Título: Despertar- ano 3009
Personagens: Elladan, Elrohir, OCS originais.
Retratações: Os personagens não são meus, nenhum lucro é pretendido, só existe o desejo de contar uma história e exprimir meu amor pelos personagens do Professor Tolkien.
Sumário: Em que Elrohir recebe uma importante visita.
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Despertar – ano 3009
Estel parou diante da porta entreaberta dos aposentos do pai e empurrou-a devagar, entrando com seu passo macio.
O quarto estava iluminado pelas luzes da manhã e ele observou Elrond sentado no grande divã em frente à sacada.
Ele tinha um livro aberto em suas mãos e sorriu com a entrada do filho. Estel respondeu ao sorriso, mas sua atenção era toda para o elfo ao lado do curador.
Elrohir estava deitado no divã, com a cabeça apoiada no ombro do pai e parecia absorto em contemplar a tarde que surgia.
Estel franziu o cenho e aproximou-se de Elrond, beijando-o ligeiramente na testa, ainda com a atenção voltada para o irmão, que parecia não ter notado sua chegada.
"Meu filho." Disse Elrond. "Não o esperávamos tão cedo. É bom lhe ver."
Neste momento, como se afinal despertado pela voz do pai, Elrohir virou-se e viu o humano, então sorriu genuinamente.
"Oi irmãozinho!"
"É bom saber que posso causar tamanha comoção com minha chegada." Ele brincou, para disfarçar a própria surpresa ao examinar o gêmeo. Elrohir estava mesmo muito abatido.
"Sua chegada sempre é uma agradável surpresa, meu filho." Respondeu Elrond sorrindo. "Especialmente se você chega assim, ileso." Pausou enquanto também sorria para Elrohir. "Eu e seu irmão estávamos desfrutando da companhia um do outro. Mas é bom que tenha chegado... Eu tenho algumas questões que preciso discutir com Glorfindel..." Disse isso já se erguendo, mas não antes de correr os dedos carinhosamente pelo rosto de Elrohir, colocando algumas almofadas para que ele se apoiasse com sua saída. "Tenho certeza que seu irmão lhe fará companhia. Deve ter muitas aventuras para contar."
Ele sorria, mas Estel percebeu que tinha os olhos preocupados. Então o filho caçula lhe deu um aperto tranquilizador no braço.
"Vou mantê-lo muito distraído com minhas histórias, ada."
"Assim espero, meu filho." Concordou Elrond, lhe dando um abraço forte, demorado. "Deve estar cansado e com fome. Eu mandarei que tragam algo para que coma e mais tarde, quando estiver descansado, conversaremos." Depois sussurrou. "Cuide dele pra mim, Estel..."
"Eu vou pai. Não se preocupe."
Depois que Elrond saiu, ele voltou-se para Elrohir, que havia novamente desviado seus olhos para a sacada, parecendo outra vez absorto.
"Então? Não recebo um abraço de boas vindas?" Questionou vivamente, querendo desviar sua atenção do que quer que o estivesse mantendo tão longe.
Elrohir sorriu-lhe suavemente.
"Não esteve fora tanto tempo assim."
Estel balançou a cabeça, ainda sorrindo, embora o coração estivesse pesado.
"Depois dizem que elfos são criaturas gentis."
Tomou o lugar que Elrond estivera ocupando há poucos momentos e puxou o gêmeo para si, o abraçando então.
"Senti sua falta..."
Elrohir devolveu o abraço, mas para admiração de Estel, não se afastou mais, ao invés disso manteve-se nos braços do irmão e com um suspiro tentou ficar quieto, temendo que tivesse que sair deles. Sentia tanto frio e Estel era cheio de calor. O gêmeo engoliu em seco e ergueu os olhos, olhando para ele com um meio sorriso, que não enganou o guardião.
"Eu soube que você e Gandalf estiveram procurando novamente aquela criatura. Gollo... Gollo..."
O humano riu, enquanto começava a alisar-lhe o cabelo negro com ternura.
"Gollum. Pelos Valar! Nunca pensei que qualquer criatura pudesse ser tão escorregadia. Se eu mesmo não tivesse visto os rastros que deixa e em diversas ocasiões quase o tivesse podido alcançar, juraria que não passava de um produto da mente de nosso bom mago."
