E assim a história recomeça, e quando Hisashi imagina que ela esteja começando de fato, na verdade ela está preste a encontrar seu fim. Saiyame sabe disso, mas como ninguém nunca o escutou, ele continua a contá-la, sem esperar que isso aconteça. Quer simplesmente colocar isso para fora em forma de palavras, para poder esquece-la e ele também tentar encontrar seu fim.
Ele, o Mestre, passou da ira à preguiça, poupando-se soberbamente para saciar sua gula, sem esperar invejar a nenhum outro por tomar o que a sua luxúria forçava que se tornasse avarento. E assim ele pecava contra tudo e todos, sete vezes. Mas sempre de uma maneira fria e calculada. Ele era uma pessoa que sabia esperar. Ele sabia que esperar era a melhor coisa, e o tempo somente trabalharia a seu favor, como vinha sendo há todos estes anos. Não que ele houvesse desistido de perseguir Cerberus, disto ele jamais desistiria, ele mesmo lhe disse, pois era o seu grande fetiche, o seu ódio e o seu desejo. Seu amor pertencia a Yue, ele nunca o disse, mas traía isso no carinho com que se referia ao servo mais jovem, ele era o seu amor, e também era seu desejo.
E justamente, Lead não precisou esperar tanto pelo que queria. Meses, talvez anos, Cerberus nunca saberia explicar, porque dentro do palacete – Que ele escutava Chen Li chamar de solar, agora que ela era amante de Lead, e por isso sua visita na casa era freqüente, embora os servos não tivessem permissão de vê-la de perto – o tempo corria livremente, sem a interferência de nenhuma data, nenhuma comemoração, e o que ele poderia fazer para saber isso era olhar pelas vidraças e ver as roseiras e árvores floridas ou desfolhadas.
Quando as folhas estavam ainda verdes, mas já tomando uma tonalidade quente e amarelada, sem ainda terem caído sobre a grama do jardim, Cerberus olhou mais uma vez, quando parou no corredor para amarrar o laço de suas meias, que as prendiam debaixo do sarongue, firmando-as logo abaixo dos joelhos. Era madrugada ainda, e junto com as criadas mais velhas, era sempre o primeiro a se levantar. Yue ainda poderia dormir mais, e ele sempre dormia muito, quando não estava se queixando de fome, talvez porque estivesse crescendo rápido demais, já podia vestir algumas das roupas antigas de Cerberus, levando em conta a altura, e tinha somente então o que eram os onze, no mais doze anos de uma criança humana, e assim se portava. Ele andava atrás de Cerberus, chamando-o, e vivia ameaçando de contar alguma coisa para o Mestre, tinha ciúmes de Chen Li e deixou-se abrandar quando ela lhe trouxe doces. Por ele, Cerberus não podia nem tentar se divertir, mesmo que essa diversão fosse brincar com um velho pião encontrado no porão – Que talvez já tivesse pertencido a ele quando antes de se tornar um servo – quando eram crianças. E agora que já estava maior, ele nem podia tentar falar com as criadas algo mais que as ordens, que Yue sempre estava por perto. E até nessa mesma manhã escura Yue veio correndo pelo corredor na sua direção. Estava chorando e arrastava o lençol consigo, e Cerberus perguntou se havia tido um pesadelo. Ele achou que o Mestre houvesse ido ao quarto, mas Yue negou com um gesto de cabeça, enquanto puxava Cerberus pelas mangas, quando se encolhia no chão, sentando. Perguntou se estava ferido, se estava se sentindo mal... Mas a maneira como Yue veio trazendo a coberta pelo corredor, ainda vestido com a roupa de dormir e o cabelo solto (tão longo agora que ia além de sua cintura quando estava assim, inteiramente liso e de um branco resplandecente), e não queria dizer o que estava acontecendo o fizeram lembrar de si mesmo, e ele teve medo. Puramente isso. Se o Mestre soubesse, e saberia de qualquer jeito, perseguiria Yue pela casa com o mesmo ardor com que sempre perseguira Cerberus, talvez mais, talvez nem precisasse de tanto. Yue o amava, seu medo não resistia muito perto do Mestre. Ajoelhou ao seu lado e puxou o lençol de sua mão, olhando para os pés descalços de Yue contra o chão escuro e frio de madeira corrida. Ele soltou o tecido e Cerberus não precisou procurar muito para achar a mancha pequena e ainda úmida de sêmem no lençol, e viu que o camisolão branco de dormir de Yue também estava manchado e úmido.
Ele não soube o que dizer, e silenciou. Pegou-o pela mão e o levou de volta para o quarto. Não tinha dúvida que era a primeira vez que isso acontecia, estava perturbado, visto o tempo passar rápido e trabalhar a favor de Lead, e a promessa que fizera ainda de pé, se bem conhecia seu temperamento. Deixou Yue sentado na beirada da cama, soluçando ainda, sem dizer nada, e ele trocou os lençóis e cobertas da cama do servo mais jovem. Mudou até as fronhas, e meteu os outros lençóis dentro da fronha usada, como se fosse um saco. Depois levou Yue para a sala de banho e mandou ele se lavar. Vestiu-o em roupas limpas e pegando os lençóis e o camisolão, queimou-os na lareira da biblioteca, que ficava acesa para aquecer os quartos naquela época, e pela primeira vez disse que evitasse estar sozinho com Lead. Como não conhecesse outro modo de dizer isso, usou as palavras mais duras, sem poder ceder ao fato de que o outro servo era incondicionalmente apaixonado por aquele que o criou ou sem querer ceder a uma índole que não era a sua. Ele nunca teve meias palavras ou tentou fazer as coisas melhores do que eram de fato. Disse-lhe que ia mudar, e o bastante para Lead notar e querer dele que queria de Cerberus, sua voz mudaria e seu corpo também. Ele piscou várias vezes, perplexo. Guardaram entre si um longo silêncio, sabia que ele mesmo havia mudado muito quando chegara a esta época, sua voz era talvez forte demais, rouca demais, e ganhara mais altura do que devia para a idade, dizia o Mestre. Ademais, mandou Yue chamá-lo se Lead fizesse algo que ele não quisesse.
