Título: Lembranças - ano 3009
Personagens: Elladan, Elrohir, OCS originais.
Retratações: Os personagens não são meus, nenhum lucro é pretendido, só existe o desejo de contar uma história e exprimir meu amor pelos personagens do Professor Tolkien.
Sumário: É tempo de tomar decisões e enfrentar o futuro.
PS: Tudo em itálico referem-se às lembranças.
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Lembranças – ano 3009
E os anos mortais da Terra-Média seguiram seu curso. Anos de labuta. E de planejar contra a sombra que se erguia para ameaçar os povos livres.
Mas também foram anos de amor, em que muito de bom foi construído e fincou raízes para dar esperança àqueles que nunca desistiam dela.
E o tempo seguiu seu curso... e a velhice com seus males chegou para Ivy.
Um dia, em que o outono vestia um mundo quieto e dourado, ela quebrou o silêncio, recostada nos braços de Elrohir.
"Eu te amo..."
Ele afastou-se para observá-la.
"É o que você sempre me diz... só queria ter certeza de falar também." Ela explicou suavemente.
"Ah, Ivy." Ele curvou-se e beijou-lhe os lábios "Nunca me foram necessárias quaisquer palavras..."
Ela sorriu, se aconchegando melhor em seus braços e ele suspirou.
"Queria tanto que houvesse mais tempo para nós..."
"Já houve tempo o bastante, amor meu."
"Não para mim."
"Elrohir..." Ela repreendeu com suavidade. "A eternidade não é para nosso amor."
"A eternidade não me bastaria." Ele replicou, colocando a cabeça sobre o ombro dela, que acariciou seus cabelos suavemente.
"Com o passar do tempo, ao se lembrar de mim e recordar nosso amor, se sentirá feliz. Só precisa ser forte agora..."
"Como pode dizer que me acostumarei à sua ausência?"
"Você vai, porque precisa e porque sei que ainda ama esta terra. E eu estou velha. Não quero que se recorde de mim assim."
"Não me peça para não entesourar cada um dos momentos em que estivemos juntos."
"Então não pedirei..." Os olhos dela ficaram marejados e não tentou mais conter as lágrimas. "Cometi tantos enganos, quando o destino lançou seus caminhos diante de mim e ainda assim o criador deu-me a dádiva de seu amor. Nunca pude compreender o motivo para tal merecimento."
Ela parou, extenuada pela longa fala e Elrohir notou seus olhos úmidos.
"Não chore amada, por favor!"
"Não deve interpretar mal minhas lágrimas. Nunca poderia chorar de tristeza, quando tenho seus braços em volta de mim." Tocou o rosto dele ternamente. "Sou uma tola que chora de felicidade."
Ele tentou sorrir, mas seus lábios tremeram. Não conseguia ignorar o tom de despedida nas palavras dela.
"Se Eru apiedou-se de você, qual terá sido meu merecimento, para conquistar o seu amor?"
Enlaçou suas mãos, os longos cabelos acariciando o rosto dela, quando as palavras lhe faltaram.
Ela observou as mãos macias dele, segurando as suas envelhecidas e enrugadas. Não importava mais. Já travara aquela batalha anos antes, e se não houvesse vencido seus demônios, aprendera a conviver com eles.
"Amor?" Chamou com sua voz ligeiramente trêmula. "Você faria algo para mim?"
"Tudo o que desejar, só precisa me dizer." Ele respondeu e ela sorriu, pois sabia que seria essa sua resposta.
"Eu queria flores. Você se lembra? Quando as trouxe para mim naquele acampamento? Eram tão lindas..."
"Claro que me lembro. Aquelas florezinhas tão parecidas com você." Ele sorriu animado. "Vou trazê-las! Tantas e tantas que vão perfumar toda Valle."
"Não preciso de tantas." Ela riu. "E não precisa ser agora. Mais tarde. Só fique aqui comigo. Mais tarde..."
Ele concordou e voltou a embrulhar os braços em torno dela, apoiando o rosto no topo de sua cabeça, e ela aninhou-se em seu peito.
"Então eu vou cantar para você. Que tal?"
Ela sacudiu a cabeça levemente, em concordância.
Seu belo amor. Tentava ser forte para ele, mas entendia bem sua frustração. O que eram os breves anos em que se amaram, frente à eternidade da vida dele? Queria ter forças em seu corpo para abraçá-lo e confortá-lo, nem que fosse pela última vez.