Elrohir sorriu suavemente.
"Não o deixe ouvir dizendo isso. Você sabe como ele pode ser mal-humorado, quando alguém o questiona ou duvida dele."
Estel acomodou-se melhor no divã, pegando uma das tranças finas de Elrohir e desmanchando-a distraidamente.
"Sim. Eu sei muito bem." Ele disse com um gemido bem-humorado. "Mas a criaturinha vil tem me levado à frustração máxima. Quando a encontrar, eu certamente torcerei seu pescoço por todo o trabalho que está me dando."
"Talvez, ao invés disso, você devesse convidá-lo para ser um guardião. Se ele pode ser mais esquivo que você, certamente é merecedor."
Estel riu alto.
"Elrohir! De que lado você está? Quem sabe eu o devesse levar comigo, para que ele possa ludibriá-lo também?"
"E acabar com sua única diversão e a de Gandalf?" Respondeu o elfo presunçosamente. "Não mesmo!"
"Ei!" Repreendeu Estel, mirando o irmão com uma careta. "Acho que anda passando tempo demais com Elladan."
Desta vez foi Elrohir quem riu e Estel sentiu-se muito satisfeito com isso, o apertando mais forte.
Então Elrohir calou-se subitamente ao olhar naqueles olhos cinzentos que o fitavam. "Olhos cinzentos de Esperança." Balançou a cabeça, querendo por hora, afastar tais pensamentos.
"Por falar em criaturinhas, já encontrou seu velho amigo?" Fez um grande esforço para soar animado, mas ainda assim Estel percebeu a falta de energia em sua voz. "Ele estava ansioso para que retornasse."
Foram interrompidos por um bater na porta e assim que autorizada, uma jovem elfa entrou, carregando uma grande bandeja.
"Lorde Elrond me pediu que lhes trouxesse um lanche." Ela informou, mal disfarçando os olhares preocupados que lançou a Elrohir. "E eu trouxe o pão de mel de que você gosta Estel..."
"Obrigado Laurë." Estel agradeceu com um sorriso caloroso, enquanto Elrohir desvencilhou-se dos braços dele e ergueu-se lentamente. "Pode colocar aqui, por favor." Indicou uma mesinha ao seu lado.
Depois que a elfa fez o que fora pedido e havia se retirado, Estel examinou a comida e virou-se para o irmão com um sorriso apreciativo.
"Isso parece muito bom. É melhor comermos enquanto está quente." Estendeu uma caneca contendo um chá aromático para ele.
Elrohir desviou os olhos dela, quase com desgosto.
"Eu não tenho fome, irmãozinho, mas pode se servir à vontade..."
O humano ficou frustrado. Sabia que Elrohir não estava se alimentando, mas decidiu não insistir por enquanto.
"Bilbo!" Voltou ao assunto anterior. "Eu também desejo falar com ele. Mas você sabe como hobbits são curiosos. Ele iria me prender e eu queria muito vê-lo, Elrohir..."
Pausou, enquanto o gêmeo ficou muito quieto, em expectativa.
"Eu me encontrei com Elladan nas bordas e..." Suspirou, não sabendo ao certo como continuar. "Não fique chateado com ele, mas... está preocupado com você, então... eu... eu soube... ele me contou... sobre Ivy."
A expressão estoica de Elrohir se desfez e ele passou a mão pelos olhos, desviando-os do rosto de Estel, concentrando sua atenção novamente na varanda.
"Eu sinto tanto. Eu... eu queria... eu gostaria de tê-la visto novamente. Ela foi muito especial para mim... uma vez... quando éramos jovens e o mundo tão grande." A voz de Estel ficou embargada. "Uma pequena coisinha corajosa... e eu..." Estremeceu, ainda assim sem conseguir que Elrohir parasse de olhar para longe. "Eu a fiz chorar." Concluiu tristemente, sem coragem de dizê-lo em voz alta. "Eu queria tê-la visto... dizer-lhe que... Elrohir?" Estava implorando.
Finalmente Elrohir o fitou com olhos escuros, insondáveis.
"Ela foi-se em paz?"
"Ela morreu em meus braços." Ele respondeu simplesmente e Estel sentiu o coração afundar-se no peito.
