Título: Níniel - ano 3009
Personagens: Aragorn, Elladan, Elrohir, OCS originais.
Retratações: Os personagens não são meus, nenhum lucro é pretendido, só existe o desejo de contar uma história e exprimir meu amor pelos personagens do Professor Tolkien.
Sumário: Em que um mistério se apresenta e Aragorn faz uma importante descoberta.
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Níniel – ano 3009
Cidade de Valle – Presente
Elladan e Elrohir receberam a noticia quando se aproximavam da velha estrada da floresta. Notícias entregues pelos endurecidos homens que comercializavam seus produtos com as cidades a leste.
Naqueles tempos malignos, eram raras as pessoas que dirigiam palavras aos viajantes que porventura se arriscassem pelo ermo ou pior, cometiam a imprudência de aventurar-se na Floresta Negra. Ou talvez, sendo mais correto, não dirigiam palavras a quaisquer tipos de viajantes, sendo eles do povo belo ou não.
O mundo, do ponto de vista de Elladan, havia se tornado muito sombrio e as pessoas taciturnas e cautelosas estavam por demais ocupadas com seus próprios negócios para perderem tempo com cortesias.
No entanto, com cautela ou não, alguns assuntos eram graves e importantes demais para permanecerem não ditos e a informação veio de chofre. Valle havia sofrido um grande ataque. Não era aconselhável aventurar-se por aquelas bandas a partir de então.
Os elfos escutaram as notícias e o conselho com grande apreensão e com a preocupação a lhes devorar as entranhas, retomaram viagem, parando poucas vezes e apenas para descansar as montarias exaustas.
Quando por fim, puderam divisar os portões devastados e as cicatrizes recentes da batalha nas ameias e torres destruídas próximas ao grande muro, o cenário não poderia ser mais devastador.
Elrohir ofegou. O ataque fora violento.
Quando Elladan se aproximou e desceu do cavalo, as pessoas que faziam a reconstrução recuaram para lhe dar passagem. Com uma expressão grave e severa, ele olhava firmemente os rostos dos guardas, que empalideciam assustados à aproximação dele.
"O que aconteceu à cidade?" Perguntou num tom de voz que indicava sua pouca paciência. "Viemos de Rivendell e soubemos do ataque pelos homens da floresta."
Um dos guardas balançou a cabeça, incomodado.
"Orcs senhor." Sua voz hesitante demonstrava o receio em relação ao elfo às noticias que estava prestes a entregar, mas também era óbvia a raiva por trás da menção aos odiados seres.
"Quando?" Elladan exigiu.
"Eles chegaram à noite." Uma nova voz soou e Elladan reconheceu Lomar, o austero capitão do rei. O soldado que estivera interrogando pareceu aliviado com a chegada deste e os temores de Elladan aumentaram. "Muitos. Orcs montadores de lobos que atacaram os portões e usavam aríetes..." Ele pausou. "Buscavam prisioneiros... prisioneiros para suas minas."
"Prisioneiros?" Elrohir adiantou-se, preocupado. Os olhos estavam escuros e uma linha profunda estava demarcada entre as sobrancelhas. "Eles conseguiram algum?"
Só então uma expressão surgiu nas feições duras do homem. Compaixão.
"Sinto muito senhor."
Elrohir empalideceu tanto, que o capitão deu um passo em direção a ele, mas foi impedido por Elladan que lhe segurou o braço.
"Como... Como aconteceu?"
"É difícil dizer com certeza..." O homem engoliu em seco. "... mas assim que o ataque começou, ela e outras mulheres tentaram proteger as crianças..."
Elrohir esfregou a mão pelo rosto.
"Como... como..." As palavras sumiram-lhe. Cada músculo do corpo se contraía diante da possibilidade de Esperança estar em perigo.
"A luta foi tremenda senhor, mas vários deles conseguiram avançar pela cidade montados nos lobos... nossas perdas foram terríveis, pois eles eram organizados como nunca vimos antes."
"Esperança." Elrohir sussurrou. A expressão de angústia em seu rosto assustou todos aqueles homens que o conheciam de tantos anos.
Elrohir nunca tinha experimentado uma dor tão terrível ou um medo tão profundo.
"Milorde?" Era novamente a voz do capitão, pesarosa e culpada. "Nós fizemos o possível para alcançá-los... os prisioneiros." E agora também havia dor em seu tom, além de perplexidade. "Era pleno inverno e pudemos persegui-los por pouco antes que adentrassem a floresta escura... eu sinto muito."
Elrohir pouco o escutou. Sua Esperança era corajosa, forte e teimosa. Ele virou a cabeça e olhou para longe, segurando as lágrimas.
"Não deve culpar-se capitão. Eu deveria ter estado aqui..." O que mais poderia dizer-lhe? Todos ali haviam perdido tanto.
Mal percebeu que havia se virado e montado novamente. Fechou os olhos, apertando as rédeas com toda força, até que a dor o fizesse lembrar-se onde se encontrava.
"Vamos encontrá-la." A voz de Elladan soou próxima dele, e estava cheia de dor também. Mas apesar disso, os olhos escuros estavam brilhantes de determinação. "Não vamos desistir até trazê-la de volta à segurança." Havia também um nítido tom de culpa em sua voz.
Era a mesma culpa que Elrohir sentia. Ele sabia que o perigo rondava a todos naquelas terras e naquela época de incertezas e ainda assim partira sem ela.
Sentindo o aperto firme da mão do irmão no ombro, respirou fundo e quando ergueu os olhos, para todos que ali estavam, o desespero havia sido profundamente ocultado, deixando apenas a luz da determinação brilhando em seus olhos.
Traria de volta a filha de Ivy.
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Campos de Lis – Meados do inverno
A negridão da noite invernal a cercava, enquanto tremores violentos assolavam seu corpo inteiro. Os músculos de suas costas e ombros doíam implacavelmente debaixo da pele rasgada pelo açoite.
Um trovão estrondou sinistramente, falando da tempestade por vir. Exausta e sedenta, sabia que nenhuma clemência viria a ela aquela noite. Estava desamparada, a mercê de seus algozes. Entorpecida, desejou saber quando seu tormento chegaria ao fim. Quando as criaturas se cansariam dela e a matariam como fizeram com cada um dos outros prisioneiros.