Aquela manhã ficou sendo um segredo entre eles, porém não havia a ilusão de enganar alguém. Yue foi receber o beijo do mestre em sua testa e alegrou-se com isso como em qualquer outro momento. Às vezes o Mestre o beijava levemente sobre os lábios, apenas um toque, mas ele não era mais tão do modo de antes: Chen Li o deixava bastante ocupado, e ela proibira as festas e orgias enquanto Lead fosse seu amante. Era uma mulher ardente e lindíssima, mestiça, dizia o Mestre, porém, lindíssima. Depois que se tornara amante dele, quase todas as noites ela estava lá, dispensou o comerciante em definitivo. Os servos a viam de longe, faziam uma respeitosa reverência quando a encontravam à mesa do café com o Mestre, e ela lhes sorria mais com os penetrantes olhos negros do que com os lábios pintados de carmim. Seu cabelo era escuro e castanho, quase preto e muito liso e fino, abundante, ela o prendia num caprichoso coque atado com um broche com arranjo de flor amarela. Apesar de mestiça, Chen vestia os sarongues estreitos e longos de cetim estampado, que marcavam seu corpo fino. Diziam as criadas que ela era estéril, seca por dentro, e isso causou a ira de seu primeiro marido, por isso ele a traiu. Se fosse, nunca se soube, ou se era obra da magia negra que ela praticava, e enquanto dormia com ela, Lead ocupava suas outras horas entre as visitas de um ferreiro a quem dizia estar encomendando grades, mas na verdade encomendou uma espada. Outro que o visitou naqueles meses foi o marcheteiro, um europeu profundamente cristão e temente ao Deus dos jesuítas, que aceitou certa encomenda de uma prancha de madeira de ébano incrustada de marchetas de pau-marfim e madrepérola. Ele não soube para o que era e nem o souberam os servos, embora Lead trabalhasse conjurações sobre ela, e nem qual era a finalidade da espada, até que fosse tarde demais, e ele houvesse até feito sangrar o pescoço de uma serpente de muito veneno para temperar o aço. Ele mesmo adornou o cabo com faixas de seda e fitas, e quando terminou de preparar a tábua (quadrada e quase do tamanho de um tabuleiro de xadrez, nela figuravam símbolos mágicos que os servos conheciam muito bem dos rituais, e que o artesão jamais poderia imaginar o significado) e temperar o aço durante sete luas cheias seguidas com sangue de cobra, veneno de escorpião e por último o sangue de uma virgem, ele mandou que Cerberus encerrasse estas coisas numa caixa forrada de seda e lacrasse com cera.
Ele obedeceu seguindo a recomendação de não tocar a lâmina, pois ali residia um poder capaz de destruí-lo, e quando entregou a caixa devidamente fechada para Lead, ele mandou que se sentasse numa das cadeiras que ficavam encostadas na parede, e chamou por Yue, ele veio correndo pela sala de leitura, e o Mestre mandou que ficasse ao lado de Cerberus. Então ele disse, sem sorrir, sem gracejar, disse com gravidade:
"Eu abandonarei Chen Li ao anoitecer, e para isso faltam poucas horas." – Ele apontou para o relógio da parede, cujo adágio ressoava mais ou menos ruidoso na tranqüilidade daquela sala. – "Ela não vai gostar disso, é claro. Mas saibam que não fiz isso sem saber o que acontecerá a seguir. Ela espera um filho meu, e esta casa pertencerá a ele e a sua descendência. Meu poder será seu poder e as cartas também. No entanto, esta mulher pode matar com uma palavra. Se ela erguer seu poder contra mim, você deverá matá-la, Cerberus."
Ele fez que sim. Depois do homem na biblioteca, além de guardião, o Mestre o havia usado para acabar com quase todos seus inimigos. Muitas vezes ele havia sujado as mãos em nome de Lead, esta seria apenas mais uma. Yue pareceu um pouco alarmado com isso, mas continuou imóvel, sua natureza o forçava a ter esta frieza, em dados momentos.
"Este será o meu presente para este filho. A Mandala terá poder, as conjurações, se meus descendentes desejarem tornar o que possuírem mais sensível a presenças como as de seres que não pertencem a este mundo e às cartas, devem ser feitas sobre ela. A espada teve seu aço envenenado por mim, e tem poder para estraçalhar a alma de seres como vocês."
Cerberus não questionou nada, e nem saber que o Mestre construíra uma arma capaz de destruir seus servos, conseguiu fazer seu coração bater mais rápido ou abalar sua frieza.
"E se tiver de matá-la, faça-o lentamente."
Ele permaneceu imóvel e impassível, era daquele modo que Lead fazia questão que Cerberus matasse seus desafetos. Aquela tarefa nunca o agradou, mas ele era um servo, e a lealdade entranhada em sua carne era mais forte. Esperam os três pela vinda de Chen Li, e quando ela veio, já era mais noite do que dia. Lead a recebeu beijando sua mão e a fez se sentar na cadeira do outro lado da escrivaninha onde estava. Quase secamente, ele disse que ela não deveria mais voltar ao palacete, e que aquele romance estava acabado. Ela recebeu estas palavras como quem recebe um tapa, mas ela não era uma mulher de chorar por uma perda: ela se vingava e silenciou. Ele não se abalou pelo faiscar no fundo daqueles olhos negros – Não por temer, mas por saber poder contar com a força de Cerberus, que morreria se preciso fosse para defendê-lo – e continuou:
"Você leva um filho meu no seu ventre. Não dê o meu nome a ele."
Ela então se descontrolou e se levantou, gritou que aquilo não era possível, que em seu útero nenhuma semente poderia vingar. Ele apenas sorriu e disse que também não sabia como aquilo havia acontecido, mas que era fato, que até que ela recebesse a notícia da morte do pai de seu filho, não deveria voltar ao palacete. Chen Li cuspiu em seu rosto. Ela era orgulhosa e não olhou para trás quando saiu de queixo erguido da casa, ainda Lead a chamando de volta – talvez arrependido do que havia feito, talvez querendo dizer mais alguma coisa. O Mestre não lhe entregou a caixa, deste modo, naquela mesma noite mandou que ela fosse guardada na sala onde fazia os experimentos de alquimia, sobre o altar dedicado aos deuses ancestrais. Dalí em diante todos foram proibidos de entrar lá, e ele mesmo não tornou a fazê-lo.
Naquela noite as coisas voltaram a ser mais ou menos como eram antes de Chen Li.
Nunca seriam as mesmas, porque naquela noite o Mestre não chamou Yue para atravessar-se em seu colo para ouvir histórias. Ele chamou Yue e disse para que não usasse mais a trança, que seu cabelo era mais bonito solto. Yue corou e sorriu, e Cerberus acenou que sim. O Mestre mandou que ele se aproximasse e disse:
"Por que não tenta disfarçar o ódio que sente por mim em desejo, sua aberração?" – Sorriu, erguendo a mão do apoio da cadeira para tocar o rosto de Cerberus, que o virou para outro lado, enojado. – "Por que não tenta gostar um mínimo de mim assim como Yue?" – E passou o braço em torno da cintura dele, enquanto Cerberus se afastava um passo daquela cena. Yue talvez mal se lembrasse das coisas que viu, o amor que sentia pelo Mestre transparecia em seu olhar brilhante e Lead sabia disso, cultivava esse afeto e talvez a seu modo também o amasse, mas sua índole era o veneno que amargava essa doçura. Ele não disfarçou o modo que correu as mãos pelo corpo de Yue, por cima da roupa, deliciado com aquele corpo que desabrochava como e até com o perfume de um jasmim. – "Meu erro foi deixar que o seu temperamento fosse tão selvagem. Vá para a cama, Yue. Você fica, Cerberus."
"Pois não?" – Perguntou, quando estavam agora somente os dois na biblioteca, já se passaram alguns tempos desde que Chen Li se fora, tanto tempo que agora Cerberus podia perceber que Yue não era mais um menino, e sim um adolescente e que embora mais jovem, estava quase da sua altura.