"Oh Eru! Por que me entregar à última dádiva que reserva aos homens quando ainda o amo tão completamente?"
Consolou-se no calor familiar de seu abraço, enquanto ele entoava a melodia suave.
Sentia-se cansada, com o peso de todos os seus anos a comprimir-lhe a alma. Apertou-se mais contra ele. Ah! Como gostaria de ficar, mas seu tempo findara.
A melodia terminou e ela o sentiu beijar-lhe os cabelos e sorriu. Mas não podia deixar de agradecer.
Fora seu, o melhor de todos os amores.
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"Aqui estamos." Ele lhe disse, ajudando-a descer do cavalo e assim que seus pés tocaram o chão, a respiração ficou-lhe presa na garganta.
A cabana era maravilhosa. Havia flores em todos os lugares e as árvores ladeavam a casa, pois estava situada em meio a um prado gramíneo e possuía grandes janelas, feitas para permitir a entrada dos dourados raios do sol e do brilho prateado da lua.
Uma casa feita para a realeza, não para uma simples camponesa.
"Dada... dada... Dada..." Esperança estava balbuciando em seu colo, estendendo as mãozinhas para ele e Elrohir, puxando-as para si, beijou-as para depois tomá-la nos braços, afastando-se em seguida para encarar Ivy, notando que ela estava completamente muda.
"Você gostou?" Ele perguntou ansioso, e Esperança aconchegou a cabecinha em seu ombro, colocando o polegar na boca, enquanto ele esfregava as costas dela suavemente, beijando-lhe o topo da cabeça.
"Eu sei que sempre morou em sua velha cabana e que ela lhe traz muitas recordações de sua família, mas não precisa se desfazer dela se não desejar..."
Ivy observava-os, enquanto algo morno e terno aquecia em seu coração. Os dois pareciam perfeitos juntos, quase como... Como pai e filha.
"... confortável para vocês."
Ele havia terminado de falar e ela não havia escutado uma palavra sequer.
"Adorável!" Disse de impulso. Ele era adorável, com o bebê dela nos braços.
Imediatamente um enorme sorriso ardeu no rosto do elfo.
"Que bom que gostou, pois acho que devemos entrar imediatamente e tratar de ficarmos secos novamente, não é pequenina?" Ele sorriu à criança sonolenta.
"O quê?" Saindo de seus devaneios, não conseguiu compreender de imediato.
"Esperança." Uma expressão brincalhona aquecia o sorriso dele. "Ela está molhada."
Ivy enrubesceu, enquanto esticava os braços depressa para retirá-la do colo dele.
"Oh Elrohir, ela molhou você!"
Ele riu, voltando a apertar a menina nos braços, que ignorou os braços estendidos da mãe, sem qualquer intenção de sair do colo dele.
"Tudo bem." Ele riu novamente. "Eu acho que isso faz parte dos meus novos atributos de tio."
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"Como pode conceber um segredo desses? Elladan exigiu. Por quase dez anos ele não retornara a Valle, mas Elrohir tinha vindo e agora se enredariam na teia de segredos que Ivy pretendia perpetuar, mas precisava da aquiescência do irmão mais velho.
"Não vou contar a ela sobre um pai que não estará por perto para vê-la crescer!"
"Essa decisão não pertence apenas a você e meu irmão é honrado o bastante para não fugir de suas responsabilidades!"
Ela não vacilou à dureza da voz dele.
"A decisão é minha e não pretendo mudar de ideia!" Seria inflexível, pois se recusava a despedaçar o mundo seguro que pretendia construir para a filha. O mundo seguro e feliz que nunca possuíra.
"Então não há nada mais a ser discutido, há?" Seguiu para a porta com passos resolutos, pretendendo sair para a noite escura, mas Ivy não podia permitir que a conversa terminasse assim. Ela jamais havia visto Elladan tão zangado, mas seu intuito de fazer valer sua vontade lhe deu coragem.
"Nunca pretendi que descobrissem."
O elfo hesitou no limiar.
"E agora que descobrimos quer que eu finja para ele que ela não existe?" Ele exigiu.
"Será melhor para ela." Cerrou os punhos, fincando as unhas nas palmas das mãos. Seria o melhor para sua filhinha, a quem amava mais do que jamais amou outra pessoa no mundo.
"Mas não permitirei que minha sobrinha pense que o pai nunca a quis." Olhos frios como o aço a fitaram, antes dele finalmente sair porta afora.
