Parte I (B)
Na tarde do dia seguinte, quando Harry aparatou na caverna de Snape, encontrou-o mexendo uma poção no caldeirão.
— Olá.
— Potter.
— Por que me chama assim?
— Como quer que eu o chame? Snape?
Harry fez uma careta. Depois deu de ombros.
— Por que não me chama de Harry?
— Você não me pretende me chamar de "pai", pretende?
— Er, não. Acho que não conseguiria.
— Ótimo. Percebe que é arriscado, nós nos acostumarmos a nos tratarmos de modo informal?
Harry deu um longo suspiro.
— Sim.
— É por isso, e só por isso, que eu vou continuar a chamá-lo de "Potter".
— Quer que eu o chame de "professor Snape"?
— Não, porque não sou mais, formalmente, seu professor.
— Então como vou chamá-lo?
— Precisa mesmo me chamar de alguma coisa?
Harry franziu o cenho, depois deu de ombros outra vez.
— Resolvida essa complicada questão, Potter, eu queria lhe pedir um favor. Vá até o armário da parede dos fundos, pegue duas asas de morcego e comece a picá-las, em pedaços bem pequenos, ali sobre o balcão.
Harry seguiu obedientemente todas as instruções de Snape.
Quando a poção ficou pronta, Snape lavou as mãos e mandou que Harry fizesse o mesmo.
— Se você concordar, eu gostaria de treiná-lo em duelos.
— Er...
— Não vai ser moleza. Você vai sofrer. Mas não tanto quanto se o Lord das Trevas o atacasse.
Harry suspirou.
— É, acho que tem razão. Acho que preciso me preparar.
— Muito bem. Venha cá. Há uma porta oculta aqui, que leva para outras partes da caverna. — Snape tocou a parede de pedra com a varinha e as pedras se deslocaram para trás. Eles entraram em um corredor escuro. — Aqui à direita é o banheiro. À esquerda, o local onde iremos treinar. Não há nada aqui, apenas pedras. — Entraram em um nicho arredondado com um diâmetro de cerca de cinco metros. — Quero que treine, antes de mais nada, magia não-verbal. Enquanto você não dominar magia não-verbal com perfeição, não treinaremos mais nada aqui.
— Certo.
s:S:s:S:s
Durante duas horas, Snape massacrou-o, atacou-o com todos os feitiços mais sórdidos que conhecia, exceto os Imperdoáveis. Pela primeira vez na vida, Harry agradeceu por ser, mais uma vez, o Menino Que Sobreviveu, e ter sobrevivido foi o bastante para contentá-lo. Snape, ao contrário, não parecia muito contente com os resultados, mas quando é que Snape parecia contente?
Quando Snape declarou o treino encerrado, deu-lhe uma toalha e disse-lhe para ir tomar um banho.
A banheira era em mármore rústico, e a água fria parecia vir do fundo da caverna, mas era cristalina. Harry a aqueceu com um feitiço aquecedor. Havia um frasco verde com uma poção sobre a pia. Snape lhe havia dito que despejasse apenas um centímetro do produto na água. Harry fez isso e entrou dentro da banheira.
Um aroma de rosas mesclado a outro que ele não conseguia identificar o envolveu. O banho foi tão relaxante que Harry quase adormeceu lá dentro. Quando saiu, vestiu um roupão branco que Snape transfigurara para ele e sentiu-se agasalhado e revigorado.
Snape o esperava com chá e bolinhos. Eles não conversaram muito durante o chá, e depois Snape o mandou se vestir para ir embora, porque Harry não deveria ficar "desaparecido" por muito tempo para não levantar suspeitas.
Harry surpreendeu-se ao perceber-se decepcionado por não poder ficar mais e depois feliz outra vez porque Snape, ao se despedir, lhe disse "até amanhã".
s:S:s:S:s
Nos dias que se seguiram, eles cumpriram mais ou menos a mesma rotina. Às vezes Harry chegava e Snape o levava direto para a sala de duelos; outras vezes, eles trabalhavam em poções por algum tempo. Curiosamente, Harry gostava quando chegava e encontrava Snape trabalhando em poções. Ter de se concentrar nos ingredientes e no preparo de uma poção era um exercício relaxante. Durante aqueles poucos minutos, Harry se esquecia dos problemas.
Já durante os treinos, Harry odiava Snape com toda a sua alma, e Snape parecia se esforçar por ser odiado. Mas quando os treinos terminavam e eles iam tomar chá, Snape se mostrava tranqüilo e até afável — em seu jeito snapiano de ser afável.
