DISCLAIMER: Todos os personagens da série "Sir Arthur Conan Doyle's The Lost World" são propriedade de John Landis, Telescene, Coote/Hayes, DirecTV, New Line Television, Space, Action Adventure Network, Goodman/Rosen Productions, e Richmel Productions (perdoem qualquer omissão).

Nota: não, eu não sou dona dos personagens. Mas isso não me impede de amá-los...

Di: realmente os campos de concentração eram lugares terríveis. Mas a percepção de diferentes priosioneiros também foi muito diferente. Quem ia para o campo sem saber do que se tratava normalmente sofria mais do que quem já sabia. Aprendi isso lendo muito material que a D. Rosa me forneceu, onde aprendi que principalmente presos políticos tinham uma noção muito mais clara do que os aguardava ali. Mas, para nossa ídola será uma provação, é claro, e o que poderá salvá-la é saber que sua família a espera... Beijão!

Aline: lindinha, primeiro que você não tem coração de "preda" he he he. Segundo, não acho o corte de cabelo uma coisa fútil. Acho que qualquer coisa que a gente seja obrigado a fazer, e não faça por vontade própria, é de uma indignidade sem tamanho, e acho que é isso que perturba muito em tudo que se refere ao campo de concentração – pelo menos é isso que me perturba nesse assunto... Roxton está na pior situação que alguém pode ficar – mas na vida tem tantos momentos assim, né? E Ned está, pra variar, se mostrando um amigão... Capítulo novo está aqui, ó... XOXO...

Jess: lindinha, acho que você capturou exatamente o sentimento. Não é o cabelo em si, é a atitude deles e o que isso faz com a auto-estima, a imagem e a capacidade de resistência dos prisioneiros... Enfim... Ela é forte e a força dela estará à prova... Beijos! E até sábado! Saudade...

Rosa: pois é, minha amiga, é difícil acreditar que alguém tenha coragem de fazer coisas como essas, e esse capítulo agora é que realmente vai ser o "grosso" do campo de concentração. Para quem morreu ali, foi triste. Para quem sobreviveu, foi triste e difícil, uma prova de fogo... Vamos ver em que categoria Marguerite está e o que vai acontecer... Beijos, até daqui a pouco... Saudade!

Nessa: é triste mesmo, moça... Quanto à outra fila... Está no comecinho desse capítulo... 1914/1944 vai ser só uma das várias artimanhas que todos vão usar para tentar livrar Marguerite do campo. Vamos torcer para que eles sejam bem sucedidos! XOXO!

TowandaBR: só alguém com a imaginação do Ned seria capaz de "pensar fora da caixa" e ter uma idéia como essa, acho, Si... Espero que ele chegue a tempo! Beijos... Inté daqui a pouquinho!

Max: o novo capítulo está aqui! Espero que continue acompanhando!

Maga: pois é, mas ele vai ter que lutar muito para ter a esposa dele de volta... Beijão!

Sra. Cravo, Huguinho, Zezinho, Luizinho: Rosa, eu acho que essa é você... Mas, obrigada do mesmo jeito! Há há há

Sis (Claudia), Kakau: cadê vocês? Saudades!

Capítulo 15 – Vida – e morte – no campo... (1)

Aviso aos navegantes: Este capítulo é particularmente denso – e pode ser deprimente para aqueles mais sensíveis, pois explora o campo de concentração. Portanto, se esse tipo de assunto não agrada você, sugiro pular esse capítulo e esperar pelo próximo...

Ravensbrück. A ponte dos corvos, ou a fonte dos corvos. E havia corvos por toda parte, como se farejassem o ambiente trágico que se desenrolava ali. (2) Ou como se Morrighan estivesse novamente a atancando em sua forma de corvo, como acontecera na primeira vez em que tinha viajado num plano de realidade, há sete anos atrás (para mais detalhes, veja a fic "Depois da Tempestade", em que as várias formas de Morrighan aparecem, sendo uma delas "o corvo"). Assim como daquela vez os corvos não tinham trazido nada de bom, aqui em Ravensbrück não era nem um pouco diferente.

Marguerite estava há quase dois meses no campo. Mas precisara apenas das primeiras vinte e quatro horas após sua chegada para entender exatamente tudo o que acontecia.

Descobrira o significado do triângulo em suas roupas, e também descobrira que o cheiro acre e a fumaça no ar eram as outras prisioneiras, as que tinham respondido não ao soldado na mesa de triagem, que tinham sido asfixiadas com gás e cremadas nos grandes fornos crematórios do campo. Só nos últimos dias a câmara de gás do campo ficara completamente pronta, e elas só sabiam disso pelo ritmo alucinado com que os galpões onde dormiam eram esvaziados das detentas mais velhas, mais doentes, e assim sucessivamente.

