Título: Valle - ano 2948
Personagens: Estel, Elladan Elrohir, OCS originais.
Retratações: Os personagens não são meus, nenhum lucro é pretendido, só existe o desejo de contar uma história e demonstrar meu amor aos personagens do Professor Tolkien.
Sumário: Estel e Ivy chegam a um acordo e o passado vem à tona.
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Valle - ano 2948/parte 1
O murmúrio suave do vento frio os saudou naquela manhã em que decidiram adiar sua ida para Valle. Era o primeiro dia após o incidente no Rio da Montanha e todos concordaram que Elrohir não estava bem o suficiente para seguir viagem. O elfo ficou aborrecido e discutiu, dizendo que sua opinião era a única que não estava sendo considerada.
De qualquer forma Ivy se viu desfrutando o dia de descanso, sentada em uma pedra aquecida pelo sol morno. O ritmo da cavalgada era cansativo e ela também sentia os efeitos de sua provação recente.
"Posso lhe fazer companhia?"
Abiu os olhos para encontrar Estel de pé, à sua frente, sorrindo timidamente. Era estranho que estivesse confortável para pedir isso quando há meros dias um não suportasse a presença do outro.
"Pode sim, é claro..."
Ele se acomodou ao lado dela e ficaram em silêncio sociável por um tempo, até que ela se virou para olhar a ele.
"Eu pensei que me odiasse..."
Ele se ruborizou, mexendo-se desconfortável.
"É claro que não a odeio, eu só..." Mordeu os lábios. "Acho que não tivemos um começo muito bom, não é?"
"Acho que não." Ela concordou. "Mas também acho que se tornou algo muito pequeno depois de ontem..."
Ele acenou com a cabeça, observando as mãos, como se procurasse as palavras certas. Depois a olhou novamente.
"Podemos recomeçar... quero dizer..." Ruborizou-se novamente. "Pode me perdoar por ser rude com você?"
Ela achou que ele parecia doce, todo vermelho daquele jeito e sorriu.
"Eu o perdoo, se você me perdoar por não facilitar as coisas."
Ele sorriu aliviado.
"Amigos então?"
"Amigos." Ela concordou e ele ficou calado a observando. Seus olhos tinham se alargado quando havia visto Ivy de pé, ao sol, em seu vestido marrom simples. Os cabelos estavam soltos nos ombros e pela primeira vez a viu como mais que simplesmente uma companheira de viagem, mas também como uma menina bastante bonita.
"Estel?" Ela olhava para ele com curiosidade e ele sorriu, sem jeito.
"Desculpe-me, me distraí um pouco..."
Ela franziu o cenho.
"Ainda preocupado com seu irmão?"
Ele desviou o olhar para onde Elrohir estava conversando quietamente com Eruónel.
"Elfo teimoso! Não está se sentindo bem e se recusa a admitir!"
"Ele não ficou feliz por fixarmos acampamento por causa dele..."
"Elrohir sabe que dificilmente Elladan iria permitir com que cavalgasse, especialmente sem a concordância de Eruónel, nem sei por que tentou..."
"Eu imagino que ficaremos aqui por alguns dias mais..."
"Ah, vai ser uma tarefa inglória mantê-lo em repouso. Foi quase impossível impedi-lo de sair para trazer as frutas para você. Ele não queria permitir que..." Estel parou com olhos arregalados, levando Ivy a rir de sua expressão culpada.
"Oh Estel! Eu suponho que foi você quem trouxe minhas doces frutas." Ela concluiu.
"Mas apenas por que eu e Elladan não permitimos que Elrohir fosse. Você não imagina como foi difícil e eu tive que repetir as coisas que ele queria que eu encontrasse uma porção de vezes antes de sair..."
"Não precisa se explicar." Ivy estava se divertindo muito com o embaraço dele. "Não importa quem buscou tudo. Foi muita gentileza de seu irmão e eu agradeço a ambos."
Ele ainda parecia embaraçado.
