A Cripta

Parte I

Foi entre as ruínas da casa onde seus pais haviam morado em Godric's Hollow que Harry encontrou a foto que iria mudar sua vida.

Uma foto amarelada, suja e um tanto amassada, mas que mostrava claramente Lily, mãe de Harry, abraçada a Snape. Os dois pareciam muito felizes na foto, e muito íntimos.

Durante dias Harry pensou sobre a fotografia com uma persistência fanática. Por que ninguém lhe havia contado que sua mãe e Snape haviam sido amigos, ou talvez mesmo namorados? A essa pergunta seguia-se outra, que não lhe saía da cabeça: e se Snape fosse seu pai?

Isso parecia impossível, porque todos diziam que Harry era igual a James Potter. E, no entanto, quanto mais Harry soubera a respeito de James, menos ele se identificara com ele. Sempre que alguém lhe dizia que ele era "igualzinho a James", Harry olhava para o teto e pensava, "não, você não entende nada, eu não sou como ele. Ele era um garoto mimado e popular. Eu tive de passar fome e dormir num armário, e a minha fama veio de algo que eu nem me lembro de ter feito. Na verdade, nunca fui exatamente popular, apenas famoso. Tenho muito pouco a ver com James."

E se Dumbledore houvesse armado um plano para disfarçá-lo e tivesse feito algum feitiço para que Harry se parecesse com James e não com Snape? Algum glamour, ou seja lá o que fosse. Dumbledore sabia coisas que ninguém mais sabia.

Harry acabou contando de suas dúvidas a Ron e Hermione, que tentaram convencê-lo de que ele não poderia ser filho de Snape. Ron, em particular, afirmava categoricamente que Snape e Harry eram tão diferentes quando o dia e a noite.

Mas quanto mais Harry pensava naquilo, mais ele discordava de Ron. Quanto mais refletia a respeito de Snape, mais Harry via o quanto se parecia com ele.

Não fora por acaso que ele se identificara tanto com o diário do Príncipe Mestiço, como se o seu autor fosse um velho amigo. O humor do Príncipe Mestiço, as suas tiradas sarcásticas, o jeito como ele conseguia se safar dos problemas de um modo inesperado e criativo... não era assim com Harry, também?

Ele é rancoroso e vingativo. Você não é assim, dizia-lhe uma voz interior.

Ora, Harry também era capaz de guardar rancor — contra os Dursleys e os Slytherins, por exemplo. O fato de eles o atacarem injusta e violentamente não era uma boa desculpa, já que os Marotos também haviam atacado Snape de modo bastante condenável.

Quanto a não ser vingativo, Harry se lembrava muito bem de como quisera se vingar de Sirius quando lhe haviam dito que ele era o traidor, o responsável pela morte de seus pais. Lembrava-se também da fúria que sentira contra Snape depois que o vira matar Dumbledore. Se Harry tivesse habilidade mágica para tal naquele instante, teria matado Snape. Por ódio e vingança.

Quanto mais pensava, mais Harry se convencia de que era filho de Snape, o verdadeiro traidor, o assassino de Dumbledore.

s:S:s:S:s

Harry tinha pesadelos com Snape. Num deles, Snape avançava em uma carruagem puxada por doze cavalos-esqueletos. Com o cetro na mão, Snape golpeava os ossos de seus cavalos. Snape mantinha-se ereto, o manto esvoaçando atrás dele, os olhos flamejantes enquanto ele gritava em júbilo e triunfo.

Harry estava obcecado. Ia com freqüencia a Godric's Hollow, percorria as ruínas da casa de seus pais, remexia as cinzas em busca de segredos ocultos. Um dia, viu uma sombra se refletir na parede. Quando se voltou para ver quem era, não viu ninguém – apenas um pergaminho flutuando nos ares. Harry se aproximou e leu a inscrição no pergaminho: era a indicação de onde encontrar uma das Horcruxes. Harry reconheceu, de imediato, a caligrafia do Príncipe Mestiço, mas a mensagem se incendiou em poucos segundos.

A pista era verdadeira. Por meio dela, Harry encontrou a terceira Horcrux, a taça de Hufflepuff, na mansão dos Lestranges. Snape o estava ajudando, às ocultas.

s:S:s:S:s

Harry passou a ir quase todos os dias a Godric's Hollow, na esperança de encontrá-lo.

Não teve de esperar muito. O objeto de sua obsessão surgiu na sala principal, seus braços cruzados diante do peito.

— Potter.

— Snape. Finalmente.

— Não percebe que se arrisca vindo aqui todos os dias sozinho? Alguém pode lhe armar uma cilada.

Harry tirou do bolso a foto que o atormentava há várias semanas e mostrou-a a Snape. Snape estendeu a mão para agarrá-la, e Harry recuou a mão às pressas.

— Como explica isso?

Os olhos de Snape pareciam querer atravessá-lo.

— Fui amigo de sua mãe. Acha que sou indigno da amizade dela?