Entretanto, apesar do fato de ela não poder enxergar quase nada além da escuridão e do medo, seus sentidos abruptamente a alertaram. Algo rondava silenciosamente pela escuridão circunvizinha, fora da percepção dos orcs. Assustada gemeu alto, fazendo uma das criaturas malditas voltar sua atenção a ela.
Preparando-se para um castigo doloroso, ficou aliviada quando o orc se voltou para outra direção, compreendendo muito tarde o que a prisioneira já havia pressentido. Não estavam sozinhos.
Quando os homens armados com espadas e arcos invadiram o acampamento, orcs e wargs procuraram se defender, mas um número cada vez maior das criaturas começava a cair em meio ao sangue e o ressonar do aço contra carne.
Ergueu-se e começou a recuar devagar, as pernas trêmulas. A batalha a sua frente era sangrenta. Deu mais um passo para trás percebendo que ali estava sua chance. Ninguém estava prestando atenção a ela.
Precisava escapar. Começou a tremer violentamente, se perguntando se teria coragem.
Gritos zangados, misturados com os sons de imprecações e ameaças pareciam engolfá-la, desorientando seus sentidos e fazendo com que lágrimas quentes nublassem sua visão, contudo em algum lugar esquecido dentro dela, encontrou uma minúscula chama de força. Ergueu a cabeça rapidamente, em busca de uma rota de fuga, levando alguns segundos para se recompor.
As criaturas hediondas haviam-na tratado com crueldade e amarrado suas mãos, para que não tentasse fugir. Sua resistência os havia enfurecido e bateram nela com seus chicotes, mas ainda assim, pouco disposta a enfrentar o destino que a aguardava no covil deles, pretendia lutar.
Foi nesse momento que haviam chegado. O grupo de guardiões.
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Empenhado no combate, Aragorn desviou o olhar que mantinha no inimigo, espantado ao se deparar com a figura de uma prisioneira entre os orcs.
A mulher gritou aterrorizada quando um deles aproximou-se rapidamente e segurou-a pelos cabelos, a intenção clara ao elevar a espada negra.
Livrando-se do orc contra o qual lutava com um golpe rápido, correu em direção à criatura maligna, que libertou a mulher, desistindo dela para se defender. Aragorn os abordou com fúria.
Metal contra metal. Ele evitava cada golpe e estocada, lutando com determinação feroz, pois seu único objetivo era proteger a mulher cativa.
Enquanto isso, outro trovão retumbou, ecoando em sua cabeça ferida e a mulher olhou na direção oposta àquela batalha. Precisava fugir. Desequilibrada, cambaleou para frente, as pernas instáveis. Mal percorrera alguns metros quando ouviu passos apressados atrás de si.
Desesperada, arremeteu-se aos trancos pelo caminho, mas a dor e o medo estavam subjugando suas forças.
Um soluço escapou-lhe dos lábios, quando tropeçou e caiu, deslizando na lama escorregadia debaixo de seus pés.
Então algo assomou sobre ela e decidindo que não seria capturada novamente, avançou por sobre a figura propensa, pronta para se defender.
"Calma... calma!" Uma voz grave falou, segurando-lhe os pulsos rapidamente. "Eu não vou fazer-lhe nenhum mal."
Ela parou sua luta, momentaneamente confusa de que um homem houvesse surgido de repente, mas tinha que avisá-lo.
"Orcs!" Tentou libertar-se das mãos que a continham. "Orcs!"
"Acabou! Os orcs se foram. Está a salvo agora, eu prometo." Ele possuía uma voz segura, no entanto suas palavras não pareciam ultrapassar a barreira dos temores dela.
"Orcs!" Continuou a se debater. "Orcs! Precisa... fuja!"
Ele segurou seus braços para que não se ferisse, trazendo-a de encontro ao peito.
"Está tudo bem, shhh... tudo bem!" Falava como se tentasse acalmar um animalzinho selvagem.
"Solte-me!" Ela gritava com a voz rouca, abafada pelo rugido da chuva que começava a verter. "Não! Por favor, por favor!" Tentando inutilmente soltar-se do braço forte que a prendia, começou a soluçar, mantendo o corpo rígido contra o peito dele.
Foi quando um homem jovem entrou rapidamente na clareira e parou atônito ao ver o que seu líder continha nos braços.
"Dalan! Preciso de ajuda." A voz dele soou urgente. "Traga Halbarad!"
Rapidamente o menino virou-se e correu para cumprir o que lhe fora ordenado, então Aragorn voltou-se para a moça e deslizando os braços debaixo dela, levantou-a delicadamente.
"Acabou." Repetiu suavemente, preocupado com a palidez mortal que a assolava e a lassidão que a dominou. "Não vão mais te ferir. Ninguém. Nunca mais."
Halbarad chegou trazido pelo menino, e pareceu tão surpreso quanto o outro, ao ser cumprimentado com aquela visão.
"Por Eru! Onde você a encontrou?" Aproximou-se dos dois e observou a jovem que tremia sem controle, nos braços de Aragorn.
"Entre as árvores, tentando escapar."
"Uma sobrevivente! Eu achei..." Pareceu alarmado. "É melhor dizer aos homens que vasculhem novamente a área. Pode haver mais." Comandou ao menino, que se apressou em obedecer, antes de indicar o caminho a Aragorn. "Venha. Precisamos abrigá-la da chuva."
Eles caminharam para baixo da copa de uma grande árvore, longe o bastante dos restos da batalha, onde o guardião a depositou delicadamente, por sobre a capa que Halbarad se apressou em estender.
"Como ela está? Muito ferida?" Perguntou o guardião mais velho, procurando ajudar seu amigo a certificar-se dos danos da garota.
"Está ferida na cabeça, pois vejo sangue em seu rosto." Aragorn respondeu, examinando-a com cuidado. "Ela estava lutando e agora..." Examinou os olhos dela, preocupado.
"Talvez tenha perdido as forças." Halbarad disse, também lhe examinando as feridas nos pulsos, após desatar a corda que os prendiam. Havia círculos em carne viva onde a corda apertada ferira "Você disse que ela estava fugindo..." Havia condolência em sua voz.
"Talvez." Concordou relutante Aragorn. Mas insatisfeito com sua falta de reações, segurou o queixo dela para voltar sua atenção para ele. "Mas pode ser que esteja apenas aterrorizada demais."
O som de passos fez com que desviasse a atenção da mulher, observando a aproximação de Dalan com outro guardião.