"Era o mínimo que eu poderia fazer depois do que você fez por ele..."
Ela sacudiu a cabeça.
"Elrohir se feriu tentando me proteger daquele tronco, como poderia deixar que o rio o levasse?" Ela perguntou suavemente.
Estel assentiu.
"Eu entendo, mas ele teria se arriscado por você mesmo que significasse..." Estremeceu com a possibilidade de Elrohir ter se ferido mortalmente. "Ele era responsável por você no rio e teria feito qualquer sacrifício para mantê-la a salvo..."
"Mas eu não sou uma heroína só porque fiz o que era certo." Ela insistiu. Naquele momento aterrador, no rio, havia sido a única escolha a fazer.
"Você pode acreditar nisso, mas ainda assim se tornou benfeitora de minha família, queira o título ou não." Ele afirmou, sério.
Ela baixou a cabeça timidamente, retirando alguns fios soltos da saia.
"Ainda acho que vocês dão importância exagerada a um gesto banal..."
"Não foi banal, lhe garanto... Por favor, não se envergonhe do valor de seu ato Ivy, me prometa..."
Ela ergueu os olhos para ele e vendo sua expressão determinada, achou que Elrohir provavelmente não era o único membro teimoso da família.
"Eu prometo." Ela suspirou. "Mas vocês tem que parar de exagerar sobre isso, ou vou ficar cheia de soberba."
Ele ofegou horrorizado.
"E isso seria terrível!"
Ela riu e Estel ficou contente consigo mesmo.
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"Obrigado." Elrohir deu-lhe um sorriso breve, aceitando a comida que o irmão lhe entregava.
"Você não me parece muito bem." Estel o observou atentamente. "Talvez precise se deitar..."
"Só um pouco cansado. Não se preocupe com isso." Sorriu ao pensar no quanto os irmãos eram previsíveis. Elladan já havia feito à mesma pergunta poucos segundos atrás.
Bebeu o chá e comeu um pouco de pão, enquanto Estel sentava-se ao seu lado, inquieto.
"Você sim, não me parece bem..." Olhou ao menino com olhos críticos. "Vamos, me diga o que está lhe aborrecendo."
"Tudo o que aconteceu..." Estel começou, a cabeça baixa e a voz ligeiramente trêmula. "Já foi ruim o bastante com Thargon, então você..."
A expressão de Elrohir tornou-se pesarosa.
"Estel, eu sinto muito..."
"Não se desculpe Elrohir, por favor!" Estel o interrompeu, erguendo a cabeça e dizendo isso mais veementemente do que pretendia. Depois suspirou. "Está errado em se desculpar a mim, pois foi um acidente e eu... eu só não sei como reagiria se você ou Elladan se fossem... não seria natural, não é?" Buscou os olhos de Elrohir, desejando confirmação e o elfo colocou de lado a comida que havia apenas começado.
"Não, não seria natural..." Fitou com preocupação o rosto pueril do irmão. "Já passou por tanta coisa desde que saímos de casa e eu nem parei para considerar o quanto isto te afetaria..."
"Não me afetou! Pelo menos não até que..." Olhou para Elrohir com olhos enormes. "Nunca havia pensado seriamente na morte até que você se afogou..."
"Claro que nunca pensou, protegido como esteve em Imladris." Elrohir disse, ainda parecendo culpado. "Talvez tenha sido um erro manter você longe de sua gente..."
"Vocês são minha gente!" Ele interrompeu indignado e Elrohir sorriu.
"É claro que somos, nunca deixaremos de ser, mas Estel... a dádiva de Eru..."
"Não precisa se preocupar com isso!" Ele interrompeu novamente, irritado. "Não sou mais criança Elrohir, sei que não sou um elfo e não me engano sobre imortalidade e essas coisas..."
"Não me preocupo, só que..." Suspirou. "A vida que levamos quando saímos em patrulha ou enfrentamos criaturas malignas... não posso lhe garantir que não me ferirei novamente, ou que você não se ferirá ou Elladan..."