Sofria ao ver seu irmão assim, consumindo-se, e segurando as próprias lágrimas de tristeza, puxou-o para si novamente, apertando-lhe com força.
Elrohir deixou-se abraçar. Precisava de calor. E precisava contar-lhe.
Olhou para Estel, com uma sensação de desespero. "Por favor, pergunte-me! Por favor, seja capaz de me perdoar, quando eu lhe contar." Mas Estel, lhe acariciando a cabeça, permaneceu em silêncio e o desespero desfez-se, lhe deixando uma sensação de vazio.
Desejou acreditar que ele mesmo não sabia das coisas que precisava contar para Estel, pois não tinha mais forças para lidar com isso e agora só importava os braços do irmão em volta dele, mantendo longe o frio de seu coração.
Sabia que não seria capaz de suportar outra perda. Não quando a ausência dela era uma dor física.
Então sem poder controlar-se, começou a chorar. Em princípio, temeu que o irmão percebesse, mas depois ao ver que ele continuava a alisar-lhe os cabelos e a olhar-lhe com amor e compreensão, entregou-se às lágrimas, num pranto dolorido, interminável até que por fim, exausto, acabou adormecendo.
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Despertou em uma floresta de bétulas sombrias. Não se lembrava de tais árvores em Imladris. "Seria possível..."
Examinou a si mesmo, percebendo que estava descalço e sem armas.
"Será que caminhara dormindo? Mas onde estava Estel?"
Examinou atentamente as árvores, o que apenas serviu para aumentar sua confusão, pois lhe eram realmente desconhecidas. Quando havia saído do vale?
Aguçou sua audição, mas apenas o murmurar de um rio ao longe, que não o Bruinen, era audível de onde estava.
Achou por bem caminhar em direção a ele, quando percebeu que estava sendo observado por alguém do outro lado. Vendo nisso sua chance para respostas, acelerou o passo, entretanto ao aproximar-se o suficiente, estacou ao reconhecê-la. Esguia e morena, o modo decidido de se portar...
Começou a correr antes que se apercebesse do fato. Escorregou caminho abaixo pela terra molhada e lutou para se erguer. Ao aproximar-se das margens, correu mais rápido. Seu coração batia descompassado.
"Ivy! Ivy!" Gritava repetidamente.
Atravessou os últimos metros e tremendo, parou, vendo-a lá, aguardando por ele. Não podia ver seu rosto claramente. Estava escuro demais, e por isso temeu que estivesse delirando.
Mas então uma lua brilhante saiu por detrás das nuvens espessas e Elrohir teve certeza. "Ivy!" Falou baixinho, quase em reverência.
Ela nada respondeu, mas após alguns segundos de intenso fitar, estendeu-lhe a mão por sobre as águas.
O rio corria plácido e brilhante, como se fosse um espelho, refletindo o céu e as estrelas. Pôde reconhecê-lo então, o Rio da Montanha.
"Você veio levar-me com você?" Quis saber, dando um passo reflexivo para dentro do rio. "Veio me libertar?"
Imediatamente as águas protestaram, elevando suas ondas e Elrohir foi obrigando a retroceder.
"Você é real?" Perguntou ansioso, enquanto tentava descobrir um caminho pelo qual pudesse atravessar.
Ela continuou em silêncio e Elrohir parou, olhando aquele rosto amado e não pôde ter certeza.
"Não vai me responder?" Tentou entrar novamente, mas o rio enfureceu-se uma vez mais, lançando-o para trás enquanto as águas varriam suas margens.
E os dois permaneceram separados. O abismo entre eles era grande demais e não havia nenhuma maneira de ultrapassá-lo.
"Sinto muito amor." Ela disse finalmente, numa voz serena que o fez sentir uma punção de dor ao escutá-la uma vez mais. "Nunca deveríamos ter atravessado a primeira vez."
Elrohir sentiu-se entorpecido. Sempre esteve ciente dos temores de Ivy, mas ainda assim o sentimento de traição era cortante.
"Não posso acreditar que ainda pense assim." Estava ferido e incrédulo. "Nunca deixarei de amá-la... Gostaria de poder fazer isso, mas não posso. Será que você não vê que não posso continuar sem você? Por favor, liberte-me de minha promessa." E quando suplicou, percebeu o quanto ansiava por isso.
