Título: A Floresta das Trevas - ano 2948
Personagens: Estel, Elladan Elrohir, OCS originais.
Retratações: Os personagens não são meus, nenhum lucro é pretendido, só existe o desejo de contar uma história e demonstrar meu amor aos personagens do Professor Tolkien.
Sumário: Nos lugares escuros do mundo, o perigo espreita em cada trilha...
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A Floresta das Trevas - Ano 2948
A companhia iniciou sua passagem pela montanha numa manhã fria e nevoenta e mesmo que aqueles picos tão altos quanto as nuvens pudessem trazer desconforto a quem olhava de baixo, Estel estava decidido a aproveitar bastante a travessia.
Apesar de tudo, felizmente para Estel, não houve qualquer outro incidente grave durante o reinício do percurso. Ainda sentia a dor dos ferimentos, mas tudo estava cicatrizando corretamente.
Entretanto, como logo descobriram em relação à montanha, o maior aborrecimento vinha do frio cortante causado pela altitude e pela neve, que derretida pelo sol escorria constantemente pelos vales, e o vento que soprava insistentemente era tão incômodo que os impediam de dormir ou descansar.
Estavam constantemente molhados até os ossos, a passagem parecia infindável, e mesmo assim Estel não perdia sua exuberância. Sua tagarelice fazia com que até o mais carrancudo dos elfos risse de suas conversas.
Levaram mais tempo que o calculado para fazer a travessia, e quando por fim chegarem do outro lado das montanhas e foram saudados por um sol alto e brilhante, ninguém conseguiu disfarçar a alegria.
"Nosso próximo passo é a velha Floresta das Trevas." Disse Elladan com um enorme sorriso, erguendo o rosto para receber os raios do sol.
"Demora muito para chegarmos?" Indagou Estel, mal conseguindo disfarçar a ansiedade.
"Um pouco. Mais alguns dias de cavalgada. Primeiro temos que atravessar o grande rio das Terras Ermas para avistá-la."
"Não vamos seguir a trilha da velha estrada da floresta?" O humano perguntou, secando com uma manta, o pelo úmido de Thargon.
"Na verdade não." Explicou o irmão. "Foi por isso que atravessamos as Montanhas cinzentas mais ao norte, para que pudéssemos entrar pelo portão da floresta e usar a trilha dos elfos do rei Thranduil. Infelizmente teremos que atravessar o rio encantado, mas esta trilha nos deixará mais próximos da Montanha Solitária e de Valle, ao passo que se usássemos a velha estrada, no final dela precisaríamos subir todo o Rio Corrente."
"Então vamos passar pelos domínios do rei elfo?"
"Não. Vamos usar a trilha, mas não vamos entrar em suas terras..."
"Oh!" Estel calou-se por um momento, depois recomeçou no mesmo tom casual. "Sei que não quer se desviar, mas..." Ele olhou cautelosamente para o irmão mais velho. "Na volta, quero dizer... Não estaremos com a mesma pressa, então eu estava pensando... podíamos pegar a trilha mais longa e quem sabe encontrar o velho Beorn. Ainda me lembro do que Bilbo me contou sobre ele após a grande batalha e fiquei imaginando como seria interessante conhecê-lo..."
Elladan suspirou e olhou para Elrohir, que estava muito ocupado cuidando do próprio cavalo, escondendo um sorriso divertido.
"E quem sabe conhecer as colinas de ferro, visitar Esgaroth, toda população de homens da floresta e toda Arda do início ao fim!" Elladan zombou, pretendendo com isso dar um fim às pretensões de Estel e o menino sabiamente não disse nada mais, no entanto intimamente sentiu-se vitorioso. Elladan não havia dito não.
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O grande paredão da Floresta das Trevas assomou perante os cavaleiros, uma enorme barreira de troncos e galhos. Para a comitiva intimidada, o espaço sombrio mais lembrava uma caverna escura que um santuário verde.
Cautelosos, passaram pelo portão e iniciaram a travessia pela trilha dos elfos. O tempo ali parecia imutável, em parte devido ao silêncio quase sobrenatural. Era estranho caminhar por uma floresta em que não se ouvia o ruído de animais ou o cantar dos pássaros.
E ainda que a maioria deles se queixasse da sensação de sufocamento causado pelo número excessivo de árvores, a passagem naquele lugar era melhor que a da estrada velha.