"Não posso lhe impedir de socorrer donzelas em perigo, não é?" Estel bufou, ainda chateado, mas aceitando a verdade nas palavras do irmão.
"Não pode. É parte de meu charme..." Elrohir brincou e num impulso, Estel o abraçou suavemente.
"Só me prometa que tomará cuidado..."
"Eu vou, prometo." Elrohir sorriu, devolvendo o abraço, até que Estel se afastou, envergonhado de que estivesse se comportando como uma criança.
"Você precisa comer." Ordenou. "Elladan me incumbiu de fazê-lo engolir todo bocado que estiver aqui." Pegou a comida que o elfo havia colocado de lado e a colocou novamente em suas mãos.
Elrohir estalou os lábios.
"Será que um dia vou convencê-los de que estou bem?"
"Quem sabe quando estiver bem de verdade? Agora coma!"
"Você está se tornando tão autoritário quanto Elladan." O elfo reclamou, comendo obedientemente sua refeição.
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A companhia viajou mais devagar no dia seguinte, parando com frequência para que Elrohir descansasse. Ele reclamava sempre que acontecia, mas confessou a Eruónel que suas costelas ainda doíam. Isso o levou a ficar calado a maior parte do tempo, embora se animasse e sorrisse cada vez que Ivy se dirigia a ele e a chamasse de sua benfeitora.
Enquanto cavalgavam lado a lado conversavam animados e ela lhe contava histórias sobre as viagens que fazia com o pai no Ermo, enquanto ele, por sua vez, contava de suas aventuras com os irmãos, exagerando de propósito para fazê-la rir.
Estel e ela também desfrutavam da companhia um do outro. Ele que pouco conviveu com outras crianças humanas, achava fascinantes a exuberância e vivacidade dela, enquanto Ivy não cansava de interrogá-lo sobre Rivendell e sua vida no refúgio dos elfos.
Já haviam avançado muito até metade da tarde, o sol brilhava e as árvores em volta estavam cheias de folhas e cores e isso elevou os espíritos de todos, bastante combalidos depois dos acontecimentos desastrosos dos últimos dias, e também pela aridez taciturna do ermo que deixavam para trás.
Ivy sentia-se notavelmente bem. A viagem com o pai, uma obrigação que cumpria com aceitação resignada tornara-se uma grata surpresa. Cavalgou para perto da carroça, oferecendo-lhe o cantil d'água, notando a expressão preocupada nos semblantes de Berdel e Arlan, que estavam próximos.
Lembrou-se de que Elrohir havia se calado há algum tempo e percebeu que o gêmeo estava com os lábios crispados, as mãos segurando as rédeas até as juntas embranquecerem.
Elladan e Estel trocavam olhares preocupados. Adivinhou que estavam num impasse. Elrohir necessitava parar e descansar, mas o elfo teimoso se recusava aceitar isso. "Ah! Os homens e seus orgulhos!" Decidindo que a solução estava em suas mãos, aproximou-se num galope dos elfos que iam à frente, declarando que necessitava de uma parada.
Imediatamente a companhia parou, mal disfarçando os olhares de alívio. Ivy viu que Elrohir desmontou sozinho, embora parecesse um pouco trêmulo. Satisfeita de que ele logo estaria nas mãos capazes de Eruónel, resolveu aproveitar a oportunidade e providenciar uma pequena fogueira, pois obviamente Eruónel faria um de seus chás para o amigo ferido.
"Elrohir é um tolo..." Estel bufou, a raiva mal disfarçando a preocupação, enquanto se aproximava de Ivy em passadas largas. "Pretendia cair do cavalo, antes de pedir uma parada!" O menino estava irritado, correndo os dedos pelos cabelos em desalinho, parecendo querer chutar algo. E o fez, na roda da carroça.
"Não fique irritado com Estel, por favor, ele se aborrece quando nos atrasamos por sua causa..."
Ele finalmente acalmou-se o suficiente para olhar a ela.
