encostou-se displicentemente na parede e observou o francês, ainda sorrindo ligeiramente.

— Vou jogar com a sorte, Dunstan.

Kamus se preparava para falar alguma coisa quando a entrada de um policial o interrompeu. Bruscamente seus pulsos foram soltos das opressivas algemas e imediatamente ele esfregou aquela região, vendo as marcas vermelhas que sua pele clara apresentava. Olhou um tanto para o homem, que lhe sorria, como se apreciasse aquela situação.

Miro observou com seriedade cada movimento do policial. Ainda não havia se decidido totalmente a respeito do caso do homem à sua frente, porém, seu instinto não lhe permitia deixar que alguém tão respeitável sofresse qualquer tipo de constrangimento como aquele. Sem contar que ele é bonito também, pensou ao reparar no ruivo altivo, ainda nos trajes de Tribunal, bem amassados, se esticar como um felino, já de pé.

— Obrigado. –Kamus disse, aproximando-se lentamente do grego, que sorriu-lhe gentilmente, tocando seu ombro como se fossem velhos conhecidos.

— Eu é que agradeço. –Miro respondeu, sem olhar para o francês.

— Posso saber o porquê?

— Vamos apenas dizer que você acabou com a monotonia de um dia particularmente atípico.

Kamus gargalhou pela primeira vez diante da resposta dada por Miro. Teria de dizer a si mesmo que, apesar das circunstâncias que o levaram a estar naquela delegacia, os acontecimentos da manhã, que envolviam o grego, eram se não prazerosos, ao menos revigorantes.

— Seria algo relacionado a um mau dia no Tribunal, distinto advogado? –perguntou, a ironia pingando de suas palavras.

— Não teste sua sorte, Dunstan. –a voz de Miro parecia querer soar ameaçadora, mas o sorriso que saía de seus lábios fazia com que ele perdesse todo seu poder letal.

Ficaram em silêncio por alguns segundos, apenas se estudando, mas não como oponentes em um Tribunal, e sim como duas pessoas que pareciam nunca terem se visto antes. Miro foi o primeiro a fugir do olhar do francês, sentindo-se estranhamente envergonhado diante daquela perícia.

— Bem, vamos. –disse, abrindo a porta da sala, mas Kamus colocou a mão sobre o vidro, impedindo-o de prosseguir. Miro levantou uma das sobrancelhas, perdendo-se temporariamente no cereja exótico dos olhos do francês.

— Eu realmente te agradeço. Você não precisava vir aqui. Foi muito honroso da sua parte.

— Não chamaria isso de honra. Chamaria de curiosidade. –o grego respondeu, zombeteiro, fazendo com que Kamus o acompanhasse em um sorriso.

— Mesmo assim, obrigado.

— Deixa o papo pra lá. –Miro estava achando aquele clima de agradecimento um tanto incômodo. Não havia feito nada demais, e honestamente, não imaginava aquele tipo de postura vindo de Kamus. Mais uma coisa no francês, que o surpreendia. — Vamos, eu te dou uma carona. Para onde quer ir?

— Um hotel talvez. –Kamus respondeu, resignado. Apertou a ponte entre os olhos, em sinal claro de cansaço. — Não posso voltar para casa. Se conheço bem o Connor, ele "sem querer" deixou a imprensa saber algo sobre esse caso. Droga! –gritou, por fim, já no corredor da delegacia. Alguns policiais o olharam com uma certa curiosidade. Ele não conseguiu se importar, era sua vida, sua reputação que estava em jogo, não podia deixar que algo como a curiosidade de policiais fofoqueiros e mal-pagos o levasse à loucura.

Miro suspirou profundamente. Era a primeira vez que via Kamus acuado e aquilo não lhe parecia bom. Estava acostumado a lidar com um francês temperamental, frio e astuto, mas aquele era um homem que não sabia como agir. Por fim, resolveu tomar o caminho mais prático. Alguém ali deveria pensar.

— Vem comigo. Por aqui. –comentou, em tom baixo, segurando Kamus pelo braço, levando-o por um caminho oposto à saída da delegacia.

— Aonde vamos?

— Confie em mim. –respondeu, misterioso e sorridente. À Kamus restou apenas balançar a cabeça e se deixar ser levado.

Alcançaram uma saída lateral, uma que Kamus nunca percebeu que existira na delegacia. Seguiram pelo beco estreito, de paredes de tijolos sujos, em silêncio; o francês querendo perguntar aonde estavam indo enquanto o grego caminhava apressado, olhando sempre para trás, onde podia se ver a avenida principal.