Pelo menos o sol conseguia atravessar em alguns pontos os ramos fechados, trazendo uma claridade de lusco-fusco sobre trilha.
Eles podiam escutar o rastejar e a correria súbita por entre as folhagens, mas qual fosse o animal causador daquele barulho, nunca aparecia em plena trilha ou próximo a ela para que pudesse ser reconhecido. E uma coisa nunca faltava. Insetos! Insetos enormes que constantemente grudavam em seus cabelos e roupas, provocando incômodo e irritação.
Por fim, após o que pareceram horas de caminhada, a luz solar começou a minguar, e a escuridão instalou-se como uma muralha intransponível em que mesmo os elfos não podiam enxergar as próprias mãos.
Isso os obrigou a parar e acampar em meio ao caminho, não desejando correr o risco de saírem da segurança da passagem.
Sem se arriscarem a acender uma fogueira, para evitar atraírem uma quantidade maior de insetos gigantes, começaram a comer o pão de viagem que haviam trazido e beber de seus cantis que haviam enchido antes de entrarem pelo portão verde.
"Custa-me imaginar que alguém poderia viver aqui, enclausurado em meio a este escuro sufocante." Arlan olhou ao redor para a escuridão da noite, reprimindo um estremecimento.
"Como sinto falta de olhar para o céu e ver a lua e as estrelas." Elladan suspirou desejoso. Depois de alguns instantes de silêncio, apesar da escuridão, Estel quase pôde ver o sorriso trocista na face do irmão. "Duvido que meu irmãozinho esteja tão ansioso para conhecer a floresta agora."
Os companheiros riram e Estel bufou, chamando o irmão de tolo. Apesar de tudo, ainda considerava a floresta fascinante. E como não poderia? Pensou em todos os tipos de seres que moravam na imensa floresta, inclusive aqueles que se escondiam furtivos durante sua passagem.
"No entanto os elfos de Thranduil estão aqui há muito tempo não é mesmo? Por que será que elfos morariam num lugar tão melancólico?"
"Não se esqueça de que a floresta nem sempre foi assim. Um dia foi chamada de Floresta Verde, antes que fosse coberta pela sombra e seres malignos viessem para cá." Lembrou Elrohir ao irmão caçula.
"E Thranduil manteve seus domínios livres da escuridão, embora seja difícil de imaginar isto daqui, de onde estamos." Elladan completou. "Este é um dos motivos para que seja tão cauteloso em relação aos limites de seu reino."
"Gostaria de visitar esse reino um dia." Pensou Estel ao preparar-se para dormir. "Quem sabe num futuro próximo? Não custa nada tentar convencer Elladan." Foi seu último pensamento antes de cair em sono profundo.
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Eles se encontravam às margens de um rio não muito largo ou caudaloso, mas de águas negras que corriam ruidosas.
"Então este é o Rio Encantado?" Perguntou Estel com certa decepção. "Não me parece muito mágico olhando daqui."
"Não parece mesmo, mas se todas as lendas a respeito dele forem verdade, as aparências podem enganar com facilidade." Disse Elrohir apeando do cavalo, seguido pelos outros. "Precisamos ser cuidadosos..."
"Vejam, a velha ponte foi mesmo reconstruída como nos disseram os mensageiros de Bard." Elladan apontou. "Agora precisamos descobrir se ela é segura." Puxando seu corcel pelas rédeas, começou ele mesmo a atravessar a ponte com cautela.
"Tenha cuidado Elladan." Gritou Berdel. "Não pretendo passar o resto desta viagem carregando você por aí, enquanto dorme." Os amigos concordaram aos risos, enquanto observavam as passadas cautelosas do elfo e seu cavalo. Finalmente os dois chegaram sãos e salvos ao outro lado.
"Viram?" Gritou. "Não vou dormir o sono encantado, mas é melhor passarem um de cada vez com os cavalos."
Assim, um a um, os sete cavaleiros cruzaram o rio guiando seus corcéis para a última etapa da travessia pela Floresta.
Na outra margem as árvores tornaram-se mais esparsas, permitindo que a luz do sol surgisse com mais intensidade por entre os ramos. Inclusive começaram a ouvir o canto dos pássaros e o movimento de cervos que corriam por entre as moitas.
Um grande número de borboletas coloridas voejava pelo caminho e Estel vindo por último, achava que até as árvores pareciam mais amigáveis. Observando distraído tantas cores, sobressaltou-se quando Thargon relinchou nervoso.