"Pelo visto vou precisar me acostumar a lhe agradecer..."
Ela não respondeu, confusa.
"Você sabia que ele cairia antes que o obrigássemos a parar, por isso o fez você mesma." Havia admiração no rosto dele e Ivy ruborizou-se novamente. Isso vinha acontecendo muito frequentemente, sempre que estava com Estel. As palavras dele invariavelmente a encabulavam.
"Você me pediu para não negar a importância do que fiz por Elrohir no rio e recordei-me do ditado em Valle que diz que ao salvarmos a vida de alguém, tornamo-nos responsáveis por ela para sempre."
Ele sorriu.
"É um ditado muito sábio..."
"Você precisa descansar um pouco mais." Eles escutaram Eruónel dizer. "Seu corpo ainda está cansado e precisa de tempo para se recobrar..."
"Especialmente se levarmos em conta a incapacidade de Elrohir de tomar conta de si próprio." Ele continuou, sentindo-se irritado novamente.
"Eu duvido que ele concorde com você." Ela brincou.
"Ele não pode reclamar, já que obteve uma protetora tão graciosa..." Encabulado com as próprias palavras, pigarreou. "Vou cuidar dos cavalos. Precisamos manter um bom ritmo depois que Elrohir descansar, ou vamos mesmo nos atrasar..."
Ela não pôde discutir com isso.
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Não foi realmente possível seguir viagem naquele mesmo dia, pois a respiração penosa de Elrohir não agradou ao curador de Mirkwood, que declarou suas objeções quanto a continuarem cavalgar e Elladan acatou o conselho do amigo. Elrohir, surpreendentemente, não reclamou em demasia, o que por si só, era sinal do quanto se sentia doente.
Portanto, apenas no dia seguinte, quando o sol já baixava por entre as árvores e a tarde avançava, finalmente puderam avistar Valle. Exatamente seis dias após o incidente no rio da montanha e pareceu a Estel que era uma cidade grandiosa.
Torres erguiam-se imponentes, enquanto flâmulas coloridas ondulavam de seus pináculos e uma alta parede de madeira maciça circundava a cidade. Havia um enorme portão de madeira e ferro e dois soldados de feições duras estavam postados ao lado dele, ambos vestidos em armadura e portando escudos e espadas longas, de cumes afiados.
A presença de elfos e anões era aceita com naturalidade em Valle, devido às relações comercias entre estas comunidades e a necessidade que tinham de se unirem contra as criaturas perversas que começavam a infestar as Terras Ermas. Portanto, assim que se anunciaram, aos viajantes foi permitida passagem.
Ivy e seu pai seguiram em seu caminho, reassegurados de que se veriam novamente nos próximos dias, especialmente na grande festa. O restante do grupo se dirigiu ao castelo e foi recebido por um criado, que os levou por uma quantidade infindável de corredores até a sala do trono e à presença do lendário arqueiro conhecido como a Ruína de Smaug.
Bard era alto e esguio, a aura real não desmentindo o caráter marcial de suas feições severas. Mas era justo e honrado e muito lhe agradou que os soberanos dos dois importantes reinos élficos houvessem atendido a seu convite e enviado seus emissários em sinal de respeito e consideração.
Saudou seus convidados com satisfação genuína e depois das apresentações formais e da entrega dos presentes, os convidou para cear com ele. Todos seriam instalados no castelo como hóspedes de honra, a espera das comemorações que se dariam dali a dois dias.
Assim que a refeição foi servida, Estel percebeu que estava definitivamente faminto e mal pôde se impedir de enfiar vorazmente a comida na boca, o que teria provavelmente escandalizado os irmãos.
Ivy tinha toda razão. Uma dieta de cram podia levar um homem à loucura.
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Os dias eram inteiramente gastos em preparação para a celebração. Todos os empregados mantinham-se ocupados da manhã à noite, varrendo e polindo, preparando o castelo para o grande evento. Cheiros deliciosos vindos das cozinhas em plena atividade pairavam pelas ruas, e as pessoas comentavam excitadas sobre o grande acontecimento.
