Título: Esperança - ano 2957
Personagens: Elrohir, OCS originais
Retratações: Os personagens não são meus, nenhum lucro é pretendido, só existe o desejo de contar uma história e exprimir meu amor pelos personagens do Professor Tolkien.
Sumário: Em que Ivy reencontra um amigo e um segredo é revelado.

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Esperança - Ano 2957

Se Ivy tivesse parado para considerar seus sentimentos naquele frio dia de outono, teria percebido que desde a hora em que havia aberto seus olhos para o mundo, seus sentidos a estiveram preparando para a chegada dele.

O fato é que por diversas vezes quedou-se a ficar observando a estrada e tantas vezes isso aconteceu, que por fim, ao anoitecer, simplesmente se postou na entrada da velha cabana, pronta para esperar.

Portanto, assim que ele surgiu, brilhante, não foi capaz de expressar a mera surpresa que o fato merecia. Só o observou com o coração aos pulos e uma saudade quase tão velha quanto ela.

"Elrohir." Falou suavemente, e ele acenou com a cabeça, os olhos cintilando.

"Minha benfeitora." Ele havia descido do cavalo e se aproximado, olhando pra ela com um sorriso que falava da alegria de revê-la e Ivy o observou. Alto e esguio, seu cabelo escuro, mais longo do que se lembrava e ainda tão bonito, o sorriso sincero na face bela e eternamente jovem.

Erguendo a mão, tocou no rosto dele, que fechou os olhos e esfregou a bochecha contra a palma macia, então ficou na ponta dos pés e beijou-lhe o rosto e ele suspirou, arrebatando-a nos braços. Foi um abraço longo e silencioso e Ivy teve que lutar bravamente contra as lágrimas.

"Faz muitos anos agora, minha benfeitora."

"Anos demais Elrohir... anos demais" Lutando para controlar as emoções afastou-se, finalmente podendo lhe sorrir.

"Elladan e eu viemos encontrar algumas pessoas em Mirkwood e eu queria vê-la, porque soube de Tom..." Ele disse isso suavemente, sem desviar os olhos dela. "Eu sinto muito..."

Ela por sua vez desviou o olhar para o chão, até que suspirou, lembrando-se que estavam parados ainda fora da cabana.

"Por favor, Elrohir, vamos entrar, pois a noite se alonga e deve estar cansado." Ela o instou energicamente, caminhando em direção à porta.

Entraram na pequena casa, após ele amarrar o garanhão na entrada e Elrohir lembrou-se com nostalgia, dos momentos felizes que passara ali, com seus irmãos e a família de Ivy.

"Eu soube do incidente na taverna..." Estava com a testa franzida, olhando para ela com preocupação. "Soube que foi ferido mortalmente."

"As perdas parecem tão corriqueiras em minha vida, que às vezes..." Não disse isso procurando simpatia, mas era uma verdade dolorosa que já aprendera aceitar. "Mas Tom era senhor do próprio destino... não foi a primeira briga em que se envolveu."

"Sinto muito." Disse ele novamente, parecendo triste. "As notícias não chegam tão rapidamente como deveriam ou eu teria vindo antes..."

Ela o segurou pelo braço amavelmente, tocada como sempre pela consideração dele.

"Vou lhe preparar algo para comer... deve estar com fome e cansado após cavalgar até aqui. Você veio de Mirkwood?"

O elfo examinou a pequena casa. Era a mesma, mas parecia mais acanhada e pobre, como se Ivy possuísse recursos apenas o suficiente para mantê-la de pé, sem qualquer tipo de conforto. Preocupado, tentou imaginar o que a amiga fazia para sobreviver, sem a presença dos pais que haviam falecido já há alguns anos e agora também do marido.

Ela estava falando com ele, lhe arrancando de seus pensamentos distraídos.

"Sim." Respondeu. "Eu e Elladan viemos em uma incumbência de nosso pai..."

Ela assentiu e o convidou a sentar-se.

"Dê-me sua capa e a espada..." Com um pequeno gesto de concordância, ele depositou nas mãos dela a espada longa de cabo elaborado, lhe observando colocá-la no fim da mesa.

