Epílogo

Abrindo seus olhos ele recitava suas preces em uma língua morta para a pessoa que estava diante dele no confessionário. Tinha total noção de suas palavras, tampouco que elas não sairiam dali de dentro, era uma confissão pessoal entre ele e o padre, algo inviolável.

-... e foi isso o que aconteceu, padre.Essa é toda a história que eu tenho para te contar.

- Meu filho, você tem se confessado comigo durante muito tempo, contanto de suas tentações, dos problemas que tem passado...

- Eu sei... mas não dizem que a melhor forma de resistir a uma tentação, é cedendo a ela?

- Não diga uma blasfêmia! - o padre aumenta levemente o tom de voz, de forma que algumas pessoas olham na direção do confessionário - Duo, por Deus! Você tem noção de seus atos?

- Sim - mesmo através da divisória na qual o rosto do outro era impedido de ser visto com precisão, o padre conseguia vê-lo, a forma como unia suas mãos e abaixava sua cabeça - eu tenho total noção deles, padre. O senhor conheceu o padre Maxwell, é claro que eu tenho noção do resultado dos meus atos.

- Filho... nem só de pão viverá o homem...

-... mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor, eu sei. Eu sei padre, eu sei.

- E então? O que tem a me dizer depois de tudo isso?

- O que eu tenho a dizer? Sinceramente não sei... mas o senhor tem me ouvido por tantas e tantas vezes, achei justo que o senhor soubesse o que aconteceu.

- Não é a mim que você deve prestar contas, sabe muito bem disso.

- Eu sei - e ergue a cabeça - mas a Ele, eu tenho prestado satisfação de meus atos todos os dias, um de cada vez.

Um breve momento de silêncio parte de ambos, até que a porta do confessionário se abre e o padre sai dali de dentro, sentando-se no primeiro banco que encontra. Logo em seguida Duo também sai de dentro do confessionário, sentando-se ao seu lado.

- E o que ele te diz? - perguntava o padre, olhando para o homem diante dele com a expressão mais normal que tinha, mas, que na verdade, era digna de pena, como a de alguém tentando entender - mas não conseguindo - o que se passava pelo fundo da alma de uma pessoa, daquela pessoa em especial.

- O senhor me pergunta isso, padre? Devia saber que não estou entre os preferidos Dele há um bom tempo. Falo com ele, mas não obtenho resposta.

- Talvez não seja ele que não fale com você, e sim você que não o ouve.

- E o que faço para voltar a ouvi-lo, padre? - ele junta as pernas, une os braços e abaixa a cabeça.

- Arrependa-se, meu filho. É só isso o que ele quer de você.

- Receio que isso não seja possível, padre. Não consigo me arrepender dos meus atos, nem um pouco.

- Duo, você tem noção do que está...

- Sim, eu tenho noção, claro que tenho. Mas eu não vim até aqui para me arrepender padre... vim até aqui para confessar meus pecados, tendo Ele Próprio com testemunha.

- Você sabe muito bem que não posso lhe dar sua penitência se você não quiser isso, não pedir perdão pelos seus atos, não se arrepender. Eu sei muito bem que nossas crenças vem sendo combatidas e questionadas desde tempos imemoriais, mas... não posso compactuar com isso. Você sabe muito bem que...

- Sim, eu sei - ele se levanta, olhando firmemente para o padre, tocando em seu ombro - claro que eu sei. Como disse, vim aqui para me confessar. Não vim até aqui para questionar nossas crenças, padre. Tampouco iniciar uma cruzada contra a Igreja e suas "regras ultrapassadas", em momento algum eu tinha isso em mente - Duo coloca a mão em seu pescoço, dobrando-o levemente, estalando-o depois de passar muito tempo em uma mesma posição - Conheço as regras, e sei que não posso continuar assim... pelo menos, não em sua casa agindo de tal forma. Não sou tão egoísta a ponto de querer que as regras se adaptem por causa de um desejo egoísta meu de me entregar a um amor proibido e pecaminoso. Também não estou irritado ou desgostoso com vocês, nem com Ele, nunca poderia estar. Sei o motivo para desaprovarem meus atos e concordo com eles, é algo do qual eu tenho noção desde que era um menininho. Ele sempre cuidou de mim, me ajudou sempre que eu precisava... que tipo de filho eu seria se não tivesse um mínimo de respeito pelas regras que ele impôs para aqueles que escolhem servI-lo?

- E mesmo assim, pretende continuar com isso? Pretende continuar maculando o templo do espírito santo? - Duo olha sorrateiramente para o lado, como se observasse a igreja ao redor, a estrutura local, os desenhos e pinturas que eram imitações de igrejas antigas na Terra, como uma tentativa de manter a cultura local mesmo em um lugar tão distante, levando-se em conta o padrão Europeu. - Duo?

- Mesmo que Ele nunca mais me responda - ele aproxima sua face do padre, falando em um tom quase tão baixo quanto um sussurrando - ainda assim continuarei levando a vida que escolhi, tampouco deixarei de acreditar naquilo que sempre acreditei. Afinal, mesmo desvirtuado do Seu caminho, não deixo de acreditar nEle e em Sua existência.