Como havia bastante tempo livre até a festa, os convidados procuravam distrair-se da melhor forma possível, com Estel e Elrohir buscando invariavelmente a companhia de Ivy, prontamente arrastando Elladan com eles.
A menina humana os havia levado para conhecer sua mãe e a modesta casa em que moravam. A boa senhora ficou imediatamente encantada pelos elfos bonitos e pelo menino humano que era o irmãozinho deles. Quando soube do acidente no rio, devidamente informada pela filha de que Elrohir havia se ferido na tentativa de protegê-la, imediatamente se desfez em cuidados, dizendo conhecer uma receita especial de ervas e um caldo nutritivo, usados para curar moléstias dos pulmões.
Os irmãos observaram tudo com assombro, pois em nenhum momento Elrohir recusou os cuidados e a atenção da mulher, afirmando que estivesse bem. Como vinha fazendo com todos desde que o tiraram do rio.
"Você não se envergonha? Nunca imaginei que fosse tão oportunista." Elladan se queixou.
Ele deu de ombros.
"Eu nunca posso contrariar uma dama."
Ivy riu muito com a cena. A presença deles em sua casa era uma fonte de alegria para sua mãe e também obviamente para ela. Eles eram guerreiros e, no entanto, quando estavam juntos, pareciam meninos, sempre implicando um com o outro, não importando por qual insignificante motivo.
"Seus irmãos são encantadores. E você às vezes, quase tanto quanto eles."
Estel bufou.
"Se isso foi um elogio, o que duvido seriamente, eu lhe agradeço. Mas você é encantada demais com elfos para meu gosto."
"O que quer dizer você com encantada?" Ivy não pareceu feliz com aquilo.
"Vive suspirando em torno deles..."
Ela estreitou os olhos.
"Você está com despeito só porque acho que eles são tão galantes!"
"Essa é a coisa mais ridícula que já ouvi!" Ele informou, com desdém. "Galantes? Quem diz isso?"
"Eu digo, pois tenho razão!"
"Você deve se achar muito astuta não é?"
"Por que se aborrece tanto se não é verdade?" Ela quis saber.
"Quem disse que você está me aborrecendo?"
"Vocês nunca se cansam de brigar? Eu posso escutar a voz de vocês do outro lado do corredor." O gêmeo que fora atraído pela discussão, os interrompeu, entrando no aposento.
"Eu não estou brigando... foi ela quem começou!" Estel disse e Ivy o observou com expressão de pouco caso.
"Ele não consegue aceitar algumas verdades, só isso."
O elfo cruzou os braços.
"Vocês há pouco conversavam como duas pessoas educadas e quando eu me afasto, começam a brigar de novo?"
"Não é culpa minha se Estel gosta de me irritar Elrohir..."
"Elladan!" Ele a interrompeu exasperado. "Eu sou Elladan!"
Ela bufou, agora irritada com ele também.
"E vocês tinham que ser tão parecidos?"
"Eu sinto muito, mas não é culpa minha." Ele deu de ombros, sentando-se no banco ao redor da mesa. "Não posso fazer nada quanto a isso."
Ela o examinou, esquecida da briga com Estel.
"Pois tem que existir algo que os diferencie, não podem ser absolutamente iguais." Virou-se para o menino. "Você os distingue muito bem. Como faz isso?"
"Nunca pensei sobre isso..." Respondeu ele sem saber bem o que dizer. "Apenas sei."
Ivy voltou-se novamente para Elladan.
"Será que não podiam fazer um esforço para causar menos confusão? Quem sabe usar cores diferentes! Quem sabe vermelho e azul?"
Parecia contente com a ideia e Elladan cobriu o rosto com as mãos.
"Meu Eru, isso é ridículo!"
"Mas vocês se vestem iguais!" Ela reclamou. "Hoje estão vestidos com túnicas parecidas!"
"Ás vezes e só porque temos o mesmo gosto."