"Eu sinto muito, amado." Ela se repetiu. "Não mudarei minha decisão. Não é seu destino. Leve nosso amor em suas lembranças, e através delas eu continuarei com você e o amor que compartilhamos permanecerá vivo."
Ele tentou, Eru sabia como havia tentado, mas a força dos seus sentimentos o estava destruindo.
"Não posso..." Por um momento a sombra do desespero marcou suas feições. "Não sou forte o bastante..."
"É forte, embora não queira enxergar isso!" A expressão compassiva dela tornou-se desapontada. "Você prometeu que não abraçaria o destino que deveria ser apenas meu, mas se teima em descumprir essa promessa, nada mais pode ser dito entre nós."
E então Elrohir soube que as súplicas eram inúteis.
"Eu sempre a amarei." Sentindo o desespero e a raiva imergindo dentro dele, apertou os punhos com força. "Mas desejei odiá-la, pois assim cumpriria essa maldita promessa. E cheguei a acreditar que poderia, mas afinal descobri que estava enganado."
O rosto dele estava pálido e atormentado.
"E nada mais restou para mim, por isso não tem o direito de retornar para exigir a única promessa que não posso manter."
Ela pareceu pesarosa, embora não disposta a ceder.
"Se o amor e o ódio estão ligados, almejo o último se o mantiver fiel a seu verdadeiro destino." As palavras duras mostraram a ele o quanto ela estava determinada e o fizeram vacilar. "Você diz que sempre me amou, mas o que sente agora é apenas angústia e sofrimento. Precisa aceitar que nunca mais poderemos ficar juntos..." Ela afastou-se. "Se não pode dar-me o que vim buscar e aceita fenecer, foi em vão minha vinda."
Ele nunca mais a veria. Sabia que Ivy estava partindo para sempre dessa vez. Respirando fundo, fitou naqueles olhos que amava.
"Você não entende que não tenho mais forças para lutar? Juro que tentei manter-me fiel a minha promessa, mas como posso continuar sabendo que sem você não conseguirei me erguer novamente?"
Amor e carinho cintilaram no olhar dela.
"Você não desistirá amado, você irá continuar e encontrará naqueles que o amam, a força para se manter de pé." Ela estendeu novamente sua mão por sobre as águas revoltas, silenciando-as. "Confie em mim, como eu sempre confiei em você?"
"Mas eu estou tão cansado." Ele sussurrou. "Estou muito cansado de lutar para permanecer."
Ela sorriu com brandura.
"Então durma... Feche os olhos e quando acordar, tudo estará bem, eu prometo."
Hesitava, temeroso em acreditar naquela promessa, mas a voz confiante de Ivy o persuadia.
"Acredite em mim quando lhe digo que tudo ficará bem, amor." Reafirmou ela. "Permita que seja eu seu alento, como tantas vezes você foi o meu..."
Por fim acreditou, fechando os olhos em seguida e pela primeira vez, pôde sentir a escuridão que se instalara em sua vida, regredindo.
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"Ivy!"
Elrohir acordou ofegante. Respirando fundo, tentou acalmar as batidas rápidas de seu coração, enquanto lentamente tornava-se ciente de que estava despertando de um sonho.
Respirou fundo uma vez mais, quando uma mão tranquilizadora correu com ternura em seus cabelos.
"Sou eu, irmão..."
"Estel?" Notou confuso que não estava mais no divã, mas na cama em seu quarto. "Há quanto tempo... eu não me lembro..." Não fez nenhum esforço para se erguer, pois duvidava que pudesse.
"Não muito..." O irmão respondeu, o sorriso terno arruinado pelo preocupação em seu olhar. "Você... estava agitado... não pude acordá-lo..."
"Sinto muito..." Sentiu-se completamente mortificado. "Sinto muito se causei incômodo e preocupação."
"Não sinta." O humano protestou imediatamente. "Não permitirei que se culpe porque ficou doente e além do mais, meus ombros são agora largos o bastante para lhe oferecer apoio sempre que precisar..."
Elrohir tentou sorrir, mas no final das contas falhou e retrocedeu os olhos às cobertas, com um suspiro quieto.
"Elfos não ficam doentes."