Aprendera rapidamente – como sempre em sua vida – sobre como sobreviver ali, pelo menos no que dependia dela. Entendera que sua vida ali tinha valor enquanto pudesse trabalhar e produzir, como escrava, fossem peças metalúrgicas, automotivas, bombas, ou mesmo uniformes da SS – que era particularmente a divisão para a qual ela fora encarregada.

O trabalho em si não era pesado – exceto pelo fato de ter que ser executado até à exaustão. O trabalho pesado por horas intermináveis matava em poucos dias mesmo a detenta que ainda se encontrasse mais forte.

Todas as manhãs eram acordadas às quatro da manhã, com o dia ainda escuro, e sob o frio intenso e eventualmente sob a neve, mas tinham que ficar em pé, perfiladas e prontas, do lado de fora dos galpões, até serem contadas. Serviam-lhes uma imitação de café – mais rala que chá. E então partiam para o trabalho, em jornadas diárias de doze a catorze horas de trabalho, de segunda a sábado. À hora do almoço e à noite recebiam uma sopa rala – que mais parecia água suja – como as únicas outras refeições do dia. E ainda tinham que ser perfiladas e contadas à noite antes de poderem jantar e se recolher, fugindo do frio e tentando conciliar o sono para estarem prontas para mais um dia que invariavelmente se anunciava às quatro horas da manhã seguinte.

A chamada geral é grandiosa. Se alguma multidão a assistisse, o ceticismo sobre o que aconteceu nos campos seria menor – porque poucos poderão um dia, provavelmente, acreditar que esse espetáculo trágico e colossal realmente tenha existido.

Às três e meia da manhã soava a primeira sirene de despertar, e menos de uma hora depois todas as mulheres – ou pelo menos todas as que tinham sobrevivido à mais uma noite - chegavam à grande Lagerestrasse – a grande praça que se estendia de uma ponta à outra do campo. A praça fica coberta de fileiras de prisioneiras em roupas listradas, todas criaturas miseráveis, visivilmente encurvadas, como que prostradas sob a atmosfera de horror que paira continuamente sobre Ravensbrück. Olhos apagados em rostos ossudos, cinzentos, bocas entreabertas, apertando sob o braço uma gamela amassada que usam como utensílio para as refeições. Tiritam todas na madrugada, parcamente cobertas com seus velhos vestidos de zebra, sujos, desfiados, os pés calçados com tamancos em ruínas.

A Largestrasse está repleta dessas sinistras colunas que as policiais do campo enfileiram com injúrias e golpes dados para valer. Quando a ordem é estabelecida, depois de muitas pancadas, as Aufseherinnen (oficiais) as passam em revista. Mas as respirações de todas as prisioneiras realmente cessam quando a Oberaufseherin (a oficial maior do campo), triplamente agaloada, sai do seu escritório. É uma mulher forte, apertada como uma domadora no seu vestido cinza de saia curta e suas botas altas. Nenhuma detenta pode dirigir a palavra a ela, sob a pena de ser morta imediatamente. Mas não dirigir a palavra a ela não livra automaticamente as detentas da morte... Com um riso demente se desenhando em seus lábios, ela passa a fileira em revista... Há dias em que nada acontece... Mas nos dias em que ela começa a murmurar, as detentas já sabem que na praça ficarão pelo menos cinquenta companheiras, condenadas...

Ela desfila entre as fileiras de farrapos humanos, seus olhos perscrutando as feições cada vez mais apagadas das detentas, e de seu riso demente saem as palavras murmuradas:

'Sympathisch... Sympathisch... Nicht sympathisch... Sympathisch... Nicht sympathisch... Sympathisch... Sympathisch... Sympathisch... Nicht sympathisch...' ('Simpática, Simpática, Antipática, Simpática, Antipática, Simpática, Simpática, Simpática, Antipática).

As "antipáticas" são automaticamente separadas pelas Aufseherinnen, que observam atentamente o que a Oberaufseherin diz. Para estas o sofrimento e a angústia do campo – e da vida – vão terminar mais rápido.