"Ei amigo." Segurou as rédeas com mais força. "O que houve? O que está lhe assustando?" Tentou encontrar o motivo do nervosismo do cavalo, olhando em volta. Os outros já haviam sumido na distância, distraídos deles.
Por fim, quando imaginava que havia sido um animal furtivo qualquer o causador do nervosismo do garanhão, sentiu o sangue gelar. Ali, bem próximo, suspenso em meio as grandes copas estava um emaranhado de teias densas e sujas, com fios grossos como cordas, estendendo-se por varias árvores, a uma altura infelizmente, pouco suficiente do chão.
Procurou controlar Thargon, enquanto tentava descobrir o que exatamente era a coisa que estava presa naquele tenebroso casulo. E foi com um arrepio que viu se tratarem de patas, as protuberâncias que saiam pelos lados dele.
Patas de um grande cervo!
Abruptamente o pobre bicho se mexeu de dentro da prisão, deixando claro a Estel que fora capturado há pouco tempo e que certamente seus captores estariam por perto. Seguro de não querer encontrar tais criaturas, puxou as rédeas de Thargon, para sair em galope, quando o animal foi acometido de tamanho pânico que empinou, relinchando aterrorizado.
E aquilo caiu sobre eles! Teias nojentas e pegajosas. Quase em pânico, tentou arrancar o emaranhado que os cobria, quando uma visão apavorante surgiu em sua frente.
Uma peluda, inchada e negra aranha. Tão grande que certamente poderia erguer Thargon no ar. E vinha em sua direção, rápida como uma flecha, soltando guinchos terríveis, enquanto tecia seu novelo imundo para aprisioná-los numa mortalha idêntica a do cervo.
Por um momento, dominado pelo pânico perdeu controle sobre o cavalo que, relinchando amedrontado, empinou novamente, lançando Estel para fora de seu dorso, para em seguida, galopar incontrolado pela trilha, abandonando seu senhor a própria sorte.
Estel rodou numa cambalhota, atordoado pelo baque, mas num reflexo rápido se recuperou, enquanto guinchos soavam próximos a ele, e lá estava ela com suas potentes mandíbulas a poucos centímetros de sua cabeça.
Engoliu o grito que queria escapar e golpeou com a espada, acertando a couraça dura como pedra, quase sem efeito, a não ser o de enfurecer a aranha que se afastou, guinchando contrariada.
Estel aproveitou a oportunidade e arrastou-se de costas, tentando levantar-se para ficar fora do alcance das patas descomunais, mal tendo tempo, pois ela saltou novamente, tentando usar seu ferrão.
Com agilidade conseguiu se desviar, não sem antes receber um arranhão no peito. De pé pôde observá-la melhor e resolveu tentar acertar a massa brilhante que eram seus olhos.
Avançou, mas o monstro era muito rápido e novamente acertou apenas a couraça, o braço doendo com o golpe.
Cautelosa quando viu que a pequena criatura era tão ágil quanto ela, jogou sua teia para o alto e içou-se no ar, surpreendendo Estel com o movimento, e então estava novamente sobre ele, como uma nuvem escura que surge para encobrir a luz do sol.
Desta vez o grito que esteve preso na garganta ecoou livre pela mata, e por puro reflexo acertou num ponto macio, exatamente na barriga da aranha.
Ao mesmo tempo em que fazia isto, o assovio de uma flecha cortou pelo ar, fazendo um som nojento ao penetrar na carne hedionda.
A aranha estrebuchou, batendo suas pernas em todas as direções, guinchando de dor e espalhando seu sangue negro na trilha.
Era tão imensa que acertou Estel antes que se afastasse longe o bastante. Parou de repente, como um brinquedo de corda que perde seu impulso e desabou exatamente por cima dele, que ficou com as pernas presas debaixo do monstro. Tentou se arrastar para longe daquela coisa nojenta, mas era quase impossível mover a massa inerte.
Já estava gritando por ajuda quando escutou passos e seus amigos surgiram em seu campo de visão.
"Estel!" Gritou Elrohir quase em pânico. "Está ferido? Ela o picou?" Estava frenético, tateando a procura de ferimentos.
"Por que demoraram tanto. Onde estavam?" Perguntou irritado, custando disfarçar o alívio.