Estel tremeu a cabeça, os músculos em seu pescoço e ombros rígidos por causa da tensão em seu corpo, enquanto ajeitava as mantas por sobre o irmão.
"Eu sei que não." Respondeu complacente. "E fico feliz, pois vocês são pacientes teimosos demais." Com o gracejo tentava arrancar um sorriso daquele semblante desolado, entretanto Elrohir começou a procurar algo pelo quarto.
"Onde Elladan está?" Perguntou de repente, sentindo uma necessidade enorme para saber onde o irmão estava.
"Ele está com a patrulha das bordas, lembra-se?" Estel franziu o cenho, novamente preocupado. "Eu lhe disse quando cheguei..."
Elrohir sentou-se bruscamente na cama.
"Não, eu..." Mas talvez por causa da rapidez com que se ergueu, seu coração começou a bater descompassado novamente, o forçando a fechar os olhos com força.
"Elrohir..." As mãos firmes do irmão o forçaram a deitar-se novamente. Queria protestar, mas nenhum som saiu. Estava sentindo-se tão gelado que os dentes começaram a tagarelar. Mas a mão em sua testa e as palavras sussurradas com carinho o confortaram e acalmaram.
"Eu vou chamar Ada..." O irmão estava dizendo.
Começou a sentir-se bem, seguro. Percebeu vagamente Estel pairando sobre ele, enquanto a respiração voltava ao normal e o calor retornava.
"Foi um sonho..." disse ele em voz baixa, assim que encontrou forças o suficiente.
"Um sonho?" Estel indagou curioso.
As pálpebras de Elrohir se fechavam de cansaço.
"Sim... e eu temia acordar, pois sabia que seria a última vez que a veria..." Confessou ele. "Mas... mas ela me disse... prometeu-me que se eu o fizesse... se não desistisse, encontraria aqui os motivos para permanecer... e tudo ficaria bem novamente..."
A expressão preocupada de Estel suavizou.
"E você o fez... fico feliz por isso." Voltou a alisar os cabelos do irmão. "Muito feliz que tenha voltado."
Por fim o cansaço se apoderou de Elrohir, ao mesmo tempo em que a necessidade de sono fazia com que lhe fechassem as pálpebras. Sentiu uma leve pressão em seu ombro.
"Não lute contra o sono, elfo teimoso. Precisa dele."
"Estará aqui quando eu despertar?" Odiava escutar a ansiedade em sua própria voz, mas como podia negar que a presença do irmão fazia bem a seu espírito?
"É claro que estarei." Estel sorriu suavemente. "Não vai se livrar de mim tão facilmente. Estou aqui para cuidar de você, como sempre cuidou de mim."
Ele se forçou a abrir os olhos para contemplar nas profundidades daqueles olhos cinzentos, como se estes fossem a balsa que o mantinha firme na superfície de um lago revolto, até que se deixou levar pelo sono.
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Vozes sussurradas o despertaram dessa vez, e abrindo os olhos viu o pai e os irmãos em discussão profunda, que terminou abruptamente quando notaram que havia acordado.
Estel e Elladan pareciam ansiosos, e quando Elrond sentou-se ao seu lado Elrohir percebeu que a face do pai também estava marcada pela preocupação. Ele que nunca havia censurado seu relacionamento, parecia exausto.
E era o responsável por isso. Sentindo-se culpado, baixou os olhos, pois tinha consciência de que estava pálido, com as sobras de sua angustia transparecendo em suas feições. Enfiou as mãos trêmulas debaixo das cobertas para escondê-las, embora provavelmente o pai houvesse percebido isso também.
Então mãos gentis ergueram-lhe o rosto para examiná-lo com atenção.
"Como você está se sentindo meu filho?"
"Estou bem." E era a pura verdade. Mas o pai nada comentou e depois de estudar-lhe o rosto com atenção, aproximou-se para colocar com firmeza a palma da mão por sobre sua testa, fechando os olhos em seguida. Elrohir sentiu um formigamento lânguido percorrendo-lhe o corpo. Fechou os olhos também, entregando-se de boa vontade ao escrutínio íntimo. Não sentia medo ou necessidade de esconder qualquer coisa dele.