E a Oberaufseherin desfila, bastão na mão, faz às vezes um pequeno discurso às Aufseherinnen enfileiradas como corvos negros (os corvos, novamente, Marguerite pensa) diante do escritório. Mas nem quando ela deixa a praça as coisas estão acabadas. O suplício da chamada ainda dura muito tempo depois que ela parte. A multidão de rostos amarelos e fundos permance imóvel, modificada apenas pela prostração dos corpos mal dormidos em colchões cheios de piolhos, onde só se dorme em grupo. A manhã surge, às vezes pálida, às vezes gloriosa, trazendo aos olhos ainda capazes de encantamento clarões de um carmim magnífico, nuvens imensas coroadas de ouro vivo, uma aurora sem indecisões, adornada das cores de uma pureza sobrenatural da luminosidade translúcida e fria do céu báltico.

É isso que Marguerite pensa. Não baixe a cabeça para a terra árida que elimina toda a sensibilidade. Lute ainda. O céu é uma oferta a cada chamada. Mais tarde, ao longo do dia, extenuada por tantos infortúnios, esquecerá o pior talvez, esquecerá, infeliz, que não é livre... Mas no momento em que o sol nasce ninguém pode lhe tirar o fulgor de liberdade que se desdobra naquele espetáculo da natureza sobre seu corpo cada vez mais magro e frágil, seus olhos cada vez mais fundos.

'O café da manhã está na mesa...' Verônica chamou, da varanda da cozinha. As crianças vieram do terreiro, onde brincavam desde que deixavam a cama, muito cedo. Levantavam-se, iam ver o curral onde havia vacas, bois, búfalos e cavalos, animais aos quais eles não tinham se habituado ainda, e que sempre os fascinava observar. Isso fora os cães e gatos que passeavam preguiçosamente pelo terreno da propriedade, como acontece com toda fazenda.

De dentro da casa, Summerlee, Challenger e Roxton também vieram para se sentarem juntos à mesa...

'Esses pequenos acordam com as galinhas.' Summerlee brincou.

'E nós acordamos antes deles, Arthur.' Challenger pontuou, bondosamente. 'Coisas de crianças e anciãos, creio.'

'Ou talvez anos de prática no platô.' Verônica brincou. Mesmo fora do platô, não conseguiam escapar à rotina que tinham vivido por uma dezena de anos...

Roxton apenas deu bons-dias a todos, e foi primeiro buscar as crianças. Elas eram as únicas capazes de desviar sua atenção de toda a preocupação que o cercava durante o dia. Quando via os dois, conseguia por um instante não pensar onde estaria Marguerite agora, se estaria viva, se estaria também se levantando, como eles.

Todos aguardava ansioso as notícias que Ned lhes dava dia sim, dia não, por telefone, desde que chegara à Londres e se encontrara com Conde Folke. Sua viagem felizmente transcorrera com tranquilidade, sob o falso passaporte da imprensa que Summerlee laboriosamente modificara de 1914 para 1944, e ele agora trabalhava junto com Folke no intuito de investigar mais notícias de Marguerite e libertá-la...

Ned a cada dia ficava mais horrorizado com o mundo que encontrara na Europa: o horror das batalhas, dos bombardeios. O absurdo da perseguição aos não-arianos na Alemanha e nos países dominados pelo nazismo. Tudo parecia um pesadelo inacreditável, ele nunca imaginara que coisas assim pudessem realmente acontecer ou se repetir... Mas ele não estava ali para relatar nada, então via, absorvia e raciocinava sobre tudo com sua inteligência aguçada, e tentava focar todos os seus esforços em Marguerite.

Outra tortura era a fome... Fome atroz, fome que retorcia suas entranhas, e a deixava fraca e presa de constantes vertigens. Mesmo Marguerite, que comia pouco, mas bem, no platô, conhecia agora uma fome sem limites em Ravensbrück, uma fome furiosa que nunca se acalmava e que se tornava insuportável no momento das refeições. No princípio, recebiam uma sopa pela manhã e à noite, eterna sopa de repolho com nabos, quase sempre desidratados. Se esperavam o sábado por causa do pedacinho de margarina e da fatia de salame concedidos nesse dia, por outro lado temiam a porção de café morno que era servido no lugar da sopa (ela, Marguerite, temendo café... Só mesmo num lugar como aqueles, ela pensava). A bola de pão preto misturado com palha não durava muito. O pão cheirava a mofo, mas ela o comia assim mesmo, saboreando-o! Chegou a época na qual a ração foi reduzida e a sopa da noite foi suprimida definitivamente. Quanto à sopa do meio-dia, tornava-se cada vez menos nutritiva: uma água turva na qual nadavam alguns restos de legumes. A tortura da fome tornarva-se cada vez mais intolerável: quando Marguerite acordava, estremunhada de sono, e tentava descer do catre, a cabeça rodava, e ela tinha tido que aprender a se controlar primeiro para não cair de fraqueza. Nesse período, várias prisioneiras desmaiavam por ocasião da chamada. A fatia de pão diminuia cada vez mais, e Marguerite, por sua vez, procurava tirar o máximo proveito nutritivo dela. Economizava a fatia de pão, comendo migalha por migalha, ao longo do dia, lentamente, prologando o prazer de ter algum alimento pelo maior tempo possível. O último pedaço era horrível: tinha já o antegosto amargo da fome renovada; simbolizava o início do suplício da espera pela fatia seguinte de pão, que só viria no dia seguinte. Se na sopa acontecia de encontrar uma batata, Marguerite aprendera que era importante comê-la inteira, até a casca. Descascá-la e jogar a casca fora era um desperdício e um luxo ao qual não podia se dar.