— Será que pode me dizer aonde estamos indo? A rua fica pra lá. –Kamus murmurou, notando que haviam chegado a um beco sem saída. Miro apenas deu uma risadinha.

— Você realmente é apressado, Dunstan. Já chegamos. Sobe aí. –o grego respondeu, saindo da frente do francês, que olhava aturdido para o que estava à sua frente.

Linda, foi o primeiro pensamento que veio à sua cabeça ao fitar a moto preta bem lustrada, estacionada ali. Reparou que no final da mesma, um chamativo Skorpio (1) em caligrafia bem desenhada vermelha completava a obra de arte que era aquela Harley Davidson. Mas o que mais lhe surpreendia não era a moto, já havia visto centenas delas ali em Nova York, porém, nenhuma pilotada por um advogado, especialmente Miro. Aquilo era algo que nunca havia passado por sua cabeça.

— Algo de errado?

— Espera que eu suba nesse negócio aí? Com você? Enlouqueceu? –perguntou, mais uma vez fazendo seu escudo protetor subir, para não deixar que o grego reparasse em sua total surpresa.

— Pensei que confiasse em mim. –a voz de Miro soou um tanto diferente, as notas saíam mais graves, porém em volume baixo, denotando uma quase tristeza.

— Para me tirar da delegacia, sim! Mas para subir em uma moto barulhenta e sair por aí em Nova York? Eu acho que não.

— Não esqueça de mencionar que você não reclamou quando eu te trouxe para um beco escuro. Pelo menos não me recordo de tê-lo ouvido falar qualquer coisa. –disse, com um sorriso irônico. — Bem, o problema é seu. Lide com a imprensa, com seu caso. Boa vida, bom caso e tudo mais. –completou, dando partida na moto, não sem antes ajeitar os cabelos. Se ele quer rejeitar minha ajuda, o problema é todo dele. Já fiz o que tinha que fazer. Realmente, ele é um idiota, pensava, enquanto fazia a volta com a moto, sem olhar para Kamus, que fechou os olhos, pensando no que iria dizer a seguir. Precisava ser rápido, pois o grego já se afastava, indo em direção à rua.

— Espere. –sua voz saiu rouca e um pouco arrependida. Miro parou de acelerar no instante seguinte.

— Agora o quê? –perguntou, sem ao menos se virar.

— Eu aceito a sua ajuda. –disse, timidamente, como se aquilo fosse demais para ele admitir.

Miro sorriu, mas não deixou que o francês percebesse. Já estava perdendo as esperanças em saber o que realmente havia acontecido e sua mente trabalhava em como usar suas fontes para receber um relatório completo a respeito daquele caso.

— Sobe aí. E se segura. –murmurou e Kamus assim o fez, envolvendo os braços em torno da cintura do grego, que sorriu discretamente. Sempre adorara motos exatamente pela proximidade opressora que elas traziam.

— Para onde nós vamos?

— Um lugar seguro, não se preocupe.

Miro acelerou rapidamente e virou a esquina, não dando chances aos repórteres que estavam na frente da delegacia perceberem que era Kamus que havia saído com ele na garupa da moto. Provavelmente, eles nem notaram que era Miro quem havia passado por ali. Aquilo o agradou.

Correram pelas ruas de Nova York, o vento cortante e frio do inverno atingindo-lhes, mas ambos não pensavam nele naquele momento. A mente do grego invariavelmente trabalhava acelerado para resolver o problema que havia acabado de se envolver; não que já tivesse aceitado o caso de Kamus, mas aquilo era uma oportunidade que ele pretendia não dispensar, a princípio. Já o francês apenas tentava adivinhar para onde estava sendo levado. Aquela falta de informações, o mistério, a falta de planos, tudo o incomodava tremendamente, irritando-o a tal ponto que só reparou que apertava a cintura de Miro com força quando este gemeu, olhando de relance para trás.

— Eu gosto de ser apertado, mas não assim, francês. Vai com calma. –Kamus corou mais uma vez e descobriu que aquilo era um hábito que ele não se acostumaria. Nunca gostou daquele tipo de insinuação, elas geralmente eram de mau gosto e detestáveis, mas de alguma maneira, Miro conseguia fazer com que elas tomassem uma forma engraçada.

— Desculpe. –ele disse, polidamente, voltando a segurar o outro, mas sem apertá-lo.