Enquanto retiravam a aranha de cima dele, Elladan apareceu segurando seu arco e flecha, com uma expressão atroz no rosto.
"Onde estávamos? Onde estava você, que saiu da trilha! Eu pensei que tivesse juízo suficiente para não cometer tamanha tolice." Não parecia disposto a controlar sua irritação. "Porque parou para enfrentar a maldita da aranha e não pediu ajuda?"
Surpreendido pela cólera do irmão, mal conseguiu explicar.
"Eu não pensei... Elladan, eu não estava..."
"Esse é o problema Estel! Você não pensa! Ela poderia tê-lo envenenado e carregado por sobre as árvores, só porque quer brincar de guerreiro. Nunca mais haja com tamanha estupidez ou vai fazer a viagem de volta antes do que imagina!"
Ele completou a sentença e virou-se para Arlan, ignorando Estel e suas tentativas de falar.
"Vamos atrás dos outros saber se precisam de ajuda para encontrar Thargon e Roccondil. Calion fica aqui para o caso de surgir outra desta." Dito isto seguiu pela trilha sem olhar para trás.
Sentindo-se envergonhado, Estel não conseguia olhar para Elrohir.
"Deixe-me ver se você foi ferido." Disse o irmão com voz suave.
"Não estou ferido." Ele o empurrou para se levantar. "E não quero ajuda."
"Estel." Elrohir o segurou pelo braço. "Não deve ficar chateado. Você nos deu um grande susto quando Thargon surgiu sem você."
Finalmente olhou para o elfo.
"Eu não queria... mas Thargon ficou apavorado e eu vi o cervo... e então ela surgiu e não havia tempo..." Sentia um bolo na garganta.
Elrohir levantou a mão.
"Estel pare, por favor! Beba um pouco de água."
Ele respirou fundo, bebeu do cantil que lhe era oferecido e começou novamente.
"Elrohir, eu vinha pela trilha, logo atrás de vocês quando Thargon se agitou e então eu vi aquilo." Apontou para o grande casulo, deixando os dois elfos assombrados.
"É estranho que as aranhas estejam se aproximando da trilha para capturar suas vítimas." Calion disse, examinando o emaranhado de teias e olhando vigilante por entre as árvores, preparado para a possibilidade de que outra surgisse de repente.
"Exatamente. Foi o que pensei." Estel confirmou.
"Ela provavelmente havia acabado de capturar o cervo e se escondeu quando nos aproximamos." Concluiu Elrohir, analisando o emaranhado de teias sujas.
Estel percebeu que ainda estava com as nojentas teias grudadas nele e se pôs de pé, procurando arrancá-las.
"O que houve com o cavalo de Berdel?"
"Nós estávamos distraídos, quando Thargon surgiu, assustando os outros cavalos e causando uma confusão tremenda. Berdel e Elladan foram derrubados e Roccondil seguiu atrás antes que pudéssemos impedir os dois, sumindo por entre as árvores. Imediatamente Erudhir galopou atrás e Elladan ordenou a Berdel que fizesse o mesmo em seu cavalo. Ele então montou comigo e viemos o mais rápido possível atrás de você."
"Parece que me salvar de apuros está virando uma rotina." Disse Estel chateado. "Obrigado."
"Você parecia estar dando conta dela muito bem." Elrohir tentou consolá-lo.
"Você acha que Elladan irá me perdoar?"
"Claro que sim e além do mais você o conhece. Seu aborrecimento passa rápido. E ele estava mais aliviado que zangado. Agora venha. Vamos encontrar os outros."
Calion se aproximou com os cavalos e Elrohir montou esperando que Estel fizesse o mesmo, notando o sangue em suas vestes.
"Você não me disse que estava ferido!"
Acompanhou o olhar do irmão e viu a pequena mancha vermelha em seu peito.
"Pra dizer a verdade não havia notado." Deu de ombros. "Parece ser apenas um arranhão..."
O irmão parecia pouco convencido, mas deixou o momento passar, já que Estel era a imagem perfeita da infelicidade ao montar com ele. Mas assim que acampassem iria verificar o ferimento.
Galoparam pela trilha, demorando algum tempo para encontrar sinal dos outros. Ouviram vários relinchos e seguiram em direção a eles, quando deram com Erudhir vindo rapidamente a seu encontro.
"Que bom que estejam aqui." Disse ele. "Acho que temos problemas."