"Nós examinamos toda a área e..." Ormal olhou inseguro para a mulher ferida. "Talvez não tenhamos boas notícias."
Apontou para ela com um gesto de cabeça e Halbarad ergueu-se imediatamente.
"Venha, deixemos Aragorn cuidá-la enquanto você me mostra o que encontrou." Virou-se para o amigo, que estava novamente ocupado com a moça. "Logo estarei de volta, mas Dalan poderá lhe auxiliar em meu lugar."
O rapaz imediatamente adiantou-se, enquanto Halbarad afastava-se.
"Dalan." Comandou Aragorn. "Nós precisamos de uma fogueira para aquecê-la e eu vou necessitar da luz do fogo."
Balançando a cabeça com determinação, o menino começou a providenciar o material necessário, sem desviar a atenção dos dois, os olhos ainda largos e assustados.
Ela estava agora com as pálpebras cerradas, mas Aragorn lhe falava suavemente, querendo garantir que não era uma ameaça e talvez o tom de sua voz ou a firmeza e a bondade em suas mãos fizeram com que ela finalmente abrisse os olhos, e o brilho neles fez com que o guardião respirasse aliviado.
"Está tudo bem agora." Ele continuou a dizer. "Você pode dizer-me seu nome?"
Nenhuma resposta saiu dos lábios trêmulos, então ele continuou.
"Eu sou Aragorn e as pessoas comigo são meu grupo de guardiões. Você está segura conosco..."
Dalan aproximou-se trazendo consigo uma caneca. Aragorn sorriu brevemente a ele, e depois se voltou para a moça novamente.
"Beba, por favor. É apenas água e vai fazer com que se sinta bem..."
A água estava fresca e ela bebeu sofregamente, para então, com um gemido dolorido, reabrir os olhos, observando Aragorn abertamente pela primeira vez.
Ele tinha olhos ternos e amáveis e aquela expressão firme fez com que se sentisse segura pela primeira vez até onde sua mente podia alcançar. Então, com imenso alívio, recomeçou a chorar. Ele abraçou-a imediatamente, sussurrando palavras de conforto enquanto acariciava seu cabelo. Prometeu que nada a feriria novamente e ela aquietou-se, tranquilizada por aquela voz e pela mão suave em seu cabelo.
Dalan escutou os soluços. Tinha os olhos voltados para longe, incomodado de que a garota estivesse sofrendo. Sabia que as lágrimas eram resultado da crueldade que suportara nas mãos dos orcs e aquilo fazia com que o nó da ira lhe subisse à garganta, quase o sufocando.
"Dalan."
Ficou imediatamente alerta ao chamado de Aragorn.
"Eu vou precisar banhar as feridas dela. Por favor, aqueça rapidamente um pouco de água."
"Sim senhor." Imediatamente começou a cumprir as ordens de seu capitão, pois já havia juntado um pouco da madeira, que jurou se tornaria a maior fogueira já acesa nos ermos, estando ela úmida ou não.
A moça havia recomeçado a se debater, com a voz trêmula do medo.
"Orcs." Mirou Aragorn com olhos febris. Tinha que avisá-lo. "Orcs... preciso... nós precisamos..."
"Não há mais o que temer. Meus homens não permitirão que qualquer criatura maligna se aproxime daqui."
Ela aquietou-se novamente. Estava gelada e estava tremendo, mas focalizou-se em controlar a respiração.
"Onde... o que aconteceu comigo?" Olhava ao redor, procurando entender.
Aragorn se preocupou quando os olhos marejados da moça o fitaram.
"Não se lembra de nada?"
Ela negou com a cabeça e gemeu em seguida.
"Não... quem... eu?" Pareceu apavorada. "Onde? Eu... não sei..." Tentou se erguer, mas ele a impediu. Estava pálida e desesperada.
"Não se preocupe com isso agora, haverá tempo depois, eu prometo."
"Mas... eu não sei... não posso me recordar..." Mordeu os lábios e os olhos se encheram novamente de lágrimas.
Halbarad retornou, sacudindo a cabeça para indicar que falariam depois e Aragorn concordou com um aceno rápido, pouco desviado sua atenção dela.
"Está doente e ferida, mas nós vamos cuidar de você, não tenha medo." Colocou a palma sobre a testa dela, que estava quente e úmida.
Olhou para Halbarad, que apertou os lábios, enquanto já preparava cuidadosamente as bandagens que necessitariam.
"Era esperado meu amigo, e só podemos pedir que estejamos começando a tratá-la no tempo devido."
Não precisaram dizer a palavra veneno, pois ambos já haviam entendido e previsto esse mal.
"Ninguém deveria passar por isso." Aragorn falou com amargura, concentrando-se em sua tarefa. "E muito menos uma menina..."
Halbarad depositou as bandagens nas mantas e ajoelhou-se a seu lado. "Felizmente a chuva passou."
Correu a mão suavemente por sob a cabeça dela, a procura de ferimentos e quando seus dedos encontraram os numerosos inchaços, a moça estremeceu. Ele suspirou apologético.
"Sinto muito, mas são muitos..."
Aragorn fez carranca ao sentir que os tremores dela se intensificavam.
"Ela precisa de roupas secas..."
Ela estava batendo os dentes e gemendo, indicando que estava enregelada, apesar do calor que começava irradiar.
Percebeu que um dos homens se erguia e fechou os olhos com força, concentrando-se para suportar a dor que se espalhava gradualmente por seu corpo. Piscou ao perceber um foco de claridade sobre ela e fitou o guardião que a mantinha em seus braços. O rosto áspero ganhava suaves contornos à luz da fogueira que começava arder. Um par de olhos cinzentos a encaravam, cheios de preocupação e piedade, por sob uma mecha de cabelos escuros.
"Onde dói?" A voz bondosa estava lhe perguntando.
"Tudo..." Sussurrou num estremecimento débil.
Então o outro homem voltou para junto deles e começou a cobri-la com a manta que trouxera, mas assustada desvencilhou-se.
"Vai ficar tudo bem." Ele prometeu, tocando-lhe as têmporas febris com infinita delicadeza.
"Esta gelada. Precisamos retirar essa roupa encharcada." O primeiro homem, Aragorn, tranquilizou-a também, com sua voz branda.