As lágrimas enfim caíram, umedecendo sua face. Então sentiu braços fortes cercarem seu corpo.
"Eu sinto muito..." Ela sussurrou desolada, numa voz tão suave que imaginou se Elrohir poderia escutá-la de fato. "Sinto tanto..."
Ergueu a cabeça e o olhou através da luz tênue da lua que adentrava pela porta que Elladan deixara aberta. Olhou como quem procurasse as respostas que ele não podia dar, ou que ela não podia abrigar.
O rosto dele estava transtornado pelo que parecia ser pesar e preocupação.
Ivy estremeceu, sentindo-se culpada pela bondade que ele sempre demonstrava para com ela, apesar de todos os erros e enganos.
E ainda assim, se entregou ao consolo sem julgamento de seus braços.
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"Ela não vai morrer, não é?" Desesperou-se Ivy, presa a impotência terrível causada pelo medo que a esmagava.
Elrohir tinha nos braços o corpinho febril de Esperança. Sua filhinha que havia pouco completara nove verões e estivera efusiva, porque o tio lhe prometera ensinar a cavalgar.
"Meu bebê... não deixe meu bebê morrer! Prometa!" Ela implorou ao elfo.
"Ninguém vai morrer." Ele lhe disse com convicção, alisando os cabelos úmidos de suor da menina, antes de colocar-lhe novamente a palma da mão por sobre a testa.
Naquele inverno terrível, uma nuvem escura vinda das Planíceis de Rhûn, surgira em Valle, trazendo doença e morte.
Tentando combater o mal que os assolava, curadores trabalhavam incessantemente e embora ajuda fosse solicitada, os habitantes das regiões vizinhas evitavam a cidade, diminuindo o comércio e trazendo também a sombra da escassez.
Ivy fora poupada, mas Esperança caíra vítima da pestilência. E ninguém que contraíra a doença, havia sobrevivido.
"Elladan cavalgou com toda urgência e trará com ele Erúonel e Cardhir. Eles são os melhores curadores que conheço, depois de meu pai. Eles poderão ajudar."
Havia convicção total em sua voz e Ivy suspirou, afastando as mechas desgrenhadas de sobre os olhos avermelhados, para então esfregá-los com vigor, como se assim conseguisse ficar mais alerta. Estes lhe pareciam cheios de areia.
Sentia uma fraqueza lânguida, os ossos doloridos e Elrohir lhe implorara que descansasse, dizendo que ela precisava ficar saudável pelo bem da filha doente, mas era uma causa perdida.
Não iria repousar enquanto Esperança estivesse nas garras agonizantes da febre e do delírio.
Afastou as mãos dos olhos e observou o elfo, debruçado por sobre a menina. Ele também parecia muito pálido e abatido.
Sabia que embora ele possuísse o vigor dos eldar, a nuvem funesta também lhe atingira duramente, como se os vapores malignos estivessem minando sua forças.
No entanto, sabia também, que a palidez quase translúcida que ele mostrava, devia-se ao fato de que estava vertendo todo bocado de energia que possuía a sobrinha.
Suspirou novamente.
"Nós não sabemos se virão." Aproximou-se dos dois. "E se o rei de Mirkwood não permitir que qualquer pessoa de seu povo se aproxime de Valle? Nós estamos desamparados..."
Ele ergueu os olhos para ela e Ivy envergonhou-se por ser tão derrotista e assustada, mas ele apenas estendeu sua mão, que ela agarrou com desespero, assustando-se ao notar o quanto estava fria, em contraste chocante com o calor que emanava da criança em seus braços.
"Eles virão." Ele respondeu com convicção. "Eles virão e trarão ajuda para Esperança e a cidade, eu prometo!"
Ela começou a falar novamente, mas ele apertou sua mão, a silenciando.
"Eu nunca falhei em qualquer promessa que já lhe fiz..." Fitou em seus olhos, como se a ousando discordar. "Eles virão."
E ela acreditou.
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"Esperança!" Ralhou Ivy quando a menina entrou correndo porta adentro, parando segundos de chocar-se com a mesa. "Olhe para você mocinha! Com os cabelos desfeitos e cavalgando e escalando em árvores como um menino!"
"Ah, mamãe! Que exagero." Riu-se ela, recuperando o fôlego e apanhando uma maçã na cesta, que abocanhou com vontade. "Tio Elrohir me disse que você quer falar comigo."
