Título: Passolargo - ano 2954
Personagens: Aragorn, OCS originais.
Retratações: Os personagens não são meus, nenhum lucro é pretendido, só existe o desejo de contar uma história e demonstrar meu amor aos personagens do Professor Tolkien.
Sumário: Em que Aragorn descobre que os desejos de seu corpo podem ir além da razão.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Passolargo - Ano 2954
O jovem guardião avistou as luzes de Esgaroth no início da noite e ansioso pelo calor do fogo que encontraria na estalagem, apertou o passo. Estava ensopado da cabeça aos pés e duvidava que um dia conseguisse sentir-se aquecido novamente.
Naquela noite chuvosa, o Freixo Dourado estaria lotado, mas não se sentiria incomodado com os olhares e a ligeira hostilidade dos frequentadores. Ser um guardião e perambular pelos ermos não contribuía mesmo para uma boa imagem.
Aproximou-se do grande portão de madeira e chamou a sentinela que, após alguns instantes, enfiou o rosto vermelho e sonolento pela portinhola.
"Um guardião nesta maldita noite gelada!" O vigia reclamou alto, desgostoso por lhe obrigarem a enfrentar a chuva fria e intermitente, entretanto o guardião não se deu ao trabalho de responder aos resmungos do homem.
Ouviu-o puxar o portão de madeira com ares desconfiados e talvez impulsionado pelo cansaço e não sem um pouco de irritação, se deixou levar pela própria fama, ao fitar o homem com olhos frios por baixo do capuz.
"Um inverno como este faz com que um homem, mesmo acostumado com as feras do Ermo, deseje a companhia de pessoas que não conversem através de rosnados."
O vigia engoliu em seco e deu um espaço maior para que ele passasse, assustado com a súbita eloquência do homem jovem. Sempre soubera que estes guardiões eram pessoas de hábitos e companhias estranhas.
O jovem por sua vez deu um longo suspiro resignado enquanto caminhava pelas ruas de madeira, imaginando o quanto àquelas palavras seriam aumentadas e deturpadas pelos dias seguintes. Infelizmente nada podia fazer quanto à desconfiança que as pessoas tendiam a criar em torno da figura dele e dos outros guardiões. E não podia negar que sua fama era, muitas vezes, oportuna.
Quando entrou na taverna e o som de vozes animadas explodiu em seus ouvidos, sentiu-as um tanto estranhas após semanas de solidão e silêncio. Ouve um súbito decréscimo nas conversas enquanto avançava pelo salão esfumaçado a procura de um canto sossegado, escolhendo um perto das escadas, de onde poderia observar com tranquilidade o ambiente.
Assim que tudo se normalizou após sua passagem, e as pessoas voltaram a tratar de seus próprios assuntos, o taberneiro veio atendê-lo, lhe chamando pelo nome com que era conhecido por ali.
"Salve Passolargo. O que lhe traz de volta a Esgaroth após tantos meses?"
"O desejo de beber um bom vinho e comer uma refeição quente." Respondeu ele, dando de ombros, o que era absolutamente verdade. Mal podia se lembrar de quando comera algo diferente de bagas e carne seca.
"Certamente, certamente. Farei com que seja servido imediatamente." O homem saiu apressado para providenciar o que lhe fora pedido, gritando em seu caminho pelo lacaio que lhe ajudava a servir às mesas.
Enquanto esperava, deu uma olhada em torno da sala, os sentidos alertas. Certificado de que nenhuma ameaça estava à espreita, relaxou suavemente, recostando-se na cadeira com um suspiro cansado, disposto a aproveitar o calor que o havia atraído em primeiro lugar.
E foi o que tentou fazer nas próximas horas, embora aos poucos, com o correr da noite, uma sensação inquietante começasse a dominá-lo. Não era uma impressão de perigo, mas sentia-se observado e ainda que esquadrinhasse a sala cuidadosamente, não pôde identificar a fonte de tal incômodo.