"Não se faça de idiota." – O tom do Mestre mudou imediatamente em que se viram a sós. – "A sua lealdade me enoja, a sua frieza é uma ofensa pior do que o seu atrevimento de se colocar entre mim e Yue. Saiba que eu sou o senhor desta casa e sou o senhor da sua vida, aberração. Yue também me pertence, e faço dele o que bem entendo. Posso não ter feito o que queria com você, Cerberus, mas a minha vingança é doce, por que eu a cultivei como quem cultiva uma bela rosa..."
"..."
"... Eu cultivei esta rosa por longos oito anos e eu a chamo de Yue. O espinho eu aturo há onze e tem o nome de uma besta, porque é isso que você é." – Lead levantou-se num salto e deu um tapa violento no rosto de Cerberus. Não era o primeiro e nem doía mais do que os outros. Ele voltou o rosto avermelhado, impassível, os lábios estourados e já um tanto inchados, sangue escorrendo por seu queixo. – "Nem a dor o atinge... Nem o prazer. Você é menos humano do que qualquer coisa que eu sonhei em criar. Mas você ama... Você ama o seu irmãozinho e cuida dele, protege-o de mim. Mas até quando?"
Voltando a se sentar, ele respirou fundo e sorriu, mandando Cerberus sair da sua frente.
O servo fazia o seu melhor, tentava proteger Yue, estar por perto, e sempre conseguia, e cada vez mais o Mestre o odiava por isso. Cerberus secretamente esperava pela morte dele para se ver livre daquele homem e quem sabe poder ter a liberdade que nunca experimentara. Lead era um homem maduro, mas um homem perfeitamente vivaz e saudável, então como vê-lo morto se não o matando? Não hesitaria em fazer isso. Ele pensava sobre isso tudo e esfregava o chão, o cabelo atado na trança e as mangas do sarongue enroladas nos braços. Não sabia o que estava acontecendo aquele dia, que nenhum dos criados estava na casa e ele mesmo não chegara a ouvir que o Mestre lhes havia dispensado alguma folga ou até definitivamente. O almoço estava pronto, ele o fizera, e agora, na metade da manhã, limpava o resto da casa. Nem o Mestre ele havia visto ainda, e isso lhe causava algo como um mau pressentimento. O mau pressentimento foi esquecido por um instante quando Yue entrou correndo pela sala, rindo e chamando-o. Cerberus disse que estava ocupado e o outro servo sentou-se no chão da antecâmara da sala, perguntando onde os criados estavam, onde o Mestre estava. Mal terminou de perguntar isso e ele entrou, sorrindo, fazendo um agrado sobre a cabeça de Yue e mandando-o se levantar para não sujar o sarongue. Antes de levantar, ele ainda ajeitou o laço da faixa que prendia as meias. Lead olhou e voltou um olhar estranho na direção de Cerberus, e depois de um momento de silêncio, disse-lhe que limpasse o chão da outra parte da sala, aquela, disse, onde guardava as partituras de cravo e os livros comuns.
"Mas eu já limpei essa alcova ontem. E também troquei a água dos vasos." – Disse, ao acaso, levantando e trazendo o balde numa das mãos, e somente dizer isso já foi suficiente para receber um olhar fulminante de Lead.
"Limpe de novo. Gosto de ver você esfregar o chão. E tire seus sapatos."
Ele estava habituado a este tipo de coisa, mas era a primeira vez que lhe mandavam tirar os sapatos. Não atentou a que motivo se devia aquilo, mas não questionou, o Mestre não parecia muito paciente hoje, e seus lábios finalmente inteiravam mais de uma semana sem machucados ou inchaços dos tapas que levava sobre o rosto. A alcova ficava quase sempre fechada por cortinas, não era muito usada e se ligava à sala onde Yue estava por arcos altos e que vinham desde o alto do teto, saindo das fundações em colunas retas e lisas. Dalí, pensou enquanto atava as cortinas nos ganchos dos cantos, para iluminar aquele cômodo, poderia prestar atenção no que estava acontecendo. Disse a Yue que ele ficasse ali mesmo, dizendo que queria repassar-lhe a lição de latim. Ele obedeceu e o Mestre disse a Cerberus que começasse a limpar o chão esfregando desde o meio até a porta, e que o fizesse com capricho.
Cerberus olhou-o com redobrada desconfiança, vendo como ele era gentil ao falar com Yue e logo depois sair. Se ao menos as criadas estivessem por perto... Yue ficou no meio da sala, passando a ponta dos sapatos de verniz e fivela nas divisões da pedra que aparecia onde o tapete não conseguia cobrir. Puxava o sarongue para olhar para o chão, nessa brincadeira e quando Cerberus deu o primeiro passo para dentro da alcova, sentiu-se esmagado contra o chão por uma força que não era humana. Tentou gritar por Yue para manda-lo fugir, mas era tarde demais, foi algo como se houvesse sido jogado no chão, caindo de joelhos, a água do balde se espalhando e todos seus maus pressentimentos se tornando o mais real dos pesadelos. E Yue? Yue viu sua queda, o som do engasgo que vinha de sua garganta, e Cerberus fazia tanta força para o som sair dela que a sentia rasgando, amarga, e correu para o corredor, chamando o Mestre. Cerberus queria falar, mandar que ele não fizesse isso, mas Yue era somente um garoto, tinha a idade e o temperamento de um menino humano de treze anos, e desde que dera o primeiro passo para dentro da alcova, estava preso dentro de um círculo de conjuração que pelos símbolos pintados no chão, poderia deter até a saída de um demônio, que o diria a ele mesmo, pego de surpresa. Conhecia aquele círculo mágico no chão, agora via desenhos sobre o chão de pedra que não estavam lá no dia anterior, por isso o Mestre mandara que tirasse os sapatos. Sentiu uma vontade tão grande de gritar quando ouviu o riso leve o Mestre entrando pela sala ao lado de um assustado Yue que suspendia a beirada do sarongue para correr mais rápido, que sua boca encheu-se do gosto de seu próprio sangue, sua garganta estava se arrebentando tanta era a força que tentava fazer.
Lead, Cerberus viu, enquanto fazia força para se erguer, como se houvesse um peso enorme sobre ele, uma mão imensa e invisível, entrava tranqüilamente, trazido pela mão pelo servo, acenando uma negativa quase imperceptível como a dizer um orgulhoso:
"...Eu venci." – Para o guardião que estava no chão, aprisionado à conjuração escrita em latim nos cinco cantos da estrela desenhada no meio do círculo. Ele arranhava o chão, agonizava, sufocado, sentindo toda a dor de ter sua pele rasgada, sua carne partida se fizesse menção de sair. Era uma dor real em ferimentos que não estavam lá, mas que poderiam mata-lo.
Yue pediu que o Mestre cuidasse de Cerberus, ele não via as linhas no chão, ou talvez tenha visto, quando viu a agonia dele ao tentar falar e não emitir nenhum som. Yue olhou para o Mestre, perplexo, ia falar alguma coisa, um afago em seu cabelo solto o silenciou, e não sorriu para Lead. Havia naquele sorriso exatamente o que tantas vezes Cerberus vira. Ele segurou seu rosto fino entre as mãos e beijou sua testa, mas enquanto seus lábios o tocavam, suas mãos o envolveram e Cerberus achou que fosse enlouquecer ao ouvir o grito desesperado de Yue o chamando.
"Cerberus!"