A fome era avassaladora e estupidificante. E Marguerite não compreendia que consolo as companheiras podiam encontrar, gastando horas falando de cardápios, e enganando sua ânsia de comer copiando receitas de cozinha. Marguerite prometera a si mesma nunca se aviltar dessa maneira, e resistira bravamente. Tentava em vão pensar em outra coisa, mas a idéia da fome voltava sem cessar.

Numa das noites, Marguerite está em seu catre. Todas esperam o pão. É tarde. A sopa do meio-dia estava muito rala mas, para consternação das detentas, a Blockowa (supervisora do bloco) acaba de anunciar que o pão não será distribuído essa noite. Perto de Marguerite, no mesmo estrado, uma jovem cuida de outra, que parece muito doente – não consegue comer sequer o pouco que lhe é oferecido. A jovem que se desdobra em cuidados olha para Marguerite, uma desconhecida, mas ainda assim lhe pede se ela não poderia tentar conseguir-lhe uma xícara de leite.

Marguerite desce, de má vontade, de seu leito. Não conhece as moças, e ir até o final do bloco, onde dormem as "pintoras" (que por trabalharem com tintas têm direito a um leite ralo supostamente para evitar a intoxicação) é uma expedição verdadeiramente arriscada. Pega o pão que a moça lhe estende, uma fatia de pão de ontem que ela guardou, e que será a moeda de troca, e a caneca vazia, e põe-se em marcha. O corredor estreitíssimo que leva ao fundo do bloco está atravancado – as mulheres se amontoam no chão, para dormir, como podem, estrados sendo insuficientes para todas elas. Aos empurrões, Marguerite tem uma dificuldade enorme em atingir seu objetivo. Finalmente, o canto das pintoras... Ela trepa até o terceiro andar dos estrados, onde elas ficam, e vê que elas ainda têm um pouco do que Marguerite procura. Marguerite lhes entrega o pão, e elas lhe devolvem a caneca cheia de leite. Mas quando Marguerite vê nas suas mão o lindo líquido branco, uma tentação a invade... Tem tanta fome!... Se bebesse somente um gole, sabe que se sentiria melhor, e ninguém iria notar. Além do mais, ela teve todo aquele trabalho para ajudar uma desconhecida e, normalmente, todas as que consentem em servir de intermediárias recebem uma pequena comissão. Bebo... ou não bebo? Marguerite se pergunta. Hesita ainda. Para ficar em paz com sua própria consciência toma, finalmente, uma decisão: se a passagem de volta até seu estrado, onde as duas moças desconhecidas a esperam, estiver livre, não tocará no leite. Mas, se estiver entupida, vai tomar um gole. As chances estão todas a seu lado, pois, no dormitório, existe sempre uma imensa circulação. Ela só tem uma idéia fixa: o leite – parece-lhe já sentir o gosto. Ela desce do estrado das pintoras, com preocupação, e se volta: a passagem está livre até o outro lado, onde fica seu estrado. E então ela leva, intacto, o leite para a doente.

'Eu queria saber o resto daquele livro...' Tom comentou, desanimado.

'Fale baixo, mamãe está ouvindo.' Abi o admoestou.

'Que livro é esse, Tom?' Verônica, que ouvia a tudo, chegou perto dele.

'É um livro que Tia Marguerite começou a ler com a gente, ainda na Casa da Árvore.' Tom começou a explicar.

'Tom! Ela disse que era um segredinho nosso!' Abi ralhou com ele.