Procurando ser suave, já que qualquer movimento brusco aumentaria suas dores, desatou os laços do vestido esfarrapado e imundo e tirou-lhe gentilmente os braços, passando-o pela cabeça em seguida. Subitamente embaraçada por sua nudez, a moça escondeu-se sob a manta que a cobria parcialmente, mas ele parecia apenas absorto em catalogar os numerosos ferimentos que lhe cobriam o corpo, com o semblante preocupado.
Ele conversava o tempo todo, num tom de voz reconfortante e terno, procurando tranquilizá-la ao contar-lhe o que estava fazendo.
Uma mão suave pairou sobre suas costas expostas, sobre as várias marcas cinzeladas ali. Ela estremeceu, tentando sufocar um grito.
"Por Eru!" A voz sobressaltada do homem, Halbarad, se elevou. "O que os desgraçados fizeram com ela?"
Sua cabeça doía de uma forma abominável, e a náusea revirava seu estômago, então começou a vomitar. Suando frio sentiu mãos a amparando e viu Aragorn ainda ao seu lado.
Ele tentava acalmá-la, estremecendo devido às marcas do chicote, avermelhadas e bravas.
"Não se preocupe." Halbarad o tranquilizou, desmentido a própria preocupação. "Poderiam estar em pior estado... infectadas ou algo."
Não havia tanta convicção em sua voz, mas ainda assim Aragorn agradeceu o otimismo naquele momento.
Dalan aproximou-se com a água que aquecera, amordaçando uma exclamação quando também viu as marcas cruéis.
"Dalan." Halbarad instruiu depressa. "Eu vou apoiá-la enquanto Aragorn banha suas costas e você irá ajudá-lo com as bandagens."
Não era realmente necessária a ajuda dele, mas Halbarad queria aproveitar a oportunidade de lhe passar um precioso ensinamento. Conhecimentos de cura eram à base da sobrevivência no Ermo.
Rapidamente adicionou ervas secas a água morna e entregou um pano limpo a Aragorn, que a banhou suavemente. A moça recomeçou a gemer, mas logo o guardião habilidoso havia terminado e junto com Dalan, aplicou os emplastros de ervas nas feridas agora limpas, para então envolver nela as bandagens limpas.
Depois, enquanto Halbarad e o menino molhavam o rosto e o pescoço dela para impedir o avanço da febre, ferveu um poderoso chá curativo, muito usado por Elrond em suas artes de cura.
Quando terminou, trouxe-a novamente com cuidado para os braços, fazendo com que bebesse do chá, enquanto sussurrava palavras calmantes, ficando aliviado ao vê-la relaxar lentamente.
Acariciou-lhe a testa, pensando em como era delicada e frágil. Apenas uma menina.
Sorriu para o jovem guardião sentado ao seu lado, que os observava bastante irrequieto.
"Fizemos tudo sob nosso alcance, Dalan." Continuou a acariciar-lhe o cabelo úmido, com muito cuidado para não despertá-la. "Você agiu muito bem. Mas agora pode deitar-se e descansar."
"Eu... eu... você me chamará se for necessário?" Ruborizou-se fortemente, atento de que não seria realmente precisado se o estado dela piorasse, mas ansioso para ajudar.
Aragorn concordou com um sorriso cansado.
"Eu o farei, não se preocupe." Observou o menino embrulhar-se em sua capa, ao lado dos dois, para cair no sono logo em seguida. Fora uma noite difícil. Primeiro os orcs e depois a menina ferida.
Voltou novamente a acariciar seus cabelos.
"Ninguém tinha que passar por isso... não uma menina com ela..."
"Com seu chá, provavelmente irá dormir até de manhã..." Halbarad comentou, também parecendo cansado.
"Assim espero, mas eu ficarei acordado para ter certeza que a febre não irá se agravar. Vá descansar."
"Como queira." O velho guardião sorriu. "Os homens farão a guarda, mas me chame se necessário for."
Aragorn concordou, balançando-a bem devagar e impulsivamente encostou o rosto no cabelo emaranhado.
"Durma pequenina! Não permitirei que sofra novamente."
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"Ela ficará bem." Aragorn disse suavemente, pegando Dalan de surpresa.
A moça estava ainda adormecida, envolta em capas e cobertores ao lado da fogueira, enquanto Dalan a vigiava.
"Meu senhor!" O rapaz levantou-se imediatamente, trazendo um sorriso aos lábios do guardião.
"Sente-se, Dalan." Fez um movimento com a mão, sentando-se também, logo seguido pelo menino.
Eles ficaram em silêncio por algum tempo, Aragorn perdido em pensamentos.
Lembrou-se do dia em que o pai de Dalan viera pedir-lhe que levasse o filho com ele e o grupo dos dúnedain.
Baltar fora um valioso membro de seu grupo, até que a seta envenenada de um orc cravara em sua perna esquerda. Aragorn, ainda jovem e inexperiente, junto de Halbarad, lutou para salvá-lo, mas quando suas esperanças estavam sendo todas varridas pelo inevitável, haviam sido encontrados pelos gêmeos.
Elladan e Elrohir com a destreza curativa ensinada pelo pai preservaram a vida do guardião, mas há um preço. A perna dele teria que ser amputada.
Elrohir lhe informou a verdade com tristeza, sabendo que o humano haveria de sentir-se culpado e lhe dizendo que não deveria. Mas Aragorn havia realmente se culpado... por sua inexperiência, por não ser um líder melhor...
Assim, quando anos depois o amigo lhe fizera o pedido, de que ensinasse seu jovem filho a tornar-se um guardião, algo que caberia a ele como pai, mas nunca mais poderia realizar, Aragorn sentiu-se profundamente honrado.
Prometeu que Dalan seria tão bom guardião quanto Baltar e que nunca passaria pelo mesmo infortúnio do pai.
Agora que vinha habituando-se a presença entusiasmada e ansiosa do jovem, maravilhava-se mais uma vez sobre as dádivas de sua vida.
"Você tem sido muito hábil Dalan." Ele sorriu ao ver as bochechas coradas de satisfação do rapaz, ao receber o elogio. "E eu não confiaria à segurança dela a mais ninguém."
"Eu não permitirei que nada de mal aconteça a ela, meu senhor." Ele prometeu solenemente.
"Eu acredito." Respondeu distraído, tocando a testa dela levemente, para checar a temperatura. "Ela vai necessitar de todo nosso cuidado para que se restabeleça." Olhou para o rapaz com um sorriso brincalhão. "E seria mesmo pena que uma donzela tão bonita continuasse sofrendo."