"O que houve?" Elrohir se adiantou.
O elfo olhou para Estel.
"É Thargon. Parece que se feriu seriamente."
"O quê?" Gritou o menino assustado. "Machucou a pata?"
"Não, não foi isso." O elfo desviou novamente os olhos para Elrohir. "É melhor irmos rápido."
Eles apressaram-se e mais à frente foram deparados com a imagem do cavalo estendido no chão, tendo Elladan e Berdel ajoelhados perto dele. Roccondil já fora capturado e parecia bem.
Estel mal esperou o cavalo de Elrohir parar e desmontou rapidamente. Thargon abanou a calda e resfolegou ao reconhecer o dono. Mas não se levantou.
"Thargon meu amigo, o que houve?" Perguntou assustado.
Elrohir aproximou-se deles e também se ajoelhando, começou a examinar o cavalo em silêncio, junto de Elladan.
"Parece ser envenenamento." Disse por fim, apontando as pupilas dilatadas e a baba branca que escorria do focinho.
"O que?" Estel assustou-se. "Não é possível. Não houve tempo, eu não vi..." Então se lembrou do relincho de dor quando foi derrubado e gemeu fechando os olhos.
"A aranha! Ela atacou Thargon, mas ele fugiu e eu não pensei..." Não conseguiu terminar, estremecendo. "Vocês podem ajudá-lo, não podem?"
Nenhum dos irmãos respondeu por um momento, até que Elrohir suspirou.
"Eu realmente não sei. O veneno parece agir com extrema rapidez."
Ele quis gritar com Elrohir pra que não deixasse seu cavalo morrer, mas sabia que seria uma tolice inútil, então engoliu em seco e voltou sua atenção novamente para o pobre amigo.
Ficou alisando sua cabeça sedosa, enquanto Elrohir levantou-se seguido por Elladan e foram se afastando. Conversaram parecendo preocupados e depois Elrohir foi em direção ao próprio cavalo retirar algumas coisas de seus alforjes.
Ouviu Elladan dizer a alguém para acender uma fogueira, entretanto não se importou em saber quem, mergulhado em sua própria culpa para se incomodar.
Elrohir voltou e com a ajuda de Berdel preparou um emplastro de ervas, usando a água fervida na fogueira pequena.
Trabalharam por um longo tempo em Thargon, conversando com ele e pareceu a Estel que o cavalo se animava um pouco, ou talvez fosse apenas seu desejo de que isto acontecesse.
O dia foi morrendo por entre os ramos espessos das árvores e eles continuaram ali, onde foi improvisado um pequeno acampamento.
A dor que Estel sentia era quase palpável. Thargon foi seu grande companheiro desde o dia longínquo em que seu pai elfo lhe presenteara com o majestoso garanhão negro.
Como lhe pareceu enorme então. Tão grande quanto uma montanha. E durante muito tempo era necessário que fosse erguido nos braços para alcançar a sela.
Foi sempre um companheiro fiel e saber que sua imprudência o pudesse ter condenado fazia com que ficasse com a visão nublada. Durante todo o tempo não tirou os olhos dele e dos irmãos, pensando no contentamento extremo que sentiu durante toda a longa marcha até ali.
Nunca antes havia sentido a proximidade da morte. Ser adulto significava tomar decisões de vida e morte sobre aqueles a quem amava? Se assim o fosse nunca mais qualquer um sofreria por uma decisão ou ato insensato seu.
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Por fim, quando os últimos raios do sol agonizante deixaram a floresta, Thargon partiu. Tão serenamente que Estel não pode entender a princípio. Olhou para os olhos de Elrohir que lhe disse tudo sem palavras. Agora compreendia que havia sido uma batalha inútil e apesar de saber disso, os irmãos fizeram o possível para impedir o sofrimento do animal.
Levantou-se, sem conseguir agradecer a eles. A voz estava presa em sua garganta. Precisava ficar sozinho. Não se importou que vissem o sofrimento em seu rosto. Que se portasse como uma criança e não um cavaleiro audaz, capaz de enfrentar feras cruéis.
"Por que nunca me disseram que seria assim?" Sentiu-se enganado. "Tantas lições, conselhos, mas nada sobre isso."
Existiria algo pior que a dor da perda?
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Estel moveu-se assustado ao perceber que havia dormido. Olhou em torno com as recordações tristes voltando a sua mente.