Com agilidade praticada, a mulher logo colocou pão e vinho na mesa e começou a preparar um guisado cheiroso, enquanto Elrohir a observava trabalhar. Um calor súbito esparramou por seu corpo, enquanto vigiava Ivy movimentando-se pela cozinha para fazer a ceia deles. Percebeu que sua energia singular voltava a afetá-lo como sempre o fazia na presença dela.

"Como Elladan está?" Ela quis saber. "Vocês têm salvado muitos viajantes pelo ermo?"

"De forma alguma!" Ele riu, relaxando um pouco. "Foram anos enfadonhos, pois os viajantes tornaram-se mais cautelosos."

Ela bufou, sorrindo do gracejo dele.

"Enfadonhos? Eu duvido. E vocês pareciam atrair dificuldades como o mel atrai as moscas."

Ele achou graça daquilo.

"Se bem me recordo, não éramos os únicos causadores de dificuldades... Você e Estel foram responsáveis pelo maior porção delas."

Ela ficou em silêncio, de costas para ele e Elrohir franziu o cenho.

"Ivy..."

Mas ela havia se voltado, segurando a tigela de guisado nas mãos e sorrindo novamente.

"Éramos crianças... raras são aquelas que não se metem em confusão o tempo todo." Depositou a tigela na mesa e cortou o pão, sem olhar a Elrohir.

Suspirando, ele contemplou a comida com olhos curiosos.

"Você cozinhou bagas silvestres para mim novamente?"

Ela riu alto, enquanto servia o guisado nas tigelas de ambos.

"Ah, não é nada tão elaborado, apenas guisado de coelho, já que não tive tempo de vagar pelo Ermo a procura delas..."

Quando se aproximou para lhe servir vinho, ele segurou-lhe o pulso com suavidade.

"Por que não me procurou?" Ele indagou sério. "Você esteve aqui sozinha por todos estes anos..."

"Eu não tinha o direito de incomodá-lo com meus problemas, não depois de tudo."

Ele sacudiu a cabeça, claramente inconformado.

"Mas você não deveria estar só..."

Ivy tomou nas suas, as mãos dele.

"Você ainda se considera meu devedor..."

"Sempre..." Acariciou as mãos dela. "Seu devedor eterno... eu desejo..." Ele pausou, soltando-lhe as mãos. "Não deveria ter abandonado você..."

"Oh Elrohir..." Ela acariciou o rosto dele com dedos suaves. Não precisava se esforçar para entender que ele se culpava por não ajudá-la em sua necessidade e Ivy bem sabia que o motivo do afastamento dele era culpa somente dela.

Após o verão da festa do rei, ele fizera o possível para que mantivessem contato, aparecendo para visitas ocasionais. Saber que alguém, especialmente alguém como Elrohir, se preocupava com ela, era o bastante para que um sentimento morno e confortante a dominasse. Sentia-se querida e a amizade entre eles havia se fortalecido através dos anos.

Então Tom havia surgido. Ele era o novo ajudante de seu pai e com o tempo conquistou a afeição dela, com seu jeito simples e austero. O casamento aconteceu rápido, e eles viveram bastante bem por um tempo, até o marido conhecer Elrohir. Tom foi tomado por uma antipatia imediata e havia exigido que Ivy se afastasse do elfo. Como ela se recusasse, as brigas por causa disso tornaram-se frequentes.

Mas Elrohir, perspicaz como sempre, havia notado a turbulência que sua presença ocasional despertava na vida do casal e decidiu ele próprio se afastar e ela, determinada a viver em paz seu matrimônio, não havia feito nada para dissuadi-lo da ideia. Tom ficou satisfeito, mas infelizmente, ela acabou colocando nele a culpa por ser fraca e desistir de algo de bom em sua vida. Algo que era apenas seu. No final, tudo dera errado entre eles, e quando isso se tomou uma constante entre o casal, já era tarde demais para mudar.

Entretanto, nunca havia nutrido esperanças de que o elfo voltasse. Egoísta havia desistido dele, quando ele apenas se preocupava.