Ivy balançou a cabeça e puxou a menina para si, fazendo com que se sentasse num banco, antes de apanhar um pente.
"Vamos dar um jeito nesta bagunça." Começou a desfazer o que restava das tranças e a passar o pente amorosamente pelo cabelo da filha, aproveitando os segundos preciosos em que ela finalmente estava quieta.
"Você é uma mocinha de treze anos e deve se comportar como uma. O que as pessoas pensarão de você correndo por aí dessa forma?"
"Eu não me importo!" Ela respondeu petulante. "Tio Elladan me disse que eu posso fazer o que quiser."
Ivy bufou em desgosto.
"Claro que disse. Ele adora me contrariar. Mas eu falo para seu bem, minha querida. Vai acabar caindo de uma árvore e quebrando algum osso..."
"Eu não vou cair mãezinha! Eu nunca cairia de uma árvore! Eu sou tão boa quanto um elfo."
"Não duvido! Mas uma mocinha não deve ficar subindo em árvores."
"Não é divertido ser uma moça." Ela se queixou e Ivy fez o possível para esconder o sorriso, terminando a última trança. O cabelo castanho da filha caía bem abaixo da cintura, sedoso e cheio de brilhos. Sua linda filhinha.
"Você se parece tanto com seu pai."
A menina ficou congelada debaixo de suas mãos, depois girou lentamente o corpo para olhar para a mãe.
"Mamãe..."
"Foi por isso que eu te chamei. Nós precisamos conversar sobre ele..."
"O menino das histórias?"
A surpresa se estampou no rosto de Ivy.
"Sim, é ele mesmo." O coração bateu mais forte, mas controlou qualquer sinal de que o conhecimento dela a houvesse surpreendido. "Precisamos falar sobre ele."
"Ele está vivo?"
"Sim, ele está vivo." Ivy tentou sorrir tranquilizadora, mas acabou deixando escapar um riso nervoso. "Ele está muito vivo e está bem e é um grande caçador..."
"Mas ele nunca veio para casa..." A menina interrompeu. "Ele nunca me quis?" A cabeça sedosa se afastou das mãos que a acariciavam e neste momento Esperança a encarou com olhos escuros sérios e perspicazes.
"Quando ele souber que possui uma filha adorável como você... ele virá." Respondeu Ivy, procurando mostrar toda sua convicção. "Você... você já conversou sobre ele com seu tio?" Perguntou hesitante. "Com qualquer um deles?"
"Não." Disse ela, encolhendo os ombros. "Mas eu sempre soube que ele era muito especial para eles... O menino das histórias que eles me contam..."
"O irmão humano deles." Ivy ensinou.
"E você realmente acha que ele viria?" Quis saber Esperança, impaciente.
"Eu tenho certeza..." Ela vacilou, procurando encontrar uma forma de explicar. "Ele não sabe sobre você, mas é um homem honrado, que a amará quando a conhecer."
"Eu sabia que você diria alguma coisa assim." O rancor quase adulto em sua voz atingiu-a como um tapa.
"Esperança..."
Ela cruzou os braços e lançou-lhe um olhar ressentido.
"Eu não quero que ele venha. Não importa o que você diga, não quero que ele venha."
"Filha..." Por detrás das palavras zangadas da menina, ela pôde enxergar seu temor. Seu mundo estava sendo despedaçado por Ivy. Seu mundo seguro e feliz. Mordeu os lábios para segurar as lágrimas. "Estel é seu pai e não é culpa dele se..."
"Não preciso dele." Ela ergueu o queixo com teimosia. "Não pode me forçar."
"Esperança..." Ivy implorou, consternada. "Não é nada disso minha querida, não quero forçá-la, eu só quero fazer o que deveria..."
"Mas eu não o quero!" A garota teimou, os olhos molhados de lágrimas. "Se ele vier, você mandará tio Elrohir embora, porque ele não é meu pai de verdade!"
Ivy estendeu a mão para ela, mas a menina se esquivou, pulando do banco em que até então estivera sentada.
"Eu não preciso dele!" Ela gritou, antes de sair correndo da casa, indo em direção as cocheiras, onde Elrohir estava escovando o longo pelo de Roan.