— Não se faça de desentendido. Sei que você é meu pai.

O rosto de Snape revelou surpresa e desconfiança. Harry não se deixou enganar ou intimidar, e sustentou o olhar fixo de Snape.

— Você está enganado — disse Snape, ainda fitando-o olhos nos olhos.

Harry deu de ombros.

— Se quer negar, eu não me importo nem um pouco. Não preciso de você.

— Escute, jovem, este local é perigoso. Se quer continuar a conversa, me dê seu braço. Vou aparatá-lo até um local mais seguro.

A curiosidade espicaçava Harry. Talvez Snape acabasse confessando. Mas ele não confiava em Snape.

— Como vou saber que não está me levando para o seu Lord das Trevas?

— Não seja tolo.

— Não confio em você.

Snape soltou um murmúrio de exasperação.

— Então vá embora daqui e não volte mais, porque, se acha que eu o levaria para o Lord das Trevas, você está correndo perigo nesse exato instante.

Talvez fosse o instinto de sempre querer contradizer Snape, ou talvez, no fundo, Harry tivesse começado a confiar nele, agora que sabia que ele era seu pai. O fato é que Harry lhe estendeu a mão, e Snape prendeu-lhe o braço ao seu.

s:S:s:S:s

Harry viu-se em um laboratório de poções dentro de uma ampla caverna. Parecia o escritório de Snape em Hogwarts transportado para dentro de uma montanha: as paredes forradas com potes contendo cobras, aranhas e escorpiões, mesas de trabalho cobertas com ervas de todos os tipos, ossos de animais e outras coisas nojentas, caldeirões espalhados por todos os lados. No lado esquerdo do laboratório, num alto poleiro, havia uma fênix.

— É Fawkes? — perguntou Harry.

Snape estreitou os olhos para ele.

— Não faça perguntas a que não posso responder.

— Você mora aqui?

— Este é só um dos meus esconderijos.

Era de arrepiar. No lado direito, havia uma cama. No mesmo canto onde estava a fênix, no lado esquerdo, havia uma escrivaninha, uma cadeira e uma poltrona. Snape chamou a cadeira de trás da escrivaninha com um "Accio" e transfigurou-a em outra poltrona.

— Sente-se — disse Snape, sentando-se na poltrona de frente para a que estava indicando.

Harry obedeceu.

— Tive de trazê-lo aqui para convencê-lo a parar de correr riscos inúteis. Godric's Hollow é um lugar vigiado.

— Por quem?

— Por mim.

— Então... eu não entendo.

— Se ele desconfiar que não estou cumprindo a determinação dele, ou seja, que não estou relatando a ele o que você anda fazendo e que, ao contrário, estamos conversando amigavelmente, creio que você pode imaginar que a minha confiança junto a ele ficará seriamente abalada.

— Certo...

— E quando ele desconfiar, enviará outro para me espionar.

— Ah. Entendo.

— Agora me diga. Que história é essa de eu ser seu pai?

— Ora, eu vi a foto, e aí comecei a pensar. Você ser meu pai explica tudo. Por que, apesar de tudo, você tenta me proteger. Por que eu não me acho nem um pouco parecido com James Potter.

Snape abriu um sorriso sarcástico.

— Acha, então, que se parece comigo?

Harry suspirou.

— Infelizmente, sim.

— A sua auto-estima deve estar mesmo muito baixa...

— Tudo bem, pode ser tão irônico quanto quiser. Mas não ouse negar.

Snape arqueou uma sobrancelha, depois assumiu um ar pensativo.

— E se eu for seu pai? O que muda em nossas relações? Você vai me respeitar?

Harry franziu o cenho.

— Está querendo me enrolar. Você vai assumir que é ou não?

— Você vai ter de me aceitar como sou. Não vou mudar só porque agora a sua visão sobre mim mudou. Está disposto a ouvir o que tenho a dizer, a me respeitar? Há muitas coisas que eu posso lhe ensinar, se você estiver realmente interessado.

A proposta era sedutora. Snape era um mago poderoso. E se ele era realmente seu pai, nada mais lógico do que querer transmitir a Harry seus conhecimentos.

— Não sei. Posso tentar.

— Vou aceitar essa sua vaga declaração, por enquanto. — Snape se levantou, foi até a escrivaninha e voltou trazendo um mapa. — Esta é a localização do meu esconderijo. Leia e memorize. Fica sob a Floresta Proibida. Você pode aparatar aqui dentro quando quiser.

— Quando quiser?

— Quando quiser. Você nunca terá certeza se irá ou não me encontrar. Se eu estiver trabalhando, vou querer que me ajude. E só venha depois da meia-noite se for assunto urgente. Afinal, apesar das lendas em contrário, eu também preciso dormir.

Harry teve de sorrir. O humor de Snape era peculiar, e Harry, pela primeira vez, notou que o apreciava, quando não estava em sua linha de fogo.

Continua...

(é uma história curta e vou atualizar rapidamente em 5 vezes)