Depois de longos minutos, o contato foi quebrado e o lorde elfo o encarou muito sério. Entretanto um sorriso abrandou-lhe o rosto tenso, visivelmente satisfeito com o que viu, ou sentiu. Tensão também abandonou os rostos de Elladan e Estel, ao observarem a reação do pai.
"Eu posso comer alguma coisa?" Perguntou de repente, desesperado para dissipar o ar denso de preocupação no quarto. "Estou com fome..."
"Claro que pode." Elrond respondeu ainda sorrindo, ciente das intenções dispersivas de Elrohir. Ele virou-se para os outros filhos. "Estel você poderia?"
O humano, que até então estivera quieto ao lado de Elladan, se prontificou, dirigindo-se imediatamente à porta.
"Irei agora mesmo adar."
"Não será algum caldo insosso para doentes, não é?" Elrohir sondou desconfiado, enquanto Estel se retirava.
"Não será." O pai garantiu, com um sorriso suave. "Apenas um caldo nutritivo, que lhe fará bem."
Empilhando algumas almofadas sob suas costas, Elladan lhe ajudou a sentar-se na cama. O pai que havia se afastado, aproximou-se após alguns minutos com uma caneca de chá.
Elrohir franziu o nariz.
"O que é isto? Não cheira bem."
"São ervas curativas." Elrond lhe respondeu, com a paciência de sempre. "Ajudarão a restaurar suas forças."
Ele franziu o lábio inferior fazendo uma careta.
"Mas todos esses chás tem gosto de lodo!"
"Não é tão ruim." O lorde elfo insistiu, um leve riso escapando de seu semblante sempre sereno. "E lhe fará bem. Agora se comporte e beba como um bom elfinho."
Elrohir ainda crispou o rosto, não se sabe se por causa do gosto ou por ser chamado de elfinho e Elladan bufou, os lábios se curvando para formar um provocador sorriso.
"Quem sabe se você lhe apertar o nariz, ada?" Ele caçoou. "Sempre funcionava com Estel!"
"O que sempre funcionava comigo?" O humano quis saber, ao reentrar no quarto.
Elrohir fez carranca ao gêmeo, antes de tragar o líquido vil.
"Você não estaria dizendo isso se tivesse que beber essa coisa amarga." Queixou-se.
"Eu o beberia sem reclamações, como o elfo destemido que sou." O sorriso dele se alargou, antes de responder a Estel. "Sua naneth lhe apertava o nariz, quando você fazia birra para não tomar qualquer medicamento."
Estel fez cara de desagrado.
"Eu não podia evitar... todos esses chás tem gosto de lodo."
Elrohir riu, aceitando a ajuda do pai para acomodar-se novamente nos travesseiros. Só então notou Laurë, que havia entrado junto de Estel, trazendo na bandeja uma tigela de onde despendia um aroma apetitoso.
"Lorde Elrond, meus senhores." Ela disse, os olhos voltando-se na direção de Elladan, antes dela ruborizar-se e desviá-los rapidamente, ao notar que ele também a observava. "Eu vim trazer a refeição de lorde Elrohir."
"É muita bondade de sua parte, Laurë." Disse Elladan gentil. "Permita-me ajudá-la."
Ele apressou-se em retirar a bandeja das mãos dela.
"Não é trabalho algum Elladan, mas lhe agradeço." A elfa respondeu, voltando novamente os olhos encabulados para o chão.
Elrohir observou a cena com bastante interesse, trocando um olhar divertido com Estel.
"Agradeço-lhe Laurë." Ele também disse, enquanto Elladan ajeitava a bandeja em seu colo. "Está cheirando muito bem."
A elfa sorriu timidamente.
"Fico feliz em saber." Ela respondeu. "E espero que goste, pois eu mesma a preparei."
"Então com certeza gostarei." Ele garantiu, antes de voltar novamente o olhar ao gêmeo, mas Elladan mantinha a atenção completa na jovem elfa. Laurë também tinha o rosto voltado para ele e depois de um tempo, Elrohir achou que eles se fitariam indefinidamente, se o pai não pigarreasse, um brilho de diversão também em seu rosto.
"Tem o agradecimento de todos nós Laurë, pela gentileza em preparar uma refeição da qual meu filho não reclamará." Ele sorriu a Elrohir.