"Vocês gostam de confundir as pessoas!"
"Não é nossa culpa se falta perspicácia à maioria de vocês para ver que somos absolutamente diferentes."
"Já disse antes, vocês gostam de confundir as pessoas!" Disse ela, enquanto saia pisando duro, esbarrando em Elrohir na porta.
"O que houve com ela?" Ele perguntou, olhando aos irmãos com suspeita.
Elladan lhe deu um olhar avaliador.
"Elrohir, o que você acha de vermelho?"
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O dia da celebração amanheceu luminoso e quente. O brado feliz da população festiva tomando as ruas, um acontecimento que há muito não se via por aquelas partes.
Uma delegação de anões havia chegado e tanto ignorou quanto foi ignorada pelos elfos, e embora Estel gostasse de travar conhecimento com eles, outra coisa estava tomando seus pensamentos no momento. "Ivy!"
Esperou ansioso pela chegada dela, mas foi ficando cada vez mais frustrado com o passar das horas. Finalmente decidiu descobrir o que a estava atrasando, indo em direção à sua casa. E ficou absolutamente surpreso ao vê-la em roupas comuns de trabalho, esfregando o chão com vigor.
"Ivy!"
Ela deu um pequeno pulo e virou-se para olhá-lo, ficando recompensada com a visão.
Ele vestia uma túnica azul e calças da mesma cor. Seu brilhante cabelo castanho, comprido como os de um elfo, caia macio sobre as costas e uma pequena franja adornava-lhe a testa. Parecia muito bonito, jovem, mas ainda assim muito masculino.
Vendo os olhos dela se arregalarem, preocupou-se.
"Algo está errado?" Perguntou ansiosamente, ganhando um bufo divertido de volta.
"Não. Você está bonito!"
Riu da vermelhidão que o assolou, mas logo desistiu de continuar a atormentá-lo, voltando para seu trabalho.
"Estou muito ocupada agora e não posso conversar."
"Mas... O que está fazendo você? Não está pronta!"
"E nem vou ficar, pois tenho muito trabalho a fazer."
"Mas como? E a festa? Todos estão lá. Ivy pare com isso e me olhe. Quer me explicar o que está acontecendo?" Ele exigiu, ficando em seu caminho.
Ela parou de esfregar e suspirou.
"Não é óbvio? Eu não vou à festa."
"Mas não entendo... Por quê? Todos estão esperando você. Seus pais estão lá..."
"Deixe que se divirtam. E você deveria ir também."
Vendo a determinação dela, Estel suspirou e sentou-se quieto, olhando-a, que havia recomeçado seu trabalho.
Ivy tentou ignorá-lo por um tempo, até que se irritou.
"Você realmente está me atrapalhando e perdendo a comemoração. Não devia estar aqui."
"Já que não vai, eu ficarei aqui com você."
"Se está querendo me convencer pode desistir, eu não irei."
"Eu não quero convencê-la, mas ficarei aqui e farei companhia a você. Não vai ser a única pessoa sozinha neste dia."
"Mas... mas..." Desconcertou-se. Ele parecia bastante resoluto. "Não vai querer saber por que não quero ir?"
"Se for de seu desejo me contar..."
Suspirou novamente, largando seu trabalho e sentando-se ao lado dele.
"Você é teimoso sabia?"
"É de família."
Ela riu do fato incontestável.
"Eu não quero privá-lo de participar da comemoração para a qual você veio de tão longe."
Ele deu de ombros.
"Não estava tão divertido afinal de contas." Riu de repente. "Pra falar a verdade à única coisa divertida até agora foi ver Elladan implicar com os anões. Todos eles estão meio tensos desde que Elladan descobriu que foram os anões que represaram o rio da montanha para suas atividades de mineração."
"Estel, isso não é engraçado. Elrohir podia ter morrido."
"Eu sei." Continuou rindo. "Mas é muito bom ter as atenções de Elladan desviadas de mim, enquanto está preocupado com Elrohir. Não pode imaginar como ele é mandão às vezes!"