Dez minutos depois, Miro entrava em uma garagem, aberta sob seu comando. Kamus estranhou o lugar, quieto e um pouco afastado do centro de toda a bagunça. Aquele lugar não podia ser a casa do grego. Lembrava-se bem da matéria que havia saído, juntamente com a sua, em uma revista de deoração, onde mostrava o apartamento do outro, em um luxuoso e privativo condomínio, no centro da cidade, de frente para o ponto mais privilegiado do Central Park. E, definitivamente, aquilo não chegava nem perto daquele lugar.

— Aonde estamos? –Kamus perguntou, assim que o grego abriu uma porta, que levava às escadas.

— Temos que subir por aqui. O maldito elevador está quebrado. –disse, sem olhar para o francês. Aquilo era uma péssima idéia, ele sabia. Kamus estava com uma voz estranha, como se não gostasse daquele lugar. Problema dele, não posso fazer nada.

Vários lances de escada depois, chegaram ao andar desejado. Miro respirava normalmente, enquanto Kamus parecia encontrar dificuldades na mesma operação. O grego sorriu, satisfeito.

— Você ...pode me dizer onde...diabos estamos? –perguntou, depois de ganhar um pouco de fôlego.

Miro tirou uma pequena chave e abriu o apartamento que ficava a alguns metros da escada. Olhou para Kamus logo em seguida, estendendo o braço para dentro da escuridão do lugar.

— Aqui é a minha casa. Seja bem vindo.

Miro entrou na frente do francês, que parecia surpreso com aquilo tudo. Ao acender as luzes, Kamus finalmente entrou, reparando minuciosamente em cada detalhe que seus olhos podiam contemplar.

O apartamento era pequeno, por assim dizer. Tinha uma sala modesta, com sofás claros, uma decoração elegante, que parecia sair de uma revista de decoração. Algumas esculturas que ele reconhecia como sendo gregas completavam o lugar. A cozinha não ficava muito longe dali e também mantinha o mesmo bom gosto na arrumação. Um corredor levava ao que deveriam ser os quartos. Mas ainda assim era um lugar distante e pequeno. Que não condizia com o que o grego recebia no tão famoso escritório em que trabalhava.

— O quê foi? –Miro perguntou, olhando para os mesmos lugares que Kamus olhava. Tudo bem que algumas peças de roupa estavam espalhadas pelo chão, assim como seus livros e a pasta do trabalho, mas, no geral, seu apartamento estava até que arrumado.

— Esse lugar é pequeno. –Kamus disse, não conseguindo evitar a indelicadeza.

Aquilo pareceu enfurecer o grego, que tirou a jaqueta e jogou-a em cima do sofá.

— Desculpa se minha casa não é como a sua super cobertura, vossa Majestade. Mas pensei que estivesse querendo se livrar da imprensa e de toda a confusão. Se quiser, eu posso ligar para o Plaza e fazer as suas reservas. Com certeza, estará bem melhor instalado por lá.

Kamus percebeu naquele momento a besteira que havia falado. Miro não tinha a obrigação de ajudá-lo, mas o havia livrado da cadeia e o ajudara a encontrar um lugar distante e que não tinha a atenção da mídia. E ele o retribuía dizendo que aquele lugar era pequeno, passando uma impressão totalmente mal educada de sua pessoa.

— Me desculpe mais uma vez. Ninguém iria imaginar que você moraria em lugar como esse. Não depois da matéria na House & Homes. –confessou, colocando as mãos dentro dos bolsos da calça, olhando para baixo. Se reparasse melhor, o lugar era agradável, aconchegante.

— Era uma fachada. A reportagem, quero dizer. –Miro disse, quieto. — Achei que aqui seria o melhor lugar, já que nos odiamos. Ninguém nunca vai te procurar aqui, ninguém sabe desse lugar, a não ser o pessoal do escritório.

Kamus ignorou o aperto no estômago ao ouvir Miro falando que eles se odiavam e tornou a reparar nos detalhes do apartamento. Realmente, era parecido com o grego, não com o advogado narcisista, mas com o homem que o tirara da prisão há pouco tempo atrás.

— Seu apartamento é muito bem decorado. Eu gosto das suas esculturas. –disse, verdadeiramente e Miro virou-se para ele, sorrindo abertamente. Parecia que tinha tocado em um ponto de raro interesse do grego.

— Presente da minha mãe na verdade. Ártemis, a Deusa da Justiça. Ela esculpiu isso para mim quando eu tinha cinco anos de idade e nunca deixou que eu me afastasse dela. Curioso eu ser um advogado, não acha?

— Eu diria poético. Sua mãe sabia das coisas.