Por um tempo esperou ser abordado, mas concluindo que tal não aconteceria, pelo menos não ali, no salão lotado, decidiu que o melhor curso de ação seria ficar sozinho. Dirigindo-se ao taberneiro, pediu um quarto para passar a noite, fazendo com que muitos olhares surpresos lhe fossem lançados, já que não era hábito de sua gente se hospedar na taverna.
"Um quarto? Tenho muitos, pois as coisas estão bastante tranquilas ultimamente." O homem informou, olhando para ele com expressão severa.
"Exatamente o que procuro meu amigo. Exatamente o que procuro." Respondeu ele, com um sorriso cansado, entendendo perfeitamente o "e deveriam continuar" ocultos por trás das palavras.
O taberneiro chamou aos berros o lacaio para guiar seu hóspede até o quarto. Subiram escadas estreitas e seguiram por um pequeno corredor escuro, enquanto o servo tagarelava sobre o inverno rigoroso e a quantidade de trabalho que tinha de desempenhar e que nunca chegava ao fim, com o patrão lhe chamando a toda hora, mal notando a atenção distraída que o guardião lhe prestava.
"Se o senhor assim o desejar, posso providenciar água quente para que se lave e também uma jarra de vinho..." Ele ofereceu, ao chegaram até a porta que foi aberta para a passagem do guardião.
Passolargo, ainda distraído do lacaio, examinou o quarto e suas janelas. Satisfeito de que seriam fáceis de transpor numa necessidade, voltou-se para o jovem. "Isto seria apreciado e não é necessário acender o braseiro... eu mesmo farei isso..."
O jovem assentiu e saiu apressado, permitindo que o guardião pudesse ordenar seus pensamentos. Sentando-se nas sombras perto da janela, pareceu muito interessado em observar a noite nevoenta lá fora.
Após um tempo a porta foi aberta e uma pessoa entrou silenciosamente, depositando as coisas que trazia numa mesa, e ele foi pego de surpresa ao descobrir que se tratava de uma mulher seu visitante misterioso. Ergueu-se imediatamente.
"Trouxe o que pediu meu senhor. Seu vinho e água quente." Ela trajava vestes escuras e mantinha os cabelos e o rosto debaixo das sombras do capuz, mas por causa do tom de sua voz e de sua postura, Passolargo imaginou que fosse jovem.
"Surpreende-me encontrar nesta taverna, tal mulher corajosa. Não sabia que sou uma pessoa perigosa dos Ermos?" Além de surpreso, sentia-se bastante curioso.
"Eu soube quem era assim que o vi, mas não trabalho na taverna e muito menos frequento este lugar." Havia divertimento em sua voz e isso o confundiu ainda mais.
"Então nos encontramos diante de um enigma, já que você aqui está no lugar do lacaio." Ele não se moveu, ainda esperando que ela se apresentasse. "Foi a ele que solicitei meu vinho..."
E a mulher adiantou-se, retirando o capuz, ainda obscurecida pela penumbra do quarto, permitindo que uma cascata de cabelos negros caísse por seus ombros e costas.
"Por algumas moedas é muito fácil fazer com que até o mais dedicado dos servos esqueça-se de suas funções. As tolas pessoas desta cidade têm medo de tudo o que não compreendem, mas eu não sou assim. Já passei por um ou dois perigos em minha vida e seria necessário mais que um mero guardião para fazer com que eu tremesse de medo."
"Suas palavras provam que é uma mulher corajosa, mas ainda assim, não me dizem o motivo de estar aqui e o que deseja de mim..." Ele começou a sentir-se mais tranquilo, já que nenhum outro visitante seguiu à entrada da mulher, que havia fechado a porta sutilmente.
"Será que isto até agora não se tornou obvio, ou Passolargo, o guardião dos ermos é tão ingênuo que não pode imaginar o que quereria uma mulher ao entrar em seu quarto desacompanhada? Mas devo lhe avisar que não estou aqui como uma mulher que procura pagamentos para seus favores."
Ligeiramente embaraçado com o tom de zombaria dela, tentou ganhar tempo para entender a situação singular em que se encontrava.