"Ele pode ouvir, ele pode, mas tudo o que ele tem agora é o silêncio." – Lead segurou firme seus pulsos finos e sacudiu, falando com a dureza que nunca tinha tido antes para com ele, impedindo que recuasse ou corresse. – "Não adianta gritar. Grite. Grite bem alto. Ninguém vai ouvir, e quem ouve não pode fazer nada."
"Cerberus! Irmão!" – Yue sabia o que estava acontecendo, talvez se lembrasse agora do olhar de Lead quando entrou no quarto deles, e o chamava, estava contando com ele para defende-lo, como havia sido sempre todos esses anos, e Cerberus falhava, ele mesmo o sentia, quando conseguiu erguer seu rosto do chão, arranhando de tal forma a pedra que ela se esfacelava em grãos e lascas.
Lead, o Mestre, o Senhor... Tudo o que ele era agora estava esquecido e ele era apenas um ser egoísta e brutal, que derrubou Yue no chão com um tapa, soltando seus pulsos para que ele caísse sobre o tapete que estava embolado com a luta. Yue era apenas um menino, não teria força de resistir e estava tão apavorado que não ia conseguir fazer nada. Ele nunca fora como Cerberus, que chutava, mordia e ameaçava o Mestre com seu rosnado, sua frieza, e deste modo conseguira escapar. Seu irmãozinho... Cerberus pensou na camisolinha de cambraia que tocara antes de Yue chegar. Tão pequena... Yue parecia tão pequeno debaixo do desejo e da violência do Mestre...
"Olhe bem para isso, Cerberus. O que você não quis que fosse meu, eu conquistarei a força de outra pessoa."
Cerberus mais do que nunca e sempre depois disso, odiou seu Mestre. Rilhou os dentes de raiva, a perfeita ira, os olhos ardendo, a pele ardendo, pois ele tentava rastejar para fora do círculo, e não conseguia.
Lead ajoelhou-se no chão e deu mais um tapa no rosto de Yue, que se aquietou, aterrado. O Mestre nunca havia levantado a mão para ele. Ele segurou firme seus ombros e forçou que ficasse no chão, a despeito de que o servo se debatesse e continuasse gritando, tentasse em vão lutar e empurra-lo. Lead apenas ria, deliciado, dizendo-lhe que gritasse mais alto, para Cerberus escuta-lo melhor. Ajoelhou-se sobre o corpo dele, usando seu peso para conte-lo, e rasgou suas roupas, abrindo de uma vez o sarongue, botões se soltando e tecido se partindo num rasgo ruidoso. Yue então começou a chorar, não era mais um adolescente ou um dos guardiões de Lead. Era somente um menino apavorado, debaixo daquele monstro. Agora a aberração era o Mestre, enlouquecido, rejubilando-se em causar-lhe medo e lágrimas. Abriu aos rasgos e aos risos suas roupas, afastou seus joelhos e não deixou de sorrir nem por um instante a Cerberus, quando penetrou Yue.
"Cerberus!..." – Yue o chamava. Se havia algum deus em alguma parte que pudesse olhar por criaturas como eles, que afinal eram apenas crianças nas mãos daquele louco, que olhasse por eles agora. Que lhes tivesse piedade.
A cada investida do corpo de Lead contra o de Yue, pequeno, fino e indefeso debaixo do dele, ele se sacudia e gritava, chorando como uma criança, gritava como quando tinhas seus pesadelos quando criança, mas desta vez Cerberus não podia fazer nada, e ele queria fazer muito. O que ele não teria dado naquele momento para matar seu Mestre? Faze-lo parar, mas tudo o que ele tinha então era sua dor de ver uma criança ser destruída, violada. O sangue de Yue já manchava seu sarongue branco. Seu sarongue era branco, ele todo estava branco, pálido de horror, os olhos muito azuis arregalados, e já não lutava mais, somente chorando, tremendo de dor e nojo. O Mestre saiu de seu corpo e se levantou como se nada houvesse acontecido. Fechou suas roupas, passou o dorso da mão na testa suada e ainda olhou por sobre o ombro antes de sair da sala:
"Até que não é dos piores..."
E no chão, encolhendo-se, cobrindo-se, Yue parecia preste a morrer de tristeza. Parecia uma boneca quebrada, mas soluçava com violência, incapaz de falar, gritar... Somente continuava a chorar, seu rosto coberto pelo cabelo desalinhado, sua roupa suja de sangue, e ele esfregava suas coxas, tentando se livrar do sêmem do Mestre que descia por entre elas, e se encolhia cada vez mais, cada vez mais quieto, como se fosse desmaiar... Cerberus sentiu o peso invisível sobre seu corpo diminuir à medida que imaginava que fosse Lead se afastando dele. Quando pôde se levantar, seu corpo todo doía como se todos seus ossos houvessem sido quebrado em várias partes, ele teve vontade de gritar, voltar a ser o Leão que devorou o coração dos inimigos de Lead, ir mata-lo, vingar seu pequeno irmão. Irmão. Olhou na mesma hora para Yue e sua ira se desfez, ele achou forças em algo mais que a ira para se levantar e ir ajuda-lo, cair de joelhos ao lado dele, segurar sua cabeça sobre seu colo, embala-lo como quem embala uma criança pequena.
"Cerberus!..." – Yue arquejou, trêmulo, o rosto contorcido de tristeza, molhado de lágrimas. – "Por que ele fez isso conosco?"
Ele não podia dizer o motivo, pelo simples fato de que não sabia, e disse para Yue que as coisas não iam ficar daquele jeito, que ele ia tentar fazer com que pelo menos um deles pudesse ser livre. Ele pediu desculpas a Yue por não ter podido cuidar dele, protege-lo do Mestre. Mas Cerberus não chorou. Ele nunca chorou na frente de Yue, e Yue sempre achou que ele não fosse capaz disso, como achou antes daquele dia que o Mestre nunca seria capaz de machuca-lo daquele modo.
"Por que, Cerberus?"
Seu tremor diminuía à medida que seu tremor cedia, sua consciência acompanhando-o, até que desmaiou, largado no chão do lado de Cerberus, que o carregou para o quarto, pois a casa estava vazia e ele imaginava agora que nenhum dos criados voltaria, e não encontrou ninguém em lugar algum, nem o Mestre, nem sinal dele. Yue já batia o queixo de febre quando o envolveu com grossas cobertas, pedindo-lhe num fio de voz que não falasse, e tentando desesperadamente não chorar com ele. Sua raiva pelo que havia acontecido era tão grande que ele todo tremia, nauseado, suas mãos dormentes.
Yue ficou na cama, desmaiado, por vezes voltando à consciência por tempo suficiente de chamar pelo Mestre, ou mais, chamava por Cerberus, naquele mesmo tom de aflição de antes, e seus gritos de antes, na sala, pareciam eternos ecos nas altas paredes do palacete, e até no quarto deles, que era o último refúgio, então. Cerberus decidiu que era hora daquele inferno chegar ao fim, e pelo menos um deles conseguir ser livre, de preferência o pequeno Yue, vingaria-o matando o Mestre. Não restava nada de lealdade por Lead, respeito... Acabara-se tudo, e o que restou foi o rancor, o ódio, e eles cresciam a cada som estrangulado que o servo fazia, agonizando na cama. Lembrou-se de sua túnica de cerimonial, que lhe dera o Mestre semanas antes, embora devesse usar uma muito diferente nos rituais e cerimônias, guardada no baú. Arrebentou o cadeado com as mãos nuas, e, jogando as roupas comuns no chão, vestiu-se nela, vermelha, de veludo, e os alamares dourados resplandeceram. Agora, ele não era Servo ou Guardião. Cerberus pensou se ele não era agora o verdadeiro Carrasco e se algum dia voltaria a ver seu irmão.