Os olhos de Miro ficaram um pouco escuros, mas ele logo ajeitou-se, colocando alguns fios de cabelo para trás da orelha. Fitou Kamus mais uma vez e acenou para o corredor, escuro até aquele momento.

— Aqui é o banheiro. Vou te emprestar algumas roupas minhas. Você vai encontrar toalhas limpas no armário embaixo da pia. Enquanto isso, vou pedir o jantar. Tem alguma preferência?

— O que você pedir está bom.

Algum tempo depois, já estavam sentados, comendo a prática e típica comida chinesa que Miro havia pedido. Para sua surpresa, suas roupas ficaram extremamente bem em Kamus, especialmente a calça cinza de moletom, que parecia apenas um pouco mais larga no francês do que nele. O clima pesado entre eles havia sumido e agora ambos pareciam interessados em conversar sobre o caso de Kamus.

— Então você transava com ela? –Miro perguntou, pegando um rolinho primavera da bandeja. Kamus sorriu, balançando a cabeça negativamente. Já deveria estar ao menos um pouco acostumado aqueles rompantes do outro.

— É, sim, nós tínhamos um relacionamento não-fixo, se você quer saber.

— Transava com ela. Eca. Não sei como podia. Ela era bonita, mas...melhor nem pensar nisso. –completou, e o francês percebeu que os braços do grego ficaram arrepiados.

— Algum problema?

— Nenhum. Mas eu me pergunto como não fiquei sabendo disso. Que o promotor-chefe tinha um caso com uma das promotoras do Estado. Isso é algo que eu deveria saber.

— Como assim? –Kamus pareceu extremamente interessado no que Miro havia acabado de dizer. E não fazia o mínimo sentido.

— Acredite, Kamus. Eu deveria saber disso.

— Como?

— Vamos dizer que o pessoal da Promotoria é bem vocal durante seus trabalhos, mas muito mais vocal depois do sexo. Isso com certeza.

Kamus estava perplexo. Miro além de tudo, ainda dormia com as pessoas de seu gabinete. Aquilo definitivamente adicionava pontos negativos à sua avaliação. O francês se questionou mentalmente se o grego usava seus assistentes para conseguir informações sobre os casos que iriam enfrentar.

— Não, Dunstan. Eu não arranco informações do seu pessoal. Não é assim que ganho meus casos. –Miro disse, displicentemente, escondendo mais uma vez um resquício de raiva que começava a brotar em seu peito.

— Eu não disse nada.

— Não precisa. Somos farinha do mesmo saco, como diria meu pai. Pensaria a mesma coisa se você me falasse isso. Mas então, eles só têm contra você o fato de que você dormia com a finada. Nada mais.

— Eu fui o último a vê-la no dia de sua morte. E Connor deixou escapar que tinha evidências contra mim.

— Sabe de algo a respeito disso? Algo que possa te incriminar?

— Nós fizemos amor naquele dia. –Kamus disse, contido e Miro se segurou para não rir. Quando o francês o olhou, intrigado, ele não agüentou e explodiu em mais uma risada.

— Fez amor? Quem usa esse termo hoje em dia? Por Deus, vocês heteros são tão caretas. Por favor, Kamus, você transou com ela naquele dia. Legal. Sêmen. É isso o que eles tem contra você. Mais alguma coisa que eu deva saber?

Kamus analisava Miro com uma perícia sem igual. Tudo nele era um misto de seriedade e diversão, como se ele nunca estivesse disposto a levar algo a sério, mas que, de repente, podia ser surpreendido por uma avalanche de planos e avaliações, juntamente com todo o raciocínio único e brilhante que o francês só admitia encontrar em uma outra pessoa: nele mesmo.

— Antes eu preciso saber se você vai aceitar o meu caso. –o francês disse, sério.

Miro largou a taça de vinho em cima da mesinha de centro, junto com o prato e os talheres. O caso era difícil, ele tinha que admitir, especialmente pela falta de informações. O que Kamus sabia era relativamente nada e era extremamente arriscado aceitar algo do tipo. Mas, ao olhar para o francês, os cabelos ruivos, a pele tão branca, sem contar que ele era um respeitado Promotor. Não que aquilo representasse alguma coisa naqueles dias, especialmente ele, Miro, sendo advogado, lidava com os piores tipos. E aqueles eram sempre os que tinham mais poder, os que estavam no topo da cadeia alimentar. Mas Kamus...

— Eu aceito seu caso.

— E quanto ao seu escritório?