"Peço desculpas se a ofendi com minha surpresa, mas devo avisar-lhe senhora, que sua presença aqui comigo, a sós, embora sua coragem, possa ser bastante prejudicial a sua reputação, já que nós guardiões, não somos bem vistos nesta cidade."
"Sou uma simples camponesa, cujo falatório de pessoas estúpidas não pode incomodar e talvez ganhar uma reputação não seja tão ruim, como você mesmo deve saber." Um sorriso brilhou em seu rosto sombreado. "Pelo menos nos dá algum respeito."
Passolargo sentia-se cada vez mais confuso diante da aparente determinação da mulher em permanecer no quarto e dos motivos ocultos que a levaram à sua presença. Não sabia reagir a isso e não gostava do sentimento.
"Senhora, eu a aconselho partir. Tudo o que já ouviu a meu respeito não se tratou apenas de boatos e pode não ser seguro continuar sozinha em minha presença. Eu lhe peço que se vá, por favor."
Ela pareceu desapontada, mas continuou onde estava.
"Meu senhor, minha aparência não lhe agrada?" Insistiu com voz suave.
"Não! Quero dizer, não pretendo ofendê-la... só... Eu só não posso compreender..." Sacudiu a cabeça, o cansaço arqueando ligeiramente seus ombros. "Não quero prejudicá-la..." Parou atônito, quando ela, entrando no círculo das luzes, finalmente se apresentou aos olhos dele.
"Ivy!" Não podia crer naquela visão saída do passado.
"Pensei que nunca fosse me reconhecer Estel." Ela repreendeu sorrindo e ele imediatamente se aproximou, a enlaçando em seus braços fortes num ímpeto genuíno de alegria. Ficaram assim, perdidos nos braços um do outro, até que relutante, ele se afastou, olhando arrebatado para a amiga que não mais vira desde aquele verão, em Valle.
"Custo acreditar que seja você mesma, depois de tanto tempo!"
"Eu sim, mal posso acreditar! Tinha que ver por mim mesma. Você um guardião! Você era um pequeno príncipe!" O assombro dela era evidente e ele sorriu.
"Desapontada?"
"Não. Absolutamente não!" Ela respondeu sincera. "De certa forma me parece apropriado para você." Observou-o atentamente, sem disfarçar o agrado pela masculinidade áspera que ele mostrava.
Ele riu, embaraçado e satisfeito com a resposta dela, ainda que um pouco surpreso.
"E não está mais com todos os seus elfos..." Ela concluiu com um riso e ele também riu.
"Não estou. Como você pode ter percebido, sou uma das pessoas estranhas do Ermo agora."
Ficaram parados, se olhando por um tempo e um estranho desconforto o pegou de surpresa, o levando a corar debaixo do olhar insistente dela. Sentiu-se envergonhado, porque após todos estes anos havia deixado de pensar nela. Tanta coisa acontecera... a revelação de sua linhagem, sua vida como guardião e... Arwen.
"E afinal, como você veio parar em Esgaroth?" Estava sentindo-se um tanto tolo. Afinal era um homem crescido, que já enfrentara uma quantidade considerável de perigos em sua vida. Por que a presença de uma mulher o desconcertava assim?
Ela suspirou.
"Os negócios de meu pai, como sempre." Respondeu ela. "Mas você Estel, você deveria ter visto seu rosto quando viu uma mulher entrando aqui." Riu alto, quando ele fez uma careta. "Quase parecia que eu era um orc!"
"Diverte-me fazê-la rir." Ele riu também, aproveitando-se para puxá-la para próximo das velas que ardiam no quarto. Queria olhar bem para ela. Ivy estava mais bela do que se lembrava. Mais feminina. Como uma jovem beleza morena.
"Você me surpreendeu, pois mudou tanto..." Ela também o olhava atentamente, como se ainda não acreditasse que o homem de aparência áspera à sua frente, fosse o menino suave que ela conhecera havia tantos anos.