"Você está de volta, mesmo após a atitude lamentável que tomei..."

Ele sorriu tristemente, olhando para ela com um carinho que sempre a desconcertava.

"Você tentava manter a paz, proteger o amor de vocês dois... não há porque se desculpar a mim."

Ela se afastou, sentindo um nó na garganta. Ia lhe dizer que há muito tempo havia descoberto que nunca amara Tom e o remorso por haver mandado embora o único amigo que possuía, a mantivera acordada por noites sem conta.

Não houve, no entanto, tempo de explicar essas coisas, uma vez que foi interrompida por um ganido lamentoso.

Os olhos de Elrohir se arredondaram e o rosto dela empalideceu.

Ficaram olhando nos olhos um do outro, até que ele observou-a reagir, erguendo-se para caminhar em direção aos fundos da casa. Após um momento de hesitação, lhe seguiu e no quarto simples e de pé, num pequeno berço de corda, com os bracinhos estendidos, estava o bebê. Chorando copiosamente pela mãe.

Inseguro, parou na entrada, enquanto Ivy acalentava a criança suavemente. A pequena estava se acalmando aos poucos e Ivy sentou-se na cama, evitando erguer os olhos para olhar no rosto dele.

Ele aproximou-se dela indecisamente, mas como não ouviu qualquer protesto, tomou o bebê em seus braços com delicadeza, acercando-se da janela para observá-lo a luz da lua. Devia ter no máximo dois anos, com um rostinho redondo e olhinhos cinzentos e curiosos.

Para surpresa de Ivy, a filha suportou o escrutínio calmamente e logo estendeu sua mãozinha para se enroscar nos cabelos negros de Elrohir, que num riso inesperado, envolveu-a em seus braços.

"Você é a perfeita imagem de seu pai pequenina." Havia maravilha em sua voz e a menina descansou contra ele como se fossem velhos conhecidos.

De onde estava, Ivy se mexeu desconfortavelmente. Talvez ele imaginasse que ela fosse filha de Tom...

"Desde que cheguei você não disse nada sobre ela..." Acusou ele, virando-se para olhá-la e quando o silêncio dela se estendeu, suspirou. "Você se esquece de que sou um elfo e muitas coisas são claras aos meus olhos. E mesmo isso não seria necessário, já que a pequena é a imagem viva do pai, quando ele foi trazido a nós."

Desgostosa, franziu o rosto, mas Elrohir já tinha voltado seus olhos para a menina.

"Meu irmão deve se orgulhar de possuir uma filha tão bela..."

"Ele não sabe... nada sabe sobre a filha." Disse ela enfim, numa voz pequena.

Confuso, Elrohir ficou em silêncio por longo tempo, o cenho franzido deixando o rosto bonito carrancudo e ela corou, sem realmente encontrar forças para enfrentar as acusações que encontraria em seu olhar.

"Como você a nomeou?" Ele perguntou de súbito, lhe sobressaltando um pouco.

"Esperança. Ela se chama Esperança." Respondeu com orgulho, enfrentando por fim, o olhar dele. Contudo não havia acusações lá, apenas dúvidas.

"Você escolheu bem." O bebê coçou os olhinhos turvados de sono, enquanto Elrohir acariciava seus cachos castanhos. "Você recebeu o nome de alguém especial pequenina, mas vai escrever sua própria história..."

Entregando Esperança para a mãe, olhou para Ivy com expressão inescrutável antes de retirar-se do quarto. Ela, após acomodar a filha no berço, seguiu o elfo com o coração aos pulos.

"Meu irmão foge das responsabilidades para com a própria criança?" Ele quis saber assim que estavam sós, incrédulo e desapontado. "Estel a tratou com desonra?"

"Não julgue Estel tão severamente Elrohir." Ivy implorou. "Não quando conhece tão pouco dessa situação..."

"Mas você me diz que ele não conhece a filha... e ele permite que você duas vivam com tão pouco conforto?" Ainda soava desapontado, como se não pudesse acreditar nas ações do irmão.