"Cerberus!" – Yue tentou se sentar na cama, estendendo a mão pálida e mais fria do que nunca para ele, que correu para acudi-lo. Não obedecia quando lhe pedia que não falasse e deitasse de novo, e disse que estava com muito medo e muita raiva de Lead.
"Eu não tenho mais medo dele. Estou apenas desejando acabar com aquele desgraçado. Ele acabou com nossas vidas, Yue, nos tirou das nossas naturezas e acabou conosco... Não fale. Eu vou cuidar de tudo... Eu... vou proteger você... Eu matarei o Mestre." – Ele afastava o cabelo de Yue de seu rosto, lembrando de seus gritos, de sua dor, e vendo o tamanho de sua mágoa nos seus grandes e frios olhos azuis.
"Cerberus, eu não quero que aconteça de novo...!" – Ele soluçou, puxando o veludo das roupas de Cerberus, fazendo com que ele se sentasse à sua frente. – "... Me proteja dele! Não deixe que ninguém me machuque, irmãozinho! Eu tenho tanto medo!"
"Ninguém mais vai machucar você... Eu não vou deixar. Eu prometo!"
"Prometa... prometa que não vai deixar acontecer de novo! Não deixe ele me tocar!"
"Eu prometo, eu prometo... Vou proteger você de qualquer um que tente toca-lo."
"Prometa que se tiver de acontecer, você vai me matar, Cerberus! Me mate antes de acontecer!"
"Eu prometo."
Yue encolheu-se nas cobertas de novo, soltando-o, e imaginou que ele desmaiasse de novo. Levantou e saiu para os corredores escuros, em busca de Lead.
Mas quem atravessou a porta não foi Cerberus.
Foi o Carrasco.
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Ele fica quieto e calado por um tempo tão longo que quase acredito que tenha conseguido se matar mesmo. Seu queixo fica encostado no peito, suas mãos fechadas por sobre as pernas dobradas. A cada palavra dessa história eu me sinto mais perturbado, mais inquieto, aterrado com as coisas que ela provoca em mim e nele, o jeito que ele fica angustiado. Preciso de tempo para pensar nisso, se essas coisas aconteceram... Uma coisa é ver que aquelas coisas que eles fizeram aqui são verdadeiras, mas as coisas que ele me conta nessa voz rouca, com essas palavras... Não sei se acredito... São coisas de uma vida que ele não poderia ter vivido, coisas que muito tempo atrás, e talvez nem Li saiba dessa história, se esse Lead existiu. Saiyame se move, me olha perplexo, olha para as minhas mãos e olha para as suas próprias, e depois faz como quando ele arrebentou o chão com elas, as esfrega na camisa, tentando limpar alguma sujeira que não está lá. Parece tão ou mais abalado do que eu pelo que acabou de contar. Ele fala como se fossem coisas que aconteceram a outras pessoas, muito distantes dele, mas eu sei... Eu vi, eu escutei, naquela noite, ele conversando com o vazio. Ele está falando de si próprio. Acho que em grande parte ele delira, mas a crueldade era real. É real e está nos seus olhos arregalados e vermelhos, porque ele não tem pena de si mesmo, nem um pouco.
Arrasta-se no chão, sem conseguir força o bastante para se levantar logo, e pega aquele vidro de sedativos que rolou pelo chão. Faz tudo tão lentamente, quase como se quisesse prolongar algum sofrimento, ou realmente hesitando em fazer isso. Vira a tampa, girando, e deixa-a cair no chão, com um pequeno baque. E eu não consigo sair do lugar antes de ver o que ele vai fazer. Estou paralisado com o que escutei e com o que vejo: Saiyame despeja mais ou menos dez comprimidos na palma de sua mão, tremendo muito e vai jogar todos em sua boca. Tenho de praticamente pular encima dele, gritando (acho que não me ouve, não quer escutar) para não fazer isso, bato em sua mão, espalho os comprimidos brancos no chão negro, o vidro cai, os outros se espalham e o ergo do chão com toda a força que consigo, arrastando-o comigo para fora desse lugar macabro. Não morra, entendeu? Não ouse, não se atreva. Não na minha frente. Vou achar que a culpa é minha. Fique bem vivo. Ele nem sequer chora, seus olhos estão tão secos quanto nunca eu o houvesse visto desabar na pior das tristezas pela madrugada.
O empurro para o corredor. Nunca mais faça isso, entendeu? Ele se aquieta, parece meio em transe, a cabeça baixa. Fique aí, esqueça aquele vidro de remédios, você não precisa disso. Se não se comportar vou achar que precisa é de uma surra.
Fico tão aflito vendo isso, lembrando das coisas que ele conta na história, que estou quase em pânico.
"Vai ficar tudo bem... Por que você faz isso? Está acabando com nós dois... Não faça mais isso...!" – Tento argumentar, exausto, acendendo as luzes do corredor, vendo finalmente como ele está sujo e pálido, os olhos estão vermelhos, mas ele parece feito de pedra.
"Não posso parar." – Saiyame diz, depois de com certeza mais de um minuto calado, olhando para o chão. – "Quem se importa com os motivos?" – Ele olha para as mãos, como olhou antes, com se estivessem sujas... Talvez ele ache que estejam. Mas ele é só um garoto, grande para a idade, eu acho, mas é só um garoto, o que ele poderia ter feito? O que pode achar que fez para imaginar que suas mãos estão sujas?
A dureza dessa resposta. Está agindo como se estivesse sozinho. Não faça isso, isso me deixa louco, irritado, triste... Estou farto de você! Estou farto dos seus segredos! Grito com Saiyame, estou cansado disso tudo e estou quase às lágrimas também, mas por ele. Grito que estou cansado, digo coisas que podem feri-lo muito. Arrependo-me de cada palavra.
"Eu não sei o que eu ainda estou fazendo nesse mausoléu! Olhe para esta casa! Olhe para mim! Olhe para mim quando eu falar com você! Eu não deveria estar aqui!"
"..."
"... Eu tenho uma casa, sabia? É um apartamento pequeno e bagunçado, mas eu chamo aquilo de lar, e se eu estou aqui, Saiyame, é por sua causa!" – Se pelo menos ele devolvesse algum dos meus desaforos... Todavia, eu sei que ele deve ter crescido escutando coisas muito piores do que as que digo, de pé na sua frente. – "Você diz que ninguém escuta você, mas o que eu tenho feito até hoje? Estou há meses nesse lugar, salvando-o de si mesmo! Eu estou cansado! Pare de me tratar feito um nada! Eu não sou um nada, eu escuto você! Eu cuido de você! Ou eu tento..." – Minha voz morre. Estou me sentindo tão nu quanto naquela noite, na escada, eu não costumo falar muito, não costumo gritar por motivos assim. Eu não quero e nem gosto de gritar com Saiyame. Ele parece tão pequeno, na sua camisa listrada em preto-e-branco suja de pó. E eu me sinto um monstro, gritando assim com ele, destruindo mais ainda aquela pureza que a cada vez que ele tenta se matar se acaba mais um pouco. – "Eu vou embora daqui." – É minha última chance de tentar descobrir o que ele quer afinal.