"Aconteceram muitas coisas desde aquela época. Cresci e fui de encontro a meu destino..." Ele respondeu suavemente, também fascinado pelas mudanças nela.
Num impulso, ela correu os dedos pela barba dele.
"Eu gosto da barba."
"É mais prático assim..." Ele deu de ombros, ficando encabulado, mas ela não retirou a mão.
"Mas eu gostei. É muito varonil. Aposto que quebrou corações em suas viagens, assim como fez em Valle..."
Enrubesceu com a implicação das próprias palavras e tentou se afastar, mas ele agarrou seu braço para impedi-la, soltando-a em seguida, como se temesse o contato.
"Eru, que estúpida!" Ivy pensou desesperada. "O que vim fazer aqui? O que estava pensando com minha ousadia?" Mas com amargura admitiu que sabia muito bem e agora não iria recuar, então reuniu toda sua coragem e aproximou-se dele o máximo que pôde.
"Eu desejo você, Estel." Admitiu, antes que sua resolução fraquejasse. "E embora saiba que é um homem honrado, não espero que hesite diante do que lhe é oferecido por livre e espontânea vontade."
Sentiu-se aturdido pela confissão e quis afastá-la, mas Ivy tinha a pele macia, o cheiro excitante e o inverno no Ermo havia sido solitário.
Então a puxou contra si e beijou-a. O sabor da boca dela era doce e atordoante e consumido por uma fome que necessitava saciar, beijou-lhe os olhos, o pescoço e de novo, sem parar, seus lábios até que ela abriu a boca, a língua encontrando à dele.
As roupas começaram a se tornar um empecilho e ele elevou os braços para que ela retirasse sua túnica, em seguida afastou as alças do vestido dela, que caiu num montão aos seus pés. Ela correu as mãos por sobre seu tórax e ele inalou seu inebriante cheiro feminino.
"Você é lindo!" Ela sussurrou com a voz rouca e ele riu, beijando-lhe os dedos.
Erguendo-a nos braços, suavemente a pôs na cama, parando para admirá-la.
"Ivy..." Proferiu o nome num sussurro aveludado tão suave que ela não teve certeza se ele tinha dito em voz alta ou simplesmente pensado.
Mas então lhe dando um ardente sorriso, inclinou-se para beijá-la, bebendo do doce sabor daquela boca e ela arqueou-se para aceitar as demandas dos beijos dele. Quase antes de qualquer um dos dois entender o ato, estavam se movendo, o espaço entre eles havia se rompido. Passolargo enlaçou os braços ao seu redor e apertou-a contra si.
Ivy entrelaçou os dedos em seus cabelos e movendo as mãos ao redor de suas costas para ancorar-se firmemente contra ele, se abandonou às suas carícias, quando suas mãos e boca vagaram por seu corpo, as mentes entorpecendo-se no calor daquele momento. Ivy tinha a sensação de subir às nuvens. O que poderia ser melhor que colar-se ao corpo dele, sentir sua respiração ofegante contra o rosto e os beijos frenéticos?
Chegaram ao êxtase juntos e naquele momento glorioso, ela soube que sempre pertenceria a um único homem, aquele que nem o tempo conseguira afastar de seu coração.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Acordando, Ivy esticou-se languidamente, como uma gata satisfeita. Uma sensação de calor foi percorrendo seu corpo quando as recordações dos momentos ardentes começaram a aquecê-la. Para a parte dela e pela primeira vez em muito tempo, sentia-se realmente contente. Talvez tivesse sido loucura, surgir no quarto dele daquela forma, mas já houvera arrependimentos por demais em sua vida. Fazer amor com Estel satisfizera anseios que guardava no fundo de seu coração.
O dia estava longe de despontar pelo que se podia antever através do manto da nevoa e escuridão que dominava a madrugada e percebeu que Estel havia iluminado o quarto. Não pôde deixar de admirar a própria ousadia ao se lembrar do modo como irrompera em sua frente, ao mesmo tempo em que um rubor tardio lhe tingia a face.