Encabulado, o menino acenou com a cabeça, e o sorriso de Aragorn aumentou. "Todos os meninos são assim iguais?" Se lembrou de como se comportara quando viu Arwen pela primeira vez e sempre que estava na presença dela, quando tinha a mesma idade de Dalan.
Observou novamente a expressão fascinada com que o jovem observava a moça adormecida. Sim, definitivamente os meninos se comportavam assim.
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Durante longos e tortuosos dias, a moça foi assolada pelos delírios da febre e as dores do envenenamento.
Aragorn fez de tudo em seu poder para deixá-la confortável, cuidando pessoalmente de seus ferimentos. Ela não conseguia se recordar de sua vida prévia, antes do ataque dos orcs, ficando agoniada sempre que lhe perguntavam por seu nome.
Ele preocupa-se com a possibilidade de que os ferimentos na cabeça fossem os responsáveis pela perda da memória. E temia que as recordações não lhe fossem devolvidas quando o corpo começasse a curar.
Chamou um dos homens e o enviou para caçar, pois assim que acordasse, ela necessitaria de comida nutritiva. Em seguida pediu para Dalan lhe fazer companhia enquanto ele estivesse ocupado.
Halbarad estava cuidando dos corcéis, e o amigo veio até ele.
"Ormal e Galen, voltaram de sua última ronda e confirmaram que não há sinal de orcs ou outras das criaturas perversas, que estavam infestando a região." Halbarad informou. "Felizmente aqueles que encontramos foram os últimos."
"Isso é consolador." Aragorn acariciou o pescoço de seu corcel e teve o ombro afagado por seu focinho sedoso.
"Como a mocinha está?" Halbarad olhou para o acampamento.
"Ainda adormecida... mas lutando."
"Ela é muito valente."
"Sim, ela é." Aragorn concordou com um sorriso e Halbarad também sorriu.
"Você gosta dela."
"E como não poderia? Mesmo se não fosse tão corajosa, é apenas uma menina perdida e sozinha." Sacudiu a cabeça, em seguida respirou fundo. "Não sei o que poderia ter-lhe acontecido se não houvéssemos chegado a tempo e as criaturas das trevas a houvessem levado com eles para seu covil. Pelos Valar, eu sinto meu ódio pelas bestas de Morgoth se elevar de tal forma que nunca julguei possível."
"Ainda assim..." Halbarad respondeu com a voz pesarosa. "Foi tarde para os outros..."
Aragorn assentiu, as mãos se crispando.
"Mulheres e crianças..." Recomeçou acariciar o cavalo, lutando para dominar a ira. "A família dela pode ter estado lá..."
Halbarad voltou a escovar o pelo do cavalo.
"É mesmo trágico, mas parece ser o caso..."
Aragorn olhou para o amigo, incerto de como dizer o que pensava.
"De alguma maneira, ela não me parece uma simples aldeã..." Esfregou a mão pela barba. "E se tornou um enigma que não consigo decifrar!"
Halbarad o observou com curiosidade.
"Não me diga que também não percebeu?" Perguntou com ceticismo, levando o velho guardião a sacudir a cabeça.
"Eu percebi... A forma como está se recuperando dos ferimentos e do envenenamento, muito rápido para um humano comum... mas se ela é uma dúnadan, duvido que fosse ignorada... não quando restam tão poucos de nós."
"Uma bastarda?" Espantou-se Aragorn.
"Pode ser." Halbarad assentiu. "Explicaria porque nunca foi levada para Eriador."
"Mas... quem iria rejeitar uma filha como essa?" Ele indagou quase para consigo mesmo.
"Então ela se tornou mesmo um enigma." Halbarad disse, notando que a equipe de caça estava voltando. "Teremos coelho para o jantar de hoje e Ormal me disse que ele mesmo vai preparar."
Aragorn sorriu.
"Quer dizer que ela não cativa só a mim e Dalan? Mas se ele está disposto a cozinhar, o que é raro, e sendo mesmo o melhor de nós nisso, Níniel necessitará de um caldo nutritivo."
"Níniel?" Halbarad repetiu, com um brilho divertido nos olhos.
"Sim..." Aragorn confirmou, um sorriso afetuoso desanuviando sua expressão pensativa. "Ela precisa de um nome, não pode continuar sendo chamada de "menina" e Dalan pareceu muito contente em ser ele a sugerir um."
"Aquele menino." Disse Halbarad, rindo muito agora. "Sempre com a cabeça nas histórias e nos dias antigos."
"É fato." Aragorn concordou a com voz entristecida. "Ele certamente seria um habilidoso mestre da tradição de nossa gente, se as circunstâncias não obrigassem com que fizesse uso de outras habilidades."
"Não há por que duvidar de que isso possa acontecer um dia, meu amigo." Halbarad o consolou.
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Nos dias que se seguiram, ele sempre estava cuidadoso com Níniel, raramente se afastando e trocando pessoalmente os curativos, embora Halbarad e Dalan pudessem realizar a tarefa com igual eficácia, e procurando ter certeza de que estava se alimentado.
A febre ainda se demorava, deixando-a abatida e desorientada, mas a coerência parecia brilhar cada vez mais e por mais tempo em seus olhos.
Ela começou a confiar em Aragorn implicitamente, depois de vencida a última barreira de seus receios. Dalan por sua vez, seguia-a tão de perto que ela podia ver-lhe o rosto cada vez que erguia o olhar. Era pouco mais que um adolescente, corando toda vez que o olhava, mas sua presença tímida fazia um bem enorme à sua alma ferida.
Lembrou-se de Aragorn lhe dizendo que precisariam lhe dar um nome, até que se recordasse do seu verdadeiro, devido ao incômodo de não haver como se referir a ela.
Ele estava cuidando dos ferimentos em suas costas, falando continuamente para distraí-la da dor, com sua voz branda e suas mãos firmes. Então o rapaz havia sugerido Níniel, e muito corado explicou-lhe que significava donzela das lágrimas e referia-se a uma lenda dos tempos antigos.
Havia acompanhado a explicação muito espantada. Aquele nome pareceu-lhe familiar e percebeu que sabia o significado dele mesmo antes de Dalan dizer-lhe.