"Vá." – É tudo o que diz, levantando olhos rasos, e por detrás dessa cor estranha que eles tem, parece que corre aquela avalanche de antes, coisas demais, que ele não pode sufocar, aquela tristeza, aquele peso devastador... Você é só um garoto. Se eu não soubesse que você é só um garoto, ia achar que era uma fera presa nesse corpo de gente...
"Você quer mesmo que eu vá?" – Penso nas implicações disso. Estou irritado, se eu fizer isso eu sei que vou me arrepender muito. Não quero deixá-lo sozinho, mas estou cada vez mais revoltado com o seu descaso com a própria vida. É mais fácil que eu morra do que ele. – "Eu salvei sua vida... Eu me enfurnei nesse mausoléu com você... Agüentei coisas que eu não agüento de ninguém... Eu escutei. Eu me importei. E quer mesmo que eu vá embora?"
"Você não se importa. Eu sei o que você quer. Vá embora e me deixe." – A voz de Saiyame é forte e dura, ele tem certeza do que quer. Mas eu não sei se quero ir. Neste tempo todo, eu prometi a mim mesmo milhares de vezes que não ia aturar suas estranhezas, e estou aqui há tanto tempo que não me vejo mais sozinho naquele apartamento.
Quer mesmo que eu vá? Não ache que eu sou um filho da mãe... Eu... Eu sou. E eu não sei se ainda quero aquilo de você. Você parece tão sofrido detrás dessa tristeza. Nada do que eu fizer pode ser pior do que já lhe fizeram. Eu não quero que você perca essa pureza, esse ar de anjo... Vou cair aqui implorando para ficar se você não falar nada para me impedir de ir. Sinto que posso me conformar até com as migalhas da sua atenção, até se você tentar me degolar de novo, me chutar, me ofender... Tudo isso será muito importante para mim. E eu... Eu aceito tudo. Vou embora se me mandar. Morro se quiser. Mas não tente se suicidar de novo, e nem chore mais.
"Você quer morrer?" – Penso no seu corpo frio e sem pulso e sem ar, no chão do sótão, o medo que senti de vê-lo daquele jeito para sempre. Separado de mim por sete palmos de terra. E nós nunca... Não vou pensar isso, ou vou me sentir mais filho da mãe ainda. Por que estou me importando? Eu vi isso acontecer talvez centenas de vezes nos hospitais. Ele quer morrer, não sei o motivo, mas é o que quer... Maldito... – "... Quer mesmo?" – Grito, minha raiva fazendo meu coração quase saltar pela boca, e vou até ele me controlando para não lhe dar aquele soco que estou devendo desde quando nos conhecemos. Em vez disso, o puxo pela camisa, pelos braços, o levo de volta para o sótão e o jogo lá no meio. Saiyame cai no chão, sem dar uma palavra, e nem tenta se levantar ou reagir. – "Morra então! Estou farto de você! Se quiser morrer...!" – Vou até o vidro de sedativos que está tombado e vejo que ainda há alguns dentro. – "Pronto!" – Me abaixo perto de Saiyame, pego sua mão e coloco o vidro nela. Ele olha para essa coisa como se ela fosse a coisa mais importante agora. Segura-o entre as duas mãos, nervoso e desfeito, se levantando devagar, se afastando de mim. Vai mesmo fazer isso? Aqui, na minha frente? Sinto-me no limiar de toda a sanidade e juízo, nunca me senti tão cansado, tão exasperado de alguma coisa, dessa situação horrível... E eu me sinto mal por não poder evitar gritar com ele... – "Se é o quer vá em frente! Eu vou apenas assistir você morrer! Mas eu quero saber se é isso o que você quer! Você quer morrer, não quer?"
Saiyame levanta o rosto para mim, está com uma aparência irreconhecível, furioso e terrivelmente magoado. Meu Deus, o que eu fiz? Estou magoando-o mais ainda, mas não posso evitar. Eu quero pedir desculpas e não consigo. Eu quero fugir desse olhar e não posso. Sua voz quase poderia ser um rugido da forma que ele me responde, e a sinceridade que há nela é tão grande que finalmente alguma coisa parece fazer sentido:
"Eu não quero morrer! Eu quero viver! Você não me conhece para me julgar! Eu quero viver, mas eu preciso morrer!" – Ele grita, se virando para mim e jogando o vidro no chão. Ele se quebra e o resto dos comprimidos se espalha junto com os outros. Saiyame volta a me dar as costas, gritando que eu não posso julga-lo, porque não o conheço. Não conheço mesmo. Nunca sei o que ele vai fazer. Achei que fosse desistir quando visse que não me importo, achei que ia manter seu eterno silêncio. Silêncio. Apesar de tudo o que está acontecendo entre nós agora, aquele muro não se ergueu. Eu o escuto, totalmente, eu sinto. Antes do primeiro sacudir de seus ombros, eu sei que ele está chorando de novo, ao se ajoelhar, tentar catar na poeira alguns comprimidos, mas desistir, ficando daquela maneira que me assusta, tentando calar uma voz que é maior que a sua, uma raiva e uma tristeza que são grandes demais para caber dentro de uma pessoa que ainda assim é mais forte do que eu podia julgar. Fica de joelhos no chão, o cabelo solto encima do rosto, as mãos no chão, se fechando... Ele vai fazer aquilo! Ele está com raiva de mim mas não quer me machucar. Que tipo de pessoa você é? Não é louco, mas não está no seu melhor juízo. Você engole a sua ira e esse veneno é pior do que o daquela cobra que estava na carta.
As mãos cerradas de Saiyame se erguem lentamente, tomando distância para esmurrar o chão. Vai se machucar de propósito. Por favor, não faça isso! Nem eu acredito no que estou fazendo, estou tentando segurar seus pulsos, de joelhos na sua frente, forcejando com ele, chamando-o pelo nome para que ele olhe para mim, me escute.
"Quem se importa? Ninguém nunca quis saber os motivos... Tudo o que fazem é me julgar... Você não é diferente. Eu só tenho de morrer e não tenho medo disso... Qualquer coisa é melhor do que voltar para aquele lugar... Estar preso... Preso àquela coisa..." – Ele me olha nos olhos, e por um instante acho que consegue falar sem mover os lábios, sem emitir som, como se falasse à minha alma e não aos meus ouvidos, é como se seus olhos e apenas eles já me dissessem tudo isso. É um medo tão grande, nunca o vi temer nada, teve coragem de enfrentar a carta da Destruição, por que tem tanto medo? Ser preso? Preso onde? – "Agora eu tenho uma vida, eu posso ver o céu... Eu posso ter recordações da vida que me pertencia antes... Agora eu sinto... Mas eu sei que vai acabar... Eles vão... Vão me aprisionar de novo naquela coisa..."