- Você sabe o que vai acontecer com você, meu filho! - o padre se ergue, aumentando o tom de voz e ao mesmo tempo fazendo um esforço enorme para não gritar.

- Sim, eu sei, mas... quando a minha hora chegar, aceitarei o julgamento de Deus e, até lá... irei encarar, enfrentar e aceitar as conseqüências dos meus atos.

- Eu não posso dizer que ele vai te olhar com bons olhos - ele coloca a mão no ombro de Duo - por que eu sou meramente um homem, falho, suscetível a uma opinião falha, mas... eu espero que Ele vele por você.

- Acredito que ele estará comigo, padre. Não deve estar aprovando meus atos, mas vai estar velando por mim, afinal de contas, não foi por isso que ele sacrificou seu filho, para salvar a todos nós, pobres pecadores?

- Para remir nossos pecados e salvar os perdidos - e toca em sua face - ainda que tu andes pelo vale da sombra da morte, não temas mal algum, pois Ele está contigo.

- Mesmo sendo eu o que sou, me afastado da presença Dele?

- Quem sabe? - ele aponta para o peito de Duo - o Pai é amor, acima de todas as coisas. Ele nos deu seu filho, sua fé, o espírito santo e nós, os homens, criamos a religião. Siga o caminho que ele preparou para você e, como você mesmo disse, no dia em que a tua hora chegar, aceita o julgamento dEle de bom grado.

- É o que farei, padre. - e se afasta, dando-lhe as costas - fica com Deus, padre.

- Eu espero que ele realmente esteja contigo, Duo. Que ele te guie e te proteja - e fecha as mãos, ajoelhando-se no banco pedindo pela alma daquele filho perdido.

Não havia um sentimento de satisfação quando ele sai da igreja em direção ao espaço-porto. Tampouco de raiva, ira, desilusão. Não tinha ido até ali para provar nada, ofender ninguém tampouco descarregar frustrações, longe disso, fora para fazer uma confissão.

Na verdade havia algo que realmente sentia, mas era algo pessoal. Intimo demais para ser compartilhado. Era algo que só ele e uma pessoa compreenderiam, dada sua atual situação.

E mais ninguém.

Sabia muito bem o que faria assim que saísse dali, o mesmo que estava fazendo desde que tomou sua decisão: seguiria em frente, admitindo seus atos e encarando o fato de que não era um ser melhor, tampouco perfeito e, justamente por isso, estava em eterno amadurecimento. E, embora soubesse até o fim de sua alma que seus atos estavam indo contra os ensinamentos da casa do Criador e mais do que isso, contra Ele, ainda assim não deixaria de acreditar em seu amor e seu poder. Por que essa era uma das coisas mais belas que teve a chance de aprender naquele lugar, a de que existia alguém que o amaria acima de todas as coisas – e incondicionalmente – independente de seus pecados, falhas, delitos, erros e transgressões, mostrando a ele que, justamente pelo fato de ser uma pessoa falha que pode – com freqüência – se degenerar, sempre mostrar o caminho – e a opção de segui-lo ou não – para ele se tornar, na medida do possível, uma pessoa melhor.

E era por isso que a vida era bela, por que era a que ele resolveu seguir.

Fim.

E chego ao fim desse fanfic. Desculpem pela demora, procurei não me desvirtuar do motivo original dele, do enredo. Quis enfocar um aspecto do Duo que dificilmente encontro em fanfics de Gundam Wing por ai, o de ele ser Cristão. Claro, já vi - raramente - em alguns trabalhos, como as explicações das facetas dele - como a que se arrepende por matar, que é pecado - então resolvi colocar em discussão um dilema que, apesar de muitos dizerem ser super comum e atual, é mais antigo do que imaginamos.

Minha maior preocupação foi a de não tomar lados, tampouco erguer bandeiras. Desafio foi tomar o devido cuidado para não ofender nenhum dos lados - Igreja/Homossexualismo - e ao mesmo tempo não desvirtuar o ponto de vista de qualquer um, evitando fazer com que um pareça errado em relação a outro.

Sinceramente, cada um tem seu ponto de vista, seus motivos, e essa era a idéia do fanfic, a de tentar abordar o assunto de uma forma sem que pareça que há um "vilão" que não quer que as pessoas sejam felizes, algo que acontece com certa freqüência nas discussões que já vi. Independente da opinião de cada um, cada lado tem seu ponto de vista e seus motivos para sua postura.

Espero que tenham gostado e, novamente, em nenhum momento o fanfic teve o objetivo de ofender ninguém. Se isso deu a entender em algum momento, minhas desculpas. É um fanfic, feito para diverti-los, nada mais, da mesma forma que tantos outros fanfics yaoi/slash espalhados por ai não são campanhas em prol dos direitos, ou da mesma forma que fics de comédia não são uma tentativa de deixar as pessoas furiosas e agressivas – bom, nem todos – ou textos de terror/suspense/mistério não tem o objetivo de transmitir ensinamentos obscuros e/ou afetar a mente de ninguém, apenas foram feitos para a diversão de quem escreve e quem lê – pensando bem...

Espero que, pelo menos, tenha lhes proporcionado bons momentos de leitura, proporcionais aos que eu tive ao escrever o texto.

Lexas

09/02/2006