Parecendo resignada ela levantou-se, começando a recolher alguns apetrechos.
"O que está fazendo agora?"
"Preciso buscar algumas ervas para os medicamentos de minha mãe. Na verdade devia ter feito isto dias atrás. Não pode mais ser adiado."
"Eu vou com você." Ele imediatamente ficou de pé.
"Estel..."
"Não adianta Ivy. Eu disse que não ia te deixar só."
"Mas só pretendo ir até a colina e o bosque em volta..."
"Mais um motivo para acompanhá-la."
"Eu sempre faço isso sozinha."
"Não hoje."
Ela sacudiu a cabeça, rendendo-se e ele sorriu satisfeito.
"Eu só peço que você me aguarde por alguns minutos."
"Mas..."
Antes que terminasse, ele já havia ido, a deixando sozinha com um sorriso relutante nos lábios.
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Quando retornou, Ivy o aguardava do lado da fora da casa. Havia retirado seu avental de trabalho e carregava uma pequena sacola.
Ela riu quando percebeu o motivo da partida dele. Estel havia voltado portando todas as suas armas. O arco e a aljava nas costas e a espada presa ao cinto. Ele aproximou-se e estava colocando uma adaga pequena na bota quando percebeu o olhar divertido dela.
"Contenta-me te fazer feliz."
"Desculpe-me Estel, mas é que você com estas armas... não estamos indo caçar lembra-se?"
"Meus irmãos tirariam minha pele se soubessem que eu saí daqui desarmado."
Ela balançou a cabeça.
"E eu me pergunto o que seriam de vocês meninos, sem todas as suas armas!"
As ruas estavam repletas de cidadãos felizes se encaminhando em direção ao castelo e ninguém pareceu se importar com as duas figuras cobertas por capuzes escuros. A única parada que fizeram foi no grande portão de ferro. As sentinelas entediadas não fizeram perguntas e eles finalmente se viram a caminho da pequena colina.
Caminharam atentos para as ervas que necessitavam, levando um tempo considerável para recolhê-las e quando terminaram sentaram-se confortavelmente entre as raízes de um velho carvalho, cansados, mas satisfeitos com seu trabalho.
Uma pontada de fome distraiu os pensamentos de Ivy e ela desejou ter sido mais prudente trazendo algo para que comessem. Ia perguntar a Estel se ele não teria qualquer pedaço de pão escondido junto com suas armas, quando o pegou olhando para ela.
Ele ergueu o braço e tocou em seu cabelo, ameaçando desarrumar a trança.
"Pare com isso!" Ela tentou afastar-se, porém os olhos negros estavam brilhando quando encontraram os dele. Ele sorriu alegremente.
"Eu gosto dele solto."
O coração dela começou a bater mais rápido, e ele se aproximou, segurando o rosto dela com mãos suaves.
"Seus cabelos são lindos e gosto deles soltos."
Enrugando os lábios, ela afastou-se um pouco e estudou a face de seu companheiro. Estel tinha a expressão franca e aberta e quase sem perceber, se viu confiando nele.
"Eu não podia ir... Não me sinto feliz em dias como este..." Engoliu em seco e Estel segurou suas mãos.
"Ivy..."
"Meus irmãos Estel." Ela o interrompeu. "Eu também era a caçula, então você pode imaginar que isso significava muitos mimos." Sorriu saudosa. "A vida era tranquila e ser criança era muito divertido. Hold trabalhava na mineração com meu pai. Era um trabalho duro, mas ele era forte e estava sempre feliz e nos fazendo pequenas surpresas quando estava em casa."
Sorriu pra Estel, apertando suas mãos.