Ele pareceu surpreso com a chegada intempestiva dela, mas assim que notou seus olhos cheios de lágrimas, estendeu os braços para a menina que se lançou a eles sem hesitar, abraçando-o como se fosse a última pessoa no mundo inteiro. Ele a levantou nos braços, apertando com força. Depois a colocou no chão e se inclinou para falar com ela durante um momento longo, antes de abraçá-la novamente, que escondeu o rostinho transtornado em seu ombro.
Ele ergueu o rosto então e percebeu Ivy a observá-los da janela, com expressão preocupada. Retribuiu seu olhar, e ela viu em seus olhos um turbilhão de emoções tão grande que quase a desconcertou. E então, a sombra da tristeza sumiu, quando ele voltou a se ocupar da criança transtornada.
O coração de Ivy estava apertado. Não pela primeira vez, questionou a sabedoria das decisões que tomara há tantos anos.
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"E não vou mais partir... Voltei para ficar." Ele a informou, com expressão determinada.
Ela entendia o verdadeiro significado daquilo."Se não posso compartilhar seu destino, ficarei até o fim."
Sim, ela entendia e agora que o aceitara sem dúvidas ou restrições, o coração de Ivy se apertava apenas pela possibilidade de passarem qualquer tempo separados, pois enfim encontrara a felicidade e a paz com as quais apenas sonhara.
Não. Não queria que ele partisse novamente.
Uma brisa suave soprava através da janela, trazendo o perfume das flores que circundavam a casa e Elrohir a puxou de encontro ao corpo, colocando beijos ardentes em seu pescoço e despertando nela ondas cada vez mais vibrantes de prazer.
A sensatez que ainda existia nela sempre a avisara para se afastar dele, fazê-lo enxergar o erro que cometiam, afinal que bem surgiria do amor de uma humana por um elda? Mas infelizmente nunca fora capaz de se manter sensata por muito tempo.
Além do mais, tornara-se necessitada do gosto dele e isso afetava todos os seus sentidos.
Ergueu os braços para abraçá-lo com força, entrelaçando os dedos nos cabelos macios e o elfo pegou-a no colo, enquanto as luzes douradas do entardecer iluminavam o quarto.
"Feche as cortinas..." Ivy pausou seus beijos para pedir, pela primeira vez temerosa de se expor aos olhos dele, pois já não era jovem como antes.
"Não" Ele negou-se, colocando-a delicadamente na cama. "Eu quero ver você enquanto no amamos..."
"E porque você quereria me ver?" Ela perguntou, mal escondendo o sorriso. "Eu nem ao menos sou bonita."
Os olhos dele brilharam como fossem prata à luz do luar.
"Você é linda." Ele murmurou, inclinando-se para comprimir a boca contra sua pele.
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Elladan parou no limiar do quarto, antes de aproximar-se com duas canecas nas mãos.
"Esperança preparou chá de hortelãs. Ela me disse que é seu favorito..."
Ela sorriu em agradecimento e pegou a caneca, sorvendo o líquido quente e aromático com um suspiro satisfeito.
"Vai ficar aí de pé?" Perguntou para o elfo alto. "Meu pescoço dói do esforço de elevá-lo para ver-lhe o rosto."
Ele assentiu e sentou-se na cadeira em frente a ela, que o observou por instantes, um sorriso irreverente no rosto marcado pelo tempo.
"Não discutimos mais como antes..."
"Está sentindo falta?" Ele indagou com um sorriso mordaz e ela riu.
"Nossos embates eram formidáveis."
"Mas agora você tem estado quieta."
"Ou talvez eu esteja envelhecida demais para ser uma adversária de valor."
Ele balançou a cabeça, tomando um gole do chá, provavelmente atento de que o momento leviano entre os dois passara e de repente ela estendeu as mãos para ele, que as acolheu sem hesitar.
"Eu confio em você para cuidar dos dois."
"Eu faria qualquer coisa para mantê-los seguros e felizes."
Ela ficou em silêncio, para em seguida retirar suas mãos das dele, tomando novamente para si a caneca.
"Eles precisam um do outro..." Tomou um gole do chá. "Poderão consolar um ao outro."
Ele a observou atentamente, com o cenho franzido.
"Esperança precisa conhecer o pai... É necessário Ivy."
Ela suspirou, apertando com força a caneca.
"Ela pode conhecer o pai quando quiser."
"E você acha que vai acontecer?" Elladan balançou a cabeça com tristeza. "Você sabia que Esperança disse a Elrohir que ela decidiria a hora de conhecer o pai? Que isso era responsabilidade dela agora?"