A única coisa capaz de mudar o humor de Snape nessas horas era quando Harry tentava lhe fazer perguntas pessoais. A reação era invariavelmente a mesma: Snape se fechava e respondia que não podia contar a Harry mais do que ele já sabia.
No dia em que Harry lhe perguntou sobre Dumbledore, a reação foi a pior possível.
— Escute, Potter, você estava lá. Você viu o que aconteceu.
— Mas... o que eu vi... não explica os motivos. Sei que você não está do lado de Voldemort. Você já me provou isso.
Snape estremeceu visivelmente.
— Você insiste em dizer esse nome.
— Você nunca me explicou por que eu não deveria dizer. Dumbledore disse...
— Eu sei o que Dumbledore disse. Mas é diferente. Ele é... ele era o mago mais poderoso do universo.
— Tudo bem — Harry não ia desistir tão fácil da pergunta. Estava começando a se acostumar com os truques de Snape para mudar de assunto e evitar responder a alguma questão. — Eu sei que você não matou Dumbledore por ser mau ou por ser um traidor. E também não acredito que foi só por causa do Voto Perpétuo. Eu só queria saber qual foi o motivo.
— Não posso lhe dizer isso agora.
— É porque eu não sou um Oclumente que você não pode me falar, não é?
— Vamos mudar de assunto, Potter.
s:S:s:S:s
Cerca de duas semanas depois que haviam iniciado os treinos, Harry surpreendeu Snape em meio a um duelo defendendo-se com um Feitiço Detonante não-verbal que lançou Snape contra as pedras. Snape caiu ao chão, desacordado.
Harry correu para ele e se ajoelhou diante dele. O sangue escorria da cabeça de Snape, empapando-lhe os cabelos. Harry não sabia o que fazer.
— Episkey — murmurou, encostando a varinha na cabeça de Snape.
O sangue parou de correr, mas Snape não voltou a si.
— Fale comigo, por favor — pediu Harry.
Finalmente, Snape abriu os olhos.
— Ah... Você me pegou desprevenido.
— Tem alguma coisa que eu possa fazer por você? Alguma poção?
— Não consigo mover minha mão. Aponte sua varinha para a minha cabeça e entoe o feitiço curativo junto comigo.
Harry tocou-lhe a cabeça com a ponta da varinha e esforçou-se por imitar o canto de Snape. No princípio, teve certeza de que estava tudo errado. Mas aos poucos sentiu sua mão vibrar, e a magia fluir dela para Snape. O feitiço que entoava também vibrava em seu corpo, fazendo-o sentir-se leve.
A expressão de Snape tranqüilizou-se. Snape ergueu a mão e segurou-lhe o braço.
— Pode parar. — Snape sentou-se no chão. — Você vai ser um bom curandeiro, Harry.
Era a primeira vez que Snape o chamava de Harry, e a primeira vez que o cumprimentava de algum modo. Harry ficou orgulhoso e feliz.
Snape se levantou.
— Por hoje chega.
— Foi horrível. Não sei se quero voltar a duelar com você.
Snape fitou-o com surpresa.
— Não seja tolo. Se eu tivesse corrido um risco real de vida... a fênix teria vindo me ajudar. Mas num ponto você tem razão: agora você passou para um outro estágio; você já é um oponente perigoso. Vamos interromper as aulas de duelo por algum tempo e eu vou lhe ensinar feitiços curativos.
s:S:s:S:s
Harry pensara que eles iriam usar animais para as aulas de feitiços curativos, mas Snape infligia pequenos ferimentos em si próprio. Esses feitiços exigiam uma concentração mental bastante elevada, e quando eles os entoavam juntos, formava-se um vínculo entre eles. Harry se sentia muito próximo a Snape naqueles momentos.
— Foi Dumbledore quem lhe ensinou todos esses feitiços? — perguntou Harry, em uma pausa para descanso.
Snape fez que sim com a cabeça.
— Vocês devem ter sido muito próximos. Como mestre e discípulo.
Seus olhos se encontraram, e Harry sentiu um profundo afeto por Snape. Era natural, não era? Afinal, ele era seu pai. E seu mestre.
s:S:s:S:s
Certa noite, Harry acordou na cama de Snape. Tentou se lembrar de como fora parar lá. Lembrou-se de sentir uma profunda tranqüilidade ao final da aula de feitiços curativos. Provavelmente havia adormecido. Ergueu a cabeça, acendeu a ponta de sua varinha e viu que Snape estava dormindo numa cama do outro lado da caverna.
Harry sorriu e aconchegou-se de novo embaixo das cobertas.
Continua...
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