Assim, a despeito de sua situação e da angústia crescente que sentia por desconhecer seu próprio passado, com o passar dos dias começou a curar-se dos ferimentos físicos, e ganhando confiança, passou a sorrir e eventualmente conversar, relaxando na companhia de seus singulares salvadores, embora Aragorn fosse aos seus olhos um enigma.
Ele era claramente o líder deles, mas nunca tendo que repetir uma ordem ou dizê-la em voz alta ou diferente do seu habitual tom cordial e tratava a todos, desde Dalan até seu braço direito Halbarad, como amigos. E era sempre solícito e gentil com ela.
Certa noite acordou de um pesadelo, e Aragorn confortou-a como um pai faria a uma criança assustada, acariciando seus cabelos até que os tremores cessassem.
Em seus sonhos via rostos esmaecidos, pessoas que não podia alcançar e sempre acordava angustiada, um sentimento de perda que lhe deixava um buraco na alma.
Aragorn, ao ver o quanto a transtornava não conhecer as respostas para suas perguntas, parou de questioná-la, esperando que o tempo fosse o melhor remédio.
Assim, numa manhã ensolarada, dias após seu salvamento, em que se sentia melhor, a dor dos ferimentos a importunando menos, obteve a permissão dele para ir até o pequeno riacho banhar-se. Ansiava quase dolorosamente por um banho quando fez o pedido, e apesar da hesitação, ficou aliviada quando ele consentiu.
Entrou na água límpida devagar, estremecendo por causa do frio e das feridas nas costas e começou a lavar com vigor os cabelos longos, com o sabão que ele havia lhe dado, lhes devolvendo seu tom castanho natural e limpando do corpo toda sujeira que havia lhe impregnado até os poros.
Ao terminar sentiu-se notavelmente bem. Enxugou-se e vestiu a roupa que ele também lhe havia dado, a veste extra de algum deles sem dúvida, calças e túnica imaculadamente limpos. Era estranho vestir roupas masculinas, mas qualquer coisa seria melhor que seu vestido esfarrapado.
Tinha enfiado as pernas da calça por dentro das botas e estava dobrando as mangas demasiado longas, quando ele aproximou-se. Sabia que estivera por perto o tempo todo, respeitando sua privacidade, mas ao seu alcance para protegê-la se necessário fosse.
Sorriu e olhou pra ele, esperando que se aproximasse. Ele ofereceu o braço, que ela aceitou de bom grado, erguendo-se devagar, e começaram a voltar para o acampamento.
Ele a examinou com um olhar crítico. Níniel era uma moça alta e bonita e parecia mais saudável a cada dia.
"Você se transformou num verdadeiro guardião. Eu quase a confundi com Dalan."
Ela riu alto e aquele som o surpreendeu e agradou imensamente. Era a primeira vez que a via fazê-lo.
"Estou lamentável." Ela queixou-se.
"Está adorável." Ele garantiu.
Ela sorriu com o elogio e refreou o impulso de abraçá-lo em agradecimento à sua gentileza.
Entraram no acampamento e foi recebida com muitos outros elogios e palavras de incentivo para suas vestes insólitas.
Sentaram-se em volta do fogo para comer e logo foi informada que Ormal havia assado a ave selvagem que haviam caçado especialmente para ela.
Estava desconfiada que essa fosse uma tarefa de que ele não gostava, pois era caçoado pelos outros sempre que o fazia. E ficou emocionada com bondade de todos eles.
Assim, enquanto comiam Aragorn tocou num assunto que não podia ser adiado.
"Níniel, você está melhor, o que é muito bom e o que nós conduz ao próximo passo. Não posso permitir que continue aqui no Ermo. Precisa de um lugar seguro e adequado para que fique boa realmente... para que possa recuperar suas recordações."
Ela assentiu com a cabeça, os olhos baixos, subitamente incomodada da possibilidade de separar-se dele.
"Precisa de um lar, até que possa recordar-se do seu novamente. Estivemos discutindo longamente sobre isso."
Olhou para Halbarad que fumava seu cachimbo em silêncio, mas que acenou quase imperceptivelmente com a cabeça.
"Quando a encontramos, íamos em direção à Terra Parda, prestar auxílio às aldeias de lá, que vem sendo assoladas por orcs e outras criaturas cruéis."
À menção dos odiados seres, ela estremeceu um pouco e fechou os olhos, lembrando seu tormento e quando os reabriu, viu que ele olhava preocupado para ela. Sorriu para ressegurá-lo que estava bem, e ele continuou um pouco relutante.
"Nós discutimos e chegamos à conclusão que poderíamos fazer o caminho inverso e levá-la para a casa de meu pai, um curador renomado." Ele sorriu. "Lá você seria bem cuidada e eu teria certeza de que estará segura."
"Mas..." ela continuou, quando ele parou por alguns segundos. "Isso iria atrasá-los na ajuda que precisam dar a esses povos?"
"Sim." Ele confirmou. "Recebemos relatos das crueldades a que eles têm sido submetidos por essas criaturas."
Ela balançou a cabeça firmemente.
"Não posso permitir que por minha causa qualquer pessoa seja exposta aos mesmos tormentos que sofri."
Olhou para ele com olhos sérios.
"Imagino que já tenham sido atrasados o suficiente, enquanto esperam minha recuperação."
"Isso é irrelevante Níniel. Nenhum de nós a arriscaria. Teríamos esperado sua recuperação de qualquer maneira." Ele garantiu-lhe com um sorriso confortante. "Mas agora é tempo de decidir."
Virou-se para o membro mais jovem de seu grupo.
"Então Dalan sugeriu-nos a casa de seus pais."
O menino assentiu, sorrindo largamente para ela.
"Meus pais moram em Gondor. Foram para lá quando meu pai recuperou-se de seu ferimento e agora estão sozinhos, já que parti. Mas eu lhe garanto Níniel, eles vão ficar felizes em abrigá-la."
Ele falou solenemente e Aragorn sorriu.
"E isso me confortaria muito, pois sei que lá estará tão segura quanto possível."
Ficou em silêncio, esperando a resposta dela, que havia escutado atentamente.
A fumaça da fogueira rodeava-lhe o rosto. Madeixas longas caiam-lhe pelos ombros, emoldurando a face ruborizada pelo calor. Seus olhos cinzentos estavam escuros e brilhantes na luz do fogo e ao observar-lhe, ele sentiu tal grande afeto por aquela moça corajosa que o desconcertou. O que havia nela que fazia com que fosse tomado por essa vontade enorme de protegê-la?