Ivy olhou fixamente para ele.
"O que você quer dizer?"
"Que você lhe deu um pai tão perfeito, que a fez temer trazer para junto de si o verdadeiro e assim perder aquele a quem de fato ama."
"Você está dizendo que eu manipulei minha filha?"
"Estou dizendo que ela acreditou que você deixaria Elrohir se Estel voltasse... E quem sabe você mesma temesse isso?" Ele acusou, mas ela balançou a cabeça.
"Elrohir é meu único amor!" Afirmou, antes de respirar fundo e voltar o olhar para fora da janela. "O que você quer que eu lhe diga? Que admita que cometi erros e enganos? Eu admito, mas não posso mudar o passado. Tudo que posso fazer é me esforçar para sanar as feridas que ajudei a causar."
"Certas feridas não podem ser curadas..."
Ela voltou-se novamente para ele, mas não pôde suportar a força de seu olhar e afastou os olhos.
"Não. Nem todas as feridas." Suspirou."Mas estes questionamentos não tem mais significado agora, quando estou morrendo..."
A expressão dele suavizou-se.
"Sinto muito..."
Ela deu de ombros.
"É um destino que não pode ser mudado..." O encarou novamente, decidida a implorar se necessário fosse. "A promessa a que prendi Elrohir há tantos anos... Não deixe que Estel se ressinta dele por ter-lhe escondido à verdade. Diga-lhe que a decisão foi apenas minha e que a fiz por amor. Um amor tão grande que me fez querer que fosse só minha a única coisa que pude obter dele. Diga-lhe que sinto muito..."
Elladan buscou novamente as mãos dela.
"Eu lhe direi irmãzinha..."
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O vento frio fustigava as árvores da colina e quase fazia encurvarem-se as três figuras que lá se encontravam.
Duas estavam mais distantes, abraçadas, e a terceira estava mais à frente, a silhueta alta recortada contra o crepúsculo vermelho. Os cabelos negros chicoteando ao redor da face pálida.
Ele levava nas mãos um pequeno ramalhete de flores e olhava para o túmulo a seus pés parecendo aflito, mas não havia sinais de lágrimas em sua face.
"Você me disse uma vez que não acreditava em qualquer bem que poderia advir do amor entre um elda e uma humana e isso... eu deveria ter lhe dito que era tolice, pois... pois como eu poderia ter sabido como maravilhoso o amor seria, se você não mostrasse para mim?"
Ele tocou uma das flores no ramalhete, ficando em silencio por um tempo.
"E eu sempre tive razão..." Ele disse finalmente. "E nós dois sabemos disso."
Ajoelhou-se na terra fria para tocá-la com dedos trêmulos.
"E eu, por minha vez, nunca lhe disse o quanto me afligia assisti-la envelhecer e assim a cada dia, dar um passo em direção ao destino que a levaria de mim..." Nada mais poderia ser dito sobre isto, mas ainda assim... a dor que causava era quente e afiada. "E agora como eu poderei viver com sua ausência?"
Num momento havia ar em seus pulmões e sentindo em sua vida e então, no próximo minuto tudo tinha se ido.
Elrohir era como alguém se afogando, sem forças para retornar à superfície.
Uma careta de dor assolou sua face, antes dele depositar o pequeno ramalhete no túmulo recente e depois se ergueu devagar, para enfrentar o futuro sem ela.
"Adeus, amor..."
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"Eu não posso encontrá-lo em qualquer lugar..."
Ao escutá-la, Elladan balançou a cabeça antes de afastar-se da janela. Esperança havia entrado esbaforida, com os cabelos úmidos da chuva melancólica que vertia do céu cinzento. Era como se o tempo partilhasse da aflição que tomava conta dos sentimentos de todos eles.
Ela achegou-se ao tio. Os gêmeos eram facilmente distinguíveis agora. Elrohir estava pálido e abatido, com círculos escuros de sob as pálpebras.
E lembrou-se. "Aflição! Não era verdade que elfos podiam morrer de um coração quebrado?"
"Ele talvez precise de algum tempo só, pequenina."
"Eu sei, mas..." Ela apertou os lábios e seus olhos brilharam. "Ele está sofrendo e eu não posso fazer nada..."
Ele suspirou.
"Elrohir não vai se esvair no ar..." O elfo disse com brandura, beijando-lhe os cabelos úmidos. "E não vou permitir que nada de ruim lhe aconteça."