A elfa foi arrancada de seus devaneios ao perceber que era Lorde Elrond quem falava, voltando a se ruborizar intensamente.
"É meu prazer, lorde Elrond." Ela garantiu e agora, nem ela, nem Elladan se olhavam, ambos encabulados. "Se o senhor me dá sua permissão..."
"Boa noite, Laurë." Ele sorriu-lhe amável.
"Boa noite, meu senhor... senhores."
Quando a porta se fechou, Elladan sentiu os olhos de todos sobre ele e sem graça, retirou algumas plumas imaginárias de sua túnica.
"Você vai comer ou não?"
"Claro que vou, Laurë fez especialmente para mim."
Ele e Estel riram da expressão aborrecida de Elladan, enquanto Elrond os observava com afeto.
"E vocês não tem nada melhor para fazer do que me vigiar tomar sopa?" Elrohir brincou com um sorriso torto.
Elladan bufou.
"É claro que temos. Ou você acha que podemos ficar o dia todo de cama, sendo mimados como você?"
"Elladan!" Estel repreendeu, com uma carranca para o irmão mais velho.
"O quê?" Elladan parecia genuinamente surpreso. "É verdade. Temos muitos afazeres."
Apesar das palavras, continuou exatamente onde estava, fazendo Elrohir rir novamente. Assim como a fome, eram os primeiros sentimentos genuínos de alegria que sentia em muito tempo.
Começou a tomar a sopa saborosa, escutando divertido, os irmãos implicarem um com o outro, ciente do olhar atento do pai sobre ele. Sentiu pesar pela preocupação que havia causado.
Mas havia tomado algumas colheradas apenas, quando os olhos se tornaram pesados novamente.
"Estou cansado de me sentir tão fraco." Queixou-se aborrecido.
"Está fraco por que esteve doente, mas recuperará as forças." O pai afirmou com convicção.
"Eu gostaria de recuperar agora mesmo." Parecia uma criança petulante, mas no momento não se importava. Estava cansado de todas essas sensações estranhas.
Elrond conteve um sorriso.
"Se descansar o suficiente, não demorará muito para se pôr em pé."
Percebeu vagamente a bandeja sendo retirada de seu colo.
"Durma meu filho..." Ouviu a voz suave do pai sobre ele. "Durma e quando acordar, tudo estará melhor..." A familiaridade daquela frase o confortou, então caiu num sono fundo, sem sonhos.
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Quando acordou novamente, a lua já estava baixa no céu, mas sua luz prateada ainda atravessava as janelas, iluminando o quarto.
Tinha a impressão de ter dormido durante dias e agora estava completamente alerta. Lá fora, as árvores sussurravam. Ouvia-se o alegre trinar dos grilos e o som das águas do Bruinem correndo distantes. Eram ruídos tranquilos, que ajudavam a fazer com que sentisse realmente bem.
Levantou-se devagar e ficou feliz em perceber que estava menos tonto e não tão fraco quanto antes.
Tomou uma decisão rápida, tendo a certeza de não acordar Elladan, profundamente adormecido na cadeira ao lado da cama.
Passou pela porta e desceu as escadas da sacada, mas depois de caminhar pelo jardim, sentiu as pernas trêmulas, então se sentou na grama macia, os joelhos encolhidos e o queixo apoiado neles. Era bom apreciar o rio, mesmo que fosse à distancia. Ficou assim por muito tempo, deixando-se embalar pelos sons noturnos do vale.
"Eu estou bem." Disse sem erguer os olhos, vários minutos depois.
"E por isso sentiu a necessidade de esgueirar-se do quarto sem que ninguém notasse?"
"Não me esgueirei." Elrohir respondeu. "Só precisava de ar fresco..."
Elladan sentou-se ao seu lado e ficaram em silencio sociável por um tempo. Depois Elrohir olhou de lado para o irmão. Ficara por tanto tempo imerso em si mesmo que perdera os sinais do interesse obvio dele por Laurë.
"Vocês formam um casal agradável." Ele comentou casualmente.
Elladan o olhou com cautela.
"Do que está falando?"
Elrohir sorriu.
"De Laurë, obviamente... Eu sempre gostei dela, desde quando era uma elfinha suspirando nos cantos por você."