Toco seu ombro e sinto seu tremor, a frieza da sua pele, ele fica assim por muito tempo, até explodir num choro silencioso. Ele não me pede ajuda, como nunca me pediu nada, e nem seu olhar me suplica alguma coisa, e eu não posso mais ficar distante do que estou vendo. Ele está chorando como se estivesse sozinho, como sempre chora. Melhor que estivesse sozinho, porque se eu não fizer nada, é assim que ele estará. Como sempre esteve.
Tento segurar seus braços e ele repudia o toque. Forço que aceite minhas mãos em torno de seus braços e até de seus ombros. Quando dou por mim, e nem eu espero por isso, eu o estou abraçando. Ternamente. Não se sinta mais sozinho, por favor. Eu não sou um nada e você não está sozinho. Suas lágrimas umedecem meu ombro, e ele aperta o tecido da minha camisa com força, tremendo muito. Agora, Saiyame, você tem os duzentos anos que Li sugeriu. Duzentos anos de solidão. Fico embalando-o, em silêncio, até que ele diz, não sei se para mim ou para si mesmo:
"Ninguém nunca me abraçou."
... Ele guarda um segredo terrível, eu sei, não tenho dúvida. Penso no que Siaoran Li disse sobre ele não ser humano. E há algo mais humano do que esse apego desesperado? Ninguém nunca o abraçou antes de mim... Que tipo de vida você teve, Saiyame, se é que este é o seu nome? Que mal lhe fizeram? Você é jovem demais para ter feito mal a alguém se não a si mesmo. Pare de chorar, não agüento ver você chorar. Quero ver você sorrir, daquele jeito doce, seus olhos brilhando... Por favor, não chore. Passo a mão em seu rosto, enxugando essas lágrimas quentes e grossas...
Eu digo, não acredito, eu peço para que ele não chore. Pergunto num fio de voz quando isso vai acontecer, por que alguém o deixaria preso em algum lugar... Ele não me responde nada disso, fica calado, chorando, esfregando os olhos. Penso no tanto que ele deve chorar sozinho, aquele silêncio opressivo que cresce ao seu redor, penso em sua solidão... Se ele viveu a dor da solidão que conta na história... Eu me pergunto como ele suportou passar por aquilo, se for verdade de alguma forma.
Se ele nunca teve quem o abraçasse ou se importasse com ele, terá agora. Não vou embora. Vou ficar, até se eu enlouquecer ao seu lado, vou ficar nessa casa velha, e você vai poder ter todos os abraços que nunca teve. Venha... Por favor... Estou louco, pedindo por favor a quem eu cheguei a ter ódio um dia. Já não odeio mais você, Saiyame... Fique aqui comigo. Ver a sua solidão me faz pensar na minha própria, e a dor que eu nunca pensei em sentir dói fundo... Sua cabeça fica encima do meu ombro, e ele, entre os meus braços, e eu engulo em seco quando sinto que não pode estar mentindo, que esse medo é real... Eu me importo com o seu medo. Me importo com você, sussurro em seu ouvido, eu não o entendo, mas eu me importo.
"Não faça mais isso, Saiyame. Não me assuste desse jeito..." – Para minha surpresa, maior do que até as coisas que estou fazendo (eu, que sempre fui alheio a dor dos outros...), ele fez que sim, seu queixo se esfregando brevemente no meu ombro. – "E não se machuque mais... Não chore mais desse jeito."
Ele faz que sim novamente, e seus braços passam em torno de mim, me segurando como se somente eu pudesse fazer alguma coisa para salvá-lo de si mesmo ou desse algo sem nome e inexplicável que ele tanto teme. Será que ele fala literalmente sobre ser aprisionado? Ele não sabe mentir... Como posso entender, se o que diz é absurdo e, no entanto não está mentindo?
Droga, eu tenho de me lembrar que ainda sou o adulto aqui... Não posso chorar junto com ele, ou vamos ser dois mortos nesse sótão pela manhã...
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Depois de um banho, em roupas limpas e com o cabelo pingando, Saiyame fica irreconhecível, quase tranqüilo, me olhando de soslaio e com desconfiança. Talvez esteja imaginando que vou embora mesmo, vendo que pego minhas poucas coisas e a bolsa. De certa forma estou mesmo fazendo o que ele disse para fazer, mas não como imagina. Vamos ver do que Saiyame é feito, se ele quando está com esse olhar indiferente consegue deixar para trás tudo aquilo que demonstra quando chora, quando se desespera... Será que sente a minha falta? Será que gosta um mínimo de mim para sentir isso? Eu me importo com ele, mas será que ele se importa comigo? Não vou ter mais uma crise de consciência por causa desse olhar perdido... Pensando bem, se eu me fizer um pouco de vítima talvez ajude... Estou indo embora, afinal. Saiyame precisa de espaço e eu também. As coisas estão confusas e pelo menos agora faço uma boa idéia do motivo que ele não gosta que eu fique muito por perto. Não me olhe assim, digo, saindo do quarto.
Estou indo embora do quarto dele para um outro, há algumas portas além no corredor, onde tem uma cama de ferro que range mais do que a dele e livros velhos empilhados perto das paredes, cobertos por um lençol branco. Estou cansado, já é começo de madrugada e não durmo desde ontem. Estico lençóis limpos que achei numa gaveta da cômoda desse quarto, por cima da cama e tiro a malha preta (fiel companheira de invernos e outonos, a única que me esquentou por mais de uma noite seguida, hahaha) da bolsa, jogando-a encima dos travesseiros. Estou precisando de um banho. Estou precisando comer alguma coisa, dormir, preciso de um pouco de tranqüilidade e de pelo menos alguma indicação, por mais idiota que seja, de que não estou bancando o invasor nessa casa.
Eu não devia ter gritado com Saiyame, estou louco de vontade de voltar naquele quarto e pedir desculpas, no entanto eu jamais pediria desculpas a ele. Talvez precise de mim. Talvez esteja chorando. Não, eu não vou amolecer agora, se ele quiser que venha aqui. Não vou correr atrás desse garoto... Mas eu deveria. Sinto-me sozinho nesse quarto estranho e escuro como nunca me senti em nenhum outro. Sozinho no sentido mais profundo. Talvez fosse assim que Saiyame se sentisse com relação a seu pai, ou seja lá quem cuidava dele... Talvez ele tenha se sentido assim a vida inteira, talvez esteja se sentindo mais só do que nunca naquele quarto. Eu tenho de passar por cima disso, minha imaginação está muito animadinha para o meu gosto. Vou tomar banho num banheiro que há no fim do corredor, a água é fria, mas é melhor do que nada, isso vai garantir pelo menos que não vou ter maus pensamentos. Volto e quase vou sem pensar para o quarto dele. Estou tremendo de frio, mesmo já vestido. Não deveria ter esquecido a malha encima da cama...