"Tenho medo." Ela insistiu, enxugando os olhos avermelhados. "Medo de passar por isso também, agora que conheço a dor dele." Baixou a cabeça envergonhada, pois não era uma confissão que pretendera fazer.
Ele ergueu o queixo dela com dedos suaves, para olhar em seus olhos.
"Você fala da herança numenoriana de seu pai..."
"Sim." Ela respondeu, confessando algo que lhe inquietava já algum tempo. "As pessoas que conheço desde a infância envelhecem, enquanto o tempo passa devagar para mim."
"Eu sei que é difícil..." Ele respondeu. "... mas você sabe que pode conhecer os dunedain do norte, que são numenorianos como você e como seu pai..."
Ela afastou-se.
"Eu não quero fazer isso agora."
"Esperança..."
"Não é o momento." Ela insistiu. "Eu vou pensar seriamente nisso, prometo, mas não agora quando acabamos de perder..." Ela engoliu em seco e ele calou-se a contragosto, sabendo que ela também estava sofrendo por causa da mãe.
"Você já é adulta..." Ainda assim estava bastante frustrado. "E vou respeitar sua decisão, mas me incomoda deixá-la aqui sozinha." Tentava aceitar os argumentos dela, porém um peso estranho oprimia-lhe o coração.
"Eu sinto muito por sujeitar você a preocupações adicionais..." Tentou desculpar-se, sentindo novamente lágrimas vindo aos olhos. "Mas deixemos que tio Elrohir se recupere da perda antes que eu me vá para Imladris.
Um indício de impaciência cruzou o rosto do elfo, mas se conteve a custo.
"Está bem." Ele concordou por fim. "Elrohir precisa de Imladris e de meu pai, mas eu lhe concedo apenas uma estação, até que eu venha lhe buscar."
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As sombras da madrugada ainda alongavam-se sinuosas e não se ouvia nenhum outro som, além do ruído das patas dos cavalos nos pedregulhos do caminho.
Elrohir ajeitava as rédeas e com os ombros caídos, parecia uma pálida imitação do elfo enérgico de sempre, fazendo o coração de Esperança se condoer por ele.
Apertou-se mais firme no xale que lhe cobria os ombros, estremecendo por causa do chuvisco frio que nublava a cidade.
"Ei..." Ele lhe disse, um sorriso amoroso ao notar a aproximação dela. "Minha pequena..."
"Você está bem?" Ela fitou seu rosto com intensidade, procurando indícios de que seus temores estivessem se tornando reais.
Segurou as mãos dele nas suas. Estavam quentes e ela sentiu tamanho alívio que seus olhos marejaram. Realmente não compreendia de todo a coisa sobre mortalidade e aflição, e temeu que assim que sua mãe se fosse, ele começasse a se esvair também.
"Eu estou bem." Ele disse, retirando sua capa para colocar nos ombros dela, sorrindo ao cobrir-lhe os olhos com o capuz. "E você não tem que se preocupar comigo, eu me preocupo com você." O elfo brincou e Esperança afastou alguns fios perdidos de sobre a testa dele.
Ele estava sorrindo sim, mas parecia tão cansado que ela o abraçou em seguida, sentindo o pulsar de seu coração, que batia tão forte quanto o dela. Ficou apoiada nele, querendo a confirmação de que estava tomando as decisões corretas e que ficaria bem, depois que eles se fossem.
E pretendia manter-se valente, pois possuía a absoluta certeza de que nunca consentiriam em ir-se sem ela, se demonstrasse qualquer temor.
"Você é tão teimosa quanto sua mãe..." Ele censurou com suavidade e ela soluçou de saudades no peito dele, enquanto Elrohir alisava-lhe os cabelos. "E é minha garotinha valente..."
"Eu sou... como você me ensinou a ser..." Ela estava emocionada e procurou recompor-se. "Eu estava dizendo a tio Elladan que logo estarei preparada para conhecer todos aqueles elfos importantes de Rivendell."
"Não poderemos retornar aqui tão breve, se o inverno ficar muito severo..." Ele lhe disse, trocando um olhar preocupado com Elladan.
Num impulso, ela o abraçou mais forte, subitamente saudosa dos tempos em que era pequenina e os braços dele maiores que o mundo.
"Eu sei, mas estaremos juntos novamente na primavera." Ela prometeu. "E nunca mais nos separaremos de novo."
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Continua...