Estava difícil de dizer na luz noturna, mas ele poderia jurar que um rubor estava colorindo a face de Elladan.
"Laurë é apenas uma boa amiga."
Eles voltaram a ficar em silêncio, antes de Elrohir lhe enviar um sorriso brejeiro.
"Você sabia que Arwen e eu apostávamos sobre quando você ia se aperceber dos interesses dela?"
Elladan voltou-se para ele, a expressão indignada, mas Elrohir apenas riu alto.
"Nós somos." O gêmeo afirmou com veemência e murmurou ao chão. "Amigos. Nós somos..."
Rodando os olhos, Elrohir desenlaçou os braços das pernas, acomodando-se melhor para olhar ao irmão.
"São mais que apenas amigos... e quando começar a cortejá-la vai perceber isso."
Elladan sacudiu a cabeça.
"E você é o perito nisso, já que cortejou tantas." Mal havia terminado a tirada sarcástica, arrependeu-se terrivelmente. "Elrohir, eu..." começou a se desculpar, mas notou que o irmão não parecia transtornado, apenas pensativo.
Ele não falou por alguns momentos, parecendo considerar algo. Eventualmente, olhou novamente a Elladan.
"É verdade... Ivy sempre foi a única... primeira, única, tudo..." Quedou-se em silêncio novamente e Elladan suspirou.
"Você quer falar sobre isso?" Seu tom era extremamente gentil, como se temesse transtorná-lo.
Elrohir ainda hesitou. Sabia que havia despertado chamando por Ivy e talvez houvesse dito outras coisas em seu sono.
"Às vezes acordo no meio da noite e tenho certeza que Ivy esta pensando em mim, tentando me alcançar... como se tentasse me alcançar dos Salões da Espera... e eu... eu fiquei perdido nesses sentimentos com os quais não sabia lidar... e achei que seria necessário esquecê-la... que seria a única maneira de suportar a dor..."
Seu rosto havia mudado, as linhas de angústia há muito suavizadas, fazendo com que ele parecesse estranhamente pueril.
"Mas não é, sabe?" Olhou novamente a Elladan, como se quisesse a confirmação dele. "Não precisa ser, não é?"
Elladan se aproximou, passando o braço por sobre o ombro de Elrohir.
"Não, não precisa." Deu-lhe um sorriso amoroso e o trouxe para que descansasse a cabeça em seu ombro.
Enquanto fechava os olhos, um sentimento de gratidão se apoderou de Elrohir, que esfregou a mão em seu peito, por cima do coração
"Eu agora sei disso... posso aceitar isso, em parte graças a você, graças a Estel." E sentindo-se mais grato que sempre, por possuir tais irmãos em sua vida, ergueu o olhar para Elladan.
Este lhe deu um sorriso presunçoso e ergueu as sobrancelhas numa imitação intencional tão perfeita do pai, que Elrohir se viu obrigado a rir, antes de empurrá-lo para longe.
"Você devia mesmo ir dormir." Ele disse, recuperando a compostura. "Esteve de patrulha toda semana e está cansado."
"Eu não estou..."
"Está sim, posso ver muito bem. É sério Elly, vá descansar. Não vou me demorar aqui."
Elladan suspirou.
"Está certo, se você promete que não vai ficar aqui madrugada afora, pois Ada me nomeou responsável para manter um olho em você." Disse isso entre um bocejo mal disfarçado.
Elrohir sorriu.
"Eu prometo não colocar você em apuros com nosso pai."
Elladan também riu.
"Obrigado pela consideração." Respondeu com uma careta, antes de se erguer para ir. "E não me faça vir buscá-lo." Ele avisou, já de longe e Elrohir observou com carinho, o irmão desaparecer por entre as folhagens.
Depois inspirou profundamente. O ar brando, repleto com o cheiro do verde e das flores que começavam a florescer o fizeram lembrar-se de sua pequena menina a esperá-lo em Valle.
A natureza era amena em Imladris, mas escutou Estel dizer a Elladan, que um inverno rigoroso já cobria os caminhos do leste.
Suspirou, erguendo os olhos para observar os primeiros raios de sol que coloriam o céu da madrugada.
Gostaria de saber se, onde estivesse, Ivy estava pensando nele enquanto ele pensava nela.
Sorriu.
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Continua...