Então ela sorriu-lhe e virou-se para o rapaz que aguardava ansioso sua resposta.
"Eu me sentiria honrada Dalan."
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Níniel estava tendo um pesadelo, batendo os braços e clamando, tentando alcançar algo que parecia muito distante.
"Shhh minha pequenina..." Aragorn sussurrou, aproximando-se e acariciando o cabelo dela. "É só um sonho. Você está segura. Foi só um sonho."
Ela despertou bruscamente e se sentou, esfregando as lágrimas dos olhos assustados.
"Um sonho?" Olhou em volta, como se não pudesse acreditar. "Um sonho..." Ou provavelmente fosse real. Não podia estar segura, pois era o anseio por alguém. E sabia que esse alguém era real... alguém perdido no vasto buraco que tragara sua memória. Ela o amara. Sabia disso também. Porque sonhava com ele sempre. E embora nunca conseguisse se lembrar dos sonhos quando acordava, neles sentia-se segura, protegida e tão amada que era algo além da compreensão. Depois, quando a realidade intervinha, não lhe restava nada exceto um angustiante sentimento de perda.
"Sim. Apenas um sonho." Aragorn confirmou. "Sobre o quê era?" Perguntou suavemente.
"Não sei." A voz saiu abafada, o rosto escondido pelos cabelos. "Imagens perdidas..."
"Não pôde distinguir qualquer rosto com clareza?" Ele tentou sutilmente.
Ela mexeu-se, engolindo as últimas lágrimas e tentando levantar-se, mas desistiu em seguida.
"Nada... só fragmentos perdidos. Perdoe-me por incomodá-lo, não devia..."
"Você não me incomoda. Eu estava desperto, é meu turno da guarda."
Observou-a esfregar o rosto, sentindo compaixão ao ver sua fragilidade.
"Não quer conversar comigo? Pode ajudar." Acariciou sua mão suavemente, só conseguindo causar outra torrente de lágrimas.
"Eu vou ficar bem." Ela disse olhando para baixo e mordendo os lábios. "Não é nada importante ou nada que eu possa lembrar-me."
"Você me parece tão jovem..." Ele falou hesitante. "Pelos sinais que pudemos descobrir, os orcs levavam cativos de uma aldeia, mas não havia espólios que nós fornecesse uma ideia melhor de onde..."
A moça elevou as sobrancelhas, voltando em seguida os olhos para o chão.
"Por que não consigo lembrar-me? Se nunca souber..."
"Vai lembrar-se. Precisamos ter esperanças de que se lembrará."
Ela balançou a cabeça timidamente e ele pensou novamente na necessidade de levarem-na para uma cidade onde pudesse obter conforto e segurança para recuperar-se. Segurou a mão dela.
"Você está sentindo dor?"
"Sim, meu coração está ferido!"
"Eu estou bem."
Tentou usar de toda sua convicção, mas a voz hesitante só causou um sorriso suave nele.
"Deve estar com sede..."
Ela o observou buscar o cantil, voltando para sentar-se novamente ao seu lado e com suavidade colocá-lo em suas mãos para que bebesse.
Fez o que lhe era pedido, descobrindo-se realmente sedenta. Ele a observou beber em silêncio, tentando esconder sua preocupação.
Terminou com um suspiro e quando notou o olhar dele, baixou novamente os olhos.
"Deve achar que sou uma tola."
"É claro que não. Passou por um grande trauma e ainda está doente... não precisa se envergonhar." Retirou o cantil de suas mãos. "Mas deve voltar a dormir. Um bom sono é necessário para sua recuperação e precisa descansar bastante para poupar suas forças para nossa viagem."
Ao som da palavra sono, seus olhos voltaram a ficar pesados e ela deitou-se obediente nas mantas, auxiliada por ele, que a cobriu com carinho.
"Vai ficar aqui?" Perguntou com a voz ansiosa.
"Sim. Eu vou." Ele disse, empurrando os fios de cabelo do seu rosto com ternura, até que ela, com um suspiro, fechou os olhos.
Durante o tempo que se permitiu ficar, Aragorn arrulhou uma suave canção, havendo percebido que palavras em élfico a acalmavam, certificando-se que nenhum sonho ruim a fizesse chorar.
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Estavam se aproximando de Minas Tirith. Já viajavam por longas semanas e naquele amanhecer nevoento, puderam finalmente avistar as torres de marfim, ao longe. Aragorn trouxe seu cavalo próximo ao dela.
"Quando virarmos àquela colina, você verá a Cidade Branca, Níniel."
Ela assentiu, arrebatada com a grandeza que já se podia antever, mas apesar das palavras dele, o sol ia alto quando finalmente avistou-a em toda sua imponência.
"A cidade dos Reis." Aragorn lhe disse, com certa emoção na voz ao observar a cidade por longos instantes.
Ainda estavam a uma boa distância do Pelennor, quando ele desceu do cavalo e se aproximou, sorrindo para ela ao estender os braços para ajudá-la a desmontar.
"O homem mais gentil que jamais conheci..." Ela concluiu não pela primeira vez, para então com um súbito pesar, lembrar-se que não sabia mesmo quantos homens conhecera em sua vida.
"Esta é Minas Tirith, a Branca." Ele lhe falou, enquanto a colocava no chão, mantendo o braço ao redor de seus ombros. Havia afeto e preocupação em seu rosto quando a beijou na fronte.
"Você estará bem aqui, em seu novo lar?"
"Lar!" Níniel apertou as mãos e fechou os olhos. "Valar! Por favor, me ajudem, agora que cheguei tão longe..."
As lágrimas subiram-lhe aos olhos, mas impediu-as de cair. Quando estivesse sozinha, poderia lamentar, mas não aqui. Não quando ele havia sido tão bom... não ia continuar sendo um fardo sobre os ombros largos dele.
Então sentiu os braços dele a trazerem para junto de si e uma profunda emoção invadiu-lhe o coração, enquanto deitava a cabeça em seu peito, com os olhos fechados bem firmes. "Se o mundo fosse justo, eu não precisaria afastar-me dele. Desse estranho que ganhou minha gratidão e meu amor. Porque estando com ele a dor das lembranças que me abandonaram pode ser tolerada, mas quando ele se for, o que me restará a não serem as lágrimas?"