"Ele não sabe!" Ela respondeu angustiada. "Eu já lhe disse, ele não sabe e eu pretendo que não saiba nunca!"

Ele caminhou agitado pela sala.

"E eu não devo imaginar que ele a tratou com desonra? Quando você esconde a filha dele?"

"Não desvirtue o que eu digo, por favor." Ela implorou. "Se pretende insinuar que ele tenha me forçado a qualquer coisa não continue, pois estará sendo injusto!"

"E, no entanto você não nega..."

"Elrohir, eu não entendo o que você quer..." Desesperou-se. "Ele ama outra mulher e não precisa da filha ou de mim."

"Ele lhe falou dela?" Elrohir perguntou asperamente. "Quando vocês estavam juntos ele lhe falou dela?"

"Encontramo-nos em Esgaroth uma única vez, eu suspeitei e ele não me negou o fato." Ela confirmou, a baixa derrotada de seus ombros indicando a aflição de tocar naquele assunto.

"E ainda assim vocês dois..." Ele também parecia aflito. "Vocês já se encontravam quando eu... quando eu parti por causa de Tom?"

"Elrohir, não nos tome ou julgue por atos que considera desonrosos. Eu nunca enganei Tom, ele já estava morto quando Estel e eu nos encontramos e sei que seu irmão teria voltado se soubesse da filha, mas de que me serviria viver o amor destinado a outra?"

"Você não pediu que voltasse, preferiu fugir e esconder a filha dele." Ele acusou tenso e ela suspirou.

"Não tão bem se você me encontrou." Respondeu amargamente, então perguntou, quase baixo demais para se ouvir. "Você a conhece?"

Elrohir a observou em silêncio, com olhos insondáveis, até ela se incomodar.

"Eu a conheço." Respondeu por fim. "E compreendo o amor de meu irmão por ela."

Vendo a expressão angustiada dela, Elrohir não se importou, pois naquele instante quis machucá-la tanto quanto a confissão do amor por seu irmão o havia ferido, mas se arrependeu logo após e sentiu ódio de Estel. Por ser o homem que era e roubar o amor de Ivy.

Em seguida, ressentiu-se imensamente com ambos, por estarem causando sentimentos tão conflitantes nele.

"Eu não deveria ter vindo aqui." Disse ele com a voz entorpecida. "Devia ter me mantido longe..."

"Mas veio. E agora conhece meu segredo." Se aproximou dele, tocando em seu braço para que olhasse para ela novamente. "Elrohir..." Havia súplica em seu rosto. "Esperança pertence a mim. É tudo que possuo! Nada me restou!"

Ele olhou para ela com a expressão magoada.

"E agora você me teme? Teme que eu possa tirá-la de você? Conhece-me tão pouco assim?"

Ela afastou-se dele, zangada.

"Não me culpe por aprender a confiar tão pouco nas pessoas..." Ele deu-lhe as costas, voltando o olhar para a noite nublada que se insinuava pela janela e Ivy imediatamente se arrependeu de suas palavras. Elrohir nunca lhe dera motivos para não confiar nele. "Eu confio em você, mas... não há necessidade de que Estel tome conhecimento da filha. Nenhum benefício."

"Como pode dizer isso?" Ele virou-se bruscamente. "Como pode dizer que o ama e ainda assim esconder algo como isso dele? Com que direito julga que a filha não teria importância para ele?"

"Esperança é minha." Ela repetiu com veemência. "Fui atrás dele. Eu entreguei-me a seus braços e ele não tem que carregar um fardo que não procurou."

"Você considera sua filha um fardo?"

"Não considero. Mas ela é apenas uma menina. Que valor uma filha pode ter para ele? Que valor nós mulheres temos no mundo dos homens? Eu não quero que minha filha se interponha entre ele e seu destino."

"O que saberia você sobre o destino de meu irmão?" Ele quis saber, parecendo bravo, mas ela não se intimidou.

"Eu nada sei. Mas sou perspicaz o suficiente para compreender que no destino dele repousam grandes fardos e não pretendo acrescentar nenhum outro a eles."