— Eu aceito o seu caso, Dunstan. Você tem mais alguma coisa a me dizer?

— Eu sou inocente. Não matei aquela mulher. Não importa o que digam, o que provem. Você acredita em mim?

Começamos bem mal...ele não deveria ter dito isso. Mas, benefício da dúvida, não é mesmo?, Miro pensou, suspirando profundamente. Nunca em toda sua vida havia entrado em um caso naquela escuridão que aquele representava. Mas deveria saber que nada seria fácil, especialmente quando estavam falando de Kamus Dunstan.

— Por enquanto sim. Vamos ver com as outras evidências. Agora vamos do... –Miro começou a se levantar, mas Kamus segurou-o pelo braço, fazendo-o sentar no chão novamente.

— Eu preciso saber se você acredita em mim. –Kamus parecia desnorteado, na opinião de Miro. Ele precisava daquela resposta, mas o grego não conseguia mentir.

— Não te conheço suficientemente bem para saber se você é inocente ou não, Kamus. Pelo que você me disse até agora, temos chance de provar a sua inocência. Mas se você realmente o é, isso não é comigo. Cabe a você saber se é inocente ou não. E o que é inocência para você?

Kamus ficou em silêncio, surpreso mais uma vez pelo grego. Ele estava com a razão. A inocência era tão efêmera. Vítimas poderiam ser inocentes, assim como assassinos. Apenas quem estava de um lado ou do outro, poderia saber realmente aondese colocar, se culpado ou inocente.

— Sou inocente.

Miro sorriu, levantando-se. Pegou os pratos que estavam em cima da mesa e levou-os até a cozinha, deixando-os dentro da pia. No dia seguinte, poderia se preocupar com aquilo.

— Bom, já que resolvemos esse pequeno problema, vamos dormir? –o grego perguntou ao francês, que ainda estava sentado no chão, apreciando o sem número de livros que a pequena estante da sala comportava. Ao ouvir aquilo, fitou o grego, como se ele tivesse dito algo completamente fora do contexto, bizarro.

— Vamos dormir juntos? –perguntou, um tanto espantado. Miro podia jurar que o rosto de Kamus quase atingira o mesmo tom de seus cabelos.

— Você seria muito sortudo se isso acontecesse. Mas não, eu tenho um quarto de hóspedes. Pode me seguir. –disse, ainda com humor na voz. A Kamus restou seguir o grego, sentindo-se o maior idiota da face da Terra. Mas não podia adivinhar, já que o outro havia dormido com tantos em seu gabinete, por quê não tentaria algo com ele?

Com Kamus já instalado no quarto de hóspedes, Miro não conseguiu dormir. Voltou até a sala, constatando, pelo relógio pendurado na parede, que ainda não haviam atingido as duas da manhã. Ponderou se deveria fazer o que estava em sua mente e no instante seguinte, pegou o telefone e discou o número conhecido de um de seus chefes.

Assim que desligou, caminhou até o quarto de hóspedes. Abriu a porta suavemente e observou o francês que parecia ter finalmente adormecido. Aquilo era encrenca, aquele caso, aquilo tudo. Mudaria sua vida, mexeria com tudo o que ele sempre preservara: sua conduta ética e respeito pelos seus chefes, que acreditaram nele quando ninguém mais o fez. Mas algo em Kamus lhe dizia que ele deveria seguir em frente, que aquele caso deveria ser seu. E não era seu ego, seu orgulho que lhe diziam aquilo, era algo mais forte, algo acima daquilo.

Porém, não pôde deixar, enquanto observava o sono pesado do francês, de lembrar das palavras do sócio sênior do escritório: Você está por sua conta, Miro. Não queremos este caso, é muito perigoso. Se você perder, não poderemos mais mantê-lo aqui. Não quando vai de encontro às nossas decisões.

Mas ele também já havia tomado a sua decisão.

E iria até o fim daquela vez.

Continua...

1- Skorpio realmente existe. Esse foi o nome dado ao iate que o magnata Aristóteles Onassis comprou para sua recente esposa, na época, Jaqueline Kennedy Onassis. Achei que combinaria mais com o Miro do que com o iate, o que acham?

Gente, desculpem mais uma vez pela demora! Mas aqui está ele! Respondi algumas coisas e fiz o nosso querido grego aceitar o caso do Kamus. Alguém achou que ele não iria fazer isso? LOL. Bem, agradecimentos novamente a todos os comentários via MSN, review e email. Até o próximo capítulo e aguardem porque as minhas outras fics também vão ser atualizadas em breve, é uma promessa!