Depois da morte de Thargon, se afastou do cavalo e sentou longe da fogueira com um cansaço extremo comprimindo suas pálpebras. Parecia que sua energia estava escoada.
Ficou sentando, sendo castigado pela própria culpa, que nem notou a movimentação ao seu redor. A noite avançou floresta adentro e só desejou a paz da escuridão.
Uma hora foi assaltado pelo medo de que estivessem ainda próximos demais ao ninho das aranhas, mas sabia que os companheiros não teriam sido tão imprudentes.
Alguém, provavelmente um de seus irmãos, havia colocado uma capa sobre seus ombros, mas a empurrou sentindo um calor ardente se espalhar pelo corpo. Precisava de água, porque a garganta queimava como fogo.
"Onde estavam os cantis?" Não conseguia encontrar. Tudo estava tão escuro e sufocante. "Ar". Queria ar fresco. Por que parecia não conseguir respirar? "Por que esconderam a água?" Quis gritar. Sentiu uma ira tão ardente quanto o fogo que queimava suas têmporas. Comprimiu a cabeça tentando parar a dor que impedia com que pensasse com clareza.
Sabia que havia um rio por perto e tinha que chegar até ele. Qualquer coisa para aplacar o fogo que o consumia. Levantou, sacudindo a cabeça para acabar com as estrelas coloridas que lhe turvaram a visão e seguiu em frente, o desespero guiando seus passos a lugar nenhum.
Mal havia percorrido um trecho, quando ouviu um chamando alto. Era um som estridente, que feriu seus ouvidos e fez com que as batidas no crânio aumentassem.
Olhou para traz e ofegou. Criaturas de longas garras negras e olhos vermelhos como sangue o perseguiam. Estava condenado a morrer pelas garras afiadas ou pelo calor ardente que o consumia.
As criaturas vinham em seu encalço, perto demais, então reconheceu uma figura. "Elladan!" Mas ele estava morto não estava? As feras o mataram! Ia vingar o irmão e cada um dos companheiros, mas o fogo queimava sua cabeça, lançando setas de dor por todo o corpo, confundindo seus pensamentos.
Uma fúria incontrolável o percorreu através da agonia e manejando a lâmina prateada atacou.
O movimento surpreendeu Elladan, que no último momento, mais por instinto que para se defender, ergueu a lâmina e repeliu a arma do humano jovem.
Estel brandiu novamente a espada com rapidez incrível e o irmão teve que usar de toda sua força para aparar o segundo golpe, para em seguida, arrancar a espada da mão dele com um golpe habilidoso da sua.
Imediatamente o segurou, enlaçando os braços em volta dele com força.
"Estel pare, por favor!" Implorou enquanto o sacudia. "Pare!"
"Elladan?" Perguntou o menino, com um estremecimento agoniado.
"Sou eu irmãozinho." Elladan confirmou esperançoso. "Não precisa temer nada, eu estou aqui com você!"
Gemendo, Estel tentou implorar ao irmão que o ajudasse, mas só conseguiu apoiar a cabeça em seu peito, tremendo em espasmos incontroláveis, o corpo convulsionando em busca de ar.
Tornou a gemer e desta vez a garganta tostada protestou, lançando outra seta de dor à sua mente já agonizada.
Em meio ao tormento sabia que a fera tentava enganá-lo, assumindo a forma de seu irmão morto e lutou desesperado, usando uma energia retirada do mais profundo desespero. Mas a fera continuava seu aperto mortífero, as garras de aço machucando seu corpo.
Foram surgindo outras, a aparência monstruosa ferindo seus olhos. Então começou a soluçar. Um rio de lágrimas escorrendo dos olhos, as mãos fechadas tão apertadas que as unhas entalhavam feridas sangrentas nas palmas.
Elladan assistia aflito a agonia do irmão caçula, enquanto os outros se aproximavam. Mas olhar para eles só parecia aumentar sua loucura, então Elrohir retirou sua capa e cobriu Estel, o que aumentou seus espasmos e gritos.
Mas estando preso dentro dela, seguro pelos braços fortes do irmão, o desespero foi aos poucos amainado, restando apenas os soluços de dor.
"Elladan o que vamos fazer?" Perguntou Elrohir desesperado.
"Vamos levá-lo para perto da luz do fogo e descobrir o que causou este aceso de loucura." Respondeu com confiança frágil.