Ela notou seus cabelos úmidos e percebeu que ele havia se lavado com a água que trouxera mais cedo e que àquela altura deveria estar gelada. Todavia apreciou imensamente a cortesia do gesto, já que se ele houvesse solicitado água quente sua presença ali teria sido conhecida.
"Porque é tão gentil com uma mulher que se porta com tal leviandade?" Perguntou com voz abatida, puxando as cobertas para cobrir o corpo nu.
"Sempre merecerá gentilezas de mim..."
Ficou irritada com o tom condescendente usado por ele e levantou-se, tencionando pegar suas roupas espalhadas pelo quarto.
"Não vim atrás de moedas e muito menos de caridade."
Antes que se afastasse, ele segurou seu pulso, lhe obrigando a olhar para ele.
"Você é uma mulher admirável, mas eu não posso compreendê-la. Não há motivos para que eu não seja gentil com você."
Ela sentou-se novamente e desviou o olhar.
"O que eu fiz... Não me arrependo, mas..."
"Ivy..."
"Não. Deixe-me terminar. Eu o vi aqui em Esgaroth diversas vezes. As pessoas têm receio de você e eu nunca consegui entender. Mas você sempre foi tão austero... E eu tentava conter o desejo de falar com você. Dizia a mim mesma que era melhor assim. E você simplesmente vinha ao anoitecer, obtinha as coisas que necessitava e sumia por meses. E a cada ida eu temia que não voltasse mais... Então quando o vi hoje sabia que havia chegado a hora."
"O que fizemos..." Ele correu os dedos suavemente pelo rosto dela. "Eu deveria me arrepender por não me haver controlado, mas você é uma mulher desejável e estive sozinho por longas semanas. Mas isto não me redime."
Começou a se levantar, mas ela lhe segurou o braço desta vez, o forçando a olhar em se rosto.
"Se você se culpa por luxuria, qual será minha sentença? Eu o desejei e mesmo que soubesse neste instante quais a consequências de nossos atos, ainda assim teria vindo aqui." Ela pausou, hesitante. "Eu quis tanto ter aceitado..."
"Quis ter aceitado?" Ele franziu o cenho.
"Ter ido com você... queria que tivesse sido você quem me teve..." Parou, sacudindo a cabeça com tristeza. "Mas é tarde demais para arrependimentos..."
Apertando seu segurar, ele olhou-a com ternura.
"Oh Ivy, eu também queria que tivesse aceitado..."
Engoliu as palavras, inseguro dos próprios sentimentos e enlaçando-a nos braços, reivindicou os lábios dela com a pressão insistente dos seus. Ela se agarrou a ele, quase como se estivesse tentando literalmente fundir suas carnes. E ele buscou aquele contato tão avidamente quanto ela o fez, o conhecimento do passado irremediável acrescentando um sabor de desespero ao ato de amor deles.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Pegando sua espada e firmando-a na cintura, olhou para ela de novo, tentando medir as emoções que corriam por aqueles olhos negros.
"Então você se casou..."
"É tarde para este tipo de questionamento." Ela cortou e quando ele suspirou à dureza em sua voz, imediatamente arrependeu-se.
"Nunca foi um casamento feliz Estel. De qualquer forma a maior parte da culpa vem para mim." Deu uma risadinha sem humor. "Acredito que um homem se canse de possuir uma mulher fria como esposa e isto mate qualquer esperança de felicidade... Eu tentei amá-lo, mas não pude, então ele foi atrás de braços mais calorosos. No entanto fui uma esposa virtuosa... Mas isso não importa mais. Ele foi morto em uma escaramuça de taverna há alguns meses."
Ele havia se sentado próximo a ela na cama, enquanto a observava com seus olhos cinzentos, tentando manter suas emoções e culpas escondidas, mas Ivy parecia ver muito além do que ele estava disposto a mostrar.
" Existe alguém..." Engoliu em seco e recomeçou: "Existe alguém a quem você ama?"