Não vou acender a luz, há um luar respeitável entrando pela vidraça da janela. Talvez hoje Saiyame fique daquele jeito mais uma vez, na frente da varanda... Não vou pensar nisso, digo só comigo, penteando o cabelo molhado, amaldiçoando a minha decisão de mudar de quarto. Pelo menos dormir ao lado de Saiyame poderia ser divertido depois de hoje pela manhã. Desabo numa cadeira, sem paciência com meus pensamentos. Queria ser uma pessoa sem esse gênio tão ruim para ir lá naquele quarto e cuidar dele, abraça-lo de novo, beija-lo, ouvir aquela voz de adulto dizendo o meu nome. Sinto falta dele, mesmo que sejam só uns passos pelo corredor e duas batidas numa porta.
Vou entrar em depressão se eu ficar pensando nesse assunto, e faz apenas meia hora que me mudei!
A porta estala, não a fechei, só encostei. O que ele quer? Só pode ser ele, quem mais poderia ser? De onde estou vejo seu perfil se esgueirando, olhando ao redor. Entra sem bater, sem olhar com muita atenção, como se eu fizesse parte das coisas amontoadas pelos cantos, seu cabelo está um pouco mais enxuto e as pontas já enrolam daquele jeito espiralado que tenho vontade de enlaçar nos dedos... Ele chega até a metade do pequeno quarto, e faz aquilo que nunca estou esperando e me assusta mais uma vez: Saiyame salta sobre a cama, de tal modo que ela não faz um único barulho, e se senta no meio. Ela é larga, antiga e fofa, e ele passa a mão encima dos lençóis, de um modo meio desolado. O que está fazendo? Não entendo mais nada, com nunca o entendi. Não sabe que estou aqui, ou não está me dando importância? Está com um olhar distante, e sua mão encontra meu suéter. Puxa ele para seu colo, e fica olhando. Está pensando em mim? Como eu queria que ele gostasse um pouco de mim...
(Estou virando um caso para camisa-de-força, pensando como um adolescente, e nem quando eu era adolescente eu pensava esse tipo de bobagem... Se estivesse perto dos trinta, eu diria que é a crise dos trinta, porém acho que não existe crise dos vinte e cinco...)
Saiyame fica inquieto... Ah... Ele... Abraça a minha roupa. Engulo em seco, vendo ele fazer isso, ficar com ela nos braços, cheirando... Aaah, por que ele faz essas coisas na minha frente? Dou razão para Tomoyo querer colocar um laço no seu pescoço. Você parece um gato. Um gato grande e tímido. Ele se estica na cama, meio de atravessado, sem largar a minha roupa. Acho que vai dormir aí. Desse jeito eu vou morrer... Vou até perto da cama, e me sento ao lado dele. Saiyame somente olha, abrindo os olhos, a malha preta do lado do seu rosto, na sua mão. O que se passa pela sua cabeça? Que segredo você esconde?
Não o conheço para julga-lo, tem toda a razão. O que sei de você é que é a coisa mais linda e intrigante que já passou pela minha cama, e eu dormi ao seu lado por mais noites do que nunca achei que ia dormir ao lado de alguém, que o diga alguém que nem em sonho pretende deixar a timidez de lado. Timidez ou receio? Se eu fosse você, teria os dois. Eu sei que eu não presto, eu me excito até se alguém esbarrar no meu cotovelo, nunca durmo com a mesma pessoa mais de uma vez, gosto de mulheres casadas e homens solteiros. Gosto de mulheres mais velhas e homens mais jovens. Você é solteiro e é mais novo que eu, penso, passando a mão em seu ombro, mas não é como eles, você não é como nada porque é como se nem humano fosse.
"Você não estava falando sério." – Ele diz, baixinho, abraçando o suéter encima do peito. Está decepcionado com isso ou feliz de eu ainda estar aqui? Não respondo. O que posso dizer? E você, penso, estava falando sério quando disse que ninguém mais iria beija-lo? Seria um desperdício muito grande. O seu beijo é uma delícia, é morno e delicado... Eu fui o primeiro? Acho que não... Nunca vou perguntar isso.
Faço um carinho com o dorso dos dedos por seu rosto.
Ele não se esquiva e nem reclama, somente deixa a roupa de lado, e não faz nada para me impedir quando vou beijar seus olhos, que se fecham, e ficam assim, e Saiyame assume aquele ar de que vai chorar, aquela maneira que ele aperta as sobrancelhas, e olha para mim como se não me reconhecesse. Nem eu me reconheço. Não chore, está bem? Não chore... Chega de sofrer. Se você tem pouco tempo, então seja feliz pelo pouco que lhe resta. Esqueça o mundo e viva por você. Somente por você. Mas também por mim. Eu não presto, mas faça isso por mim. Não chore.
Ele entreabre os lábios, os meus estão tão próximos dos dele que sinto a umidade de seu hálito morno e familiar. Suas mãos se erguem e ele não me empurra, elas ficam no meu peito, e logo as sinto nas minhas costas, ele passa as unhas sobre o tecido da minha camiseta. Arrepio.
Saiyame... O seu rosto é tão estranho, não parece pertencer a este mundo ou a este tempo, é um rosto que eu poderia ver em algum quadro no museu. Talvez eu veja, se você realmente não for o que aparenta... Talvez você seja a minha ruína. Acaricio seu lábio com a ponta de um dedo. Nunca escutei sua risada, queria escutar suas risadas, seus gemidos de prazer, mas só escuto um suspiro breve. O resto são nossas respirações, o farfalhar do tecido.
Passo os lábios sobre os dele. Somente isso. Quase não esbarro nos dele. São úmidos e trêmulos. Tem gosto de lágrimas amargas. Tem o sabor da sua tristeza. Sinto suas mãos com mais força nas minhas costas e ele ergue o rosto, agoniado, me fazendo rolar, ficar deitado ao seu lado, com seu corpo esguio entre os meus braços, e suas mãos no meu cabelo. E que beijo delicioso é o dele... Com toda a tristeza, ele ainda assim deixa que eu faça isso, e nos beijamos por muito tempo, um perto do outro, sentindo seu calor através das roupas de dormir. Não sei dizer nada, queria poder dizer para ele com sinceridade as coisas que muitas vezes disse a outros como mentiras. Beijo seu rosto, o canto dos seus lábios, e ele acaba me fazendo ficar de costas na cama, e a sua cabeça encima do meu peito, o cabelo úmido espalhado, louro... Tão bonito, puxo seu corpo por cima do meu, e nos encaramos.
Não sei onde estou com o juízo que me sinto assim. Seguro seu rosto e beijo o canto de seus lábios, beijo bem no centro deles. É morno e tem gosto de tristeza, solidão...
Talvez eu esteja enganado. Saiyame se aninha perto de mim, a cabeça sobre o meu braço e as mãos no meu peito, e fecha os olhos. Vai dormir. Melhor assim, perto de mim. Não quero mais ver você chorar sozinho a noite toda.
Agora eu entendo, enquanto o abraço com força ao meu lado, o quanto pesa esse vazio que você carrega. Não me sinto o Hisashi de antes, me sinto um estranho, talvez eu nem me reconheça mais, meu corpo já não arde com todo aquele desejo que não conseguia controlar, meu coração não se descompassa, e eu não consigo ser tão egoísta quanto eu gostava tanto de ser. Eu me preocupo com Saiyame, enquanto vou caindo no sono, sentindo o cheiro do seu cabelo.
Aquela foi a meia hora mais longa de toda a minha vida.
CONTINUA