"Imagino que este seja o motivo da paixão de minha mãe por seus irmãos. Eles não se parecem mais velhos que os meus naquela época..." Suspirou. "Aquele dia... era anoitecer e eu deveria estar em casa, mas passei toda à tarde com as outras crianças e minha mãe começou a se preocupar. Welling disse a ela que iria me encontrar e levou Haldor com ele." A respiração dela ficou mais rápida. "Nós, as crianças, estávamos na margem, perto dos barris vazios. Brincávamos de elfos e imitávamos os anões e a pequena criatura que fora encontrada com eles quando eu o vi. Nunca vou me esquecer daquela visão terrível Estel! O dragão!" Ela estremeceu. "Suas escamas brilhavam em meio ao fogo que saltava de sua boca e o ódio flutuava ao seu redor como uma nuvem. Eu parei ali, terrificada demais para me mover até que as trombetas soaram e me enfiei dentro do barril e fiquei escondida, tremendo de terror enquanto ouvia o som de sua destruição. Welling e Haldor imaginaram que eu estaria perto do rio e estavam a caminho de lá, próximos da Casa Grande quando a fúria de Smaug caiu sobre ela. Ambos morreram ali... Hold estava em casa quando o dragão sobrevoou a cidade incendiando os telhados de palha. Ele tentou tirar nossos pais de lá, mas quando a casa desabou, as vigas caíram sobre meu pai, ferindo suas costas. Lutou para salvá-los e depois de muita dificuldade, pois minha mãe se recusava a sair de lá sem mim, conseguiu levá-los para os barcos no lago do mercado. Quando os colocou lá e rezando para que estivessem seguros, saiu a nossa procura. Foi então que encontrou nossos irmãos..."
Seus olhos estavam fixos, perdidos naquelas lembranças terríveis.
"Não havia mais nada o que fazer por eles e claro que ele não me encontrou, pois eu ainda estava escondida dentro dos barris. Levou muito tempo para que eu tivesse coragem de sair de meu esconderijo. Então eu segui em meio às ruínas e fui em direção a minha casa. Não havia restado nada dela. Levei horas para encontrar minha família em meio aos feridos... a dor, o frio e a fome pareceram intermináveis aqueles dias... mas nada foi pior do que Hold decidir partir para a batalha. Ele nunca mais voltou, e mais tarde soubemos que ele tombou lutando..."
Os olhos dela tremularam, de volta ao presente.
"Foram tempos difíceis, então, quando soubemos que Bard iria reconstruir Valle com sua parte no tesouro do dragão, decidimos vir para cá e construímos uma vida nova aqui..."
Parou de falar e Estel forçou-se a sair do torpor em que as palavras o haviam lançado.
"Ivy eu... eu sinto muito por obrigá-la falar sobre isso. Eu nunca imaginei..."
As mãos dela apertaram as dele com força.
"Não se sinta culpado. Foi à primeira vez em que falei sobre isso e percebo agora que me sinto bem por havê-lo feito..."
Ele acenou com a cabeça, em seguida estendeu os braços, a atraindo para eles.
Ela se aconchegou neles, colocando o rosto em seu tórax. Os braços apertaram ao seu redor e ela fechou os olhos com prazer, sentindo uma segurança boa naquele abraço forte, até que o contato morno foi abruptamente quebrado.
Antes que pudesse imaginar o que havia de errado, Estel estava de pé, completamente alerta.
"Estel o que há?" Ela perguntou assustada.
Ele não respondeu, ocupado tentando descobrir o que causou o arrepiar em sua pele e a agressão em seus sentidos. Algo estava terrivelmente errado. Quando Ivy se ergueu, rasgou fora à atenção do circulo de árvores e voltou-se para ela.
"Algo se aproxima Ivy. Fique perto de mim."
Havia um silêncio opressor à volta, como se mesmo a natureza estivesse em expectativa. Estel tremeu involuntariamente quando suas orelhas entenderam o que ouviam. Seu corpo inteiro enrijeceu. Orcs!
XXXXXXXXXXX
Continua...
Notas:
A dádiva de Eru aos homens: Ao destinar os homens à morte, Iluvatar lhes concedeu a dádiva de não estarem para sempre presos aos círculos do mundo, de não estarem sujeitos ao cansaço da imortalidade.