"Você voltará para me ver?" Perguntou numa voz pequena que pareceu a ele, a de uma criança perdida.
"Níniel..." Aragorn sabia que nunca poderia feri-la, mas havia coisas que não evitaria em benefício da própria menina, e uma delas era a verdade. "Pequena... a estrada que preciso seguir me levará para longe de Gondor por algum tempo..." Viu que ela continha as lágrimas a custo, mas ainda assim sorriu, ao pensar que era mesmo corajosa. "Mas..." colocou os dedos carinhosamente embaixo de seu queixo para que erguesse o rosto para ele. "Dalan sempre voltará aqui em meu lugar, para buscar notícias suas e enviar minhas saudações. Eu ainda tenho esperanças de que suas recordações não se evadam por muito tempo, agora que terá um local seguro para se recuperar, e quando isso acontecer eu virei levá-la de volta ao seu verdadeiro lar e àqueles a quem pertence."
Beijou o topo da cabeça dela, quando a menina engoliu com valentia um soluço.
"Não precisa temer. Não a confiaria a quem quer que seja se não confiasse minha própria vida a ele igualmente. Baltar e Anendis a cuidarão e protegerão, mas se qualquer motivo a fizer desejar sair de Gondor, Dalan imediatamente me comunicará."
Afastou-se relutante, sentindo um profundo e inexplicável pesar.
"Você está pronta?"
"Sim." Ela disse com toda a coragem que pôde reunir, então num impulso abraçou-se a ele novamente, para finalmente afastar-se, segurando com determinação a mão que Dalan estendia a ela.
O rapazinho sorriu.
"Venha Níniel. Venha conhecer seu novo lar."
Ela concordou, aceitando a ajuda dele para montar novamente e juntos começaram atravessar o Pelennor. Quando já estavam a uma considerável distância, olhou mais uma vez para o guardião, que vigiava sua partida com um sorriso triste.
Aragorn sentiu uma mão confortante em seu ombro.
"Você fez tudo o que pôde por ela meu amigo."
"Então por que em meu coração não pareceu o bastante?"
A isso Halbarad não pode responder.
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Arredores das Montanhas Sombrias - Presente
Os cavalos trotaram inquietos. Era a tempestade se formando. O sol havia desaparecido e estava bastante escuro. A chuva ainda não havia começado, mas não restavam dúvidas a Elladan que seria a qualquer momento.
Seu olhar cansado percorreu o caminho vasto à sua frente. Tantas possibilidades e eles eram apenas dois.
Não demorou para que as nuvens carregadas começassem a despejar o aguaceiro, que era lançado de um lado para o outro em sua fúria natural.
Elladan estava protegido em sua grossa capa, mas Elrohir nem mesmo se dera ao trabalho de vestir a sua e em questão de segundos ficou completamente encharcado.
Apertando os lábios, Elladan agarrou-se à esperança de que a menina estivesse viva. Precisava acreditar. Ergueu a cabeça e observou as nuvens carregadas no céu negro. Com crescente sensação de completo desespero instigou o cavalo.
Também estava frustrado e aflito. No amanhecer daquela noite terrível, haviam interrogado todas as pessoas que pudessem dizer algo sobre o paradeiro de Esperança.
"Eles escaparam durante a batalha senhor, orcs e wargs..." Contara o capitão, parecendo abatido... "A senhora Esperança... ela foi levada com os prisioneiros... as mulheres e crianças que tentava ajudar... perdemos tantos."
"Há quanto tempo foi isso?" Havia perguntado Elladan, com a voz controlada, enquanto Elrohir limitara-se a escutar.
Os homens entreolharam-se mais uma vez, então um dos guardas voltou-se novamente para o elfo.
"A quase uma estação atrás..."
O cavalo chapinhou na lama e Elladan foi obrigado a segurar com firmeza nas rédeas para controlá-lo.
A tempestade aumentava de intensidade, criando uma cortina compacta de água pelo caminho. "A estação das chuvas." Pensou abatido. "Inicia-se."
"Uma estação... o que faremos agora?" Elladan havia falado quase que para si mesmo, com o olhar perdido no horizonte escuro, assim que colheram todas as informações que conseguiram.
"Só há uma coisa que podemos fazer." Elrohir havia respondido num murmúrio. "Necessitamos da ajuda de Estel... ele é o melhor rastreador... o melhor que existe. Precisaremos da ajuda dele para encontrar o covil para onde a levaram..."
"Mas Estel partiu com os guardiões há semanas." Elladan respondeu. "Pode estar em qualquer lugar da Terra-média. Se tivermos que encontrá-lo antes, poderemos diminuir as chances dela... se não já for tarde demais..."
"Eu me recuso a aceitar isso." Elrohir dissera, balançando a cabeça com veemência. "Eu saberia se ela estivesse..." Engoliu em seco antes de se decidir. "Então faremos isso sem Estel."
Elladan o olhou, enquanto o irmão observava resoluto o caminho à frente.
"Pois não temos tempo de encontrá-lo para lhe falar sobre a filha. Sua filha... A filha que eu perdi."
"Então vamos procurar Esperança e vamos encontrá-la." Elladan concordou por fim. "Nem que tenhamos que vasculhar todo buraco daqui até a Terra Parda."
Agora estavam procurando há semanas, mas não puderam descobrir qualquer sinal das criaturas que haviam atacado Valle e muitas vezes cavalgavam até a exaustão, para não perder tempo em sua busca.
Sacudiu a cabeça, para afastar a água que entrava em seus olhos, impedindo-o de divisar o caminho à frente.
Era inútil. Logo teriam que procurar abrigo, antes que topassem com algum penhasco, cegos que estavam pela chuva implacável.
"A natureza chora." Pensou numa infinita dor, mal divisando Elrohir em meio às torrentes de água.
E naquele dia, quando haviam finalmente procurado abrigo, ele implorou a Elbereth que mantivesse a menina segura, pois se recusava a aceitar que ela estivesse morta. Esperança sobreviveria, pois era forte e teimosa. E esperaria por eles.
Mas a estação das chuvas veio intensa, atrasando sua busca desesperada e dois longos e amargos anos se passaram antes que vissem Estel novamente e ao final deles, quase toda esperança de encontrar a filha de Ivy havia morrido no coração de Elrohir.
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Continua...