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Fogo queimava sua carne. Ondas de calor tão intensas que pareciam transformar sua pele em cinzas. Uma agonia que durou uma eternidade de dor.
E quando achou que até sua alma seria consumida, um frio intenso varou suas entranhas, gelando todo seu ser.
Seus dentes batiam incontroláveis, enviando pontadas de dor a cada centímetro do corpo. Não havia fuga. E todo o ciclo se repetia num contínuo sem fim. Fogo e gelo, calor e frio, dor e desespero, até que implorou pelas trevas misericordiosas que o livrassem daquele tormento.
Entretanto o martírio não abrandou. Nem a dor. Nem os gritos que feriam seus ouvidos aumentando sua agonia. Queria que parassem e só muito tarde percebeu que eram seus aqueles lamentos.
Por fim, quando abriu os olhos com cuidado, uma luz tímida tocou suas pálpebras. Havia um rosto conhecido.
"Elladan?" A voz rouca, quase um sussurro.
"Meu irmão..." Havia preocupação na voz e o rosto do irmão estava marcado pela angústia.
Ele tentou sorrir para tranquilizá-lo, mas só consegui esboçar uma careta.
"Is... isto... está se re... re... re... repetin... do."
"Temo que sim, irmãozinho."
"Quanto... quanto... tempo...?"
"Uma lua."
"Isto é mesmo... muito... muito ruim... não é?"
O irmão não respondeu, desviando os olhos. Não era necessário. Mal podia manter esta conversa e as garras da dor voltavam a torturar seu corpo.
Elladan afastou os cabelos úmidos de suor de seus olhos e apertou um pano frio em sua testa.
"Onde... os outros? Elrohir?" Parou por alguns instantes para recuperar o fôlego.
"Saiu, mas não se preocupe, ele logo estará de volta. Fique quieto. Precisa poupar suas forças."
"Foi... a... aranha...? Matou... Thargon... e agora... estou... mor.. rendo..."
"Não diga isto Estel. Logo estará bom novamente."
"Não estarei. Se pudessem... se pudessem me ajudar... já... já o teriam feito." Fechou os olhos tentando ignorar as pontadas lancinantes na cabeça. "Não... se preocupe... Não tenho... medo. Só... lamento... só lamento... não ver novamente... nosso lar..."
"Vamos dar um jeito nisso." Ele sorriu tentando parecer confiante, enquanto acariciava seu rosto com dedos suaves. "Conhece Elrohir. Não desistirá de você."
Estava perdendo novamente o foco do irmão, a inconsciência rondando, mas esforçou-se para continuar.
"Elly... você me... perdoou?"
"Perdoar você?"
"Sim... quando encontrei a... a aranha... não pedi... ajuda. Você tinha... tinha razão. Mas agora... é tarde. Tarde... para Thargon... tarde... para mim..."
"Você está dizendo bobagens. Não há nada para perdoar."
Ele não mais escutava, mergulhado novamente em seu mundo de delírios. Elladan suspirou alto. O tempo estava se esgotando.
Elrohir retornou com novas ervas para as beberagens de que Estel necessitava e após examinar o menino inconsciente, viu que seu estado continuava tão ruim ou pior que antes, apesar de seu breve momento de lucidez. Tocou sua testa e ela ardia como brasa.
"Precisamos tirá-lo daqui. Não pode sobreviver por muito tempo nesta floresta." Mordia aflito os lábios, olhando para Elladan. "É incrível que esteja resistindo por tanto tempo."
"O que você sugere? Estou disposto a tentar qualquer coisa." O irmão perguntou, com igual aflição.
"Precisamos encontrar o reino de Thranduil. Só lá terá chance..."
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Continua...
Notas:
A Floresta das Trevas: Mirkwood, a maior floresta da Terra Média, era conhecida como Floresta Verde (Eryn Lasgalen) até que seres malignos ali fizeram morada. Fica a leste das Montanhas Sombrias e ao sul das Montanhas Cinzentas. Suas copas gigantes impedem a entrada de quase toda a luz do sol, tornando-a uma paisagem escura e muitas vezes perigosa para quem se atreve a entrar nela.
O Rio encantado da Floresta das Trevas: Rio mágico que possui a capacidade de fazer adormecer por tempo indeterminado, qualquer um que caia em suas águas escuras. Exatamente como aconteceu a Bombur, um dos anões da companhia de Bilbo.