Ele não respondeu de pronto. Desviou o olhar, talvez na tentativa inútil de ocultar a angústia que lhe contristava o rosto. Prendendo a respiração, ela quis se preparar para a dor, ainda assim não estava pronta quando as palavras vieram.
"Existe sim Ivy..."
Por um instante sentiu o mundo girar, mas conseguiu manter a voz firme.
"Eu não pude deixar de notar. Todo você está impregnado dela."
Quando ele não discordou, puxou as cobertas sobre si, como se protegendo do frio, ainda incerta de tanta dor.
"Eu o amo!" Pensou desesperada, aceitando algo que já sabia há muito tempo, mas que se recusava a reconhecer. E embora sabendo que havia outra mulher que era dona de seu amor, se ele lhe pedisse, tinha certeza que se deitaria para sempre naquele quarto à espera de seu retorno.
"É um amor sem futuro..."
"No entanto, enquanto me tocava era nela..." Teria permanecido ali, esperando por ele, porque a fome urgente que ele havia despertado em seu corpo e alma nunca seria saciada em uma mera noite.
"Não! Não pode acreditar nisso. Só você povoou meus pensamentos e meus desejos enquanto deitava-se em meus braços. No entanto eu não lhe posso negar... Eu a amo além das medidas deste mundo. Mas ela está acima de mim. E além de minhas esperanças."
Quando a dor lustrou naqueles olhos cinzentos, ela sufocou um soluço à vista deles.
"Ela é uma mulher afortunada, se é alvo de tamanho amor..."
Ele suspirou tristemente enquanto desviava seus olhos dos dela.
"Eu sinto muito. Isso nunca deveria ter acontecido."
Ela não respondeu, então Estel segurou-lhe o queixo e virou seu rosto para poder vê-la na luz das velas. "Lágrimas!" Quis morrer à visão da dor nos olhos dela. Das lágrimas que causou naquele rosto amado. "Pelos Valar, que confusão! Como podia amar tão desesperadamente Arwen e se afogar no calor dos braços de Ivy?" Então se lembrou com angústia das palavras duras de seu pai elfo. "... Não deve assumir compromisso com qualquer mulher, até que seu tempo chegue e que você seja considerado digno disso."
Mas sabia que se este dia chegasse, à única mulher que ansiava em seus braços era Arwen e, no entanto também amava demais Ivy para enredá-la em um sentimento sem esperanças.
"Ivy..." Ele disse, os dedos limpando as lágrimas dela. "Você poderá um dia me perdoar?"
"Você é meu amigo de verdade, Estel?" Ela perguntou, com a voz embargada.
"Espero que sim, amada."
"Então se vá. Por favor."
Ela o sentiu aproximando-se, beijando-a no rosto, beijando suas lágrimas, mas era um pedido... E uma despedida.
Poderia resistir a qualquer coisa, ao desprezo e a indiferença, mas vê-lo partir para nunca mais, iria consumi-la. E ela imploraria para que ficasse, se perdesse o domínio de si. E sabia que ele ficaria. Mesmo não a amando. Pois assim era o Estel de que se recordava.
Abaixou a cabeça, e ele suspirou, acariciando seu cabelo.
"Eu não vou te odiar." Beijou-o nos lábios sem se conter. "Eu nunca te odiarei, meu amado. Eu me dei a você livremente. Mas você deve partir agora."
Tentou não olhar quando ele se levantou para partir e ele tentou não vacilar em sua resolução.
"Adeus, Ivy."
Ela escutou a porta se fechar e se tivesse sabido naquele momento que nunca mais o veria novamente, não teria podido suportar a dor.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Estel caminhou. Em passadas largas. Andou por horas sem tomar fôlego.
Caminhou contra o vento e a chuva, em passadas largas. No entanto ele sabia... sabia que não havia nenhum lugar para onde pudesse ir que fosse longe o bastante. Ir longe o bastante para fugir dele mesmo e da culpa em seu coração.
No entanto, continuou a andar... para longe de Ivy e de seu amor.
E ele caminhou em passos largos... A chuva fria misturando-se ao sabor amargo de suas lágrimas.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Continua...