Verônica sabia que seus filhos estavam sentindo muita falta de Marguerite. Todos eles estavam, mas as crianças sofriam mais, até porque não sabiam o que estava acontecendo, todos mudavam de assunto e procuravam não mencionar suas suspeitas e preocupações perto deles...

'É verdade!' Tom disse, colocando as duas mãozinhas sobre a boca.

Verônica se sentou, puxando cada um deles para sentar-se em seu colo, um de cada lado.

'Tenho certeza que Tia Marguerite não ficaria brava se nos contassem agora, crianças.' Verônica achou que se pudesse encontrar o livro por ali, e lê-lo para eles, seria uma forma das crianças lembrarem de Marguerite, mas sem ficarem questionando onde ela estava.

'Era "A Guerra dos Mundos"...' Tom disse, inocente.

Verônica teve que se conter para não rir... Ela tinha proibido Marguerite de oferecer leituras mais adultas para as crianças, mas ela conhecia bem a herdeira para saber que ela transgrediria as regras... E justamente com aquele livro, falando sobre a guerra... Isso apagou imediatamente o sorriso de Verônica.

'É um livro um pouco adulto demais para vocês, não acham?'

'Tia Marguerite não achava. Ela estava nos explicando como as tais guerras são estúpidas e injustas...' Abi comentou.

Verônica estava tocada. Quando poderia, há dez anos, imaginar seus filhos admirados por Marguerite os estar desencorajando sobre a guerra? E agora, lá estava ela, presa exatamente no meio de uma nova guerra, longe de seus amigos, de sua família, de todos os que poderiam salvá-la.

'Sinto falta dela, mamãe.' Tom finalmente confessou, olhando para Verônica com os olhinhos rasos d'água.

'Eu também.' Abi comentou, abraçando Verônica e escondendo seu rosto na curva do ombro de Verônica. Tom espelhou o gesto e fez o mesmo do outro lado.

Roxton entrou na sala nesse momento, e só precisou ver os olhos de Verônica cheios de lágrimas não derramadas para saber qual (ou quem) tinha sido o tema da conversa de sua família... Ele, mais que ninguém, sentia muita falta de Marguerite...

No dia 25 de janeiro de 1945, nasce a uma das prisioneiras (Marie-Louise Ozon) um bebê. Nasce durante a chamada. A detenta esconde-se agachada, por horas intermináveis. A criança é chamada Chantal. Marguerite observara, apenas, horrorizada. Conhecia a moça apenas de vista, mas isso não a impedia de compadecer-se com o sofrimento estampado no rosto da mulher que sozinha amparava-se com as dores do parto. Assim que a chamada terminara, aproximara-se, com outras duas detentas, para ajudá-la. A criança foi separada da mãe tão logo as guardas do bloco descobriram-na. De vez em quando Marie-Louise conseguia buscar a menina às escondidas, mas então tinha que rezar para que a criança não chorasse, ou a Blockowa a mataria. Uma noite, depois da chegada de um novo comboio, quando Marie-Louise voltou de sua incursão trazendo clandestinamente Chantal consigo, encontrou seu estrado ocupado pelas recém-chegadas. Marguerite não a vira naquela noite. Só a encontrara na manhã seguinte, um domingo. Marie-Louise parecia transtornada pela dor, e então Marguerite interrogou-a até descobrir que Chantal morrera durante a noite. Mãe e filha tinham tido que deitar-se no chão frio – e a moça contara à Marguerite como sentira a pequena vida de Chantal se esvaindo. A herdeira teve vontade de perguntar-lhe porque não a procurara, porque não pedira para dormir em seu estrado. Mas aquilo já não faria diferença nesse momento. 'Onde está ela agora?' Marguerite perguntou, chocada. 'Levei-a à sala dos mortos. Cortei uma mecha dos seus cabelos.' Maria-Louise mostrou-a para Marguerite. 'E deixei-a ali. Fiquei esperando, aflita, ali por perto. E vi quando a colocaram em uma grande pá e a jogaram no forno crematório.' Marguerite ficou a olhar incrédula, por alguns instantes, aquela jovem de pouco mais de vinte anos inundada pela dor, antes de vencer seus próprios princípios de não se envolver e abraçá-la, consolando-a – e consolando-se a si mesma.

'É assustador pensar no que estão fazendo.' Summerlee comentou, batendo seu cachimbo para poder trocar o fumo de dentro dele.

'Assustador é pouco, meu velho.' Challenger aquiesceu.

Os dois estavam sentados num banco rústico, sob a sombra generosa de uma mangueira. A paisagem era idílica, mas não coincidia com os ânimos dos dois.