"A mulher que ele ama nunca permitiria que o amor que tem por Estel passasse por cima da felicidade de uma criança."

"Eu nunca usaria minha filha como refém de meu amor." Ela afirmou e Elrohir não conseguia compreender se o motivo que a fazia esconder a existência de Esperança era o orgulho ferido ou o medo insensato. E eram também seus próprios sentimentos que nublavam sua percepção e suas ações?

Colocou as mãos no rosto em desespero. "O que fazer?"

"Eu só lhe peço que não diga nada a ele, Elrohir." Ela implorou. "Se você pretende contar-lhe, eu levarei minha filha para longe desta terra e nunca mais voltarei!" Endureceu a voz em sua ameaça, os olhos escurecidos. "E você me deve..."

Ele descobriu o rosto e olhou para ela com uma pequena quantia de desespero nas feições.

"Não precisa fazer isso. Você salvou minha vida e jamais me esquecerei disso, enquanto viver..." Depois de uma longa pausa, soltou um suspiro. Duvidava se um dia iria ganhar uma discussão com aquela mulher. "Este é um segredo que lhe pertence, embora eu não concorde com ele e lamente sua determinação. Meu irmão não fugiria de tal responsabilidade e eu receio que chegue o dia em que lamentarei a decisão que tomo agora, mas ele não saberá de nada através de mim."

Ivy suspirou em alívio. Como temera a resposta dele. Se tivesse que partir... Onde poderia ir?

"Eu lhe agradeço." A voz dela saiu trêmula e seu coração doeu uma batida quando notou que ele a olhava com a expressão abatida. Tinha o desejo egoísta de que as coisas entre eles não mudassem, nem que ele a considerasse menos, agora que sabia. Não depois de o haver recuperado após tantos anos.

"Você ainda ficará? Mesmo agora que sabe?"

Elrohir continuou a fitá-la. O rosto moreno, os cabelos negros presos numa trança única, os grandes olhos expectantes. Observou-lhe como se contemplasse uma joia rara. E sua mente titubeou à percepção dos sentimentos que até então negara. Sentimentos pela mãe da criança de seu irmão!

Ela ainda esperava uma resposta e a razão lhe disse para ir-se e manter-se o mais distante possível dali. Mas foi o coração quem respondeu por ele.

"Eu gostaria de ficar." Observou o alívio no rosto dela. "Não é meu lugar julgá-la ou a meu irmão... Esperança é minha sobrinha e me sinto responsável por ela na ausência do pai."

"Você não tem..." Ele a impediu de continuar, cobrindo os lábios dela com dedos suaves.

"Eu não posso te perder novamente." Ele disse com franqueza. "E eu quero, por uma vez, tomar conta de você, de verdade. Por favor?"

Ela não sabia o que dizer. Estava tão acostumada a cuidar de si própria.

"Eu sei que vocês devem estar passando por dificuldades embora queira me negar." Ele continuou. Aquilo o havia incomodado desde o inicio. "Como tem sobrevivido aqui sozinha?"

"Meus pais me deixaram suas pequenas economias, algumas que Tom não consumiu... É pouco, mas o suficiente para nós duas..."

"Eu não estou sendo caridoso, se o orgulho a fizer achar assim." Ele garantiu. "Pense que seja o direito de Esperança como minha sobrinha."

Ivy aquiesceu, aceitando por fim.

"Agradeço-lhe Elrohir. Eu não recusarei. Mas estamos ambos exaustos, principalmente você, depois de sua viagem. Deve descansar agora."

O conduziu para o quarto aposto àquele em que estava o bebê, aliviada pelo modo como as coisas terminaram. Mas antes de entrar no cômodo, ele virou-se e pegou as mãos dela dentro das suas.

"E lhe agradeço por me permitir ficar..." Seu tom de voz saiu mais caloroso do que pretendeu e disfarçando o próprio embaraço, beijou-lhe as mãos com os lábios mornos, causando um calor inesperado em Ivy.

Ela franziu as sobrancelhas e retirou as mãos rapidamente.