'Campos de trabalho forçado. Potencialmente campos de extermínio. Tudo em nome de purificar uma raça... Não acredito que seres humanos façam isso...' Summerlee continuou.

'É verdade. Vimos muitos horrores entre 1914 e 1918, mas parece que agora as pessoas conseguiram se superar na crueldade e na abrangência destruidora de seus atos...' Challenger acrescentou, pensativo. 'Se eles tivessem visto o que vimos no platô... Únicas origens naqueles homens-macacos...'

'E os jornais falam dos tais campos de trabalho espalhados por todo o território conquistado pelos nazistas! Será possível que todos estejam sendo usados para esse mesmo fim?' Summerlee não se conformava com a idéia da barbárie.

'É difícil precisar, Arthur. Não acho que é algo que eles divulgariam. Quem souber, se fará de cego. Nenhum governo vai se meter. Mas acho pouco provável que cada lugar tenha uma finalidade diferente. Se for realmente verdade que o campo para o qual Marguerite foi levada está sendo usado para essa finalidade, então infelizmente creio que todos os outros campos existentes estão, de uma forma ou de outra, sendo usados para o mesmo fim.' Challenger concluiu, com uma nota de tristeza em sua voz.

Um silêncio se seguiu entre ambos, apenas quebrado pelo som cavo do cachimbo sendo tragado. Os dois homens pensavam em Marguerite, tão distante mas tão próxima ao mesmo tempo nos corações deles.

'Que ela esteja bem onde estiver...' Challenger disse baixinho, expressando seu desejo mais sincero.

'E que Deus a proteja...' Arthur completou, por sua vez.

Marguerite tinha se fechado sobre si mesma... Era a única proteção contra o que acontecia à sua volta.

Quando as prisioneiras chegavam da oficina, encontravam regularmente um ou mais pêndulos contra o pôr-do-sol. Duas ou três prisioneiras enforcadas, todos os dias, recepcionavam a chegada das várias frentes de trabalho. Então, olhar para frente era chocante.

O chão estava coberto de cinzas – cinzas humanas. Por todos os lugares, por onde andavam, por onde pisavam, cinzas, tão espessas em alguns pontos que impediam a vegetação de crescer. Então, olhar para o chão era chocante.

Fechar os olhos parecia a solução. Mas respirar o ar frio e pesado, carregado do cheiro de carne queimada, a fumaça constante, não protegia ninguém da realidade. Então, nem simplesmente fechar os olhos adiantava.

Era impossível ficar imune a tudo aquilo. As pessoas com quem você conversava num dia, desapareciam estupidamente, repentinamente ou não, dias depois. Você só as reencontraria como cinzas. As pessoas se olhavam desconfiadas. Os SS tinham atingido um cerne na questão humana: tinham conseguido influenciar o comportamento instintivo, de comunidade, natural e intrínseco dos prisioneiros, num individualismo mais básico que o individualismo animal. Cada prisioneira era um ser humano embrutecido, cujo único objetivo era sobreviver. Às vezes, nem isso mais. Algumas simplesmente desistiam, se entregavam, e morriam aos poucos. Outras enlouqueciam.

Mas Marguerite não pretendia se entregar. E tentava não enlouquecer. E para isso usou todas as técnicas que aprendera quando criança, no orfanato ou nos internatos, quando passara sozinha tantos natais e festas familiares, quando tivera que aprender a encontrar alento e consolo em si mesma enquanto os outros lhe viravam as costas ou a desprezavam. Nunca imaginou que aquilo tudo seria útil. Mas estava sendo útil ali. Ela construiu seu próprio universo interior. O esforço não fora construí-lo – sua família e sua casa do platô estavam mais que vivos dentro dela. O esforço era manter-se focada naquela visão de paraíso, mesmo quando tudo a sua volta desmoronava inexoravelmente, no campo. Mas ela aprendeu, aos poucos, a fechar-se em si mesma, e continuar sobrevivendo. E enquanto a morte reinava a seu lado, ela se esforçava por manter vida circulando em suas veias.

Notas:

(1) As histórias mencionadas nesse capítulo (tanto a do leite quanto a de Marie-Louise/Chantal) são histórias verídicas, corroboradas por diversos depoimentos de sobreviventes dos campos – apenas Marguerite não era, obviamente, uma personagem das histórias. Para referência, veja o livro "Campos de Mulheres".

(2) Ravensbrück, em alemão, significa "a ponte dos corvos" ou "a fonte dos corvos".

CONTINUA...

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