"Elrohir, eu... eu lhe desejo boa noite." Voltou pelo corredor e ele entrou no quarto, encostando-se a parede com um suspiro trêmulo. Foi sincero sobre querer ajudar as duas, sobre sentir-se responsável. Mas não tinha mais certeza se queria isso agora.

Ela amava Estel e ele deveria ser sábio o bastante para controlar os próprios sentimentos em relação àquela humana, mas como poderia confiar em si próprio agora, quando tinha certeza absoluta que a amava?

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Ivy entrou no quarto, fechando a porta com firmeza e indo em direção ao berço de Esperança, que brincava com seu chocalho.

Sentou-se numa cadeira e apoiou a cabeça nas mãos trêmulas.

"Amo seu pai." Falou com veemência, mais para si do que para a menina. "Nenhum outro homem faria com que eu me esquecesse do amor que sinto por ele."

Lembrou-se da sensação que lhe percorreu o corpo quando os lábios de Elrohir tocaram sua mão.

"Nunca! Nunca novamente!" Repetiu com fúria.

Os deuses sabiam que um dia já fora ousada o suficiente para fazer isso. Entrar no quarto de um homem e entregar-se a ele com paixão e luxúria. Sentir a respiração quente contra sua pele, o prazer das mãos e dos lábios, os beijos que alcançavam sua alma.

"Oh, Eru!" Clamou. "Sou uma mulher desesperada, que confunde amizade e compaixão com desejo. Que não pode controlar o próprio corpo."

Gemeu novamente, reconhecendo os sinais da sensualidade ardente que Estel havia despertado em seu corpo e desde então a consumia em crises febris, invadindo nas noites frias, seu leito solitário e o coração ermo, mas que conseguia manter sob controle com uma disciplina férrea.

Até aquela noite. Mas não seria subjugada novamente por seus desejos. Nunca novamente.

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Elrohir ficou com elas dois dias além do planejado. Ele estava encantado pela sobrinha, mas no fim, disse a Ivy que provavelmente Elladan já estaria enviando uma patrulha em seu encalço.

A manhã da sua partida amanheceu nublada e fria e Ivy sentiu um pequeno aperto no coração. Não tinha mesmo um relacionamento muito bom com despedidas.

"Deve levar semanas até eu voltar. Você ainda vai estar aqui?" Ele não disfarçou a ansiedade da pergunta e ela garantiu que sim, mas ele ainda parecia hesitante.

"Ivy, eu lhe dei minha palavra sobre seu segredo. Eu nunca o revelaria a ninguém sem sua permissão. Mas... Eu quero lhe pedir..." Hesitou como se procurasse as palavras certas. "Elladan, ele... eu não consigo... Eu não gostaria de esconder isso dele e, lhe juro que ele também vai respeitar seu pedido, se eu lhe pedir."

Ela mordeu os lábios, preocupada. Havia arrancado uma promessa de Elrohir, mas duvidava da complacência de Elladan. Chegou à conclusão, no entanto, que provavelmente ele e Elladan eram próximos demais para que Elrohir mantivesse dele este segredo por muito tempo. Não poderia ser evitado, sem dúvida.

"Confio em seu julgamento e não me importaria se ele viesse conhecer Esperança." Outro voto de confiança, mas Elrohir parecia resoluto e como se retirasse um peso dos ombros, beijou-lhe suavemente no rosto, para depois montar em seu cavalo, dizendo-lhe adeus. Então galopou rapidamente pela cidade, chamando atenção por onde passava.

Ivy observou a estrada por um longo tempo, sabendo que deveria fugir agora. Tinha que partir, ir para o mais longe possível. Longe de todas as dúvidas e de todos os laços.

Mas estava se enganando. Havia um laço forte demais. Aquele que lhe prendia a Estel. O laço de seu amor. Mais forte que qualquer corrente.

E assim, de posse desta certeza, mas disposta a cumprir sua palavra, Ivy ficou. E embora soubesse que era muito cedo para começar a vigiar sua volta, todos os dias, perto do pôr-do-sol, se punha na entrada da cabana, esperando por Elrohir.

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Continua...